DOSSIÊ: ESCRAVIDÃO, COTIDIANO E DINÂMICAS DE MESTIÇAGENS NOS MUNDOS IBÉRICOS (SÉCULOS XVI-XVIII): ESPAÇOS, MOBILIDADE, ACORDOS E CONFLITOS

Os limites da autonomia. Experiências de liberdade de escravizados no litoral da Bahia, século XIX

The Limits of Autonomy. Experiences of Freedom of Enslaved People in Litoral of Bahia, 19th Century

ALEX ANDRADE COSTA
Universidade Federal da Bahia, Brasil

Os limites da autonomia. Experiências de liberdade de escravizados no litoral da Bahia, século XIX

Varia Historia, vol. 41, e25027, 2025

Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais

Received: 30 March 2024

Revised document received: 2 November 2024

Accepted: 27 September 2024

RESUMO: Este artigo analisa as diferentes estratégias utilizadas por escravizados e libertos para constituírem uma economia própria e os usos que fizeram do pecúlio. O estudo se concentra na primeira metade do século XIX, em algumas das regiões litorâneas da Bahia com economia voltada à produção de alimentos de subsistência. Utilizando-se de variadas fontes, especialmente os processos-crimes e os livros de notas, esta pesquisa se debruça na análise do cotidiano das pessoas cativas e egressas do cativeiro e suas lutas pela sobrevivência, argumentando que a escravidão em zonas de economia de subsistência e com senhores pobres, ampliava as oportunidades de autonomia, embora relativa, mesmo que pressionadas pelas adversidades e pelo desespero.

Palavras chave: Autonomia escrava, Bahia, século XIX.

ABSTRACT: This article examines the various strategies employed by both enslaved individuals and freed slaves to establish their own economy and utilize their generated wealth during the first half of the 19th century. It specifically focuses on some coastal regions of Bahia, where the economies were primarily geared towards producing subsistence foods. By leveraging multiple sources, prominently criminal records and notarial notebooks, the study delves into the daily lives of those within and outside of enslavement, highlighting their continuous struggle for survival. It posits that the nature of slavery in regions dominated by subsistence economies and economically disadvantaged masters provided increased, albeit relative, opportunities for slave autonomy. This autonomy was pursued despite the presence of adversity and despair.

Keywords: Slave autonomy, Bahia, 19th century.

Joaquina era nascida em algum lugar da África Ocidental, talvez na região da Baía do Benim ou mais ao centro daquele continente, no território que veio a ser chamado de Angola. Como muitas pessoas do seu tempo trazidas à força para o Brasil, só sabemos sua origem genérica de “africana”. Era viúva e, com aproximadamente 58 anos de idade, ainda vivia como escravizada de João Caetano da Rocha, o que devia ter lhe deixado bastante debilitada por todo o tempo de vida no trabalho escravo. Joaquina morava na localidade da Capoeira Grande, pertencente à Vila de Santarém, distante cerca de 30 km por terra da Vila de Camamú, Comarca de Ilhéus, no litoral sul da Bahia.1 Como muitas outras, a morada de Joaquina estava situada em terras de seu senhor, não em uma senzala, mas em um pequeno casebre onde se recolhia à noite e, talvez, guardasse seus parcos bens.2 Viver por si nem sempre representava uma vantagem para o escravizado, pois nesse caso ele precisava garantir a própria sobrevivência, incluindo um cantinho para dormir, a alimentação, o vestuário e, ainda, dar conta dos serviços que lhe eram exigidos pelo senhor.

Joaquina tinha uma morada bastante precária e, certamente, enfrentava problemas com a segurança do lugar devido às condições de infraestrutura, o que a fez envidar meios para construir uma nova habitação. Contando apenas com uma filha de 16 anos, escravizada por outro senhor, e provavelmente sem a companhia de outros parentes que lhe auxiliassem, tudo se tornava ainda mais difícil, de modo que recorreu à solidariedade de seus vizinhos para realizar a construção, sobretudo para a tarefa mais desgastante, que necessitava de mais braços, que era fazer a tapagem. As construções eram feitas a partir de uma armação de varas de madeira, atadas com cipós e revestidas (tapadas) com uma massa de barro que era arremessado com as mãos. A cobertura era feita das palhas disponíveis no lugar e o chão era de terra batida. Essas construções serviam de morada temporária ou definitiva para os mais pobres, sendo de rápida execução e com baixos custos (Castellucci Junior, 2008, p. 115).

