RESUMO: Este trabalho explorar o potencial impacto do estabelecimento de uma companhia de navegação romeno-brasileira no incentivo à emigração da Romênia para o Brasil e no apoio tácito à implementação do projeto latino de eugenia. Além de reinterpretar algumas informações conhecidas dos pesquisadores das relações romeno-brasileiras, previamente publicadas em volumes submetidos aos rigores da historiografia comunista, pretendemos trazer à tona novas informações identificadas nos arquivos romenos. O processamento das fontes de arquivo nos permitiu escrever um novo capítulo na história das relações comerciais entre o Brasil e a Romênia. O comércio de longa distância é um método eficiente de obter lucro, mas nem todos podem pagar seu preço. A rota direta entre os portos da América do Sul e o Mar Negro era uma questão premente na agenda dos governos do Rio de Janeiro e de Bucareste durante o período entreguerras. Na maioria das vezes, contudo, apesar do lobby da comunidade empresarial e dos diplomatas dos dois países, o problema da implementação de tal linha de navegação manteve os cofres do Ministério das Finanças romeno quase vazios.
Palavras chave: Mar Negro, Danúbio, navegação.
ABSTRACT: This study explores the potential impact of the establishment of a Romanian-Brazilian shipping company on facilitating emigration from Romania to Brazil and tacitly supporting the Latin eugenics project. Aside from reinterpreting some information known to researchers of Romanian-Brazilian relations, which was previously published in volumes subject to the rigors of communist historiography, we aim to shed light on new findings from Romanian archives. The processing of archival sources has allowed us to write a new chapter in the history of trade relations between Brazil and Romania. Long-distance trade is an efficient method of making profit, but not everyone can afford it. The question of a direct route between the ports of South America and the Black Sea was a pressing matter on the agenda of the governments in Rio de Janeiro and Bucharest during the interwar period. However, despite the lobby of the business community and diplomats of the two countries, the issue of implementing such a shipping line more often than not kept the Romanian Ministry of Finance’s coffers mostly empty.
Keywords: Black Sea, Danube, navigation.
ARTIGO
Entre projetos e realidade: A conexão marítima direta entre a Romênia e o Brasil
Between Projects and Reality: The Romanian-Brazilian Direct Maritime Connection
Received: 14 September 2022
Revised document received: 20 May 2023
Accepted: 9 June 2023
Nas últimas décadas do século XIX, a economia brasileira passou por profundas transformações. Foi marcada pelo crescimento do trabalho assalariado, pela expansão das ferrovias, pela urbanização e pela formação de complexos agrícolas regionais, tendo como objetivo específico atender às demandas de exportação. Essas mudanças refletiram na expansão dos fluxos comerciais no país e no exterior.
A navegação fluvial e marítima e as ferrovias substituíram as antigas estradas projetadas pelos colonizadores europeus no final da Idade Média, tornando-se a espinha dorsal do sistema de transporte brasileiro. O desenvolvimento dos negócios no último quarto do século XIX exigiu a diversificação e a multiplicação dos bastiões envolvidos no transporte costeiro, onde havia menos investimento financeiro. Esse quadro criou a estrutura necessária para a forte presença de empresas locais e regionais de navegação. Por outro lado, no transporte marítimo de longa distância, utilizado para exportação e importação de mercadorias e de mão de obra e que exigia um investimento mais substancial de capital, somente empresas estrangeiras de navegação podiam marcar presença no mercado marítimo brasileiro (Burlamaqui, 1918).
Nesse contexto, em 1886, o vice-almirante brasileiro Barão de Jaceguay publicou um projeto para uma empresa de navegação no periódico Revista Marítima. A empresa deveria realizar viagens regulares entre portos brasileiros e europeus, fortalecendo ideia de estabelecer uma grande empresa de navegação como reserva da Marinha do Brasil. Jaceguay propôs que o “Lloyd Brasileiro” fosse formado pela fusão de todas as companhias de navegação brasileiras sediadas no Rio de Janeiro. Todas as linhas regionais deveriam ser mantidas, mas duas linhas transoceânicas deveriam ser criadas: “uma para os portos do oeste e norte da Europa e outra para alguns portos do Mediterrâneo” (Jaceguay, 1888, p. 15). Inicialmente, a política de estímulo ao transporte marítimo na jovem república brasileira, proclamada em 1889, era a mesma do antigo Império brasileiro: o desenvolvimento do sistema ferroviário era a prioridade. No entanto, a perspectiva mudou parcialmente durante o período entre guerras.
A conquista da unidade estatal da Romênia no final da Primeira Guerra Mundial ampliou o horizonte de conhecimento mútuo sobre ideais diplomáticos e econômicos tanto dos países sul-americanos quanto dos promovidos pelas autoridades de Bucareste. “Conhecer o outro” foi a base para o começo e o desenvolvimento de relações econômicas, o que levou ao encerramento de algumas relações diplomáticas e ao desenvolvimento de outras, as quais, por sua vez, deram impulso às relações culturais e econômicas. No início do período entre guerras, apesar de haver hesitação, a Romênia se aproximou dos países latino-americanos. As relações diplomáticas entre a Romênia e os países sul-americanos tinham como objetivo principal fomentar o comércio, mas nem sempre essa meta foi alcançável. Vários fatores atrasaram o estabelecimento de instituições comerciais bilaterais, tais como: integração das economias regionais nos sistemas econômicos globais, distâncias geográficas consideráveis, transporte caro, economias não complementares, etc. No entanto, as relações diplomáticas entre a Romênia e o Brasil remontam ao outono de 1880, quando uma missão diplomática romena, liderada pelo Coronel Sergiu Voinescu, foi acreditada junto ao Dom Pedro II, então imperados do Brasil (Cândea; Turcu, 1970, p. 42–43).1
Um dos objetivos do presente artigo é evocar episódios relevantes da história das relações comerciais entre a Romênia e os estados sul-americanos, que se tornaram dois mercados emergentes para a economia agrícola e alimentícia do mundo. Até agora, os pesquisadores têm se concentrado no estudo das conexões diplomáticas e culturais entre as duas regiões de língua latina. Outra questão amplamente debatida pela historiografia comunista (e retomada com senso crítico após o gatilho historiográfico de dezembro de 1989) é a situação da emigração romena para a América Latina.
Sem ter a pretensão de fazer uma exegese das questões debatidas pelos historiadores Virgil Cândea (Cândea; Turcu, 1970), Lavinia Dacia Dumitraşcu (Gheorghe, 2004), Doru Bratu (Bratu, 2000) e Pavel Moraru (Moraru, 2018, p. 183–202), as informações trazidas por esses autores (posteriormente complementadas por nós) serão aqui utilizadas para sublinhar o contexto em que a questão do estabelecimento de empresas e de uma linha de navegação — criada para regularizar os fluxos de mercadorias e passageiros entre os portos brasileiros e romenos — surgiu no âmbito dos governos do Rio de Janeiro e de Bucareste.
