DOSSIÊ: FORMAS TEXTUAIS, IMAGINAÇÃO E HISTORICIDADE

A centralidade do Brasil no discurso luso-tropical de Gilberto Freyre na revista O Cruzeiro (1952-1961)

The Centrality of Brazil in Gilberto Freyre’s Luso-Tropical Discourse in the Magazine O Cruzeiro (1952-1961)

ALBERTO LUIZ SCHNEIDER
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

A centralidade do Brasil no discurso luso-tropical de Gilberto Freyre na revista O Cruzeiro (1952-1961)

Varia Historia, vol. 41, e25010, 2025

Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais

Received: 30 April 2024

Revised document received: 22 November 2024

Accepted: 1 November 2024

RESUMO: O objetivo do presente artigo é investigar a produção intelectual de Gilberto Freyre no que se refere ao luso-tropicalismo, atento ao lugar de centralidade e de exemplaridade ocupado pelo Brasil no pensamento do autor ao longo da década de 1950, início dos anos 1960, com destaque para fontes pouco exploradas, em particular, sua contribuição jornalística na revista semanal O Cruzeiro (Rio de Janeiro), da qual foi colunista regular entre 1948 e 1967. O luso-tropicalismo não é lido como mero suporte ideológico ao colonialismo português – ainda que Freyre de fato tenha emprestado apoio à ditadura liderada por António Salazar –, mas sim como uma construção discursiva que confere ao Brasil uma posição central, na qual o país é visto como destino promissor às “províncias ultramarinas”, desde que mantido o colonialismo sob prisma luso-tropical, ou seja, sob as premissas contidas no pensamento de Gilberto Freyre daquele período.

Palavras chave: Gilberto Freyre, Luso-tropicalismo, Revista O Cruzeiro.

ABSTRACT: This article aims to investigate Gilberto Freyre’s intellectual production regarding Luso-tropicalism, focusing on the central and exemplary role Brazil played in Freyre’s thinking during the 1950s and early 1960s. It particularly emphasizes less studied sources, notably his journalistic contributions, especially in the weekly magazine O Cruzeiro (from Rio de Janeiro), where Freyre was a regular columnist from 1948 to 1967. In this article, Luso-tropicalism is not solely considered as an ideological support for Portuguese colonialism—despite Freyre’s support for Salazar’s dictatorship—but rather as a discursive construction that attributes a central and significant position to Brazil. Therefore, Freyre presents the country as a promising destination for the “overseas provinces” as long as colonialism is maintained, but viewed through his Luso-tropical perspective.

Keywords: Gilberto Freyre, Luso-tropicalismo, O Cruzeiro magazine.

O luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, manifesto em livros como Aventura e rotina (1953a), Um brasileiro em terras portuguesas (1953b), mas também Integração portuguesa nos trópicos (1958c) e O luso e o trópico (1961a), tem recebido importantes estudos. Muito menos estudada, no entanto, é a produção intelectual de Freyre na imprensa brasileira, em particular na revista semanal O Cruzeiro (Rio de Janeiro), na qual o luso-tropicalismo foi um tema constante ao longo da década de 1950 e começos da década de 1960. É justamente sobre isso que este artigo busca inovar, uma vez que estudiosos da produção freyreana passaram ao largo de sua continuada intervenção na imprensa (Dalmonte, 2009), em particular na revista O Cruzeiro, com poucas exceções (Schneider, 2023). O artigo busca ainda demonstrar a dimensão transnacional em torno de uma “federação luso-tropical”, em que se pode notar certo Brasil-centrismo como dimensão incontornável do luso-tropicalismo, especialmente nos textos dedicados ao grande público, por meio da revista O Cruzeiro.

Um traço fundamental do pensamento social de Gilberto Freyre é o da centralidade da vida privada e da cultura em sentido antropológico. Casa-grande & Senzala (1933), dedicado à colônia, e Sobrados e Mucambos (1936), concentrado na vida urbana do século XIX, conferem grande importância à vida social, ao passo que a presença do Estado e da vida pública são mais limitados. Na década de 1950, Freyre passou a ter grande preocupação com o ordenamento internacional, marcado por um processo de crescente politização e defesa do colonialismo português na África. Mais importante, para Freyre, era a manutenção das “províncias ultramarinas”, especialmente Angola e Moçambique, não só submetidas a soberania e domínio português, também sob a órbita da influência brasileira.

As teses luso-tropicais esposadas por Freyre não implicam apenas em determinada leitura do passado, mas comportam um projeto de futuro que confere certo protagonismo geopolítico ao Brasil. Em outras palavras, a inequívoca defesa da manutenção do colonialismo português não é mera apologia ideológica ao regime salazarista, ainda que o sociólogo pernambucano tenha, de fato, se aproximado do regime português. Como se verá ao longo do texto, a construção de um pensamento luso-tropical comporta uma interpretação histórica e cultural, o que inclui aspectos geopolíticos que poderíamos definir como Brasil-cêntricos.

O TEMPO DO LUSO-TROPICALISMO

A produção luso-tropical de Gilberto Freyre é um discurso da década de 1950. No entanto, suas origens intelectuais remontam, pelo menos, a 1937, quando Freyre proferiu três palestras em Portugal, posteriormente publicadas em livro – o primeiro, em 1938, intitulado Conferências na Europa, depois reeditado em 1940 com o famoso título O mundo que o português criou. No entanto, a proximidade com o regime liderado por António de Oliveira Salazar foi construída a partir da viagem que Gilberto Freyre faria às “províncias ultramarinas” entre agosto de 1951 e fevereiro de 1952. Não é o caso de aprofundar as circunstâncias da viagem, mas cabe ressaltar que o convite do ministro do Ultramar português, Sarmento Rodrigues, buscou controlar os passos do intelectual brasileiro por meio de diferentes organismos de Estado, tanto em Portugal, como nas colônias, apesar da alegada “independência” reivindicada por Freyre. O regime não apenas custeou os encargos da viagem, como articulou com os governadores para “determinar em grande medida o circuito. Esperava-se em retribuição, um livro, respaldado no prestígio internacional de Freyre” (Castelo, 2021, p. 27).

A longa viagem selaria a aproximação de Freyre com o colonialismo português do pós-guerra, e rendeu os livros Aventura e rotina e Um brasileiro em terras portuguesas, ambos publicados em 1953 pela mais prestigiosa das editoras brasileiras, a José Olympio, que também editava outros livros de Freyre, inclusive Casa-grande. Aventura e Rotina (1953a) é o mais importante rebento da viagem. Trata-se de um diário de viagem escrito no calor da hora, no qual Freyre narrou as suas impressões da viagem, sempre em favor das suas teses, fortemente marcadas pelo elogio da aludida dimensão transcontinental da herança portuguesa – que, na leitura de Freyre, é mais católica e universalista do que racial e nacionalista.

De acordo com documentação de época levantada por Claudia Castelo (2021, p. 44), o ministro Sarmento Rodrigues ficou satisfeito com o livro. As teses contidas em Aventura e rotina, sobre a excepcionalidade portuguesa marcada “pelo amor e não pelo interesse material e a exploração predatória dos recursos e mão-de-obra local”, bem como pelas teses segundo as quais a nação portuguesa era uma formação “multicontinental e multirracial; que novos Brasis estavam em construção em Angola e Moçambique”, foram bem recebidas pelo ministro.

Para Freyre, a diversidade da colonização portuguesa nos trópicos não impedia uma unidade essencialista, pois portadora de características comuns, herdadas da natureza histórica e cultural dos colonizadores lusos. As múltiplas regiões do globo nascidas da expansão portuguesa teriam sido marcadas pela convivência multiétnica e pela mestiçagem, pois os portugueses se adaptariam como nenhum outro europeu aos trópicos, aclimatando-se. Instalados em climas quentes, os colonizadores portugueses teriam gerado um ambiente antes “cristocêntrico” do que “etnocêntrico”, mais interessado na propagação da fé católica do que nas imposições das modernas noções de supremacia racial branca criadas pelo Ocidente moderno. Aqui são nítidos os ecos do iberismo de autores como Ángel Ganivet e Miguel de Unamuno, para quem a antiga cultura ibérica e católica era singular e valiosa e, como tal, não deveria ser sacrificada em nome da modernidade burguesa, liberal e industrial do Ocidente moderno, traços que deixaram importantes marcas na obra de Gilberto Freyre (Bastos, 2003; González-Velasco, 2021; Schneider, 2022). Certas “influências estrangeiras”, como o arianismo, que teria expressão no racismo dos Estados Unidos, estariam associadas ao utilitarismo capitalista e ao protestantismo puritano.