Essa técnica de construção era muito comum e utilizava os saberes de grupos indígenas, que ocuparam longamente aquele litoral. Antes de serem expulsos para o interior ou mortos, difundiram seu conhecimento entre a população local, incluindo seus algozes, se tornando uma importante herança cultural (Barros, 2021; Ribeiro, 1987, p. 27-94). Por outro lado, não é possível asseverar que esse tipo de construção fosse originalmente indígena, posto que também era presente em diferentes lugares da África Ocidental, de modo que houve uma combinação de conhecimentos e culturas, que constituiu uma tecnologia afro-indígena, conservando-se na longa duração, como forma de construção de moradas, especialmente entre os mais pobres. Esse tipo de construção utilizava os recursos que a própria natureza do lugar oferecia e, embora fosse aparentemente frágil, era razoavelmente resistente às intempéries e adequado ao clima quente e úmido, que predominava na região durante a maior parte do ano. Outra vantagem era a rapidez na sua construção, até porque, na maioria das vezes, a morada era composta de um único cômodo. Naquele dia, por exemplo, a construção da casa de Joaquina começou de manhã cedo e, ao final da tarde, já estava praticamente concluída.3

Datada de 1827, a muito conhecida obra do pintor alemão Rugendas, intitulada Habitation de Nègres (Figura 1), é uma gravura produzida como resultado das viagens que o artista empreendeu por várias regiões do Brasil, incluindo o litoral Sul da Bahia. Em primeiro plano, observa-se um grupo de escravizados, aparentemente num momento de pausa, em gestos rotineiros: crianças brincando e adultos em atividades para prover a subsistência ou descansando. Essa é uma boa tradução imagética do significado de “viver por si”, ou seja, exercitar a autonomia, ainda que relativa, decidindo sobre o que e como fazer. É relativa por vários motivos e um deles está representado na gravura: o grupo de escravizados vivia por si, mas em terras senhoriais, vide a habitação maior, desenhada ao fundo, com uma mulher de feição branca a acompanhar de modo fiscalizador a cena, confirmando a contingência da experiência de autonomia dos escravizados.

: Habitation de Nègres, Johann Moritz Rugendas (1827)
Figura 1
: Habitation de Nègres, Johann Moritz Rugendas (1827)
Fonte: Engelman, litógrafo; segundo desenho de Rugendas (reprodução fac-símile da ilustração da edição francesa de 1835).

O olhar atento de Rugendas registrou na gravura os detalhes da estrutura, semelhantes às descrições sobre a construção de Joaquina: paredes de barro e cobertura de folhas de algum tipo de palmeira, talvez o dendezeiro, tão presente na Bahia. A figura 3, uma pintura do austríaco Joseph Selleny, que acompanhou o arquiduque Ferdinand Maximilian em suas viagens pelo Brasil, é extremamente rica em detalhes das habitações e, sobretudo, dos modos de vida de libertos, escravizados e pessoas livre pobres na Ilha de Itaparica. Robert Slenes (2011) já explicou os detalhes e significados dessas construções para os escravizados, não sendo necessário repeti-los aqui, a não ser para reafirmar a influência dos africanos trazidos de partes da África Ocidental na difusão de ideias, costumes e técnicas. Em 1795, o pintor francês Nicolas Collibert produziu um conjunto de imagens com o objetivo de celebrar a recém-implantada república francesa e, ao mesmo tempo, servir como propaganda antiescravista. Entre as imagens, destaca-se a litografia, também denominada de Habitation des Nègres (Figura 2), onde representou de forma idealizada o cotidiano de algum ponto da África Ocidental.

: Brasilianische familie am Strand von Itaparica, Josef Selleny (1863)
Figura 3
: Brasilianische familie am Strand von Itaparica, Josef Selleny (1863)
Fonte: Pintura pertencente à coleção Flávia e Frank Abubakir. Fotografia gentilmente cedida para este artigo pelo Instituto Flávia Abubakir, https://institutoflaviaabubakir.org/.

: Habitation des Nègres, Collibert Nicolas (1795)
Figura 2
: Habitation des Nègres, Collibert Nicolas (1795)
Fonte: Maps & Atlases, Natural History & Color Plate Books, p. 238. Disponível em: https://www.swanngalleries.com/3dcat/2481/238/. Acesso em: 18 mar. 2024.