O presente estudo se baseia em informações de documentos não publicados e encontrados sob custódia do Arquivo Diplomático do Ministério das Relações Exteriores da Romênia, em Bucareste, principalmente do Fundo Problema 68 (empresas de navegação fluvial, marítima e aérea: romenas e estrangeiras). Os dados nos Arquivos do Ministério das Relações Exteriores em Bucareste são complementados por informações dos arquivos disponíveis no Serviço Central de Arquivos Históricos Nacionais dos Arquivos Nacionais da Romênia em Bucareste e do Fond 680 (Fundo 680), preservado nos Arquivos Nacionais da República da Moldávia.
Ademais, quase não há trabalhos dedicados a empresas de navegação estrangeiras que tenham operado nos portos romenos do Danúbio e do Mar Negro (Constantin, 2020; Mitea, 2022). Portanto, essa abordagem acadêmica se limita a evocar as iniciativas de criação de empresas de navegação e itinerários entre os portos romenos e sul-americanos, sem ser possível submeter essas ações empreendedoras a minuciosas análises comparativas com outras empresas semelhantes.
A Grande União de 1918 mudou o status geopolítico da Romênia. O estado na foz do Danúbio se tornou o décimo maior país da Europa, com uma área que cresceu de 138.000 km2, antes da Primeira Guerra Mundial, para uma área de 295.049 km2. A população da Romênia quase dobrou, passando de 7,9 milhões de pessoas em 1915, de acordo com as estatísticas do Reino Antigo, para 14,7 milhões em 1919. Assim, a Romênia se tornou o nono maior país da Europa (Scurtu, 2003, p. 31–79). Em um trabalho recente, Alberto Basciani analisou, em termos concretos, as reações das classes dominantes em Bucareste e Sofia às grandes transformações no sudeste da Europa após a Primeira Guerra Mundial. O estudioso italiano revelou a fraqueza das estruturas econômicas e sociais de todos os estados-nação dos Bálcãs, tanto dos vencedores quanto dos derrotados na primeira conflagração mundial (Basciani, 2020, p. 139–164).
As mudanças substanciais que acometeram a economia europeia no período entre guerras foram consequência dos danos causados pela Primeira Guerra Mundial e da nova organização política do mundo após a Conferência de Paz de Paris (1919–1920). Por outro lado, os limites de desenvolvimento no período entre guerras foram consideráveis para os países dos Bálcãs. O impacto da Primeira Guerra Mundial, a escassez de capital, a situação agrícola extremamente desfavorável, os erros políticos inspirados pelo nacionalismo econômico e o conservadorismo das estruturas sociais limitaram a capacidade de os Estados periféricos acelerarem sua modernização econômica. Sob esses auspícios, Estados predominantemente agrícolas e rurais, como a Romênia, a Iugoslávia e a Bulgária, ficaram ainda mais atrasados em relação à maioria dos outros países europeus e à média mundial (Mitrany, 1936; Lampe; Jackson, 1982; Palairet, 1997; Murgescu, 2010, p. 205–314).
A emigração da Europa Central e Oriental para o continente americano começou já na segunda metade do século XIX e implicou o deslocamento de um grande contingente de pessoas brancas para a costa oeste do Oceano Atlântico. Até o outono de 1918, a histórica província romena da Transilvânia era parte integrante do Império Austro-Húngaro. Do ano de 1876 até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, cerca de 3,5 milhões de cidadãos da Monarquia Dual migraram para o Novo Mundo, dos quais 3 milhões escolheram os Estados Unidos como nova morada. Durante esse período, aproximadamente 1,4 milhão de cidadãos húngaros migraram para os Estados Unidos, 6.056 para o Canadá, 264.460 para a Argentina e 8.500 para o Brasil. A diferença de até 3,5 milhões de emigrantes foi apoiada pelas outras nacionalidades da Áustria-Hungria.
O êxodo dos europeus para a América do Sul teve como pano de fundo o desejo que as autoridades brasileiras tinham de povoar sua vasta área com uma população predominantemente branca, um projeto que envolvia cobrir os custos de transporte dos emigrantes do Leste Europeu. Nesse contexto, cerca de 100 mil cidadãos do Império Czarista e do Império Austro-Húngaro embarcaram em transatlânticos com destino aos portos brasileiros a partir de 1890. Preocupado com a grande saída de húngaros e romenos da Transilvânia, o governo de Budapeste se viu obrigado a proibir completamente a migração para o Brasil no final de 1900 (Zahra, 2016).

O comércio fez com que novas relações diplomáticas fossem estabelecidas, o que, por sua vez, contribuiu para um desenvolvimento mais funcional e pragmático das relações econômicas. A distância considerável entre a Europa Oriental e a América do Sul não permitiu que fossem estabelecidas relações de parceria no mesmo nível que a Romênia tinha estabelecido com países da Europa e do Oriente Próximo. Na maioria das vezes, as iniciativas de comércio e cooperação eram tomadas pelos estados latino-americanos; as autoridades de Bucareste eram mais hesitantes (Gheorghe, 2008, p. 91–105). O comércio entre a Grande Romênia e todos os estados sul-americanos representou cerca de 0,5% do comércio exterior romeno no período entre guerras. Isso explica por que a maioria das iniciativas tomadas por empresas e governos latino-americanos não puderam ser implementadas na Romênia (Bratu, 2000).
A Romênia abriu seu primeiro consulado honorário no Brasil em 1º de maio de 1921, na cidade do Rio de Janeiro, com o emigrante romeno Ioan Artur Wraubek servindo como cônsul honorário por 8 anos. Ioan Artur Wraubek tinha chegado ao Brasil no final do século XIX e vinha exercendo uma intensa atividade diplomática desde o mandato de Take Ionescu.2 O cônsul romeno no Rio de Janeiro e seu amigo, o marechal brasileiro Egydio Tallone, foram os principais contribuintes de artefatos brasileiros para o Museu Nacional de História Natural Grigore Antipa (I. Petrescu; A. Petrescu, 2015, p. 201–206).