A apologia à mestiçagem e à interpenetração de culturas, a percepção positiva da herança ibérico-católica, bem como o elogio à adaptação portuguesa aos trópicos, são teses anteriores ao luso-tropicalismo. Mais do que isso, são pilares fundamentais de toda a obra de Freyre, marcada por uma interpretação otimista da experiência histórica brasileira. Claudia Castelo (1999) observa que os escritos de Freyre dos anos 1930 foram ignorados ou mesmo rejeitados pelos intelectuais salazaristas, não apenas pela positivação da miscigenação, mas também pelo elogio às heranças árabe, judaica e africana atribuídas à formação histórica e cultural de Portugal. Após Aventura e Rotina (1953a), porém, a percepção do trabalho de Freyre nos círculos salazaristas ganhará outro sentido, muito mais politizado.

No pós-guerra, as teses de Gilberto Freyre sobre a vocação portuguesa para os trópicos foram penetrando nos círculos intelectuais e políticos ligados ao regime português. Percebeu-se a utilidade da formulação freyreana, cujas ideias serviriam aos setores interessados em modernizar, para manter, a presença portuguesa na África, tornando-a compatível com os novos tempos, em que as pressões anticoloniais vinham de toda parte. A derrota do nazifascismo avolumou as críticas à ditadura portuguesa, que viriam a crescer ainda mais com a força dos movimentos de independência na África (Rampinelli, 2004).

A revisão do Ato Colonial1 em 1951, quando as colônias viraram “províncias ultramarinas”, foi uma resposta do regime salazarista às significativas mudanças no clima político internacional. As reformas de superfície e a modificação da terminologia buscavam associar a posse dos territórios, sobretudo na África, a uma suposta unidade nacional portuguesa, concorrendo para legitimar a integração dos territórios coloniais, como demonstra ampla bibliografia (Enders, 1997; Castelo, 1999, 2019, 2021; Léonard, 2001; Thomaz, 2002; Rampinelli, 2004; Maxwell, 2006; Pinto, 2009; Schneider, 2012, 2023; Cahen, 2018; Cahen; Matos, 2018; Bastos, 2019; Anderson; Roque; Santos, 2019; Feldman, 2021, 2023).

Observemos que foi justamente em 1951, quando Gilberto Freyre recebeu o convite do ministro do Ultramar para viajar às “províncias ultramarinas”, que o regime reformulou a legislação e os termos que empregava. Retórica que Freyre adotou em seus textos dos anos 1950. O elogio à mestiçagem e à aclimatação dos portugueses aos trópicos será adotado, em grande parte, por influência direta de Gilberto Freyre. As noções de cultura substituíram as noções biologizantes de raça na interpretação das colônias, agora transformadas discursivamente em “províncias ultramarinas”. Nas palavras de João Medina (2000, p. 49), os condicionamentos culturais e políticos do pós-guerra conduziram a ditadura de Salazar “a uma nova formulação ideológica mais sofisticada, agora com o tão útil e oportuno suporte achado na colaboração de prestigiante, activa e politicamente assumida por parte de Gilberto Freyre”.

A extinção do Ato Colonial e a Constituição de 1951, que propugnavam por uma nação “una, pluricontinental e multirracial”, buscavam justamente dar respostas a esse contexto de progressivo isolamento internacional de Portugal. A introdução da retórica da “assimilação” que o regime passou a adotar contribuiu decisivamente para a aproximação entre as demandas políticas do salazarismo e a produção intelectual de Gilberto Freyre no pós-guerra, quando o sociólogo pernambucano afirmava, com ainda mais ênfase, a condição do Brasil como país ibero-americano e mestiço, portador de uma cultura singular e capaz de integrar diferentes raças e culturas ou, em síntese, uma “democracia étnica”.

Quando viajou às “províncias ultramarinas”, Gilberto Freyre tinha plena consciência das implicações políticas da sua viagem, mas a defendeu como uma espécie de imersão antropológica “apolítica”. Afirmou também que “a simples democracia política cada dia me interessa menos” (Freyre, 1953a, p. 41), atualizando suas antigas teses iberistas, que minimizavam a importância das instituições liberais. Embora supostamente “apolítico”, ao voltar ao Brasil, Freyre fora encarregado por Salazar a entregar pessoalmente uma edição de Os Lusíadas – com encadernação adornada em prata e pedras preciosas – a ninguém menos que o presidente Getúlio Vargas, cujas relações com o salazarismo eram excelentes, o que atraiu a atenção da imprensa brasileira e, também, da portuguesa (Dávila, 2010, p. 40).

Não faltou quem, à época, considerasse Aventura e rotina e Um brasileiro em terras portuguesas mera propaganda salazarista. É evidente que Freyre permitiu que sua obra fosse apropriada pelo regime, embora o sentido de seu pensamento vai além de simples suporte da ditadura e do colonialismo português daquele período. Sem minimizar a historicidade da obra, há evidentes vasos comunicantes entre a reflexão do primeiro Gilberto Freyre, dos anos 1930 e 1940, e o segundo Freyre, do pós-guerra, cujo centro da produção intelectual orbitou em torno das teses luso-tropicais, em que se vê um intelectual animado por uma clara defesa da herança luso-ibérico-católica, que teria ensejado a mestiçagem e a interpenetração de culturas, de algum modo refratárias da modernização econômica e política do Ocidente. Convém insistir que Freyre via o capitalismo de extração norte-americana e a democracia liberal com desconfiança.

A obra do autor no pós-guerra – que aqui se denomina como um segundo Gilberto Freyre – deixou pelo caminho decepções em antigos admiradores. Antonio Candido, em texto publicado na Folha de S. Paulo em 19 de junho de 1987, em alusão a morte de Freyre, comenta a radicalidade e a inovação de seu pensamento, que teria iluminado jovens intelectuais dos anos 1930 e 1940, mas que depois, agrega Candido, “mudou bastante. Mudou demais”:

[A obra de Freyre] sacudiu uma geração inteira, provocando nela um deslumbramento como deve ter havido poucos na história mental do Brasil [...]. Os velhos amigos ainda falavam dele como um homem despretensioso, cheio de humor, irreverente até a molecagem, misturando à linha aristocrática uma grande simpatia pelo povo, que o levava a combater as ditaduras2 e acreditar nas virtudes de mestiçagem como fator democrático, que deveria produzir nestes trópicos uma civilização ao mesmo tempo requintada e popular, herdeira da Europa e criadora de um nobre timbre próprio. [...] Depois disso, no correr dos anos, mudou bastante. Mudou demais (Candido, 1987).

Cristiana Bastos observa que intelectuais cabo-verdianos, que haviam considerado Casa Grande & Senzala um livro inspirador para interpretar sua própria sociedade, também decepcionaram-se com Aventura e Rotina, pois Freyre não ficou muito impressionado com a miscigenação em Cabo Verde (Bastos, 2019, p, p. 246). Apesar das decepções e oposições que a obra do segundo Freyre despertou, o intelectual pernambucano nunca recuou de sua leitura otimista frente à formação brasileira, apresentada como exemplo de convivência étnica e originalidade cultural. Talvez o pouco entusiasmo com que viu Cabo Verde se explique porque Freyre viu no país africano, mais a África do que outro Brasil. Freyre parece dizer que, em Cabo Verde, como em outras colônias, haveria a necessidade de mais infusão de cultura e de gente portuguesa, logo, de mais colonialismo, para vir, no futuro, a se parecer com o Brasil, o paradigma luso-tropical por excelência. Aliás, em Freyre, passado, presente e futuro estão sempre em diálogo.

Em Aventura e rotina (1953), o autor desenvolveu a ideia de que as noções de tempo dos ibéricos e dos povos tropicais guardavam certas semelhanças, em função da herança oriental dos povos peninsulares, de modo que uns e outros não sacrificavam o presente em nome do futuro. Em outras palavras, não compartilhavam da percepção de que “time is money”, como faziam os povos protestantes do norte da Europa, mais utilitaristas e previdentes. Ibéricos e tropicais partilhariam a noção do “tempo criativo”, em que passado, presente e futuro seriam estágios temporais intercomunicáveis. Um tempo social miscível, cuja apreensão seria capaz de integrar as três camadas de tempo, predominando, por vezes, um ou outro estágio.

A noção de “tempo tríbio” – percepção alimentada pela leitura de Unamuno e Ortega y Gasset – foi apresentada como uma singularidade da noção de tempo ibérico, que teria ajudado a conectar os colonizadores peninsulares às culturas não ocidentais. Essa discussão reaparece em vários outros livros de Freyre. Tal argumentação faz parte dos seus esforços para explicar a alegada facilidade dos ibéricos em geral, e dos portugueses em particular, de compreender os povos tropicais e com eles estabelecer trocas culturais criadoras de uma nova cultura, já luso-tropical.