Em viagem pela Bahia, em 1860, o arquiduque Ferdinand Maximilian percebeu os detalhes das habitações de escravizados e libertos, fazendo uma rica descrição, em seu diário, que coincide com os desenhos de Rugendas e Selleny:

Quando atravessamos, de novo, o pântano do mangue, observamos mais exatamente uma daquelas choupanas primitivas dos negros. Era redonda. Galhos bem entrelaçados faziam as vezes de muros. Um telhado de folhas de palmeira, em forma de cone, conferia-lhe, dado o seu formato redondo, a feição de uma grande colmeia. Uma única abertura servia de porta, janela e fumeiro [...] as paredes eram de galhos secos, mal tapadas com barro e terra. O telhado era de folhas secas de palmeiras; o chão, de terra batida. Ao aproximarmo-nos, afugentamos da tranquila choupana algumas galinhas magras, o que nos provou que ela era habitada (Habsburgo, 1982, p. 152; p. 157).

A historiografia da escravidão já registrou outras tantas semelhanças nesse tipo de construção em espaços rurais, usando materiais iguais ou similares aos narrados no caso da africana Joaquina ou desenhados por Rugendas, Selleny e Collibert: na Ilha de Itaparica, na Bahia, libertos e pessoas pobres em geral utilizavam esse tipo de construção para fugirem dos aluguéis (Castellucci Júnior, 2008, p. 115); nas grandes propriedades do Centro-Sul cafeeiro, escravizados em pequenos grupos ou em família moravam em “cabanas” com estruturas parecidas (Slenes, 2011); e, na Martinica, no século XVIII, técnicas semelhantes às descritas anteriormente foram utilizadas nas construções de moradas para escravizados de propriedades açucareiras (Volpe, 2017). O resultado das recorrentes investidas das autoridades sobre os quilombos no litoral Sul da Bahia, onde sua presença foi endêmica desde o século XVII, registraram construções e modos de vida semelhantes, de forma que a vulgarização desses costumes aponta para uma influência anterior, duradoura e abrangente.4

Juntamente com as técnicas de construção, diferentes modos de vida fundamentados nas experiências de africanos dos macro-grupos banto e iorubá se difundiram nas Américas por meio do tráfico, o que não foi diferente para a faixa litorânea ao Sul do Recôncavo até a vila de Ilhéus, combinando modos de vida afrodiaspóricos. Ambas as gravuras, bem como a descrição de Maximiliano, para além das semelhanças na estrutura e nos recursos naturais usados na construção das moradas, evidenciam as sociabilidades travadas entre os moradores daquelas comunidades, sobretudo no trabalho coletivo que era fundamental para a construção das habitações, mas, também, para o plantio das roças, criação de animais ao redor delas, bem como para as tarefas que cada um ali se ocupava. As diferentes formas de trabalho, as estratégias que envolviam as práticas de solidariedade, mas, também, as constituições de pecúlio foram ressignificadas, adaptando-se às condições impostas pela experiência com a escravidão e de tudo aquilo que ela dispunha, tanto no aspecto físico quanto cultural.

ROÇAS ESCRAVAS, CAMINHOS DE LIBERDADE

Alguém, em algum momento daquele ano de 1872, teve a iniciativa de reunir um grupo de parceiros para construir a nova morada da africana Joaquina. Uniram-se ao serviço Paulo, escravo de Manoel Gonçalves de Santana; o crioulo liberto, Cipriano Francisco dos Santos; o também crioulo, Antônio, escravo de Donato Malta; Feliciana, crioula, escrava compartilhada por dois senhores, José Gomes de Castro e dona Matildes; Manoel d’Alla, escravo de Joaquim Pinto de Oliveira; Gertrudes, também escrava de José Gomes de Castro; a filha de Joaquina, Cecília, menor de 16 anos, e o crioulo Manoel, ambos escravos de Joaquim Pinto de Oliveira.5 O grupo, portanto, estava formado por escravizados de diferentes senhores e apenas um liberto. A maioria desses homens e mulheres, assim como Joaquina, também tinha moradas “próprias” e na mesma vizinhança, em terras que pertenciam aos respectivos senhores. Esses homens e mulheres formavam uma comunidade negra, que compartilhava de semelhantes condições materiais de existência e cuja aproximação certamente foi estimulada pela dureza no enfrentamento da lida cotidiana, da precariedade da vida e dos sonhos que dividiam, atualizando como afrodiaspórico um modo de vida já conhecido e experienciado por seus antepassados na África Ocidental.6 Eles se juntavam naquela e em outras tantas tarefas as quais era necessária a divisão da força de trabalho, em práticas conhecidas como adjutórios. Compartilhavam o suor, mas também as alegrias das conquistas, através de sociabilidades marcadas pelo canto, pela dança e pelas bebidas.

