Dossiê
Non parva ab eo accepta pecunia: Sucessão papal, simonia e racionalidade econômica (1044-1046)
Non Parva ab eo Accepta Pecunia: Papal Succession, Simony, and Economic Rationality (1044-1046)
Non parva ab eo accepta pecunia: Sucessão papal, simonia e racionalidade econômica (1044-1046)
Varia Historia, vol. 39, núm. 80, e23205, 2023
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais
Recepção: 18 Abril 2022
Revised document received: 10 Julho 2022
Aprovação: 14 Julho 2022
Resumo: Este artigo tem por tema a sucessão pontifícia ocorrida no bojo dos eventos que, de 1044 a 1046, tiveram lugar em Roma. As páginas a seguir tratam, especificamente, da passagem de poder de Bento IX para Gregório VI, episódio que terminou caracterizado como um dos mais notórios casos de corrupção eclesiástica de todo o século XI, tendo, inclusive, provocado indiretamente a eclosão da Reforma Gregoriana. O objetivo consiste em analisar os significados históricos mobilizados pelas narrativas sobre a incidência do dinheiro no episódio em questão, aspecto em torno qual a historiografia trava um movimentado debate. Na busca por alcançar tal meta, foram analisados diferentes prismas narrativos adotados a respeito dos acontecimentos ao longo da segunda metade do século XI. O argumento principal foi formulado como dupla constatação, a saber: que o tema do abuso monetário foi marcado por uma clivagem narrativa, clivagem essa que foi ideologicamente determinada por uma racionalidade econômica, sendo esta última ideia a conclusão primordial sustentada neste texto.
Palavras-chave: História Medieval, simonia, racionalidade econômica.
Abstract: This article delves into the pontifical succession that took place amid the events occurring between 1044 and 1046 in the city of Rome, with a particular focus on the transfer of power from Benedict IX to Gregory VI. This episode has been regarded as one of the most notorious cases of ecclesiastical corruption in the entire 11th century and is believed to have indirectly caused the Gregorian Reform. The aim is to analyze the historical interpretations mobilized by narratives about the incidence of money in this episode, a matter that has sparked lively historiographical debates. To achieve this objective, the article considers various narrative prisms about the events that took place during the second half of the 11th century. The main argument presented is twofold: firstly, that the theme of monetary abuse was characterized by a narrative divide; and secondly, that this divide was ideologically determined by a certain economic rationality. The latter idea constitutes the primary conclusion sustained in this text.
Keywords: Medieval History, simony, economic rationality.
Introdução: Sobre historiografia e formulação do problema1
Os acontecimentos que tiveram lugar em Roma nos 27 meses compreendidos entre setembro de 1044 e dezembro de 1046 surgem na narrativa acadêmica como o início de uma inflexão na história do mundo latino. Ainda que os contemporâneos não tenham sido alcançados por notícias do que se passava entre as sete colinas (VOLLRATH, 2012, p. 135-145), no estado atual de nossos conhecimentos predomina a certeza de que o curso dos particularismos romanos abriu profunda crise na ordem social cristã. Ruptura da qual emergiu o “Papado Reformador”, protagonista da primeira “revolução total” da Idade Média (MOORE, 2000; ALTHOFF, 2019, p. 171-213; D’ACUNTO, 2020; MARTINE; WINANDY, 2021). Mas a amplitude da definição não é sinônimo de consenso. Ao contrário. A grande narrativa está entremeada de dissonâncias, disputas que redesenham constantemente fatos, personagens e circunstâncias (MILLER, 2009; GOUGUENHEIM, 2017; AUSTIN, 2019).
Mesmo quando declaram insanáveis suas divergências, os estudiosos do tema costumam deixar intacta a seguinte sequência de eventos: em setembro de 1044, os romanos pegaram em armas contra o Papa, Bento IX. Em poucas semanas, a revolta expulsou Sua Santidade da antiga urbe, levando-o a se refugiar em uma das fortalezas que sua família, os Tuscolanos, detinha nos arredores do Monte Calvo. Enquanto isso, aliados a Bento, os habitantes da região de Trastevere assumiram controle sobre a villa, abrindo a paisagem ao sul do rio Tibre para a causa pontifícia. O conflito, então, estacionou. Roma permaneceu dividida por todo o outono, ocupada por forças rivais. Quando finalmente ocorreu, no dia 7 de janeiro, a batalha não desfez o impasse. Dezenas tombaram lutando, mas o equilíbrio militar não cambaleou: os revoltosos prevaleciam ao norte, entrincheirados na chamada “cidadela leonina” e no castelo de Sant’Ângelo, enquanto as tropas leais ao Papa venciam ao sul, aquarteladas em Trastevere e nos arreadores da basílica de Latrão. Bento reconquistou a cidade somente nos idos de março, após o exército tuscolano ter as fileiras engrossadas por homens leais ao conde de Galeria. Mas não a tempo de evitar que os romanos elegessem novo Papa, Silvestre III - que, a essa altura dos acontecimentos, havia retornado para a Sabina, onde era bispo. Embora o eleito não tenha completado cinquenta dias sequer à frente da Santa Sé, a oposição ao governo tuscolano persistiu. Bento reencontrou Roma ingovernável. Perante um antagonismo tão renhido, renunciou. Foi sucedido por João Graciano, arcipreste da igreja de São João antem Portam Latinam, a quem foi dado o nome de Gregório VI. Eis um dos pontos em que o denominador comum se desfaz. Aqui, desaparece o consenso mínimo, e ganha forma um antigo problema historiográfico.
Como se deu a passagem de poder? Uma conclusão de longa data assegura ter sido uma transação ilícita, rotunda ilegalidade (MANN, 1925, p. 251). A abdicação teria custado a João considerável soma de dinheiro, cujo montante não podemos precisar porque pode ter variado de mil libras em fino ouro ao equivalente a toda arrecadação do denário de São Pedro pago anualmente pela Inglaterra. A sucessão apostólica teria sido, desse modo, uma compra e venda inconfessável, ou, como bradavam eclesiásticos do período, evidente simonia (FREYTMANS, 1932, p. 137). Tendo angariado adeptos por todo o século XX, tal versão alcança leitores nos dias de hoje (POOLE, 1917, p. 11-21; TELLENBACH, 1959, p. 173-175; 1993, p. 141-142; CHAMBERLIN, 1993, p. 67-74; WEINFURTER, 1999, p. 90-91; ULLMANN, 2003, p. 122; MELVE, 2007 p. 136-147).