D. M. Popovici residia em Buenos Aires e, em 1920, foi nomeado como adido comercial da Romênia para a América Latina. Esse foi o passo mais importante para o estabelecimento de relações de parceria entre Bucareste e as capitais dos estados sul-americanos.3 O adido comercial romeno começou a realizar uma intensa atividade na Argentina e no Brasil. Juntamente com D. M. Popovici, Ioan Artur Wraubek se destacou.4 Em 1921, os dois diplomatas romenos apoiaram a iniciativa empresarial privada de estabelecer a empresa South-American Office em Bucareste, a qual, no mesmo, organizou a primeira exposição de produtos romenos na América do Sul. Ioan Artur Wraubek foi nomeado diretor administrativo da empresa para o Brasil. A empresa teve vida curta, sendo dissolvida após apenas 2 anos de existência.5
A partir de sua nomeação em outubro de 1920, o adido comercial D. M. Popovici insistiu para que as autoridades de Bucareste facilitassem a exportação de madeira de abeto, carvalho, cal e freixo para os países latino-americanos em troca de produtos brasileiros e argentinos (Gheorghe, 2008, p. 101). Ao mesmo tempo, ele conduziu negociações com círculos comerciais e políticos na capital federal do Brasil, propondo a criação de um permanente armazém de produtos brasileiros em território romeno, com o objetivo de reexportá-los para o Oriente Próximo. Durante as negociações, havia outras questões sendo abordadas, como a concessão de um empréstimo de 1 bilhão de leus à Romênia, o estabelecimento de uma Câmara de Comércio Romeno-Brasileira, o apoio ao surgimento das indústrias de algodão e borracha na Romênia e a organização de uma linha de navios a vapor com ligação direta aos portos romenos.6 O problema da negociação de um empréstimo brasileiro concedido à Romênia por um período de 3 a 10 anos, com uma taxa de juros de 7 a 10%, durou até 1924 (Cândea; Turcu, 1970, p. 59).
Em 1º de setembro de 1921, o Dr. Azevedo Marques, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, por ocasião da inauguração oficial da primeira exposição de produtos romenos na América do Sul, fez um discurso público no qual afirmou que “sua [da Romênia - a.n.] posição excepcional no que diz respeito à distribuição de produtos no Oriente é do maior interesse para o Estado brasileiro”.7
De acordo com Ioan Artur Wraubek, o Rio de Janeiro representava “o centro político da América do Sul e os interesses dos cidadãos romenos no Brasil tinham que ser defendidos, bem como aqueles relacionados às perspectivas de relações econômicas entre os dois países” (Cândea; Turcu, 1970, p. 75). O diplomata romeno Nicolae Titulescu desempenhou um papel importante ao apoiar a ideia de fundar uma legação romena no Brasil; ao mesmo tempo, apoiou, em 21 de dezembro de 1927, no Parlamento romeno, um projeto de lei para a criação da Legação no Rio de Janeiro. Caius Brediceanu foi nomeado Chefe da Legação Romena no Brasil após a aprovação do governo brasileiro em 8 de janeiro de 1928, sendo início ao seu cargo em 25 de abril de 1928; em 10 de maio de 1928, apresentou suas credenciais.8
O primeiro consulado brasileiro na Romênia foi instituído em Bucareste em 19 de março de 1915, sob a direção de Jules Borel, um cidadão sueco. Durante o período entre guerras, os interesses brasileiros no Baixo Danúbio foram apoiados por diplomatas com amplas conexões no cenário político e econômico europeu. Após a Grande Guerra, na tentativa de aproximar os dois países, os Estados Unidos do Brasil também estabeleceram um consulado em Galaţi em 1919, tendo Oscar Paruhos do Silva como chefe. O diplomata chegou a Galaţi em janeiro de 1920.9 Em 11 de fevereiro de 1921, as autoridades federais do Rio de Janeiro elevaram a missão diplomática em Galaţi à categoria de consulado-geral, nomeando S. Parambos como cônsul (Cândea; Turcu, 1970, p. 48). O Consulado Geral funcionou em Galaţi até 1923, quando foi transferido para Bucareste, retornado ao porto do Danúbio depois de apenas um ano.10
Embora não tenha ficado à frente do consulado em Galaţi por muito tempo, o caso mais eloquente é o de Christopher Macri,11 nomeado cônsul de Portugal em Galaţi no ano de 1927 (Constantin, 2014, p. 265–277). Ele era filho do Dr. Nicolae Macri e de Elena Climis, casados em 1889 (Caşu, 2004, p. 4). Assim como sua irmã, Alexandra, Christopher Macri nasceu em Constantinopla, onde seu pai era médico voluntário. Em maio de 1919, Christopher Macri recebeu um diploma de bacharel em ciências físicas e químicas pela Universidade de Genebra e, após seu retorno à Romênia, estagiou por meio ano no Banco Crissoveloni. Sua carreira diplomática estava ligada ao casamento de sua irmã com Martinho Nobre de Mello, em 1921. O cunhado de Christopher Macri era um proeminente advogado e político português, filho de um ex-governador das Ilhas de Cabo Verde. Ao atuar como primeiro-ministro da Justiça de Portugal, Mello conseguiu facilitar uma carreira diplomática para seus parentes (Bodea, 2010, p. 44–45).
Ademais, o casamento de Christopher Macri com Carolina Johanna Anneliesel Ost, em Galaţi, foi mais uma oportunidade para ele alcançar um status social mais elevado. O parentesco com a família de Carolina Johanna trouxe estabilidade econômica e o apoio de uma família influente no ambiente econômico internacional. Sua esposa era filha do representante das empresas inglesas Bessler, Waechter & Co. Ltd. Lincoln em Galaţi, e diretor administrativo da United Metallurgical Works, Titan, Nădrag, Călan S.A.R (Bodea, 2010, p, p. 44-45). Tendo como pano de fundo os interesses portugueses em dirigir a política de sua antiga colônia sul-americana, Christopher Macri também exerceu brevemente as funções consulares do Brasil em Galaţi, antes de ser nomeado cônsul português na cidade às margens do Danúbio (Constantin, 2014, p, p. 276; Constantin, 2017, p, p. 70–71, 90–93).
Em abril de 1929, Anfredo Polzin foi nomeado chefe do consulado brasileiro em Galaţi, tendo sido transferido para Belgrado em março de 1931 (Constantin, 2017, p. 70-71). Os interesses brasileiros no Baixo Danúbio também foram defendidos pelos diplomatas Osorio Dutra, Georges Dahrouge e Victor Bassili.12 Osorio Dutra foi descrito pelos jornalistas de Galaţi como um “publicitário e bibliófilo”, tendo sido autor de dois volumes de poesia, com um “belo eco na América Latina e na Europa”. No entanto, como seus contemporâneos notaram, ele não tinha o espírito empreendedor necessário para estabelecer relações econômicas sólidas entre o Brasil e a Romênia (Lézárescu; Volburá, 1929, p. 76).