O LUSO-TROPICALISMO NA REVISTA O CRUZEIRO

Para bem compreender as posições políticas e intelectuais de Gilberto Freyre, além dos livros dedicados ao tema, é fundamental estudar sua atuação na imprensa periódica de grande impacto público. É neste espaço que Freyre levantava questões e dava respostas ao sabor do cotidiano político, sem o filtro e o distanciamento que as obras mais elaboradas permitiam, além de atingir públicos muito mais amplos, com foco absoluto na opinião pública brasileira. A revista O Cruzeiro era uma publicação de grande prestígio e alcance. De grande circulação, o periódico tinha como público-alvo a classe média urbana, atenta ao consumo e à modernização, cuja linha editorial pode ser definida como liberal-conservadora. Em termos geopolíticos, a linha editorial alinhava-se aos Estados Unidos na Guerra Fria (Barbosa, 2000). No entanto, vale ressaltar que um veículo de comunicação de grande porte, como foi a revista O Cruzeiro, não pode ser lido como homogêneo, monolítico ou estático. A própria coluna de Freyre foi se modificando ao longo dos seus quase 20 anos de publicação, servindo ao intelectual pernambucano de diferentes modos: do revide contra seus críticos até a promoção de seus aliados e de sua agenda, como o luso-tropicalismo.

A revista semanal, publicada no Rio de Janeiro, possuía circulação efetivamente nacional, de Porto Alegre a Manaus, garantida pelo suporte empresarial de um grande grupo de comunicação, os Diários Associados, liderado por Assis Chateaubriand, com quem Freyre tinha certa proximidade.3 A revista O Cruzeiro buscava representar o Brasil em suas páginas, interessada em concorrer para integração nacional, valorizando as diferentes regiões do país. A contribuição de um intelectual identificado com o Nordeste, mas de projeção internacional, como era o caso de Gilberto Freyre, servia aos propósitos da revista. Outros escritores de projeção nacional nela escreviam, como Nelson Rodrigues, Austregésilo de Athayde, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Millôr Fernandes, entre outros nomes.

A enorme tiragem de O Cruzeiro dava aos textos de Freyre a possibilidade de acessar um público que seus livros, de circulação erudita, não podiam alcançar. O extenso período de vigência da coluna, chamada “Pessoas, coisas e animais” (1948-1967), corresponde ao período de maior influência da revista, cujo auge deu-se na década de 1950, quando a publicação chegava a 200 mil exemplares, mas atingiria cerca 550 mil volumes por semana no início da década de 1950 (Gava, 2003). Observemos que o período em questão corresponde à produção do discurso luso-tropical.

Após Casa-grande & Senzala, publicada em 1933, Freyre passou a ocupar um lugar de destaque na vida pública brasileira, com extensa participação na imprensa, cujo alcance pode ter exercido papel decisivo na difusão de sua interpretação do Brasil. A revista O Cruzeiro foi o principal veículo utilizado pelo autor para alcançar grandes públicos em escala nacional, concorrendo para rotinizar certa imagem do país, como a tese da democracia racial (Schneider, 2023, p, p. 13-24). As questões em torno do luso-tropicalismo e de suas relações com Portugal e seu regime foram assuntos recorrentes, como se verá adiante.

Na coluna “Voltando a Portugal”, de 20 de outubro de 1951, publicada durante a sua famosa viagem à Portugal e às províncias ultramarinas, é nítida a aproximação dele com o regime de Salazar, como são nítidos os fundamentos do luso-tropicalismo. No texto, Freyre (1951, p. 10) exibe, uma vez mais, sua lusofilia:

Toda vez que chego a Lisboa – e esta é a quinta ou a sexta vez – minha impressão é a de tantos outros brasileiros: a de que volto. Não me sinto de modo algum em Portugal turista em país pitoresco ou em terra exótica, mas nativo entre valores maternos. Formamos portuguêses, brasileiros e lusos-descendentes da África, da Ásia e das ilhas um mundo verdadeiramente só. Em Portugal nenhum brasileiro se sente, a não ser tecnicamente, estrangeiro.

No texto, é absolutamente clara a ideia de que portugueses, brasileiros e “lusos-descendentes da África, da Ásia e das ilhas” seriam portadores de uma unidade não apenas linguística, mas também cultural e emocional e, por consequência, identitária. Na continuidade da coluna, Freyre afirma, com “particular emoção”, que:

Considerado, desta vez, hóspede de Portugal, pelo seu Governo, é com particular emoção que verifico não ser um estranho aos portuguêses de Portugal. Vejo que sou por êles reconhecido um brasileiro independente e um escritor desinteressado que, se vem proclamando em seus livros e em suas conferências em universidades européias, norte-americanas e latino-americanas as virtudes lusitanas, é por ter encontrado, através do estudo, motivo e base para reagir contra a lenda ou ficção maliciosa de ter sido o português, ou continuar a ser, um povo de incapazes (Freyre, 1951, p. 10).

Freyre sabia que seria criticado pela sua aproximação com o regime de Salazar. Por isso busca apresentar-se como como homem de “estudo”, “desinteressado”, cujo objetivo era distanciar-se do regime, exibindo-se como um intelectual “independente”. Não era fácil se distanciar da imagem de um homem politizado, com inclinações à direita. Freyre havia sido deputado federal pela UDN de Pernambuco para o mandato de 1946-1950. Na eleição seguinte tentou, sem sucesso, ser reeleito. Como parlamentar, no entanto, Freyre já atuara em favor das teses luso-tropicais. Vejamos:

Quando, sem ser político, vi-me inesperadamente eleito, por iniciativa e insistência de estudantes independentes do meu país, membro da Assembléia Constituinte de 1946 e a seguir, deputado ao Parlamento Nacional, uma das emendas ao projeto da Constituição pelas quais me bati com maior empenho, ao lado de outros constituintes, foi a que visou facilitar gradualmente, e não de um golpe ou de repente, a cidadania comum para brasileiros, portuguêses e lusos-descendentes da África, da Ásia e das ilhas. É que chegara, não por devaneio sentimental, mas pelo estudo e estudo crítico, à conclusão de que somos, do ponto de vista sociológico, um só povo, que no futuro, através de cidadania comum, ou quase comum, se fortalecerá na sua unidade transnacional sem prejuízo da diversidade regional ou nacional de cada um dos seus grupos. Esta continua minha convicção (Freyre, 1951, p. 10).

É importante observar que Freyre buscava uma alternativa aos polos envolvidos na luta política da Guerra Fria e pensava em termos de uma federação de países e regiões, cuja diversidade política não impediria uma unidade cultural e uma identidade comum. Outro aspecto a se destacar é que Freyre tentava preservar a condição de intelectual reconhecido por “universidades européias, norte-americanas e latino-americanas”. Cabe lembrar que as credenciais, naquele momento, eram efetivas, como sugere a tradução em inglês de Casa-grande & Senzala, em 1946, pela editora Alfred Knopf, e a tradução francesa, em 1952, pela Gallimard.4

Um dos aspectos mais evidentes da produção intelectual de Freyre é a sua condição de antigo lusófilo e iberista. Em oito de março de 1952, portanto pouco depois de seu retorno ao Brasil, é publicada a coluna “Corrigindo um equívoco”. No texto, Freyre dizia ter sido acusado, “num jornal do Brasil”, como “um antigo ‘Jacobino’, hoje ‘lusófilo’”. Ao que o próprio Freyre responde:

Engano. Nem devo ser considerado hoje “lusófilo” absoluto, incapaz de ver com olhos críticos os homens e as coisas lusitanas, nem é certo que eu tenha sido, em qualquer tempo, “Jacobino” que, por excesso de nativismo, fôsse hostil a Portugal. Não me lembro de ter jamais sabido separar Portugal do Brasil. Não me lembro de ter precisado ser hostil a um para bem amar o outro. Cresci entre os velhos livros de meu Avô que por gôsto ou temperamento fôra mais afeiçoado a autores portuguêses que a brasileiros. Mais amigo de historiadores e pensadores, que dos chamados ficcionistas. Seus autores prediletos foram Camões, Vieira, Frei Luís de Sousa, Castilhos, Herculano, dos quais sabia páginas inteiras de cor. E essas páginas eu as li ainda menino, impregnando-me desde muito novo do passado português. Era, entretanto, êsse meu Avô brasileiro velho e não recente. De muitas gerações no Brasil e não apenas de uma ou duas. Brasileiríssimo da silva embora não própriamente da selva (Freyre, 1952a, p. 10).