Uma interpretação quase tão longeva quanto essa, de matriz oitocentista, dispõe, todavia, as coisas de outro modo. Formulada por G. B. Borino em 1916, ela designa ao dinheiro empenhado por João Graciano outra função. Não se tratou do pagamento fixado para uma transação, mas de uma indenização aristocrática. Padrinho de Bento e, nessa condição, pertencente à esfera familiar envolvida, Graciano recorreu ao dinheiro para assegurar a continuidade da hegemonia tuscolana enquanto acatava a oposição romana, colocando um fim no pontificado do afilhado. A realidade do pagamento, qualquer que tenha sido o montante, não deveria ser mensurada junto à teologia ou ao direito canônico da época, mas ao código moral das elites romanas (BORINO, 1916b, p. 381-399). Tal leitura influenciou duradouramente a escrita da história ao deslocar o tema da simonia para as margens da questão. Seus ecos reverberam pelas páginas redigidas por nomes de peso, como Friedrich Kempf e Josef Jungmann (1980, p. 254-255), Uta-Renate Blumenthal (1988, p. 56-57), Herbert Edward John Cowdrey (1998, p. 22-23), Kathleen G. Cushing (2005, p. 60-64) e Glauco Maria Cantarella (2018, p. 63-70).
Por fim, uma terceira interpretação põe todo o cenário de ponta-cabeça. Ela reúne aqueles autores que, percorrendo diferentes vias documentais, chegam ao seguinte posicionamento: não houve dinheiro algum na sucessão de 1045. Os registros que falam na concessão de libras de ouro ou rendimentos são fabricações da memória, difamação clerical - não evidência histórica. “Quanto à asserção (...) segundo a qual João Graciano teria comprado sua dignidade junto a Bento IX, ela deve ser relegada às lendas”2 - conclamou o francês Augustin Fliche (1966, p. 107) em 1924. “Portanto, o dinheiro não foi vertido”,3 reforçou o estudioso belga Jacques van Wijnendaele (2005, p. 343), cerca de oitenta anos depois. “Com tais visões se inventam a calúnia de que Bento IX havia vendido (...) o Papado (...). Isso é simplesmente absurdo”:4 com incontido juízo de valor, o professor espanhol Gonzalo Fernández Hernández (2012, p. 444) resumiu essa outra maneira de entender o assunto.
No atual estado da arte historiográfica, vigoram três passados possíveis para a transmissão do poder pontifício em 1045. Ela bem pode ter sido uma troca secreta regada com dinheiro em excesso, ou um pacto público no qual o dinheiro não passava de compensação convencional ou uma renúncia levada a termo sem dinheiro algum. Logo se nota que as três maneiras de conjugar a realidade têm isto em comum: a presença (ou a ausência) do dinheiro é vista por historiadores e historiadoras como evidência de aspectos culturalmente diversos e caracterizados por uma amplitude social. Na primeira interpretação, o motivo monetário é um indício jurídico que demonstra a consciência normativa dos agentes, os limites das práticas de governo, bem como o impacto da corrupção sobre as instituições. Na segunda visão, ele é um componente semiótico que permite demarcar uma hierarquia entre sistemas normativos vigentes e imprimir um sentido de alteridade à descrição dos comportamentos senhoriais. Por fim, na terceira perspectiva, é a representação textual que dirige tentativas variadas de manipular a opinião pública, delimitar a distinção entre legítimos e ilegítimos, para, assim, restringir a captura ideológica de recursos, prerrogativas e espaços comuns. Longe de ser um detalhe, uma manifestação lateral, o dinheiro aparece na historiografia saturado de implicações, sociologicamente eloquente.
Não encontrei, porém um único estudo que o tenha selecionado como objeto de análise, como tema que fizesse jus a uma atenção metódica, abrangente. Por conseguinte, as implicações que modelam nossa compreensão do passado permanecem latentes e subliminares. Trata-se de característica recorrente nos estudos medievais: quando se lida com relações de poder que implicam uma noção de corrupção, dinheiro é uma figura que sustenta o discurso historiográfico, ao invés de ser delineada por ele. O problema a que estas páginas se dedicam é precisamente esse efeito de sustentação. Ou seja, o objetivo deste artigo consiste em trazer tal efeito à tona e o submeter ao crivo de uma análise. Em outras palavras, trata-se de indagar: do que falavam os medievais quando discutiam o dinheiro em relação com os acontecimentos de 1044-1045?
Minha hipótese de trabalho é composta por dois segmentos explicativos e consecutivos. Primeiro: quando organizados em conjunto, os registros documentais da conturbada sucessão de Bento IX são marcados por uma clivagem - as versões que declaram o ocorrido uma operação monetária alcançaram relevância em meados dos anos 1080. Segundo: tal imagem provém de versões ideologicamente convergentes, sendo que o caráter ideológico em questão fora marcado por uma racionalidade econômica. Embora os dois segmentos resultem em desdobramentos - assim espero - relevantes para uma história do poder papal, o segundo talvez sobressaia. Afinal, ele inscreverá uma racionalidade econômica singular como fundamento dos posicionamentos firmados por alguns dos mais notórios personagens da chamada crise simoníaca de meados do século XI (WEST, 2015; 2022). Até onde pude alcançar em minhas leituras, essa vinculação não foi proposta pela historiografia. Antes de sintetizar essa proposição, será preciso percorrer o itinerário pacientemente, pois a ordem em que a hipótese foi formulada se mostrou necessária e consequente. Para que a última seção do pensamento assuma amplitude analítica, é preciso ter percorrido a primeira.
Disputas pela memória: Os gregorianos e o abuso monetário
Comecemos pelos registros de quem foi contemporâneo aos acontecimentos: o eremita Pedro Damião, os Papas Clemente II e Leão IX, o autor anônimo do texto conhecido como De Ordinando Pontifice e o monge Herman de Reichenau.