Os consulados surgiram como uma expressão do crescente interesse em cultivar laços econômicos entre os Estados interessados. Dois fatores explicam o relativo atraso na formação de vínculos comerciais e a operação inconsistente dos escritórios criados: i) os interesses econômicos de ambos os Estados estavam sob o controle dos grandes impérios até o início do século XX; ii) a grande distância e os caros meios de comunicação e transporte eram fator prejudicial. O intercâmbio mútuo de mão de obra era quase inexistente até o período entre guerras.
Independentemente de sua etnia, os camponeses bessarabianos eram movidos pelo desejo de possuir terras, tendo sido seduzidos pela propaganda das grandes agências de navegação e comércio. Os bessarabianos receberam a promessa de uma vida quase idílica do outro lado do Oceano Atlântico. Após a Grande União de 1918, o fluxo de emigrantes da Bessarábia para a América do Sul aumentou substancialmente. A maioria dos camponeses bessarabianos optou por trabalhar nas grandes fazendas da América Latina, estabelecendo-se, pelo menos por um tempo, na Argentina, no Brasil, no Uruguai e no Paraguai. Assim, por quase uma década, a América do Sul foi uma espécie de El Dorado para os camponeses romenos que estavam ansiosos para levantar grandes somas de dinheiro para investirem quando retornassem à sua terra natal. Para muitos deles, isso continuou sendo apenas uma esperança (Dumitraşcu, 2004, p. 20).
Diante disso, surgem várias perguntas importantes. Qual foi o contexto da migração romena para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial? O emigrante romeno atendeu às exigências das autoridades brasileiras?
Após a Primeira Guerra Mundial, a eugenia se tornou uma preocupação dominante da classe política em muitos países latinos, com uma guerra travada no âmbito ideológico entre nacionalistas e fascistas. Ambos os lados propuseram o controle populacional com medidas específicas de eugenia e contaram com o apoio da igreja cristã dominante na sociedade: a Igreja Católica, na Itália, e a Igreja Ortodoxa, na Romênia. Assim, foram travadas intensas relações diplomáticas com os dois Estados europeus mencionados. Ambos tinham simpatias e orientações fascistas dominantes nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, tornando-se prioridade para os governos sul-americanos.
Por exemplo, os líderes do Rio de Janeiro estavam interessados na “exportação de jovens mulheres brancas” dos países latino-europeus, com um desejo de refrescar o sangue da raça branca local e eliminar, natural e gradualmente, a população negra e mestiça de seu vasto território. Além disso, no século XIX, havia semelhanças entre a Romênia e os países de língua não latina do continente americano, pois suas economias eram dominadas pelo setor agrícola; desse ponto de vista, a integração dos imigrantes romenos não deveria ter sido um obstáculo (Love, 1996; Enache, 2013, p. 210–229).
Como veremos nas próximas linhas, as autoridades romenas incentivaram a implementação do projeto latino de eugenia. Os líderes em Bucareste apoiaram tacitamente a migração de cidadãos romenos para a América Latina, principalmente os de uma região rural-agrícola como a Bessarábia, que deveriam suprir a falta de trabalhadores agrícolas nas grandes propriedades brasileiras e substituir os nativos de ascendência africana (Turda, 2007, p. 413–441; Turda; Gillette, 2014, p. 237–249; Turda, 2016, p. 29–58). O processo de eugenia na Romênia faz parte da tendência que, na época, era predominante na Europa Central e Oriental. Tal tendência foi amplamente documentada por pesquisadores como Maria Bucur e Marius Turda; no entanto, por razões de espaço, não podemos nos sobre suas reflexões neste estudo (Bucur, 2002; Turda, 2015).
A estatística é uma ciência relativa e, às vezes — especialmente em países economicamente subdesenvolvidos — ela era deixada de lado por autoridades, que estavam preocupadas com os problemas mais urgentes do Estado que estavam administrando. Nessas circunstâncias, houve momentos em que, por exemplo, as autoridades e os estatísticos romenos ignoraram o apoio a abordagens estatísticas conclusivas sobre migração. Recentemente, sociólogos e historiadores romenos têm se debruçado sobre a questão. A migração de cidadãos romenos durante o período entre guerras foi analisada em termos de números, país de origem (no caso de imigrantes) e país de destino (no caso de emigrantes), idade, gênero e profissão dos estrangeiros que entravam ou saíam da Romênia.
Em 20 de abril de 1925, as autoridades de Bucareste emitiram uma lei que regulamentava a migração, declarando a emigração e a imigração livres, com certas restrições impostas pelo Estado romeno. Sabin Manuilă, chefe da Diretoria de Estatísticas da Romênia na época da Segunda Guerra Mundial e promotor da eugenia, alegou, com base em estatísticas da administração romena, que cerca de 200.000 pessoas, principalmente da Transilvânia, optaram por deixar as fronteiras do Estado romeno na primeira década do período entre guerras, muitos dos quais eram húngaros étnicos partindo para a Hungria (Cutcutache, 1931, p. 32; Prozan, 2018, p. 231–238).
Além do problema da troca de população com a vizinha Hungria, o pico da migração romena no período entre guerras foi atingido em 1926, quando 21.681 deixaram a Romênia. A pesquisa de Sorin Negruțiu sobre o período de 1926 a 1936 mostra que 79.906 cidadãos romenos deixaram sua terra natal, cuja maioria foi para os continentes americanos, especialmente para países como Canadá (29%), Brasil (23%), Estados Unidos da América (14%), Argentina (12%), etc. De acordo com os dados referentes a esse período, 18.497 cidadãos romenos esperavam começar uma nova vida no Brasil, mas, como veremos, muitos repatriaram pouco tempo depois.
A maioria dos emigrantes romenos era jovem, sendo 72% com idade entre 15 e 55 anos; os que tinham mais de 55 anos, representavam apenas 3% de todos os que deixaram a Romênia. Os homens (55%) predominaram entre os migrantes romenos. Uma rápida análise mostra o precário histórico profissional daqueles que decidiram deixar a Romênia, sendo que 31% não tinham profissão, 30% eram trabalhadores agrícolas, 22% trabalhadores domésticos, 14% trabalhadores industriais qualificados, 6% trabalhadores industriais não qualificados, 2% profissões liberais e menos de 1% era funcionário público ou tinha outras profissões. As mulheres migrantes eram predominantemente sem profissão ou com ocupações domésticas, enquanto 88% dos trabalhadores agrícolas, 84% dos trabalhadores industriais qualificados, 75% dos trabalhadores industriais não qualificados e 95% dos que exerciam profissões liberais eram do sexo masculino (Negruƫi, 2017, p. 216–218; Trebici, 1987).