Foi num desses momentos de convivência, quando se comemorava a finalização da construção da morada de Joaquina, que, afirmando estar sob o efeito da cachaça, o liberto Cipriano agrediu com uma paulada na cabeça o escravizado Paulo, que trabalhava naquele adjutório, levando-o ao chão, desacordado e “com o miolo pra fora”.7 Segundo um dos depoentes, tudo começou porque o liberto Cipriano ofereceu a Paulo duas patacas pelo dia de serviço prestado de amassar o barro, tendo sido imediatamente questionado por conta do baixo valor. Cipriano, o único liberto daquele grupo, aparentemente, era uma espécie de “mestre de obras”, uma liderança na realização da empreitada. Mas o fato de Paulo considerar o pagamento insuficiente, associado às bebidas que já tinham consumido, gerou o distúrbio, que fez com que a agressão empreendida por Cipriano fosse mortal.8

Amassar barro para a tapagem não era um serviço leve nem fácil, mas era o que estava disponível naquele momento, e tal oportunidade não poderia ser desperdiçada por Paulo para acumular algum pecúlio. Embora a prática do adjutório pressupusesse que o trabalho não fosse remunerado, era comum que, para alguns serviços mais especializados, ou pesados, fossem contratadas algumas pessoas com expertise na área, o que pode ter sido o caso de Paulo. Escravizados se submetiam aos mais diversos serviços que permitissem a conquista de algum dinheiro, cujo acúmulo poderia ter diversos fins, como adquirir sua liberdade ou de algum familiar, comprar mantimentos para seu sustento ou fazer algum negócio. Porém, como supostamente o pagamento de Paulo não se deu conforme o acerto, a desavença causou-lhe graves ferimentos, o que ocasionou sua morte, depois de agonizar por cerca de três dias.9

Os escravizados agenciavam maneiras de amealhar pecúlio por meio de atividades que iam além daquelas que prestavam a seus senhores, fossem elas lícitas ou não. Em localidades onde a grande maioria dos senhores possuíam pequenas lavouras com poucos escravizados, como eram as vilas que se estendiam pelo litoral ao Sul do Recôncavo até Ilhéus, é muito provável que tais atividades “ocultas” desempenhadas pelos escravizados fossem, em sua maioria, de conhecimento dos senhores.10 Não era raro, por também viverem numa situação econômica difícil, que muitos senhores não apenas permitissem como estimulassem seus escravizados a buscar meios próprios de sustento, de onde também esperavam auferir vantagens, fosse para se livrar dos custos de manutenção do escravizado, fosse para explorar as produções e o pecúlio alheio. Ao escravizado, embora percebesse os abusos por parte do senhor, não restava muita alternativa, sobretudo quando seu senhor era pobre. Nada pior para um escravizado do que ter um senhor vivendo na pobreza, pois as condições materiais com as quais deveria ser provido, como alimentação, moradia e vestimentas, se tornavam muito mais limitadas. Além disso, um senhor na pobreza ou afogado em dívidas poderia, no desespero pela própria sobrevivência, colocar o seu principal bem, o escravizado, em situações de risco para adquirir mais pecúlio; vendê-lo ou hipotecá-lo, para saldar as suas dívidas, desfazendo os laços familiares e de amizade duramente construídos pelo escravizado; bem como ser mais exigente e violento em relação ao trabalho. Ainda assim, escravizados assumiam o risco de alcançar qualquer parcela de autonomia. Afinal, isso abria a possibilidade para “possuir” uma morada ou lavoura, além de ampliar seus espaços de mobilidade, circulando por uma região mais ampla, podendo estabelecer redes de contatos e acessar o pecúlio advindo de variadas fontes, experimentando aspectos da liberdade ainda na escravidão.