Damião não relatou como ocorreu a passagem de poder de Bento IX para Gregório VI. Em uma carta datada de 1045, contudo, o eremita saudou entusiasticamente a ascensão de João Graciano. “Que os céus se alegrem, que a terra regozije”, escreveu, “e que a santa Igreja exulte, pois ela recuperou sua antiga carta de liberdades”. Aos seus olhos, o novo Papa era um campeão da causa eclesiástica, uma promessa em carne e osso de que o “dragão da simonia” seria, enfim, vencido: “que a cabeça da serpente traiçoeira e venenosa seja agora esmagada, que o mercadejar em tal negociata perversa termine (...)”. Sobre essas linhas, não pairava qualquer suspeita de que o Papado houvesse sido vendido. O que se lê é o exato oposto. Damião se dirigia ao empossado no trono apostólico como aquele que extinguiria as transações de dignidades eclesiásticas: “que se restaure a era dourada dos apóstolos e [que] (...) Vossa Prudência reprima a avareza daqueles que aspiram à dignidade episcopal e derrube os assentos dos agenciadores de dinheiro”.5
Noutra carta, endereçada a Gregório no inverno de 1045 e 1046, Damião exortou-o novamente a tomar iniciativas para a correção da disciplina eclesiástica, sobretudo para os casos que envolvessem o ingresso no episcopado.6 As epístolas partem da premissa de uma sucessão legítima, que transcorreu conforme a lei e a ordem clerical. É verdade que Damião mudou de opinião. Mais de dez anos depois, encontramo-lo lamentando que a sucessão tenha sido manchada por pecado. A queixa, porém, surge em 1059: mais de uma década depois de Bento e Gregório terem sido declarados culpados de simonia pelo Concílio de Sutri, em dezembro de 1046, e, em seguida, depostos pelo rei Henrique III. É então que Damião afirma que Bento havia entregado a Sé Apostólica a Gregório porque a “venalidade interveio e aquele que aceitou [dinheiro] foi deposto”.7 Note-se, porém: Damião não menciona, explicitamente, “dinheiro”. O fraseado latino é venalitas intervenerat, depositus est, qui suscepit. Oblíqua, a presença monetária deslizou para o espaço entre as letras, refugiou-se no desvão linguístico criado pelo uso de “venalidade”, vocábulo que designava “comércio” e “venda” desde a Antiguidade, mas era comumente empregado como sinônimo para prostituição, corrupção e aliciamento (BLAISE, 1975, p. 949; NIERMEYER, 1976, p. 1069).
A amplitude semântica indica que a escrita damiana situou a transgressão eventualmente cometida em 1045 no plano maior de uma antropologia eclesiástica (BOUREAU, 2004). A ideia de “transação” está lá, mas envolvida por numerosas camadas de implicações eclesiais. É um dos fios que formam um novelo de predicados a respeito da perturbação da correta ordem dos assuntos da Igreja. O mesmo pode ser encontrado entre os raríssimos escritos atribuídos ao Papa Clemente II. Trata-se do sucessor de Gregório VI, eleito sob o olhar vigilante de Henrique III nos últimos dias de 1046. Em uma carta destinada ao clero de Bamberg, Clemente se referiu ao período anterior à sua eleição como a época em que uma “doença herética tinha atuado sobre a Sé Romana”, provocada pela “rapina” que homens como Bento e Gregório destilavam sobre o Papado.8 O sentido depreciativo dos termos escolhidos é pungente, mas amplo. Aqui, o latim vai trançando semânticas múltiplas: o transcorrido tem, simultaneamente, significados jurídicos (tratou-se de uma rapina, isso é, pilhagem, roubo), médicos (possuía a natureza de um morbus, ou seja, doença, enfermidade) e espirituais (pois morbus é também o nome reservado para vício, desordem da alma).
Noutra carta, em um trecho que, assim me parece, visa também os eventos de 1045, Clemente contrapôs-se aos que ingressaram no apostolado ao se insinuar (surrepfere) sorrateiramente “como é típico de ladrões e mercenários” (utpote fures & latrones).9 A simplicidade do raciocínio abriga notável versatilidade: em poucas palavras, uma ilegalidade evidente deriva de um comportamento dissimulado. Sem dificuldade aparente, somos informados sobre um fato juridicamente transparente que eclodia no limite do inapreensível. No furor do roubo, a conduta esquiva; no excedente de competência legal, a falta de instrução pastoral. Acomodando contrastes, a linguagem mantinha o passado aberto a muitos juízos, desde os moderados até os mais cortantes. Leão IX o ilustra bem. Entronizado em 1049, ele se referiu aos que o precederam em quatro anos como “pontífices injustos” (Benedicto et Gregorio injustis pontificibus).10 Anos depois, no final da vida, lamentou, em carta enviada ao imperador bizantino Constantino Monomaco, que “outrora, a Sé Apostólica e Santa Igreja Romana tenha sido muitas vezes ocupada por mercenários, não por pastores”.11 Na amplitude discursiva dessas formulações, a presença de dinheiro é componente pontual, aspecto pelo qual o raciocínio transita sem se deter. O dinheiro compõe o episódio, mas não o determina.
Essa lógica ganha fôlego com De Ordinando Pontifice. Redigido em 1047, por um autor anônimo, para conferir lastro teológico aos protestos contra o direito imperial de destituir bispos, esse opúsculo atrela formalmente a elevação de Gregório VI ao dispêndio de dinheiro. Mas o faz com certas nuances, detalhes que não devemos perder de vista. O autor revolve a tradição, voltando a pontífices e concílios da Antiguidade, para sustentar argumentos como este: “chega a ser tolo dizer, quando se trata da cátedra apostólica, que não deve ser comprada por dinheiro, mas por méritos”. Quando se debruça, entretanto, sobre os envolvidos com os eventos de 1045, sobretudo sobre a imagem de Gregório VI, o livreto, incisivo e devotado à correção de equívocos muitas vezes sutis, contenta-se com outra medida legal: “se for verdade a fama que veio voando até nós, que ele obteve o nome do apostolado por maldição simoníaca (...) e, pelo tormento da sua consciência (...), expôs aquela maldição (...)”. Gregório é um personagem sem bordas precisas, de modo que diferentes versões da história invadem sua silhueta. Alguns dizem que ele partiu em busca de uma soma de dinheiro, pois não possuía o necessário para alcançar o que desejava. “Outros, por sua vez, o desculpam, dizendo que não foi ele quem deu dinheiro, mas teria consentido que o dessem seus amigos e parentes” - e, a seguir, teria pagado o que gastaram. O autor provavelmente deu crédito à última versão para intensificar o ataque à simonia. Afinal, disparou: “o Senhor assegurou que vendedores e compradores do Evangelho fossem expulsos do Templo”. De Ordinando Pontifice não contemporiza, não hesita. Tamanha contundência é a razão para ter considerado os envolvidos maléficos por muito mais do que se envolver com dinheiro. Havia a proteção oferecida por outros, a influência dos parentes. E havia “ódio contra a verdade”. Eis o que tornou Bento e Gregório “perversos”: ocultar como assumiram poder sobre a Igreja. “Que força, que propriedade [cada um] possuía, o que perdeu? Para quem levou o quê, e o que ele recebeu por isso”12 - nas perguntas, uma preocupação que vai muito além da atenção ao dinheiro (MELVE, 2007, p. 143; p. 147-148).