De 1926 a 1936, 22.447 cidadãos romenos foram repatriados para a Romênia. As maiores ondas foram registradas em 1928 e 1930, em um contexto de problemas econômicos internacionais que culminou com a quebra de Wall Street em 1929. Cerca de 90% de todos os cidadãos romenos que retornaram ao país foram repatriados do continente americano, principalmente dos Estados Unidos (43%), do Brasil (24%), da Argentina (8%) e do Canadá (8%). Um aspecto essencial para compreender o contexto internacional mais amplo deve ser observado. Cerca de 72% dos imigrantes romenos que retornaram ao seu país de origem estavam na faixa etária de 15 a 55 anos, e mais de 56% de todos os imigrantes eram do sexo masculino. Entretanto, após uma longa jornada transatlântica para chegar à terra prometida anunciada pelas autoridades dos países de adoção, essas porcentagens indicam a impossibilidade de os cidadãos romenos se adaptarem às realidades encontradas no continente americano, com desilusão vivida nas fazendas e nas fábricas dos países de adoção. As estatísticas da época mostram que 25% dos que retornaram à Romênia não tinham profissão, 19% eram trabalhadores agrícolas (mais 20% com profissões domésticas), 14% eram trabalhadores industriais não qualificados, 12% eram trabalhadores industriais qualificados, 8% tinham profissões liberais e apenas menos de 1% era funcionário público ou tinha outras profissões. Mais da metade (57%) dos que não tinham profissão era do sexo feminino, enquanto mais de 92% dos trabalhadores agrícolas, trabalhadores industriais (qualificados e não qualificados) e os profissionais liberais eram do sexo masculino (Negruƫi, 2017, p. 218–221; Trebici, 1987). Supomos que a distribuição profissional observada na migração geral dos cidadãos romenos seja semelhante no contexto da imigração romena para o Brasil. No entanto, as estatísticas romenas permitem diversas interpretações, especialmente em casos particulares.
Como se pode ver, profissionalmente, os romenos cobriram uma vasta mão de obra necessária na economia brasileira no período entre guerras, tendo sido indispensáveis para a implementação do projeto latino de eugenia. Para além dessas premissas favoráveis, as explicações para o relativamente pequeno êxodo romeno a territórios brasileiros e para o retorno de muitos dos emigrantes devem ser buscadas nos relatos dados à imprensa e nas notas do serviço especial de inteligência da polícia romena (Negruƫi, 2017, p. 218–221; Turda; Gillette, 2014).
O auge da emigração romena para o Brasil ocorreu entre 1923 e 1926, e um dos pioneiros dessa ideia foi Ioan Artur Wraubek, cônsul honorário da Romênia no Rio de Janeiro. Ele desempenhou um papel importante no desenvolvimento das relações entre a Romênia e o Brasil. Entre 1923 e 1926, 40.142 emigrantes da Romênia chegaram para trabalhar em fazendas no Brasil, cuja maioria era de etnias búlgara, rutena, russa, ucraniana e polonesa, estabelecida nas províncias históricas romenas de Bessarábia, Bucovina, Transilvânia e Banat. Para entender melhor a situação regional da emigração romena para as propriedades sul-americanas, deve-se observar que cerca de 82% de todos os cidadãos romenos que chegaram ao Brasil em 1926 vieram da Bessarábia (Bratu, 2000, p. 358–359).
Ansiando por uma vida melhor, os emigrantes bessarabianos venderam todos os seus bens às pressas para acumular o capital necessário para comprar documentos de viagem e pagar pelo transporte até os portos sul-americanos. A maioria deles, ao chegar ao seu destino, encontrou as fazendas da América Latina totalmente diferentes do que lhes havia sido contado. Profundamente decepcionados, retornaram à Romênia, pobres e exaustos, pedindo ajuda às autoridades romenas (Moraru, 2018, p. 183–202; Gheorghe, 2008, p. 91–106).
De acordo com as informações da época, a propaganda criada em torno da emigração por enviados de fazendeiros sul-americanos incentivou os camponeses bessarabianos a partirem para a América Latina. Somente no estado brasileiro de São Paulo, trabalhavam, em sua maioria sem qualificação, mais de 40.000 romenos. Várias centenas de outros camponeses colocados em condições desumanas nas planícies colombianas se somaram a esse número (Bratu, 2000, p. 347).
Para as autoridades brasileiras, a emigração de mão de obra era uma política de Estado e, assim como na Argentina, a cooptação de trabalhadores agrícolas das fileiras do campesinato europeu se mostrou eficaz. Para facilitar a presença de trabalhadores estrangeiros nas fazendas sul-americanas, o governo federal do Rio de Janeiro financiou organizações que atraíam emigrantes e fechou contratos com empresas de navegação. Essas últimas recrutavam migrantes da Europa por meio de suas próprias redes de agências. Aparentemente, os romenos eram muito valorizados por sua seriedade e seu trabalho árduo (Stévárache, 2001, p. 418). O transporte de migrantes pelo Oceano Atlântico era facilitado por empresas de navegação estrangeiras, que, na década de 1920, tinham oito filiais somente na cidade de Chişinău.13
Os romenos da Bessarábia emigraram de acordo com os termos dos contratos celebrados com empresas de navegação de propriedade estrangeira. O historiador Pavel Moraru, com base em pesquisas nos arquivos da República da Moldávia, aponta que, durante as emigrações em massa de 1923-1925, os custos de transporte dos emigrantes foram arcados pelos fazendeiros brasileiros. As dívidas de transporte para o Brasil eram pagas pelos trabalhadores rurais da Bessarábia por meio do trabalho nas propriedades sul-americanas. A partir de 1927, esse sistema foi substituído por outro em que os emigrantes tinham que provar que possuíam recursos financeiros suficientes para chegar ao seu destino e comprar os lotes de terra necessários para as atividades agrícolas (Moraru, 2018, p. 185).14
Cada vez mais, as informações dos bessarabianos que retornaram da América Latina estavam chegando aos ouvidos dos agentes do serviço secreto romeno, Siguranţa Statului. Os repatriados alegavam que as cidades brasileiras “estavam repletas de trabalhadores que andavam sem emprego”. Portanto, na opinião pública, expressa por um dos emigrantes retornados, “era tudo mentira”. Também se começou a acreditar que os propagandistas, que diziam aos bessarabianos que “no Brasil eles lhe dariam cem hectares [de] terra e outros auxílios”, estavam fazendo isso apenas para encher os bolsos. Além disso, vários búlgaros e gagaúzos repatriados em 1927 e 1928 alegaram aos agentes de inteligência romenos que haviam pago um agente consular romeno em São Paulo por documentos de repatriação e transporte para a Romênia. O agente diplomático romeno supostamente desapareceu com 300.000 leis, e as vítimas tiveram que permanecer em território brasileiro para trabalhar e coletar o capital necessário para a repatriação.15