A frase final da citação, em que Freyre brinca com os termos Silva e selva, roça de modo nítido o preconceito contra indígenas, além de apresentar o avô como representante da antiga nobreza da terra. A passagem também deixa clara a sua leitura sobre a condição dos descendentes de portugueses “quinhentistas”, colonizadores, antes como patrícios do que como plebeus. Como sabem seus biógrafos, “Gilberto de Mello Freyre, também era Cavalcanti, Albuquerque e Wanderley de velhas estirpes pernambucanas, por consanguinidades ou colateralidades ancestrais” (Chacon, 1993, p. 29). O sentimento luso-brasileiro teria cedo aparecido nele como um jovem estudante em universidades norte-americanas: “cercado de estrangeiros senti-me tão português quanto brasileiro em face de anglo-saxões”. Freyre considerava Portugal “inseparável do Brasil. Inseparável no meu amor e inseparável na minha crítica” (Freyre, 1952a, p. 10).

Em 12 de julho de 1952, Freyre usa a coluna “Outros pontos nos ii” para responder a Rachel de Queiroz, ainda comunista, que havia criticado o fato de o intelectual pernambucano ter aceitado o convite “do ministro do Ultramar de Portugal”. O texto começa com a seguinte frase: “receberei da admirável escritora que é Rachel de Queiroz lições em qualquer das artes liberais. Mas não em assuntos de ética” (Freyre, 1952b, p. 10). Depreende-se da leitura da coluna que o que mais lhe incomodou não foi a acusação de aliança tácita ou explícita com o regime português, mas de que teria aceitado o convite por interesses financeiros.

Que desculpe a ilustre sinhá cearense esta aparente falta de galanteria do seu velho admirador pernambucano. E perdoa ao caturra, tocado no que considera sua honra de escritor, qualquer má palavra neste artigo personalíssimo, de quem apenas se defende de uma leviandade angolana (Freyre, 1952b, p. 10).

Por “leviandade angolana”, Freyre se referia a possível crítica que teria chegado ao Brasil vinda de Luanda, por meio de adversários do regime português. O colunista insistia que, “como escritor e quase político”, vivia uma “vida tão limpa quanto as mais limpas”. E agrega:

Sabe a admirável Rachel quais os desejos do Ministro do Ultramar? Que eu visse as coisas ultramarinas com olhos livremente críticos. Que anotasse deficiências. Que sugerisse retificações. Que prolongasse o mais possível a viagem. E às autoridades recomendou que evitassem festas, discursos, excessos de cortesia oficial (Freyre, 1952b, p. 10).

Chama atenção que Gilberto Freyre não escondia ser um partidário das reformas do regime de Salazar. O incômodo, insista-se, era com a acusação de possíveis vantagens pecuniárias. Por alguma razão, Freyre preferia evidenciar sua proximidade com o “ministro do Ultramar”, Sarmento Rodrigues, que noutro texto o definiu como homem não só de Estado, mas também de estudo. Na coluna “Viagem ao ultramar português”, de oito de novembro de 1952, Freyre registrou a existência de críticas relativas à sua viagem ao “Ultramar Português”. Explicita que o convite partiu de Sarmento Rodrigues, talvez para se distanciar de Salazar. Para minimizar o significado político da viagem – lido pelos críticos como apoio à ditadura de direita –, Freyre afirmava ter recebido “carta em que o grande escritor brasileiro Jorge Amado, vindo da Rússia e da China”, anunciava convites por parte “de russos e chineses para visitar, como escritor independente, as duas fascinantes repúblicas socialistas” (Freyre, 1952c, p. 48).

Nessa mesma coluna, Freyre ainda lembrava o convite “da União Indiana para voltar ao Hindustão como convidado e hóspede de honra do avançado govêrno, socialmente democrático, presidido por J. Nehru”. O colunista se mostrava disposto a aceitar o convite “dêsses russos, dêsses chineses e dêsses indianos”, o que não faria dele um homem de “esquerda”, assim como ter aceitado visitar o Portugal de Salazar não teria comprometido a sua “independência”, nem sua “honra de escritor e estudante de Sociologia” (Freyre, 1952c, p. 48). As críticas “de furiosos anti-salazaristas” seriam “pitorescas”, insiste Freyre: “Por quanto te comprou Salazar, ó tartufo?”, teria perguntado um dos seus críticos. O colunista rebate a acusação de vender-se “ao fascista Salazar”. E aproveitou para anunciar o livro dedicado à sua viagem:

o livro [terá] por título Aventura e rotina: À procura das constantes portuguêsas de caráter e ação. Será acompanhado por outro volume com discursos e conferências que proferi em Portugal e no Ultramar Português e na União Indiana [referência a Um brasileiro em terras portuguesas]. (Freyre, 1952c, p. 48).

Ainda na coluna, Freyre afirmava que, naquele mês de novembro, entregaria “ao editor: texto e fotografias”. Entre as fotografias, o autor aparece ao lado do “Professor Oliveira Salazar” (Freyre, 1952c, p. 48). É insofismável a aproximação com o ditador português. A referida foto foi publicada, em tamanho grande, na abertura de Aventura e Rotina, com a seguinte legenda: “Na residência, em Lisboa, do Presidente do Conselho de Portugal: o autor, já pronto para sair, ouve um reparo do Professor Oliveira Salazar, cheio do melhor humour; quando há humour, pode haver divergência até profunda de ideias” (Freyre, 1953a). Ao mesmo tempo em que deixa nítida sua aproximação com Salazar e o salazarismo, faz questão de aludir as “divergências até profundas de ideias”, buscando certo afastamento do regime, como quem antevê as críticas e busca respondê-las e amainá-las.

Nas colunas da revista O Cruzeiro também é possível perceber a proximidade de Freyre com os setores mais jovens e modernizadores do regime. Na coluna “O professor Marcelo Caetano”, de 17 de agosto de 1957, Freyre defendia explicitamente “três professores”. O texto é desbragadamente simpático ao regime português, onde elogia Marcelo Caetano, que seria “um dos três professôres que compõem há anos o govêrno português, dando-lhe dignidade universitária: o Professor Oliveira Salazar e o Professor Paulo Cunha são os outros dois” (Freyre, 1957, p. 82). Se em outros textos ele buscou certo equilíbrio entre elogios e críticas ao salazarismo, embora predominassem os elogios, aqui a visão é inteiramente favorável aos jovens salazaristas. Na sua concepção, Marcelo Caetano, seria:

um homem público que sabe ser político e lidar com problemas de administração, conservando-se fiel à sua ciência e às suas letras. Daí a obra admirável que realizou como Ministro do Ultramar e que teve como continuador imediato outro administrador de visão larga: o Comodoro Sarmento Rodrigues. Hoje, em cargo de maior responsabilidade política – o de Ministro da Presidência – o Professor Marcelo Caetano continua a servir a República com uma lucidez, uma segurança de saber, uma objetividade na ação, que lembram as virtudes do estadista máximo de Portugal neste século: o também Professor – professor de Coimbra – Oliveira Salazar (Freyre, 1957, p. 82).

As palavras são explícitas e de contundente defesa do governo Salazar. O elogio a Marcelo Caetano, que, mais tarde, viria a sucedê-lo, mostra um Freyre interessado em defender o projeto luso-tropical, no qual o Brasil ocupa lugar central, mais do que convencionalmente se imagina.

O LUSO-TROPICALISMO COMO EXPRESSÃO DE CERTO BRASIL-CENTRISMO

A partir da atuação de Freyre na imprensa, a aproximação com o salazarismo dos anos 1950 fica ainda mais nítida e politizada, atingindo públicos que possivelmente seus livros não atingiriam. Não é possível, no entanto, reduzir a interpretação da obra de Freyre apenas à conjuntura política daqueles anos, embora os textos do pós-guerra não deixassem de responder ao momento. Se, por um lado, a aliança com o regime de Salazar, inclusive o colonialismo, é inequívoca, resta entender os pilares da construção intelectual do pensamento de Gilberto Freyre que expliquem a aliança.

A hipótese experimentada por este artigo é de que o luso-tropicalismo, entre outras perspectivas, representa o esforço de colocar o Brasil no centro de uma federação de países e regiões de língua e cultura ibéricas, em particular portuguesa. Para Freyre, era vital a manutenção das “províncias ultramarinas”, especialmente na África, não apenas sob jurisdição portuguesa, mas sob a órbita da influência brasileira. João Alberto da Costa Pinto, que não estudou o luso-tropicalismo na imprensa, restringindo-se à produção freyreana nos livros, já havia notado que a produção luso-tropical de Freyre era um “projeto brasileiro de hegemonia geopolítica e não meramente de apologia ao regime salazarista” (Pinto, 2009, p. 467).