A certeza que prevalecia nos anos 1050 era que a sucessão papal foi maculada por um pecado perpassado por dinheiro. Ela era retomada mesmo em breves registros, como o que foi escrito pelo monge Herman. Segundo ele, “uma vez restaurado à sua sé, [Bento] posteriormente destituiu a si mesmo do ofício e designou outro em seu lugar, movido por avareza e contrário à lei canônica”.13 Tais palavras encontravam eco na crônica redigida na abadia de Saint-Bénigne de Dijon, cujo redator, se não acompanhou Halinardo, arcebispo de Lyon, até Roma no inverno de 1045/1046, provavelmente se valeu do seu testemunho. Sem mencionar dinheiro, o cronista considerou justa a tripla deposição, por ordem imperial, de “João, que então presidia a cátedra [de São Pedro], Bento e Silvestre”, porque, “uma vez examinada sua culpa em concílio, descobriu-se que eram não somente simoníacos, mas igualmente usurpadores da Igreja de Cristo”.14 Heterogêneos, os indícios deixados pelos contemporâneos caracterizam a passagem do poder papal ocorrida em 1045 como reincidência, o exemplo de um padrão universal - “venalidade”, “enfermidade”, “pestilência”, “usurpação” - de ruptura da eclesiologia católica.
Tal constante é ofuscada no final da década de 1070. Ao ser convertido em palco maior do conflito entre Papado e Império e do alastramento das guerras civis pela Península Itálica, o governo de Gregório VII dividiu a memória eclesiástica. Na medida em que ele protagonizava uma catastrófica colisão entre “o reino” e “o sacerdócio”, as ações de Gregório fomentavam intensa disputa pela recordação dos acontecimentos de 1045. Impulsionada por rivalidades senhoriais e antagonismos urbanos (FIORE, 2020, p. 3-49), a luta entre gregorianos e antigregorianos avançou sobre o campo literário (ROBINSON, 1978; WEINFURTER, 2014, p. 157-215; NIBLAEUS, 2021, p. 16-20) e fez dos fatos de trinta anos antes - nos quais Gregório VII havia tomado parte como capelão de Graciano - um acervo de provas e contraprovas sobre as culpas e méritos daquele que dirigia a Santa Sé desde 1073. A radicalização dos antagonismos e o compasso febril da alternância de poder fizeram com que as versões dos contemporâneos a 1045 acabassem eclipsadas por duas correntes interpretativas, a henriciana (na qual o rei Henrique III figurava como a força capaz de ordenar o desgoverno romano e abolir a corrupção papal) e a gregoriana (em que Gregório VI despontava como aquele cuja mente condensava a disciplina eclesiástica e os princípios reformadores).
As diferentes leituras henricianas carregariam uma marca comum, que pode ser antevista na Gesta Hammanburgensis Ecclesiae Pontificum, composta por Adão de Bremen por volta de 1075. Segundo magister Adão, “após ter vergado ou cessado as sublevações dos Panônios, o rei Henrique [III] foi levado a Roma por exigências eclesiásticas”. O texto, então, esclarece que “o rei foi coroado imperador no dia de Natal (...) após ter deposto os cismáticos Bento, Graciano e Silvestre, estavam disputando a Sé Apostólica”.15 Nessa curta passagem, o passado sofre uma modificação drástica. Há mais de cem anos, Giovanni B. Borino tinha razão ao demonstrar que, nas versões contemporâneas, Bento, Gregório e Silvestre não são Papas simultaneamente. Não se tratava, sob aquela mirada, de um triplo cisma, mas uma sucessão: Bento foi substituído por Silvestre, que, então, se retirou para a Sabina; em seguida, Bento recuperou a Sé; mas abdicou após certo tempo; teve lugar nova eleição, da qual Graciano saiu incensado como Gregório VI (BORINO, 1916a, p. 222-223). Na versão henriciana, os três são concomitantemente invasores. A passagem de poder também aparece metamorfoseada em competição tripartida nos Anais de Lamberto de Hersfeld: “o rei celebrou o Natal do Senhor em Roma, onde, depostos os três que haviam invadido a Sé Apostólica contra as regras eclesiásticas”.16
Folheamos, aqui, um grupo narrativo que se distingue por caracterizar a sucessão papal de 1045 como - acima de tudo, mas não só - uma invasão. Ele implica os diferentes personagens na violação de uma integridade patrimonial e jurisdicional. Já não é a ruptura eclesiológica que ocupa o primeiro plano da argumentação, mas a violação de garantias de propriedades ofertadas por imperadores desde o tempo carolíngio. Como anotou Giacomo Todeschini (2017, p. 47), a relação com a riqueza era mediada pelas ideias de posse (possidere) e dominação (dominare), categorias que “se referem uma à outra e contêm em si uma noção de legitimidade sagrada”.17 A qual, por seu turno, cristalizou-se nos manuscritos como a ideia de um controle imperial sobre o espaço e os bens eclesiásticos. Controle que, segundo Benzo, bispo de Alba, foi rigorosamente exercido naquele ano de 1045: “quando nosso senhor, o imperador, (...) ouviu que três demônios haviam usurpado o trono da sé apostólica, ordenou-lhes que se encontrassem com ele em Sutri, contudo, apenas dois deles vieram”. O autor prossegue: “Um sínodo foi aí reunido, o qual o rei presidiu juntamente com os bispos, e no qual ambos os homens foram condenados por justo julgamento, enquanto o terceiro, que fugiu, [foi] fulminado pelo raio do anátema”.18
Sumária, coesa, capaz de prover firme senso de orientação factual, a versão henriciana ecoou século XII adentro, propagada por aliados imperiais como Guido, bispo de Ferrara; Sigeberto, monge em Gembloux; e os muitos redatores dos Annales Corbeiensis, Wirziburgenses, Hildesheimenses e da Crônica da abadia de Farfa.19 Converteu-se em uma síntese dotada de tamanho magnetismo, que fisgou a escrita filogregoriana, como ocorreu com religiosos como Hugo de Flavigny, as recordações do compilador dos Annales Romani e a visão de numerosos historiadores20 - entre os quais figurou o autor deste artigo.