Observações semelhantes foram relatadas aos superiores por agentes da Siguranţa Statului em localidades da Bessarábia.16 Contra o pano de fundo da situação precária da vida dos trabalhadores nas grandes fazendas e das insurgências do exército brasileiro, a partir de 1927, por cerca de três anos, 4.664 pessoas retornaram do Brasil para a Romênia (Bratu, 2000, p. 358–359). A imprensa romena dedicou amplo espaço a essa questão da repatriação e até enviou jornalistas para o outro lado do Oceano Atlântico para acompanhar a situação. Mihai Negru, correspondente do jornal diário Universul, chegou ao Brasil em 1927 e, em seus artigos, descreveu como o Estado brasileiro fez de tudo para o bem-estar e a integração dos emigrantes romenos.17 Porém, apenas um ano depois, o mesmo jornal de Bucareste publicou artigos sobre as duras condições de trabalho, o pagamento insuficiente dos trabalhadores rurais romenos, a crescente escassez de empregos na América do Sul e as punições infligidas àqueles que fugiam da “fazenda”.18
As autoridades romenas tentaram pôr fim à provação de seus cidadãos que foram trabalhar nas fazendas da América Latina. Os “observadores” enviados ao Brasil pelo Estado romeno confirmaram as condições desumanas de vida e trabalho dos migrantes romenos. Conforme descrito em suas cartas oficiais, a vida cotidiana nas fazendas brasileiras não era nada parecida com a “terra prometida” garantida pelos recrutadores de mão de obra.19
Apesar das medidas tomadas pelas autoridades em Bucareste, a edição de 13 de fevereiro de 1930 do jornal Dimineaţa, em um artigo intitulado Emigranţi întorşi din Brazilia (Emigrantes retornados do Brasil), relatou como vários camponeses bessarabianos retornados do Brasil, para onde haviam emigrado em 1924, chegaram a Chişinău: “as pessoas miseráveis acabaram em um estado de miséria física e moral, para o qual é difícil encontrar palavras adequadas”. Os repatriados contaram sobre “o trabalho extremamente duro a que foram submetidos” e, como não tinham dinheiro para a viagem, as autoridades romenas decidiram enviá-los de Chişinău para o condado de Cetatea Albă, de onde eram originários, por meio de transporte fornecido pela sede da polícia de Chişinău.20
Um relatório oficial das autoridades de Bucareste, datado de 1928 e feito com base em informações fornecidas pelos consulados romenos em cidades sul-americanas, declarou que, aproximadamente, 33.000 cidadãos romenos estavam vivendo no Brasil, dos quais 25.000 eram da Bessarábia e quase 8.000 eram húngaros da Transilvânia. Apenas um ano depois, as estatísticas mostram que cerca de 20.000 emigrantes da Romênia estavam vivendo no estado brasileiro de São Paulo, dos quais apenas 1–2% eram romenos étnicos do território do Reino Antigo, e os outros eram húngaros, russos e judeus da Bessarábia e Bucovina, alemães da Transilvânia e Bessarábia. Uma peculiaridade dessas estatísticas é o número insignificante de cidadãos romenos: apenas 10 pessoas, que imigraram para o Brasil entre 1926 e 1928 (Gheorghe, 2008, p. 95)21.
De acordo com diplomatas romenos e sul-americanos, o comércio entre a Romênia e os Estados sul-americanos não teve os resultados esperados de ambos os lados, devido dois grandes inconvenientes: a grande distância e a similaridade da produção.22 Para entender melhor a realidade do comércio direto entre os Estados sul-americanos e a Romênia, deve-se notar que, em 1926, apesar dos esforços dos diplomatas romenos D. M. Popovici e I. A. Wraubek, apenas um navio brasileiro chegou ao porto de Galaţi (Gheorghe, 2008, p. 101–102). A propaganda para firmar intensas relações comerciais entre os estados sul-americanos e a Romênia não se limitou à tradução de obras sobre a Reforma Agrária de 1921 e a Lei de Mineração de 1924, implementadas pelas autoridades em Bucareste; também houve publicação de artigos na imprensa brasileira. As traduções da legislação romena foram disponibilizadas aos brasileiros interessados, por meio de Marcos Samovici, o cônsul romeno na Argentina, e seu homólogo no Rio de Janeiro. Por exemplo: o cônsul brasileiro em Galaţi publicou, no Jornal do Brasil, o artigo Interesses brasileiros na Romênia. O progresso deste país, nossa única possibilidade: o Oriente Europeu,23 que apresentava a trajetória ascendente da Romênia após a Primeira Guerra Mundial e a capacidade de absorção dos produtos brasileiros no mercado do Mar Negro.
No início da década de 1920, no auge da emigração romena para os territórios sul-americanos, D. M. Popovici e I. A. Wraubek foram os arquitetos de uma linha marítima direta entre os portos romenos e os da América do Sul. Para comprovar a importância dessas iniciativas, o Cônsul Honorário da Romênia no Rio de Janeiro redigiu e enviou ao Escritório Central em Bucareste um documento intitulado Memorando sobre o estabelecimento de uma linha marítima para o transporte de mercadorias dos portos do Danúbio para o Brasil.24
No entanto, embora tivesse a vantagem de ser a única linha que transportaria, sem o envolvimento de intermediários e a obrigação de transbordos em vários portos europeus, produtos de necessidade básica para os dois países, o projeto não foi considerado viável pelas autoridades romenas. De acordo com o memorando elaborado por I. A. Wraubek, os navios romenos deveriam partir de Galaţi para os portos de Istambul, Pireu, Argel, Rio de Janeiro, Santos e Buenos Aires. O itinerário de retorno incluía paradas nos portos de La Palmas, Argel, Alexandria, Izmir, Pireu, Salônica, Istambul, Constança e Galaţi. Como o transporte fluvial era muito mais barato o ferroviário, o plano do diplomata romeno era que, uma vez em território romeno, as mercadorias brasileiras poderiam ser transportadas rapidamente pelo Danúbio até Rusk, Belgrado, Budapeste e Viena.25
Já no verão de 1921, o governo brasileiro pretendia estabelecer uma linha marítima entre os portos da América do Sul e da Romênia. No entanto, em uma de suas notas para Bucareste, o cônsul romeno no Rio de Janeiro afirmou que as autoridades brasileiras estavam interessadas em criar um armazém gratuito e permanente para mercadorias brasileiras em um dos portos romenos.26 O governo romeno, liderado pelo Marechal Alexandru Averescu, deu seu consentimento para que o porto de Galaţi fosse aberto para navios brasileiros diretos.27 O presidente brasileiro, Epitacio da Silva Pessoa, deu continuidade às iniciativas de conectar o Brasil à Romênia por meio de uma linha marítima, mas condicionou isso a um apoio mínimo das autoridades romenas.28 Porém, as mudanças de governo em Bucareste e a procrastinação para mudar o status de depósito dos armazéns no porto de Galaţi tornaram o projeto inviável.