Outras pesquisas, igualmente centradas na produção livresca de Freyre, têm apontado a importância do Brasil na leitura luso-tropical (Schneider, 2022; Feldman, 2023). No entanto, o chamado de Brasil-centrismo é ainda mais vibrante e nítido nas colunas da revista O Cruzeiro, pois nelas Freyre dialogava diretamente com o público brasileiro. Na produção freyreana dos anos 1950 e do início dos 1960 na imprensa, o Brasil-centrismo é ainda mais explícito, em função da natureza dos textos, curtos, publicados em periódico de grande circulação, voltados a um público não especializado, em diálogo com o calor dos acontecimentos políticos e culturais, na velocidade própria da imprensa.

Em sete de julho de 1956, na coluna “O Brasil: suas atuais responsabilidades fora da América”, Freyre defendia o protagonismo do Brasil, cujo destino seria liderar as “democracias étnicas” instaladas nos trópicos, em referência aos países latino-americanos, a fim de conter o “imperialismo nórdico”. Na longa, mas produtiva citação a seguir, veremos Freyre questionar diretamente seu amigo, o diplomata aposentado Maurício Nabuco – filho do eminente Joaquim Nabuco –, que havia defendido a tese de que o Brasil deveria circunscrever sua área de atuação diplomática nas Américas, especialmente na América do Sul. Freyre questionava essa ideia, em linha com o luso-tropicalismo.

Será verdade que devemos nos desinteressar políticamente dos povos tropicais de outros continentes? Será ‘literatice’ pensar-se na possibilidade de marchar o Brasil, na ONU por exemplo, ao lado dêsses povos, na defesa de causas ou interêsses comuns? Devemos nos desinteressar políticamente dos povos árabes? Devemos nos desinteressar políticamente das províncias portuguêsas da África e do Oriente? São perguntas, estas, que merecem alguma atenção da parte dos que hoje no Brasil orientam a política internacional da República. Talvez não devamos nos preocupar exclusivamente com a política continental: também, até certo ponto, com a política extra-continental em zonas ou regiões tropicais onde a presença lusitana cria de algum modo responsabilidades para o Brasil. É que, como membro do conjunto lusitano de províncias espalhadas nos trópicos, já não pode o Brasil insistir em ser apenas um Estado americano, alheio a outras responsabilidades e relações de caráter senão político, quase político (Freyre, 1956, p. 34).

É absolutamente clara a perspectiva freyreana de ver na África de colonização portuguesa uma área de máximo interesse brasileiro, logo, prioridade diplomática do Brasil.5 Mais do que servir a Salazar, ainda que o servisse, Freyre buscava um lugar de centralidade para o Brasil. O diplomata Luiz Feldman, alimentado por questões de ordem internacional e de política externa, observa que há na produção luso-tropical de Freyre uma “ideia de ordem mundial” marcada pelo “vislumbre da grandeza ultramarina não de Portugal, mas do Brasil” (Feldman, 2023, p. 110).

De fato, para Freyre, as emancipações políticas das colônias africanas de Portugal as tornariam vulneráveis às potências em disputa na Guerra Fria. Por isso, argumenta, seria preferível estar sob a proteção de uma comunidade luso-tropical, em que o Brasil seria um líder mais generoso, do que estar sob a tutela “anglo-saxônica” de um lado e a “russo-soviética” de outro (Enders, 1997, p. 201-210). Roger Bastide, autor de Brasil, terra de contrastes, publicado na França em 1957, de certo modo seguindo Freyre, também se entusiasmava em apresentar o Brasil como uma alternativa viável à hegemonia da União Soviética e dos Estados Unidos:

Nesta federação, o Brasil, sem nenhuma dúvida, ocuparia uma posição inteiramente privilegiada: em primeiro lugar, devido à sua população de cor, que formaria a transição necessária entre o Portugal branco e o Portugal africano; e também devido à proximidade relativa entre o Brasil e a colônia portuguesa de Angola (Bastide, 1959, p. 249).

Na coluna publicada em 25 de janeiro de 1958, significativamente intitulada “A solução federalista”, Gilberto Freyre afirmava que acabara “de participar de uma reunião deveras interessante do ‘Instituto Internacional de Civilizações Diferentes’”, com sede em Bruxelas, e cujo secretário-geral é um “antigo e experimentado ministro belga do Ultramar, M. Pierre Wigny” – tratava-se de organismo evidentemente vinculado ao colonialismo europeu. Freyre defendia dois princípios: dar “direitos civis e políticos” a “não-europeus, em áreas ainda marcadas pela presença européia” e a “conveniência de ir-se quanto possível – como os portuguêses já têm ido – à própria fusão étnica, além da cultural” (Freyre, 1958a, p. 32).

A observação de Freyre era coerente com sua visão, segundo a qual a colonização portuguesa seria diferente, pois levaria à “integração” entre europeus e não europeus, na qual a miscigenação racial e cultural ocuparia um lugar central. Freyre defendia uma espécie de federação política que integrasse os africanos ao sistema europeu, como uma resposta aos “problemas criados na África pelos atuais movimentos anti-europeus”. A alternativa seria a federalização, “abrindo aos povos africanos a possibilidade de se ligarem aos povos europeus, através de sistemas federalistas de relações” (Freyre, 1958a, p. 32). Como se pode notar, Freyre defendia reformas como uma estratégia de contenção dos movimentos anticoloniais. No trecho a seguir, aparece inteira a visão de Freyre sobre a questão colonial naquele momento histórico:

Sou dos que acreditam que para essa solução – a federalista – devemos caminhar brasileiros, portuguêses e os povos de formação portuguêsa da África e do Oriente. Daí me parece inadequado, além de arcaico, pra essas relações, o conceito de “comunidade lusíada” ou de “comunidade luso-brasileira”; é necessária a sua substituição pelo conceito dinâmicamente sociológico de comunidade luso-tropical, que prevê desde já a presença da Angola, de Moçambique, da Índia portuguêsa nesse sistema federal, como outros Portugais ou outros Brasis, empenhados em formarem um sistema supranacional de cultura, de economia e de política do qual desapareça a sombra da velha e arcaica relação: metrópole-colônia (Freyre, 1958a, p. 32).

Freyre construiu um olhar transnacional para o “mundo que o português criou” que foi, claramente, apropriado pelo regime de Salazar, com evidente anuência de Freyre. O luso-tropicalismo foi marcado pelo elogio à miscigenação, não só biológica, mas sobretudo cultural. No entanto, se pensarmos no primeiro Gilberto Freyre, a mestiçagem brasileira era de mão dupla, pois tropicalizava e amorenava os brancos, tanto quanto ocidentalizava, ou lusitanizava, ou mesmo abrasileirava, os negros, os indígenas e os imigrantes e seus descendentes, cada vezes mais mestiços, logo, mais brasileiros. No entanto, sugere o antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, que na África de colonização portuguesa, a mestiçagem que o segundo Freyre enxergava no passado-presente e a desejava ainda mais no futuro, parecia operar em “mão única” (Thomaz, 2002, p. 279-280), pois deveria lusitanizar e catolicizar os pretos, mais do que os brancos se entregariam a africanização.

Seja como for, a apologia que Freyre fazia às relações entre brancos e pretos não despertava maiores entusiasmos nos círculos salazaristas, nem nos anos 1950, a não ser como recurso pragmático e ideológico. Freyre claramente idealizava o “modo português de estar no mundo”, mais preocupado com a permanência de longa duração, que não raro deslizava para o imaginário. No entanto, a defesa de “uma sociedade transnacional” era um fato evidente e não se confundia com mera propaganda salazarista (Pallares-Burke; BURKE, 2009, p. 305), ainda que Freyre tenha se aliado ao regime de modo inequívoco. Alberto da Costa e Silva observa que:

Gilberto Freyre pensava então numa grande comunidade de língua portuguesa, integrada pelo Brasil, e, ao que parece, estava tão seduzido por esse projeto aglutinador que julgou ser possível que as possessões de Portugal ficassem fora do desmanchar dos impérios europeus na África e na Ásia, que ele considerava iminente (Costa e Silva, 2001, p. 22).