Como as versões redigidas pelos contemporâneos de 1045, a perspectiva henriciana não confere um relevo especificamente monetário ao curso dos eventos recordados. A perspectiva gregoriana, sim. Observe-se a visão encampada por Bonizo, bispo de Sutri e zeloso defensor de Gregório VII. De volta a Roma, 1045. Sufocado pela atmosfera política, Bento “veio até certo sacerdote chamado João (...) e, segundo o seu conselho, ele condenou a si mesmo e renunciou”. A decisão teria sido “extremamente louvável, se o mais torpe pecado não tivesse então ocorrido. Pois esse mesmo sacerdote, (...) seduzido pela mais torpe venalidade e dispensando imensas somas de dinheiro, tomou a oportunidade (...) e ascendeu ao ofício de Papa”. Aqui, cabe um esclarecimento: a singularidade em questão não consiste no aparecimento de “dinheiro”. Tampouco em que ele surja em grandes quantidades. Mas, isto sim, em que essa narrativa, diferentemente de todas as demais vistas até aqui, detalhou sua origem e seus usos estipulados. Reatemos a trama. Meses depois, perante um concílio, confrontado pelo imperador com a reputação de suas ações, Graciano “disse que, à época, (...) ele adquiriu grandes somas de dinheiro, o qual economizou para reparar tetos de igrejas ou realizar um novo e grande trabalho na cidade de Roma”. Ao se dar conta, porém, da maneira como os magnatas locais vilipendiavam a Santa Sé, “não pôde pensar em nada melhor a fazer com esse dinheiro do que restaurar ao clero e o povo o direito de eleição que havia sido injustamente subtraído por tirania”.21 Bonizo não se limita a mencionar a riqueza. Ela não é um elemento circunstancial e neutro, o instrumento impessoal acionado por um agente para atingir um fim. Aqui, o uso do dinheiro carrega certa bagagem moral, a ponto de constituir a subjetividade de João Graciano. Em outras palavras, Bonizo evidencia que nem todo dinheiro implica comércio ou troca profana. Era possível apresentá-lo como fator integrante do cuidado pastoral (NAISMITH, 2018b, p. 144). O dinheiro se conectava com as eclesiologias católicas de muitas maneiras, era uma alavanca que impulsionava edificações e ornamentações, assim como esteio para a redenção ética e o combate à opressão (NAISMITH, 2018a; TODESCHINI, 2019).
A heterogeneidade cultural do dinheiro emerge das entrelinhas e irriga o texto assinado pelo bispo de Sutri, desembocando, logo a seguir, em previsível clímax narrativo: a suspeita de simonia disparada contra Gregório VI é uma disputa pelo significado atrelado ao dinheiro, não uma mera constatação da presença ou da ausência do motivo monetário. Escrevendo entre 1085 e 1086, Bonizo muito provavelmente emulou o relato de outro gregoriano, a saber, os célebres Diálogos sobre os Milagres de São Bento que Desidério, abade de Monte Cassino, trouxe a público cerca de oito anos antes. Lá, constava que Graciano, após desembolsar “uma soma nada pequena de dinheiro”, recebeu o nome de Gregório VI e, após haver “administrado o sacerdócio por dois anos e oito meses, o rei Henrique (...), tendo reunido um concílio”, ordenou que “o assunto de máxima importância para a Igreja de Roma fosse examinado”. Todavia, ressaltou Desidério, como pontífice e monarca “eram movidos por este mesmo zelo” - isto é, o de expurgar a Santa Sé de seus invasores -, Gregório teve de ser “demovido pelo rei e pelos demais bispos (...): após o assunto ter começado a ser refletido e discutido, (...) reconhecendo que não podia administrar justamente tamanha honra, (...) ele mesmo depôs a dignidade do sumo sacerdócio”.22 Quando visto pelos olhos de Desidério e de Bonizo, João Graciano é homem piedosíssimo - “o mais devoto entre os demais clérigos”,23 “aquele então de grandes méritos”24- e algo ingênuo - “um homem iletrado e de grande simplicidade”,25 disse o bispo de Sutri -, que se reconhece pecador ao constatar que cometeu simonia: não apenas por ter colocado suas mãos no dinheiro, mas por ter conferido a ele um uso diverso daquele para o qual fora amealhado.
Quando as narrativas gregorianas se difundiram, nos anos 1080, o passado ganhou novo feitio. A constatação tem um quê de contraditório. A corrente interpretativa comprometida com a legitimidade da governança gregoriana é a que assegura maior visibilidade para a incidência do dinheiro na sucessão - vale lembrar que máculas e transgressões atribuídas a João Graciano muito provavelmente contaminariam a reputação de seu ex-capelão, Gregório VII. Como isso foi possível? Como explicar esse aparente friendly fire dos partidários do governo pontifício? Deste ponto em diante, precisamos analisar os fundamentos ideológicos da trama.