Desde o século XVI, a faixa que se estendia entre o Sul do Recôncavo e a antiga Capitania de Ilhéus era um grande centro produtor de alimentos de subsistência, tendo por base a farinha de mandioca, cujo principal destino deveria ser o abastecimento do Recôncavo Açucareiro e Salvador (Barickman, 2003). Mas, de forma bastante recorrente, ela era desviada para outras províncias ou para a equipagem de navios que iam à África para os negócios do tráfico (Costa, 2021). Essa situação preocupava o governo da Bahia, devido às constantes crises de abastecimento que atingiam as principais vilas do Recôncavo e a cidade de Salvador, gerando instabilidade e muita confusão (Graham, 2010). Por outro lado, os lavradores de mandioca, desejosos de livrar-se do controle e da centralização dos preços das vendas impostos pelo governo através do Celeiro Público, encontravam, em comerciantes gananciosos e atravessadores a condição ideal de fazer negócios mais vantajosos.

Parte da produção de mandioca e outros víveres, como café, cacau e arroz, que saía da Baía de Camamú, tinha origem na produção que escravizados e quilombolas desenvolviam sob as mais diversas condições: no tempo livre, no meio do mato, em terras do senhor e sob sua permissão ou, ainda, como descrito por Maximiliano de Habsburgo e Rugendas, em pequenas faixas de terra em volta das suas moradas. Ainda que essas roças fossem mais comuns em áreas empobrecidas, escravizados de grande propriedades também cultivavam em roças próprias, ao menos ocasionalmente, nos distritos açucareiros da Bahia, para o consumo próprio e para um excedente comercializável, sendo um direito costumeiro bastante recorrente. Tanto no Brasil quanto em outros lugares das Américas, o sistema de roças, individuais ou cultivadas por comunidades quilombolas, acabava acessando, ainda que parcialmente, os mercados locais, o que dava a essas pessoas uma significativa margem de autonomia (Cardoso, 2004; Mintz, 1974, p. 146-179).

A “posse” das roças por pessoas escravizadas nas Américas, assim como a constituição de um espaço que servisse de morada, possuía vários significados, dentre eles a relação que se estabelecia com suas próprias experiencias ou de seus antepassados anteriormente à escravização, talvez ainda em terras africanas, onde a autonomia era exercitada de forma plena. No contexto da escravidão, essa autonomia é parcialmente empregada nas decisões sobre o que e quando plantar, para quem e por qual preço vender eram escolhas que precisavam ser muito bem ponderadas e que ninguém, além deles, podia fazer. Por conseguinte, para manter o controle sobre aquele pedaço de terra, que podia não passar de uma pequena plantação na beira da estrada ou de uma roça escondida em terras senhoriais, recaía sobre o escravizado a decisão sobre quando e como acessar a terra para limpar, podar e colher, além de buscar meios que evitassem roubos ou perdas. Todas essas providências não eram impostas nem delegadas por um senhor, mas ações tomadas de forma autônoma pelo sujeito. Nesse sentido, a noção de autonomia se confundia com a possibilidade do escravizado dispor de si.11

A compra da alforria por escravizados, como sabemos, era uma das finalidades do pecúlio acumulado. O pagamento, no entanto, nem sempre se dava à vista, uma vez que os mecanismos de obtenção do pecúlio eram variados e muito lentos, o que tornava o parcelamento uma solução para o escravizado com dificuldades de acesso aos meios de consecução do dinheiro.12 Ignácia, crioula, pagou a Francisco Ribeiro do Amaral 90$500 pela carta de liberdade. Antes disso, porém, ela já havia feito o pagamento de 40$500 para sua senhora Arcângela Maria, esposa de Francisco, conforme registrado no inventário da falecida. Não sabemos os meios que Ignácia utilizou para a obtenção daquele dinheiro, mas o fato de haver um pagamento parcelado e isso ter ocorrido em um espaço de tempo relativamente curto aponta para meios seguros de formação desse pecúlio, ainda que os ganhos fossem pequenos. Assim, quando Francisco herdou a cativa, parte do caminho em direção à liberdade já estava em construção.13