O aumento da emigração romena para os países latino-americanos e o crescimento das relações diplomáticas e comerciais entre empresas romenas e sul-americanas exigiram a criação de uma conexão marítima permanente entre os portos romenos e (em especial) os portos da Argentina e do Brasil. O ambiente econômico e político do Brasil lutou para persuadir as autoridades romenas a apoiarem a criação de uma empresa de navegação que conectasse os portos do Danúbio e de Constança aos portos de Santos e Rio de Janeiro. Por meio dessa empresa, controlada pelos dois governos, teria sido possível regular as condições de viagem, os valores e os métodos de pagamento dos custos de transporte incorridos pelos emigrantes romenos que desejassem se estabelecer em território brasileiro. Quanto a isso, em primeiro lugar, devemos analisar a capacidade das autoridades brasileiras apoiarem suas próprias empresas de transporte.
A empresa de navegação “Lloyd Brasileiro” ou “Loide Brasileiro” foi criada em 1890 por meio de um contrato assinado entre o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Brasil e os cidadãos Barão de Jaceguai, Dr. Antonio Paulo de Mello Barreto e o Comandante Manoel José da Fonseca, com o objetivo de reunir empresas de navegação subsidiadas pelo Estado brasileiro, apoiar a defesa marítima da República Brasileira e manter em serviço pessoal marítimo capaz de prestar serviços de guerra. No entanto, já nos primeiros anos de operação, surgiram problemas financeiros. Por isso, desde o final do século XIX, a empresa passou por vários períodos de reestruturação, insolvência e nacionalização (Silva, 1902; Burlamaqui, 1918; Lobo, 1922; Mendonça, 2001; Filho, 2009, p. 5–36). A empresa foi dissolvida em outubro de 1997, durante o mandato do presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, quando foi implementado o plano nacional de privatização. Fo oficialmente desmantelada por um decreto de 11 de dezembro de 2002 (Ministério do Planejamento, 2002).
O Brasil, como cobeligerante na Primeira Guerra Mundial e vencedor na Segunda Guerra Mundial, incorporou à sua frota estatal os navios de bandeira alemã recebidos como indenização após a Grande Guerra e confiscados durante a Segunda Guerra Mundial. Os navios foram vendidos pelo governo brasileiro no final do século XX (Lobo, 1922).
De 28 de dezembro de 1920 a 11 de junho de 1937, a empresa operou sob o nome de “Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro”. Pouco depois da incorporação do “Lloyd Brasileiro” ao patrimônio nacional brasileiro, em 1913, sob a responsabilidade do Ministério da Fazenda, as autoridades federais do Rio de Janeiro fizeram duas tentativas frustradas de fretar a empresa para investidores privados. No entanto, as dificuldades da empresa eram amplamente conhecidas pelos capitalistas brasileiros, e ninguém se aventurou a assumir os ativos e os passivos da empresa.
A Primeira Guerra Mundial permitiu que o “Lloyd Brasileiro” desse um salto produtivo e equilibrasse suas finanças. No final da guerra, o recrutamento de navios da marinha mercante das nações beligerantes derrotadas, especialmente navios transatlânticos pertencentes ao Segundo Reich, abriu um novo e lucrativo capítulo na história da empresa brasileira de navegação. O “Lloyd Brasileiro” começou a prosperar e a desenvolver suas linhas transatlânticas com a assinatura do Tratado de Compiègne (11 de novembro de 1918), havendo um retorno à normalidade do sistema de comércio internacional.
As mercadorias transportadas pela empresa aumentaram de 451.315 toneladas, em 1914, para 949.631 toneladas, em 1918, tendo caído para 490.230 toneladas em 1920. A ampliação da frota com antigos navios de bandeira alemã trouxe um aumento considerável nos custos de manutenção. Essas deficiências foram agravadas pela obsolescência dos navios, pela manutenção de várias rotas não lucrativas e pelas baixas tarifas de frete e passageiros impostas pelo mercado internacional.
Para o Brasil, a década de 1920 representou um período de transição de uma economia baseada num modelo de acumulação de consideráveis rendas provenientes das exportações agrícolas, cujo principal fator de renda era o complexo cafeeiro, para um novo modelo de acumulação baseado no capital industrial. Esse quando gerou as condições necessárias para a ruptura promovida pela Revolução Brasileira de 1930 (Aureliano, 1981). Pesquisadores brasileiros consideram que a trajetória da empresa de navegação “Lloyd Brasileiro” é consistente com as flutuações dinâmicas da economia brasileira no século XX (Filho, 2009, p. 27).
Após investigar os documentos sob custódia do Arquivo Diplomático do Ministério das Relações Exteriores da Romênia em Bucareste, foram identificadas duas das iniciativas empresariais brasileiras para conectar os portos sul-americanos aos portos romenos. Em 1924, após uma série de ideias testadas pelos círculos econômicos e diplomáticos romenos e brasileiros, as partes interessadas no Rio de Janeiro esboçaram o projeto para estabelecer uma linha de navegação direta entre o Brasil e a Romênia, com navios da Companhia “Lloyd Brasileiro”. A empresa brasileira de navegação tinha vários navios alemães antigos em condições técnicas razoáveis e capazes de atender à rota planejada pelos sul-americanos. O principal motivo pelo qual uma linha marítima entre os portos brasileiros e romenos não foi estabelecida foi a falta de uma empresa comercial que pudesse garantir sua existência.
O empreendedor cônsul romeno I. A. Wraubek conseguiu encontrar uma maneira de movimentar os círculos empresariais na capital brasileira e, após a publicação de sua obra Um intercâmbio de grande e absoluta vantagem para o Brasil, um grupo de capitalistas no Rio de Janeiro decidiu fundar uma empresa, a “Associação de Intercambio Brasil - Próximo Oriente”, por meio da qual seriam lançadas as bases para as ligações comerciais diretas entre o Brasil e a Romênia.29 Os círculos empresariais brasileiros criaram essa empresa com base na concessão feita pelo governo romeno em 1921, que praticamente admitiu a criação de um armazém gratuito para mercadorias brasileiras em Galaţi ou Constança. Sob essas condições, a Romênia poderia se tornar um centro de reexportação para todos os países vizinhos.30
A partir do verão de 1924, os navios da empresa de navegação “Lloyd Brasileiro” foram requisitados pelo Ministério da Guerra do Brasil para transportar as tropas que lutavam contra os rebeldes que haviam se retirado para os cantos mais remotos deste vasto país. O levante paulista ocorreu principalmente nos arredores de São Paulo, entre 5 e 28 de julho de 1924. Os insurgentes eram comandados pelo general Isidoro Dias Lopes. A revolta envolveu vários oficiais do exército brasileiro que estavam insatisfeitos com o padrão de vida e a política do presidente brasileiro. Mais de quinhentas pessoas morreram e cerca de 5.000 ficaram feridas nos tumultos de rua. A rebelião causou a migração temporária de mais de 250.000 habitantes do estado de São Paulo para outras regiões do Brasil, e a luta de guerrilha continuou até o fim da Revolução de 1930 (Corrêa, 1976; Segatto, 1987).