O fundamento ideológico: A racionalidade econômica
A perspectiva gregoriana situa o dinheiro empregado por Gregório VI no interior de um sistema específico de alocação de recursos (ZELIZER, 1989, p. 342-377). As somas então mobilizadas derivaram de um circuito de acumulação e aplicação de riquezas estabelecido em função de destinações citadinas, como administração (administrare) eclesiástica, que envolvia, por exemplo, a reparação dos telhados de igrejas; e edificação de grandes obras de urbanização (“[para que] fizesse novas e grandes [edificações] na cidade de Roma”26). É possível, ademais, falar em sistema na medida em que o dispêndio de dinheiro surge subordinado a uma instância pública de tomada de decisões. Ou seja, as narrativas indicam a existência de um âmbito comum que monitorava - em algum grau - o risco implicado no controle e na alocação dos recursos: uma opinião pública urbana. Desidério, por exemplo, observava que não era, propriamente falando, um clérigo quem havia removido um Papa venal com o emprego de dinheiro, mas “um arcipreste que era, então, considerado na cidade (sic) o mais piedoso entre todos os clérigos”. Argumento que Bonizo assimila e expande ao descrever como João Graciano teria esclarecido ao concílio que sempre fora “um sacerdote de bom caráter e reputação e que desde sua infância ele sempre vivera de corpo casto. À época, isso parecia ser não apenas venerável para os romanos, mas quase angélico”, principalmente, porque havia sido “por essa razão (sic) [que] ele adquiriu grandes somas de dinheiro”.27
A atrelagem das ações papais a um sistema local de alocação de recursos, singularmente romano, alcançaria sua versão mais bem acabada pelas mãos de Guilherme de Malmesbury, um beneditino inglês que acalentava, na década de 1120, nítidas simpatias pelo passado gregoriano. Curiosamente, porém, Guilherme nada diz a respeito das relações com Bento IX ou de eventuais somas de dinheiro mudando de mãos durante a sucessão apostólica. Sua escrita nos transporta para uma história diferente de todas as outras, como se descortinasse um passado inteiramente novo. Tudo tem início com Gregório, “anteriormente chamado Graciano e homem de grande devoção e severidade”, descobrindo “o poder do Pontificado Romano tão reduzido pela negligência dos seus predecessores, que, com exceção de poucas cidades vizinhas, e das oblações dos fiéis, ele escassamente possuía com o que se sustentar”. As cidades e terras vizinhas, “onde estavam as propriedades da Igreja, haviam sido forçosamente tomadas por saqueadores; as vias e estradas públicas ao longo de toda Itália estavam apinhadas de ladrões a tal ponto que nenhum peregrino poderia passar em segurança a não ser pesadamente protegido”. Nas figuras dos saqueadores, Gregório teria enfrentado uma oposição capaz de o privar do exercício do poder senhorial, um adversário que inviabilizava a reprodução (“o sustento”) do estilo de vida eclesiástico. Destituído de rendas, após perceber que, nas “províncias, preferia-se endereçar o dinheiro às igrejas locais a apascentar os ladrões com os bens de seus labores”, ele se lançou à ação. Recorrendo a meios pacíficos, tentou acionar a instância de monitoramento do sistema de alocação, o Senado. Não foi suficiente. Das exortações passou à excomunhão, da excomunhão à repressão. Ordenou que os transgressores fossem mortos. A conduta teria cobrado elevado preço à sua alma. No leito de morte, Gregório foi confrontado: “unidos às opiniões do povo, os cardeais, (...) recomendaram que considerasse não ordenar que fosse sepultado na Igreja de São Pedro com o restante dos Papas, uma vez que havia poluído seu ofício ao assistir à morte de tantos homens”. A afronta se revelou um elixir. “Reanimado em espírito”, o Papa revidou: “em toda minha vida, desfiz meu próprio patrimônio para vosso benefício e, por fim, sacrifiquei o aplauso do mundo para vosso resgate”. Gregório vergastava os ouvidos de quem velava por ele: “os elogios (...) [do povo] foram perdidos para mim, graças a minha preocupação com a vossa pobreza”.28 A advertência se desenrola, cortante, por muitas linhas mais. Já alcançamos, entretanto, o trecho que importa. A última passagem registra o nexo crucial: a riqueza de que Gregório podia dispor provinha globalmente dos circuitos de acumulação e transferência locais, urbanos.
Com efeito, os julgamentos entretecidos em uma narrativa gregoriana a respeito de 1045 não visavam “o” dinheiro, certo valor utilitário genérico, mas um “dinheiro especial” - conforme a acepção teórica atribuída à expressão por Viviana A. Zelizer (1989, p. 347-350; 2011, p. 89-163; BANDELJ; WHERRY; ZELIZER, 2017). “Dinheiro especial” se refere aos usos da moeda que ocorrem fora da esfera do mercado - mas não alheios a ela -, investidos de significados morais, sociais e religiosos contidos por “fronteiras invisíveis [que] emergem de um conjunto de regras formais e informais que regulam seus usos, alocação, fonte, quantidade”29 (ZELIZER, 1989, p. 350-351). É precisamente o caso do que temos visto nesta seção. A memória gregoriana delimitou culturalmente o dinheiro que teria corrompido a sucessão de 1045, tornando-o um mediador carregado de propriedades subjetivas e indivisíveis: um dinheiro romano por sua origem, publicamente local em suas alocações, subordinado à opinião pública urbana.
Podemos, enfim, desatar o nó criado pela impressão de que as narrativas gregorianas teriam desqualificado a sucessão gregoriana: homens como Desidério e Bonizo consideravam profana e corruptora a presença do dinheiro romano, não do dinheiro tout court. Suas versões dos eventos enunciavam uma oposição específica à riqueza local - não a defesa de algum ideal genérico de pureza clerical no interior do qual nenhuma forma de dinheiro poderia atuar. Razão pela qual é deles, dos narradores mais comprometidos com a causa gregoriana, que recebemos as descrições mais incisivas da passagem do poder como uma transação de compra e venda da dignidade apostólica, como fez Leão de Mársica ao redigir a Crônica do Mosteiro de Monte Cassino durante a década de 1090.30 Condenava-se o uso romano da riqueza. O que não implicava, necessariamente, opor-se a um controle papal sobre o dinheiro.
A memória gregoriana capturou simbolicamente os eventos de 1045 e os ressignificou, indexando a riqueza romana - sobremaneira, as rendas romanas - como uma presença nociva, corrompida, e, por isso, contaminadora da ordem eclesiástica. Não se tratava de mera descrição que preservasse os fatos, mas de uma estratégia de persuasão. Recordava-se para que o passado tomasse assento e testemunhasse a respeito da ilegitimidade de uma conexão entre o dinheiro e a autoridade dos romanos. Para os gregorianos, era uma causa prioritária, urgente em razão do desfecho daquela passagem de poder entre 1044 e 1046. A deposição de Gregório VI foi seguida pela entronização do bispo de Bamberg. Prelado experiente de além-Alpes, o Papa - que recebeu o nome de Clemente II - tornava-se obstáculo vivo à continuidade de meio século de hegemonia senhorial sobre o Papado. Pela primeira vez em quase cinquenta anos, a direção do bispado era exercida por uma voz alheia à rede local de interdependências e interesses. Ocorre que Clemente não foi um caso isolado. Sua ascensão significou o estabelecimento de uma série de lideranças não romanas que controlaram a Santa Sé por décadas. Tinha início um antagonismo que afetaria a estruturação institucional do Papado, influenciando os comportamentos dos círculos sociais aí implicados em uma amplitude e uma intensidade que não costumam encontrar expressão adequada entre os estudos da “Reforma Gregoriana”.