Em 1844, a crioula Francisca pagou 150$000 em favor de sua liberdade, mas ainda assim foi alforriada pela sua senhora, Vicência da Conceição, sob a condição de que a cativa lhe acompanhasse até a morte, o que não demorou muito a acontecer. Em 1846, quando o testamento de Vicência foi aberto, havia o registro de alguns poucos bens, como “a casa de vivenda de taipa, coberta de telha, já velha, com os trastes insignificantes que se acham dentro dela e o cafezal que ao redor dela se acha”,14 o que evidencia a pobreza daquela mulher. No intuito de que a divisão de suas poucas posses ocorresse sem maiores conflitos, a falecida havia alertado que, além daquelas plantações ao redor da casa, “a dita minha escrava também têm vários pés de cafés perto ao de minha concessão, os quais são dela [grifo nosso], e por isso eu não doo”.15 O fato de um senhor reconhecer documentalmente a posse de qualquer bem de uma pessoa escravizada por ele não é comum, ainda mais quando esse senhor, como no caso de Vicência, estava em condições de pobreza. Contudo, motivações como a solidariedade entre duas mulheres que, talvez, com exceção do status jurídico, tivessem muito em comum, podem ter impulsionado Vicência em reconhecer a pequena parcela de plantação da cativa. Por outro lado, Francisca, que com a morte de sua senhora se tornava efetivamente livre, provavelmente tinha, na sua plantação de café, na qual pode ter labutado junto com sua senhora, a fonte de parte do dinheiro que pagou pela sua liberdade. A posse dessas roças, portanto, eram um investimento que os escravizados faziam tendo uma motivação muito clara: a conquista da alforria (Reis, 1996, p. 364).

Já o crioulo Luís, por pouco não viu frustrada a sua alforria. Desde pelo menos o ano de 1845, Luís encontrava-se em processo de liberdade após pagar 250$000, em várias parcelas, ao seu senhor, Fortunato Ribeiro de Couto, o que correspondia a uma parte (uma banda) de sua alforria, que totalizava 500$000. Ao que tudo indica, a partir daquela ocasião, o senhor deu a Luís a possibilidade de ter uma vida mais autônoma, certamente para conseguir ampliar o pecúlio, tanto que o crioulo praticamente já vivia como se fosse liberto, usando o nome de Luís Ribeiro. Em fevereiro de 1848, Fortunato ficou muito doente. Sabendo disso, Luís foi visitá-lo, quando o senhor teria dito que era sua vontade “que libertasse ‘uma banda’”. Porém, antes da chegada do tabelião para fazer o registro, Fortunato falecera.16

O falecimento repentino daquele homem se transformou em angústia para Luís, pois ele não tinha nenhum registro do pagamento que já havia feito e, justificadamente, se preocupava com o seu destino. No entanto, quando da abertura do testamento e do levantamento do inventário post mortem, verificou-se que Fortunato havia não só deixado o registro dos pagamentos efetuados, como reconhecia a posse de Luís sobre um pedaço de terra na sua propriedade, onde o cativo plantava mandioca, o qual foi avaliado por 172$357. Para conseguir a carta de alforria, Luís entregou a terra e a produção aos herdeiros de Fortunato e, ao mesmo tempo, efetuou o pagamento de mais 77$643, totalizando os 250$00 restantes que devia. Ficou sem as terras, mas alcançou a sonhada liberdade.17

Dados coletados em 75 alforrias nas vilas do entorno da Baía de Camamú, na primeira metade do século XIX, apontam que as mulheres conseguiam se alforriar em maior número do que os homens: 59% do total, sendo 80% crioulas.18 Ao considerarmos apenas as alforrias pagas, a porcentagem a favor delas alcançava a mesma proporção. A prevalência dessas alforrias superava a dos homens com qualquer perfil étnico e em qualquer condição que se desse o processo de alforria: condicionais ou incondicionais. Isso se explica, entre outras coisas, pelo fato da população feminina e crioula ser maioria naquelas terras, mas, também, pela maior prevalência das mulheres em atividades autônomas, fosse de modo permitido ou às escondidas de seus senhores. Alguns serviços, como lavar roupas nas fontes ou riachos, frequentar as vendas para comprar mantimentos, colher legumes ou raízes, recolher lenha nas matas ou mariscos nos mangues, podiam abrir brechas para que as mulheres ganhassem mais tempo para si, constituindo atos miúdos, mas relevantes de resistência.19