A linha de transporte marítimo entre o Brasil e a Romênia tinha como objetivo reduzir o preço de todos os produtos de alta necessidade e dos artigos de origem tropical, que eram caros devido aos muitos intermediários interpostos entre o produtor sul-americano e o consumidor na região do Baixo Danúbio. A abertura de uma linha marítima direta entre os portos da América do Sul e da Romênia teria criado uma saída para muitas indústrias e para os principais produtos do solo e do subsolo da região dos Cárpatos, Danúbio e Mar Negro. A indústria romena teria se beneficiado, a preços razoáveis, das matérias-primas necessárias para aumentar sua produção.
Certo da importância de criar uma conexão marítima entre a Romênia e o Brasil, I. A. Wraubek continuou a apoiar os esforços dos empresários e políticos interessados em uma linha de navegação direta entre a América do Sul e o Mar Negro. Em dezembro de 1924, o jornal Universul, de Bucareste, publicou trechos do documento Un interschimbrate de mare e absolute necessità pentru Brazilia, assinado pelo cônsul romeno no Rio de Janeiro. O documento enfatizou que “a ligação direta entre esses dois países latinos, situados em dois continentes diferentes, é de fato uma necessidade que ambos os lados admitem”].31 O plano do diplomata romeno previa que o porto de Brăila se tornasse o ponto final de um itinerário transatlântico, como um centro comercial para os estados dos Bálcãs. O projeto foi abandonado pelo lado romeno por causa dos altíssimos custos de implementação (Cândea; Turcu, 1970, p. 62–63).
Durante o verão de 1927, o engenheiro romeno Carol Sontag, de Bucareste, deu várias palestras para instituições econômicas, incluindo a Sociedade Rural Brasileira e a Câmara de Comércio de Santos. Ele mencionou a importância do tráfego do Danúbio para a Europa Central e, indiretamente, as ligações benéficas para o comércio brasileiro casou houvesse uma linha de navegação que ligasse o Brasil aos portos de Constança, Galaţi e Brăila. A concisão das apresentações do engenheiro romeno e sua documentação minuciosa deixaram uma impressão muito boa nas autoridades brasileiras e no ambiente de negócios, e a imprensa local fez comentários com teor favorável à nova teoria anunciada pelo orador romeno: um novo projeto de uma rota navegável permanente entre os portos brasileiros e romenos.32
A nova iniciativa teve como base as tentativas do governo romeno em apoiar o comércio direto com o Brasil. Em 1926, as autoridades de Bucareste criaram armazéns permanentes com o privilégio de “porto livre” para as mercadorias brasileiras, as quais chegavam ao porto de Galaţi e eram destinadas à Romênia e à Europa Central e Oriental. O uso desses armazéns teria trazido uma redução de 30% nos preços; porém, de qualquer forma, eles eram aumentados por impostos de trânsito e armazenamento, etc.33
Outro contexto favorável às relações comerciais entre a Romênia e o Brasil surgiu em 1927. Em 28 de julho de 1927, por iniciativa de alguns parlamentares brasileiros, um projeto de lei foi apresentado à Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro solicitando que o governo brasileiro subsidiasse uma linha regular de navios entre os portos de Santos e Galaţi. Mais uma vez, isso mostrou que havia um longo caminho entre o projeto e a conclusão. A solicitação de julho de 1927 estava fadada ao fracasso.34
Apesar da celebração de vários acordos comerciais entre a Romênia e o Brasil adotados no espírito das recomendações da Liga das Nações, os esforços para estabelecer uma ligação marítima direta entre os portos brasileiros e romenos se tornaram mera ilusão após a Queda de Wall Street (1929) e no contexto da crescente interferência de regimes totalitários na região do Baixo Danúbio no final da década de 1930. Apesar dessas deficiências, em 1934, uma empresa romeno-brasileira (“ROBRA”) foi criada em Bucareste, principalmente com o objetivo de eliminar as casas comerciais intermediárias em Amsterdã, Trieste e Hamburgo do setor de exportação de café brasileiro para o mercado romeno. Durante o mesmo período, foi criada a empresa “BRANIA”, por meio da qual pequenas quantidades de petróleo foram exportadas da Romênia para o Brasil (AMAE, Brasil, v. 1, f. 56r–60r).
As iniciativas de criar empresas de navegação e uma linha permanente entre os portos brasileiros e romenos faziam parte da nova conjuntura econômica e diplomática internacional da primeira década do período entre guerras. A efervescência do ideal nacional romeno, a dissolução dos grandes impérios ao redor da Romênia e os desenvolvimentos tecnológicos criaram as condições para uma melhor conexão entre a área a oeste do Mar Negro e a costa oeste do Oceano Atlântico. Se os primeiros anos após a Grande Guerra foram caracterizados por uma migração romena substancial para os territórios brasileiros, os testemunhos dos primeiros aventureiros no El Dorado agrícola sul-americano produziram, no final da década de 1920, uma estagnação na partida de outros cidadãos romenos para as plantações da América do Sul. Implicitamente, houve declínio no tráfego de passageiros dos portos do Danúbio e de Constança para o Rio de Janeiro e Santos.
Nessas circunstâncias, também houve um declínio no interesse dos círculos políticos e empresariais brasileiros em desenvolver empresas de navegação como a “Associação de Intercâmbio Brasil - Próximo Oriente”, fundada às margens do Oceano Atlântico em 1924. A classe política em Bucareste finalmente pôde relaxar após as extensas revelações da mídia sobre as condições deploráveis de trabalho e de vida dos trabalhadores romenos na América Latina. Isso tornou muito mais fácil para eles ignorarem os apelos dos parceiros sul-americanos para um diálogo sobre a oferta de facilidades econômicas em solo romeno. As iniciativas para criar uma linha marítima direta entre os portos brasileiros e romenos também foram interrompidas.
De qualquer forma, o esboço de projetos parcialmente concretizados para criar empresas de transporte marítimo e linhas diretas entre os portos da área ampliada do Mar Negro e portos do Brasil foi um ponto essencial no processo de “conhecer o outro”. Esse gesto criou premissas para um diálogo sobre futuras oportunidades empresariais entre os dois povos latinos.