Uma cisão foi instalada em âmbito aristocrático local. Não somente porque as elites eclesiástica e senhorial deixavam de constituir o mesmo estrato social, mas, sobretudo, porque se tornavam grupos concorrentes no nível estruturante da dominação sobre a população local. Década após década, “romanos” e “curialistas” se empenhavam para remover uns aos outros das cadeias de exploração senhorial. Afinal, aos olhos de magnatas locais, o Papa e seu séquito de colaboradores haviam subtraído a Igreja Romana à comunidade de valores, lealdades e instáveis equilíbrios partilhados entre as linhagens do Lácio. Por sua vez, a identificação dos prelados com a autoridade e a salvaguarda proporcionadas por magnatas instalados em outras paisagens sociais projetavam sobre as grandes famílias romanas a imagem contrastante de forças externas (e estranhas) à estabilidade e à integridade eclesiásticas. A influência da elite local sobre o bispado não declinava, porém, no mesmo compasso em que as famílias perdiam protagonismo eclesiástico. Se, após 1046, linhagens como os Crescenzi e os Tuscolanos não mais conseguiam manter um dos seus no trono de São Pedro, as intrincadas teias clientelares irradiadas por seus principais nomes permitiam que continuassem a controlar pontos nodais da rede diocesana e da malha monástica. Mesmo no agro romano, a ampla zona que se estendia por 20-25 quilômetros a partir da muralha urbana - ou seja, a terra em que “o Papa mantinha grandes porções de terras e onde havia poucos ou nenhum castelo para romper a hegemonia política”31 imanada da cidade (WICKHAM, 2011, p. 445) -, senhores do Lácio interceptavam a cadeia de dominação graças à influência exercida sobre as dioceses de Silva Cândida ou Velletri; sobre colossos monásticos como Grotaferrata, Subiaco e Farfa; ao controle sobre a Via Latina e Via Appia, o Valle Latino e o condado de Sutri (GUARNIERI, 1998, p. 70-118; VENDITTELLI, 2008, p. 62).
Entre as décadas de 1050 e 1090, “a estabilidade da posição papal no interior da cidade” esteve constantemente em risco,32 conforme anotou Chris Wickham (2011, p. 442). O governo de Leão IX (de 1049 a 1054) foi “um longo período de combates”,33 com tropas frequentemente despachadas para missões punitivas na vasta área controlada pelos Tuscolanos (BEOLCHINI, 2006, p. 72). Em 1058, após a morte de Estevão IX, uma coalizão aristocrática foi constituída para reverter a fratura entre o “clero” e o “povo” romanos, assegurando a mitra apostólica para João Míncio, bispo de Velletri e provavelmente sobrinho de Bento IX. O resultado foi um turbulento cisma que alcançaria desfecho - uma vez mais desfavorável aos “romanos” - após enfrentamentos sangrentos e um humilhante rito de expiação pública do candidato senhorial (STROLL, 2012, p. 69-82). Eleito em 1061, Alexandre II levaria mais de três anos para assumir o controle de seu bispado, feito alcançado graças a duas alianças militares incômodas: uma com os normandos, antagonistas das pretensões papais no sul da península, outra com Godofredo da Lorena e Toscana, um recalcitrante vassalo imperial.
No Natal de 1075, Gregório VII foi arrancado do altar em plena liturgia e arrastado para fora da basílica de Santa Maria Maggiore por Cêncio Stephani. Herbert Cowdrey (1998, p. 327) parece não ter hesitado: contrariamente ao que sugeriu o cônego Paulo de Bernried, biógrafo medieval do Papa, o sequestro não foi um golpe desferido pela alta política continental, algo como um atentado arquitetado a partir da corte imperial em uma escalada da chamada Luta das Investiduras, mas um evento romano local. Com os anos 1080, as guerras civis se alastraram pelo centro e norte itálicos, num estado de conflito no qual os “grandes senhores descobriram ser cada vez mais difícil controlar efetivamente seus variados grupos de vassalos, clientes e oficiais, os quais, agora, aspiravam às formas do poder local”. Nessa época, “bispos e abades proeminentes se mostraram ainda mais incapazes de controlar os senhores dentro dos territórios que governavam”34 (FIORE, 2020, p. 12). Eis aí uma das causas que mantiveram Vítor III e Urbano II distantes de Roma durante boa parte dos anos que vão de 1087 a 1093 e dependentes de pesadas escoltas armadas - ora de normandos, ora de tropas nortenhas - para ganhar o interior da Cidade Eterna (BECKER, 1964, p. 78-138; DE ROSA, 2008, p. 143-186).
O referencial da linguagem empregada pelos gregorianos era tanto os eventos ocorridos há trinta ou mesmo cinquenta anos, quanto a acirrada e intermitente competição travada contra uma parcela da elite romana. Se “o Papado (...) era o maior poder na Europa cuja riqueza (...) era mais líquida, mais baseada em dinheiro e tesouro”35 (WICKHAM, 2011, p. 452), deslegitimar a riqueza local como sustentáculo de uma sucessão apostólica estaria no topo das prioridades acalentadas pelo alto clero papal. Isso explica por que o cardeal Beno, notório rival de Gregório VII, adotou uma perspectiva gregoriana e descreveu a passagem de poder para João Graciano como uma troca em que “mil e quinhentas libras [de prata]” (libris mille quingentis) permitiram a Bento “vender o Papado” (vendidit papatum).36 Antes de passar à posteridade como um dos príncipes da Igreja que abandonaram Gregório em 1084, Beno integrou a cúria por anos: provavelmente, ingressou no cardinalato perfilado aos eclesiásticos de origem borgonhesa e lorena empossados por Estevão IX em 1058 (LORKE, 2019, p. 248). Foram décadas sorvendo a animosidade dos agentes públicos regionais. Tempo e razões de sobra para criminalizar o dinheiro romano.