Na “federação luso-tropical”, de acordo com a narrativa de Freyre, o Brasil ocuparia um lugar central inclusive pelo peso demográfico, econômico e geopolítico, maior que o de Portugal. Além disso, Freyre via o Brasil como uma espécie de mediador entre a Europa e o mundo tropical, especialmente a África. Em 22 de julho de 1961, na coluna “O Brasil, mediador entre a Europa e o trópico”, o autor chamava atenção para a “responsabilidade brasileira” frente aos “povos tropicais”. Ele se referia às áreas de colonização portuguesa na África como partes de uma “civilização específica”, em clara alusão ao que entendia ser uma unidade na diversidade, a dos “povos” nascidos a partir da expansão portuguesa. Observemos a argumentação de Freyre:

A um brasileiro apercebido dos seus deveres de solidariedade para com os povos que pertencem ao seu mesmo tipo de civilização específica, não podem deixar de interessar aquelas populações como a de Goa, a de Moçambique, a de Angola, a da Guiné, que olham para o Brasil, em geral, e para São Paulo, em particular, como para uma evidência irrecusável de que talvez esteja em nosso tipo de civilização a solução mais adequada aos problemas de encontro de europeus com não-europeus em regiões tropicais e quase tropicais. Donde a necessidade de cada vez mais passarmos, os brasileiros, a pensar, a sentir e a agir como um povo em grande parte responsável pelo destino de outros povos, separados de nós por grandes distâncias físicas porém próximos de nós pelas formas de cultura; e cujo futuro, como cultura em desenvolvimento, talvez seja inseparável do futuro brasileiro (Freyre, 1961c, p. 94).

Aqui o Brasil-centrismo é evidente, sem comprometer a visão iberista de Freyre – antes o contrário, contendo-a, pois o Brasil é considerado um grande rebento da civilização ibero-católica. Freyre apresentava o país como um “destino” desejável para “povos” nascidos do “encontro de europeus com não-europeus em regiões tropicais e quase tropicais”. Observemos que ele não utilizava a expressão “colonização” portuguesa ou europeia, mas emprega o amigável “encontro”, que teria gerado um contato amaciador de polaridades intransponíveis, capaz de produzir interpenetração em zonas tropicais, tal como teria havido na América portuguesa. Daí que, na argumentação de Freyre, o Brasil – como Estado e sociedade – deveria dar máxima atenção às áreas de colonização portuguesa na África e Ásia, devidamente elencadas por ele: Goa, Moçambique, Angola, Guiné, regiões que seriam “inseparáveis do futuro brasileiro”.

É importante observar que o luso-tropicalismo é uma resposta a uma pergunta cara para toda uma geração de intelectuais interessados em pensar o país enquanto nação: qual o lugar do Brasil no mundo? Nos anos 1950 e no começo dos anos 1960, Freyre descreve o Brasil como líder de uma vasta gama de espaços inter-regionais, na condição de uma totalidade geográfica, histórica e cultural. Ou, em suas palavras, uma bem-sucedida nação moderna nos trópicos, que deveria assumir seu papel no mundo, sem submeter-se à bipolaridade em tempo de agudização da Guerra Fria. Logo, reduzir a explicação do luso-tropicalismo, de forma monocausal, a uma espécie de rendição de Freyre ao salazarismo, por mero engajamento conservador, é uma resposta simplista.

É necessário compreendermos a dimensão geopolítica do luso-tropicalismo, alimentado por um iberismo de fundo, bem como a convicção de que o Brasil e a alegada “democracia étnica” de fato representariam uma alternativa aos países multiétnicos nascidos da experiência colonial. O exato avesso do Brasil, pensava, era o apartheid na África do Sul. Para Freyre, o Brasil tinha credenciais para liderar um pedaço do mundo de herança ibérica. Em “Brasil, líder da civilização tropical”, de primeiro de julho de 1961, Freyre repercutia o livro que acabara de publicar – Uma política transnacional de cultura para o Brasil de hoje (1961) –, cujo tema era justamente o hispano e o luso-tropicalismo. No texto, o autor descrevia o Brasil como protagonista do moderno mundo tropical e mestiço:

Ao Brasil de hoje, abrem-se oportunidades de povo condutor de povos tropicais, acompanhadas de responsabilidades que se não forem assumidas pelos brasileiros terão de ser assumidas – e assumidas exclusivamente – pelos indianos ou pelos árabes unificados, pela Venezuela ou pelo México, ficando os brasileiros reduzidos a uma situação politicamente inerme entre êsses povos quando, sob outros aspectos, sua civilização simbióticamente luso-tropical ou hispano-tropical talvez seja a mais criadora e a mais dinâmica das modernas civilizações que se desenvolvem nos trópicos; e uma das raras em que êsse desenvolvimento se verifica não sob a forma de um esfôrço antieuropeu ou sob o aspecto de uma atividade apenas subeuropéia mas sob esta configuração: a de uma civilização predominantemente cristã, senão nos seus motivos, nas suas formas de vida, que se integra no trópico sem renunciar ou repudiar o que no seu passado europeu é susceptível de tropicalização (Freyre, 1961b, p. 62).

Dois aspectos chamam atenção na leitura de Freyre. Por um lado, o aspirado ativismo brasileiro não seria uma confrontação antieuropeia. Por outro, reivindica uma dimensão cristã, leia-se, católica. A ideia, tantas vezes retomada nas colunas da revista O Cruzeiro, é um recado à diplomacia e ao governo brasileiro, de que o Brasil deveria assumir seu papel no mundo. Convém lembrar que o ideário de Freyre, transnacional e iberista, apesar de sua passagem pela UDN e suas inclinações conservadoras, é muito diferente do que era proposto pelos liberais brasileiros, que pleiteavam aliança umbilical com os Estados Unidos no contexto da Guerra Fria. Para Freyre, o Brasil, como uma moderna democracia étnica, erigida e adaptada aos trópicos, estava em condições de representar e liderar a América Latina e outras partes do mundo, na África e na Ásia.

É sob o aspecto político que o Brasil, como líder máximo de civilização luso-tropical e como um dos líderes principais, senão o principal, das modernas civilizações nos trópicos mais dinâmicamente modernas, se mostra ineficiente. Ineficiente e em desarmonia com seus desenvolvimentos noutros planos de cultura: os apolíticos. Não que à sua política exterior tenha faltado nos últimos decênios a dignidade, a compostura clássica, a fleugma apolínea que a distingue, fazendo dela a diplomacia por excelência clássica das Américas, as outras por vêzes se extremando, por essa falta de ânimo clássico ou de atitude apolínea que, na diplomacia brasileira, é uma tradição vinda da formação monárquica do Brasil, em rompantes de antidiplomacia (Freyre, 1961b, p. 62).

Freyre insiste que a tradição do Itamaraty derivara do Barão do Rio Branco, personagem de herança monárquica, como também fora o caso de Joaquim Nabuco. Como se sabe, tanto Rio Branco como Nabuco eram referências importantes para Freyre.6 A outra era Oliveira Lima, não por coincidência também um intelectual monarquista. Além de ver positivamente a dimensão monárquica e lusitana, Freyre valorizava as tendências supostamente conciliadoras da formação brasileira, também elas associadas à monarquia, diferente do suposto sectarismo das repúblicas hispano-americanas:

Ao Brasil não faltam condições para nação conciliadora de antagonismos entre repúblicas vizinhas – as de formação espanhola – prejudicadas por vêzes, na sua amizade internacional, pelo excesso de semelhanças de que falava Ganivet. Para realizar êsse trabalho político de conciliação [...] o Brasil está em situação ideal pelo fato de ser de tôdas parente próximo, pela comum origem ibérica, completada, no caso da maioria delas, pela comum condição de países tropicais ou quase tropicais; [...] Além do que, a experiência monárquica o investe de uma particularidade de sabedoria política no trato vivo e direto de certos problemas que faltam às nações americanas desde sua independência (Freyre, 1961b, p. 62).

A valorização da “experiência monárquica” é clara, seguindo, inclusive, argumentação dos saquaremas, os representantes do Partido Conservador ao longo do Império, críticos do federalismo e das repúblicas, que frequentemente usavam a experiência republicana da América hispânica como comprovação da tendência conflitiva e desagregadora representada por esses regimes (Lynch, 2014). Para Freyre, a experiência histórica luso-brasileira conferia ao Brasil a condição de líder do mundo ibero-católico e de outras nações modernas de origem colonial, em particular nos trópicos, que não deveriam ser meras imitações dos Estados Unidos ou da Europa Ocidental:

Foram os trópicos uma parte do mundo em processo de uma modernização que será vã e precária se significar descaracterização em sub-Europa ou em sub-Estados Unidos, ou em subclima, ao contrário do que vem sucedendo naquelas áreas de formação hispânica em que das relações simbióticas entre hispanos e tropicais, entre europeus e o trópico, vem resultando um novo tipo de civilização com diferenças regionais de substância étnica e de base econômica, é certo, de um país para outro, mas com semelhanças preponderantes de formas de cultura sôbre aquelas diferenças de substâncias (Freyre, 1961b, p. 62).