No caso de africanas escravizadas, a principal modalidade de obtenção da alforria que conseguimos verificar na documentação também foi mediante o pagamento, como aconteceu com Rita, jeje, que em 1826 foi avaliada por 190$000. Ela, porém, se precipitou em oferecer o valor integral por sua liberdade, o que deve ter despertado a cobiça do senhor Domingos de Almeida Carmo, que, percebendo a “facilidade” que a cativa tinha em obter dinheiro, majorou o valor da alforria para 200$000. Sem o restante do valor para saldar a dívida de forma integral, ela se viu obrigada a esperar mais dois anos para enfim ter acesso à carta de alforria. Esse fato reafirma que, embora conseguissem acumular volumes consideráveis de dinheiro, a conquista desses valores era bastante lenta e qualquer mudança no preço poderia adiar de forma indefinida a liberdade.20 Situação semelhante se deu com a africana Kutonia, identificada como haussá, que foi alforriada, em 1843, mediante o pagamento de 230$000. Esse valor, porém, foi quitado de uma única vez, embora antes dessa oferta ela tivesse proposto ao senhor o pagamento de 200$000 e 215$000, valores sucessivamente negados.21 Nesses casos, é notória a percepção que os senhores tinham das “posses” dos escravizados e de como essas condições econômicas podiam ser exploradas, especialmente em situações decisivas como a alforria, quando os escravizados ficavam mais vulneráveis à cobiça dos senhores por revelarem as quantias que possuíam.

Um detalhe que vale a pena destacar é que, das alforrias pesquisadas, apenas 6% das mulheres africanas negociaram em parcelas, contrapondo-se a 48% das respectivas alforrias negociadas por crioulas. É possível que a questão racial explique isso: a desconfiança com que parte da população livre tratava os africanos, de modo geral, tidos como mais propensos à rebeldia e à criminalidade, inclusive às fugas, pode ter impedido que esse grupo obtivesse meios parcelados de pagamento, devido ao receio de seus senhores de que eles fugissem sem quitar o restante do acordo, de modo que “os escravos africanos mantiveram os senhores em estado de insegurança constante” (Reis, 2003, p. 68-69). Outra possibilidade é que, sem maiores justificativas, a não ser o puro preconceito, optavam em não permitir às africanas negociarem a liberdade, por considerarem esse ato um benefício ou concessão que não era merecido a esse grupo.

PARCEIROS NO CATIVEIRO, AMPARO PARA A LIBERDADE

Era noite, por volta das vinte e duas horas do dia nove de julho de 1858 e a Vila de Camamú dormia. O silêncio foi quebrado pelo pedido de socorro do português Manoel José Ribeiro Guimarães, conhecido como Manoel Barato, gritando ao seu filho, Cândido José Ribeiro, que a sua casa havia sido invadida por um ladrão. No mesmo instante, o outro filho de Barato, Manoel Ribeiro Filho, acompanhado de um português de nome Antônio, que morava na loja da mesma casa, correram em seu auxílio e, cercando pelo quintal da casa, capturaram o invasor de nome Marcelino que tentava escapar. Marcelino vivia naquela vila como pessoa escravizada, compartilhado por duas senhoras, Antônia Teixeira de Aguiar e Paula Vieira do Espírito Santo, provavelmente viúvas, com bens que mal davam para a própria sobrevivência.22

Levado pelos policiais que com o barulho logo chegaram, Marcelino foi apresentado ao delegado, que procedeu ao interrogatório. Sobre o acontecido, Marcelino deu a seguinte explicação:

Não entrara ali para matar nem roubar, mas sim pela escrava Sofia, do domínio daquele senhor. Sendo a primeira vez que ali entrou, não sabendo onde a escrava Sofia estava, vira o ressonar e supondo que fosse ela ou alguém que pudesse guiar para onde ela se achasse, infelizmente foi ter ao lugar onde estava o dono da casa e lhe tocara o braço. Nessa ação foi-lhe seguro no braço pelo mesmo dono da casa que lhe perguntara quem era, e ele não reconhecendo a voz respondeu: ‘sou eu’. A esta resposta, disse o mesmo dono da casa, ‘vá para o léu!’ [...] e logo gritou que era ladrão.23

Marcelino disse ainda que tentou fugir por um lugar que lhe parecia a porta da rua, mas dando voltas na chave não conseguiu abri-la, o que o obrigou a procurar o lugar por onde tinha entrado — um alçapão — por onde acabou sendo preso.24

O depoimento de Marcelino parecia ser convincente quanto às suas intenções. Ele explicava que tudo teria sido planejado com Sofia, sua amada, escravizada por Manoel Barato, que o teria orientado para que “entrasse pelo alçapão e seguisse por uma tábua que lá tem e que serve de escada”.25

Aparentemente era um caso de um sujeito apaixonado e azarado que invadiu uma casa, na calada da noite, para um relacionamento amoroso, e acabou sendo descoberto pelo dono da residência e senhor da amada. Essa também deve ter sido a intenção de Marcelino ao prestar o depoimento: convencer as autoridades de que o malfeito havia sido apenas uma loucura de amor.