Há alguns anos, Bill Maurer (2018, p. 50) alertou que a monetização das relações sociais poderia erodir, mas também criar distinções sociais e nexos de relacionamento. O estudo dos acontecimentos críticos de 1044 a 1046 demonstra como tais distinções e nexos eram, por sua vez, delimitados pela capacidade dos agentes em participar dos jogos de poder e sanar urgências materiais. A chamada crise simoníaca de meados do século XI - a ampla repercussão de casos como o que envolveu Bento IX e Gregório VI - foi, em larga medida, um capítulo da história das racionalidades econômicas.
Conclusão: Racionalidade econômica e “crise simoníaca”
“Racionalidade econômica” é uma expressão que costuma estabelecer uma dicotomia aguda entre o dinheiro e valores não pecuniários - ou, se preferirmos, entre o dinheiro e a cultura de uma época (ZELIZER, 1989, p. 347). Como tal, a racionalidade é vista como o processo que remove relações sociais das amarras simbólicas e das particularidades que definem um modo de vida no espaço e no tempo ao envolvê-las em uma lógica abstrata, uniformizante e altamente fungível (KEANE, 2008; MAURER, 2018). No bojo de uma racionalidade econômica, o dinheiro atuaria como reagente objetificante, o ingrediente que converte aspectos qualitativamente inefáveis, irrepetíveis e intrínsecos em atributos quantitativamente distintos, genéricos e alienáveis. Nestas páginas, no entanto, a expressão assumiu um sentido que não se confunde com o de um predomínio soberano do quantitativo sobre o qualitativo. Racionalidade econômica é, aqui, o processo por meio do qual um grupo, uma comunidade ou uma classe cria distinções e relacionamentos específicos a respeito da fonte, dos usos e da alocação de recursos extraídos do trabalho e da dominação social. Consiste em um conjunto de relações heterogêneas, culturalmente plurais e dinâmicas, que regulam as identidades dos usuários da riqueza e o repertório de garantias e restrições, coletivamente válidas, a respeito da acumulação, do intercâmbio e da destinação de excedentes materiais (FELLER, 2010; DEVROEY, 2010).
A racionalidade econômica dos agentes que disputaram o Papado a partir de meados do século XI está contida, ainda que parcialmente, na pluralidade das relações formais e informais mantidas com o dinheiro (NAISMITH, 2019; 2015). Como tal, a presença do motivo monetário em um relato dependia não apenas dos eventos transcorridos, mas igualmente das estratégias narrativas que permitiam a cada escritor atrelar o passado a uma agenda econômica singular, constituída por experiências partilhadas a respeito do valor a ser reconhecido em materiais, objetos, usurários e práticas - o que significa dizer que a racionalidade econômica extraía sentido de critérios extraeconômicos. Isso é particularmente útil quando se trata do estudo da passagem de poder de 1045 e, em perspectiva mais abrangente, de todo o período que se estende de setembro de 1044 a dezembro de 1046, pois os estereótipos então mobilizados quanto à violação pastoral, a invasão patrimonial e a culpa simoníaca não constituem somente discursos voltados para a identificação de falsos cristãos e a localização da autoridade eclesiástica. Formavam, igualmente, um complexo sistema linguístico que permitia expressar a natureza e a legitimidade do entrecruzamento entre poder econômico e organização eclesial.
Da ruptura eclesiológica dos contemporâneos - na qual o dinheiro assumiu importância marginal - e da violação da integridade patrimonial dos henricianos - que conferiram um maior peso teológico aos modos de estimar a acumulação pecuniária - chegamos à impactante simonia dos gregorianos - que levaram adiante uma verdadeira monetização do passado. De fins dos anos 1040 a meados da década de 1080, assim, o tema do abuso monetário assume pesos diversos para os grupos em disputa pelo poder papal. Talvez possamos divisar novos ganhos analíticos se superarmos a lógica de um jogo de soma zero entre os registros documentais e deixarmos de lado o empenho para, comparando-os, classificar alguns deles como “mais representativos” da realidade que os demais. Passaríamos, assim, a investigar como todos, igualmente ancorados em contextos “tipicamente desequilibrados e assimétricos”37 (CURTA, 2006, p. 697), portam marcas da dinâmica social e das alternâncias de poder.
Quanto às implicações para o estudo da “crise simoníaca” que se apoderou da trajetória institucional do Papado e da Cristandade Latina na segunda metade do século XI, é preciso, em primeiro lugar, notar o quanto esta interpretação se move na direção oposta à caracterização de um “programa reformador” gregoriano emergindo entre as décadas de 1040 e 1080. Não apenas porque insisto na pluralidade normativa - no peso ideológico de desequilíbrios e assimetrias no âmbito do contexto estudado -, mas porque falar em racionalidade econômica não é o mesmo que divisar um “programa de ações eclesiásticas”. Há uma distância a ser percorrida para dimensionar como as agendas econômicas foram articuladas no interior das correlações de forças enfrentadas pelos agentes sociais.
Pontuo, além disso, uma argumentação que considero suplementar à de Timothy Reuter (1995; 2001) e que redireciona o sentido sociológico do termo reformador. O “pânico moral” sobre a simonia - em torno de uma categoria tão multifacetada (FERREIRO, 2005) - não me parece suficientemente explicado como uma reação de homens acostumados às lógicas do dom e da reciprocidade perante a ação desvinculante e despersonalizante que a moeda, fluindo mais do que nunca sobre a vida social em razão das transformações urbanas e mercantis, teria feito recair sobre todos (MOORE, 2012, p. 73-84; WEST, 2015). Claro, tal perspectiva e o entendimento firmado aqui não se excluem; mas, como Reuter, penso que o horizonte de compreensão se dilata quando trazemos para o primeiro plano a constatação de que os discursos a respeito da simonia eram estruturados por razões econômicas já constituídas - ao invés de estruturar uma nova razão para o mundo. Discursos esses que implicavam diretamente as relações de propriedade e fiscalidade, bem como as garantias legais quanto ao acesso e à concentração de recursos.
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Notas