A citação acima deixa claro que Freyre reconhece grande diversidade entre os povos “hispanos” (que Freyre entendia como sinônimo de ibéricos). Essas diferenças poderiam ser tanto de base econômica quanto étnicas e culturais, mas se aproximariam em função da origem comum, ibero-católica, e por estarem nos trópicos, em sentido climático e antropológico. Haveria, portanto, nesse encontro entre a “gente hispânica” com os trópicos, uma interpenetração de culturas em condições que teriam gerado certa proximidade cultural e social. Caberia ao Brasil a tarefa de liderar esse mundo culturalmente próximo, de formação mestiça, herança católica e ambientação tropical.

Mais do que pura e simples defesa do Império português em crise e do regime ditatorial de Salazar, o luso-tropicalismo pode ser lido como uma consequência política e cultural da defesa freyreana das antigas tradições culturais ibéricas, identificadas como alternativa válida e criativa à modernidade ocidental triunfante. Ao aproximar-se de Portugal, da Espanha, da América Latina e da “África portuguesa”, Freyre imaginava, nos anos 1950, um caminho alternativo ao liberalismo industrial anglo-norte-americano e do “comunismo soviético”.

Em tempos de Guerra Fria, ele atualiza o iberismo às condições contemporâneas, conferindo ao Brasil uma posição de aspirada centralidade. Gilberto Freyre apresenta, portanto, como já vinha fazendo desde Casa-grande & Senzala, o Brasil como um exemplo do sucesso da presença portuguesa no mundo, uma civilização tropical, uma “potência média” que nunca deixou de ser “lusitana” e católica, logo, ibérica, sendo também um “povo criador e ativamente extra-europeu”, em condições de liderar o “desenvolvimento extra-europeu” das regiões de língua portuguesa (Freyre, 1953b, p. 150).

O tema é indissociável da interpretação freyreana na qual o Brasil seria senão uma perfeita “democracia étnica”, expressão que Freyre preferia à democracia racial – a mais avançada sociedade multiétnica em termos de convívio, de integração e de tolerância. Convém observar que a noção de “democracia étnica”, ou democracia racial, é um discurso polissêmico e histórico, na medida em que não teve o mesmo significado ao longo do tempo.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a tese da democracia racial era empregada como uma oposição democrática ao nazifascismo, ao colonialismo e ao segregacionismo mais violentamente racista vivenciados no sul dos Estados Unidos e na África do Sul. A ideia da democracia racial teve múltiplos agentes e múltiplas agendas, com usos e significados distintos. Na primeira metade do século XX, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, foram muitos os intelectuais progressistas e ativistas, inclusive negros, a defender a tese racial (Guimarães, 2019). No pós-guerra, o debate racial, com a crescente politização da raça, muda de perspectiva.

Como temos visto, o luso-tropicalismo é uma formulação intelectual do pós-guerra e serviu para modernizar e legitimar o colonialismo português na África sob liderança da ditadura de Salazar. No mesmo momento, no Brasil, a tese da “democracia étnica”, expressão que Freyre usava na revista, passou a servir, de modo crescente, ao que se poderia definir como uma espécie de ideologia brasileira, não raras vezes assumida pelo conservadorismo doméstico, especialmente a partir da ditadura militar, como uma estratégia para negar ou minimizar o racismo. Cabe insistir que a tese da “democracia racial” não pode ser vista de modo unívoco, alheio a sua historicidade e a multiplicidade de significados e agentes (Guimarães, 2019; 2012). No entanto, o luso-tropicalismo, um discurso dos anos 1950, começo dos 1960, é inseparável da tese segundo a qual o Brasil seria uma “democracia étnica”. São duas faces da mesma moeda marcadas por vasos comunicantes.

Na coluna “O Brasil, democracia étnica”, de seis de junho de 1953, Freyre mencionava a presença de pesquisadores “norte-americanos a serviço da Unesco”.7 O editorial de uma “nova e brilhante revista do Rio” – é provável que o texto tenha sido publicado na revista Manchete, que nasceu em 1952 para concorrer com a revista O Cruzeiro – havia sugerido que Freyre exagerava quanto à ideia de “democracia étnica”. O autor respondeu dizendo que nunca pretendeu “dar aos leitores a impressão de sermos, os brasileiros, uma perfeita democracia étnica”, mas ainda reafirmava a tese:

Evidentemente o autor do editorial conhece meus livros e artigos só de visita. E desejando, talvez, ser agradável aos pesquisadores norte-americanos, que acabam de realizar interessante pesquisa no interior da Bahia, foi inexato e injusto com o brasileiro que os precedeu não só no estudo, sob critério moderno, do assunto, como no modo de caracterizar o que existe no Brasil de democracia étnica (Freyre, 1953c, p. 44).

O colunista insistia que não havia afirmado “que essa democracia fôsse entre nós pura, perfeita, absoluta”, mas a “democracia étnica” existente seria “superior a quantas existem hoje neste mundo”. Embora houvesse racismo e preconceito, eles não seriam sistêmicos:

É o caso do Brasil que, como democracia étnica, chega a ser um exemplo não só para a União Indiana como para os Estados Unidos, não só para o Peru como talvez para a própria União Soviética: porventura a única grande nação de hoje que se aproxima do Brasil como democracia étnica (Freyre, 1953c, p. 44).

Cabe colocar que Gilberto Freyre mostrava-se crítico ao comunismo soviético em dezenas de colunas em O Cruzeiro – assim como toda a revista, engajada na Guerra Fria (Grisolio, 2014). Mesmo assim, não deixava de mencionar positivamente a União Soviética como uma possível “democracia multiétnica” em construção, realizando no presente o que o Brasil já havia realizado no passado. Ou seja, em termos de “democracia étnica”, o Brasil estaria muito à frente dos Estados Unidos, quando a segregação racial era ainda institucionalizada,8 e à frente da União Soviética, que era multiétnica, mas não miscigenante, de modo que o Brasil andava na vanguarda do mundo.

O que podemos chamar de Brasil-centrismo, mais nítido na produção freyreana na imprensa, também aparece diversas vezes em obras mais elaboradas, como Aventura e rotina (1953). No livro, Freyre refere-se a um jovem jornalista angolano que sonhava com o Brasil:

Um jornalista com quem estou sempre – rapaz de talento que sonha dia e noite com o Brasil: em ir para o Rio ou São Paulo – é português de nascido em Angola: e tem muito mais de brasileiro do que de português na Europa. O mesmo direi do fotógrafo que me tem fotografado vários dos aspectos de população e de paisagem mais interessantes para minha observação da vida e da atividade angolana: é um perfeito brasileiro. Até na fala, o português nascido na Angola ou aqui há várias gerações parece antes brasileiro do que português. No brasileiro como que se antecipou de modo definitivo o tipo de luso-tropical apenas esboçado na velha Índia dos primeiros casamentos mistos de português com orientais ou mouras; ou, em escala apenas experimental, na Madeira, e São Tomé e Cabo Verde. Pequenos laboratórios em que começou apenas a aventura étnica e de cultura que, no Brasil, tomaria proporções monumentais (Freyre, 1953a, p. 20).

Como se pode ver, o Brasil para ele é apresentado como a realização monumental do “mundo que o português criou”. É também o destino pelo qual, no futuro, desde que mantida a colonização lusa, os africanos se desafricanizariam, pois assimilados à condição de luso-tropicais, de modo que seus países seriam o que o Brasil já era: uma “democracia étnica”, mestiça e moderna, integrada ao Ocidente. A continuidade do colonialismo luso, com que parecia sonhar Freyre, era uma via menos para glória e satisfação econômica da velha metrópole ibérica, e mais um caminho para realização de outros Brasis. Afinal, só o Brasil era luso e tropical, sinais claros de que Freyre enxergava nas colônias portuguesas, em especial na África, Brasis na infância. Em inconfundível verve freyreana, o autor via Angola como um “Espírito Santo alongado em Sergipe”, com alguma coisa de São Paulo; São Tomé e Príncipe como uma “ilha quase baiana”; Moçambique lembraria “alguma coisa do Recife”; enquanto Cabo Verde seria “uma espécie de Ceará desgarrado no meio do Atlântico” (Freyre, 1953a, p. 287, 397, 388, 499).

No futuro, as Áfricas “lusas” viriam a ser Brasis, mas, no presente, Portugal não bastava para garantir a continuidade do colonialismo e precisava do que Freyre chamava de “responsabilidade” brasileira, que funcionasse como fiadora do colonialismo português e que, a certo prazo, seria beneficiária e líder dessa federação de “povos de língua portuguesa”. Povos que, afirmou em Um brasileiro em terras portuguesas, seriam “uma das maiores federações que o mundo já viu: a federação dos povos de [...] tradições luso-cristãs” (Freyre, 1953b, p. 242).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil, como o maior país ibérico, católico e mestiço do mundo, estaria em condições de assumir o protagonismo em defesa de uma “terceira força”. Em O luso e o trópico, livro de 1961, Freyre afirmava a inequívoca liderança brasileira:

há um desafio ao Brasil [...] no sentido de se tornar o nosso país, como líder que é, sob vários aspectos [...] da civilização luso-tropical, um ativo mediador entre o Ocidente e o Oriente, entre a Europa ou a América Setentrional e o Trópico (Freyre, 1961a, p. 179).

Luiz Feldman nota, com acerto, que Freyre vinha elaborando “uma visão própria sobre o ordenamento mundial, de que o luso-tropicalismo seria um desenvolvimento” (Feldman, 2023, p. 106). Não é objeto deste artigo refletir sobre a repercussão do pensamento de Freyre na política externa, brasileira ou portuguesa, mas é tema relevante, que se conecta com o Brasil-centrismo contido no luso-tropicalismo construído pelo intelectual pernambucano no pós-guerra.

Nos anos 1950, a respeitabilidade internacional das teses de Freyre ainda eram notáveis, a ponto de a Assembleia Geral da ONU, em 1954, convocá-lo para que redigisse um relatório sobre o apartheid na África do Sul. Mas vale a pena observar que Freyre se opunha a medidas legais para combater o racismo, pois, para ele, não seria o Estado democrático e igualitário, nos limites do liberalismo, que combateria o racismo, mas sim a formação de uma cultura “antropologicamente aberta” – a qual poderia ser fomentada por campanhas educativas (Dávila, 2010, p. 23-24). Freyre enxergava as sociedades latino-americanas em geral, e o Brasil em particular, como modelos de convivência multiétnicos, uma autêntica “democracia étnica”, apesar de preconceitos pontuais.

Essa percepção nasce de uma antiga convicção freyreana que remonta ao início de sua atividade intelectual: racistas por excelência seriam as sociedades estadunidense e sul-africana, pois herdeiras da noção de superioridade racial dos povos protestantes da Europa burguesa, como holandeses e anglo-saxões. Tratava-se de uma clara oposição aos ibéricos, aristocráticos como Quixote ou populares como Sancho, mas católicos sempre, tidos como não racistas, pois formados antropologicamente na cultura da mestiçagem, e marcados por certa herança oriental, herdada de judeus e muçulmanos, desde outros tempos e caracterizados pela convivência multiétnica.

Por mais aliado ao salazarismo que Freyre fosse, e de fato era, o luso-tropicalismo não é mera justificativa do colonialismo praticado pelo regime de Salazar, mas um projeto, antes de mais nada, brasileiro. Em “O Brasil, mediador entre a Europa e o trópico”, de 22 de julho de 1961, citando o “professor Roger Bastide”, Freyre afirma que o intelectual francês:

reconhece ter o Brasil se tornado potência demasiado grande para limitar seu destino à América do Sul. É uma nação que tem, a seu ver, papel internacional a desempenhar no Mundo de hoje. E refere-se, a êsse propósito, à idéia de uma federação de países de língua portuguêsa, infelizmente sem considerar, como devia ter considerado, a base sociológica para uma tal federação de evidente importância política, oferecida por aquêles seus colegas brasileiros que vêm sugerindo a especificidade de uma civilização dinâmicamente luso-tropical: civilização em desenvolvimento e não estabilizada. Idéia a que opõe a de uma “missão mais bela” – palavras suas – para o Brasil que seria a de pertencer o mesmo Brasil, de modo evidentemente mais efetivo, a um mundo latino que, a seu ver, deve erguer-se entre o mundo anglo-saxônico e o mundo eslavo, para salvar valores hoje ameaçados. A civilização latina estaria na Europa sob o perigo de imobilizar-se em formas arcaicas. O Brasil poderia concorrer para o seu revigoramento. E, desempenhando êsse papel, seria a grande nação mediadora entre a América, a África e a Europa (Freyre, 1961c, p. 94).

A longa citação é muito importante, pois Freyre usa a credibilidade de Roger Bastide para defender sua proposta – e ainda chama a atenção do francês por não ter citado devidamente “colegas brasileiros”, ou seja, ele mesmo. Freyre deixava claro que o Brasil poderia ser o mediador entre a Europa e os trópicos africanos e asiáticos, e renovador da cultura ibero-latina. O Brasil, pensava ele, deveria assumir sua “missão” no mundo, desempenhando o papel de líder dos países ibérico-tropicais:

Em certo sentido, e à revelia de políticos brasileiros ainda arcaicos em seus métodos de fazer política, é uma missão que já está sendo desempenhada pela cultura brasileira através dos seus Villa-Lobos, dos seus arquitetos modernos, dos seus pintores atuais, de alguns dos seus modernos pensadores e cientistas sociais (Freyre, 1961c, p. 94).

Ao falar de “arquitetos modernos”, obviamente referia-se a Oscar Niemayer e Lúcio Costa, os construtores da recém-inaugurada Brasília. Ao falar em “pintores”, certamente tinha em mente Di Cavalcanti e Portinari, e ainda pintores pernambucanos como Vicente Rêgo Monteiro e Cícero Dias. Entre os modernos “pensadores e cientistas sociais”, aludia a ele mesmo. Para Gilberto Freyre, na cultura moderna, o luso-tropicalismo já existia, e era sobretudo brasileiro.

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Notes

1 O Ato Colonial baixado em 1930 e confirmado na Constituição de 1933 foi um instrumento jurídico destinado a regular o relacionamento entre a metrópole e as colônias sob marcos claramente raciais e “civilizadores”. A própria legislação referia-se aos “domínios ultramarinos de Portugal” como “colónias e constituem o Império Colonial Português” (Castelo, 1999, p. 46).
2 Referência a oposição de Freyre a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Como se sabe, Freyre apoiou a ditadura militar de 1964.
3 As relações entre Gilberto Freyre e o paraibano Assis Chateaubriand eram antigas e remontavam ao Recife, quando o segundo formou-se em Direito e trabalhou, no começo dos anos 1920, no Diário de Pernambuco, onde também atuava o jovem Gilberto. A propósito, entre 1931 e 1934, o velho jornal passou a pertencer aos Diários Associados, de um já poderoso Chateaubriand (Morais, 1994).
4 A recepção francesa de Casa-grande & Senzala recebeu, nos últimos anos, dois excelentes livros Trata-se de Mestiça cientificidade: três leitores franceses de Gilberto Freyre e sua máxima consagração no exterior (2020), de Giselle Martins Venancio e André Furtado. E o não menos esclarecedor Escrita histórica e geopolítica da raça – a recepção de Gilberto Freyre na França, de Cibele Barbosa (2023).
5 Não há espaço para aprofundar as questões de ordem diplomática nos limites desse artigo, mas convém observar que a argumentação freyreana circulou entre diplomatas brasileiros que atuaram em países da África entre as décadas de 1950 e 1970. Sobre isso, ver: Davila (2010, 20, 2011). Sobre relações entre a política externa do governo JK, o regime colonial de Salazar e o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, ver Rampinelli, (2004).
6 Os monarquistas Barão do Rio Branco (1845-1912) e Joaquim Nabuco (1949-1910) foram filhos de proeminentes homens do Império, caso de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco (1819-1880), e José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813-1878).
7 A Comissão da Unesco criada para estudar as relações raciais no Brasil, no início nos anos 1950, acabou por desconstruir a ideia de que o Brasil seria uma sociedade marcada pela harmonia racial. Os estudos revelaram a existência de preconceitos e de discriminação racial, o que implicou em tensões com a tese de Gilberto Freyre. Sobre o assunto, ver: Maio, 1999; 2019).
8 Entre 1955 e 1968, nos Estados Unidos, o movimento pelos direitos civis dos negros norte-americanos ocupou um lugar de destaque nas cenas política e intelectual, na luta por reformas legais que abolissem a discriminação e a segregação racial no país. Os conflitos se agudizaram a partir de 1955 e 1956, por meio de grandes mobilizações que culminariam na emergência de Martin Luther King como importante líder afro-americano (Arsenault, 2006).

Author notes

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