O discurso bem elaborado poderia ter convencido o juiz se o próprio escravizado não cometesse um erro crucial em seu depoimento: para justificar seu suposto romance com Sofia, Marcelino disse que conhecia um garoto de nome Balduíno e que o mesmo escrevia algumas cartas para ele.26 Acontece que já corria “a boca miúda”, na Vila de Camamú, que o mesmo Manoel Barato recebera meses antes uma carta falsa, em nome de um conhecido dele chamado José Pirajá, que lhe foi entregue durante a noite, por um negro que não foi reconhecido. A carta pedia que Barato mandasse pelo portador uma quantia de trezentos ou quatrocentos mil réis, cujo valor, supostamente, o tal José Pirajá precisava para quitar dívidas com alguns roceiros. Desconfiando do teor da carta e do portador, Manoel Barato não fez o empréstimo, mas o caso virou notícia por toda a localidade e agora, com a prisão de Marcelino, fora reavivado pela polícia.27

Chamado para ser informante, o garoto Balduíno Francisco Alves, de apenas doze anos, não só confirmou que escrevia cartas a pedido de Marcelino, como relatou que em outro momento ele redigiu uma carta, ditada pelo escravizado, em nome de uma de suas senhoras e cujo destinatário era o frei Manoel de Santo Elias, residente em Salvador. Na carta havia o pedido para que o frei mandasse por Marcelino seiscentos mil réis em fazendas. Contou, ainda, que outra vez fora chamado por Marcelino para escrever uma carta na casa de uma mulher chamada Maria Mittoa, mas, como atrasara, ao chegar lá viu Marcelino ditando a carta para outra pessoa, de nome Plínio, vizinho dele.

Sobre a carta que Manoel Barato recebeu, Balduíno disse que “foi ele quem escrevera a pedido do crioulo livre Guardiano, filho da também crioula Chiquinha”.28 Esse novo personagem que entra no enredo se chamava Guardiano Veloso, tinha 20 anos de idade e era filho da liberta Francisca Teixeira de Aguiar. Em depoimento, Guardiano disse trabalhar em lavouras de mandioca e “outro qualquer trabalho, como de tirar lenha de mangue”, apontando para uma vida de incertezas e poucas oportunidades de trabalho, situação marcante na vida da maioria dos libertos, especialmente em áreas rurais.29 Guardiano morava na localidade denominada Caibá, mas frequentemente ia até a Vila de Camamú e costumava dormir na casa de Laurentino José da Silva, que era padrinho de Balduíno, onde devem ter se conhecido.30

Durante o segundo interrogatório, Marcelino revelou que negociava com fazendas, “com algum dinheiro seu” e que usava, ainda, dinheiro de Manoel Barato e de sua senhora, obtidos através das cartas falsas.31 A apuração da invasão de uma residência acabou revelando uma intricada rede de parcerias que desenvolviam negócios ilícitos baseados em golpes usando correspondências falsas, da qual participavam pessoas livres, libertas e escravizadas.

Nessa história, Laurentino da Silva era o líder do grupo de trambiqueiros que falsificavam cartas para solicitar dinheiro emprestado, com o qual movimentavam seus pequenos negócios. Para ampliar o alcance de seus golpes, Laurentino arregimentava escravizados, libertos e crianças, ou seja, pessoas altamente vulneráveis e que viviam no limiar da pobreza, numa região em que as possibilidades para obter o sustento eram poucas, tornando-se extremamente suscetível à participação em atividades ilícitas em que pudessem obter algum ganho. Isso não quer dizer, no entanto, que a adesão dessas pessoas aos projetos de Laurentino tenha sido ingênua. Quando a historiografia incorporou o conceito de agência, em contraposição à passividade, foi para evidenciar que escravizados e subalternizados em geral possuíam vontades e agiam em conformidade a elas, não sendo meras peças que se moviam de forma irrefletida ou que eram movidas por outrem, sem vontade própria (Machado, 1988). A participação de escravizados e libertos no grupo de golpistas liderados por Laurentino, portanto, deve ter sido uma escolha, talvez compelida pelas adversidades que atravessavam as suas existências, o que, de fato, toca todas as vidas humanas.

Embora Guardiano, Laurentino e Plínio tenham sido citados no processo, somente Marcelino foi levado a julgamento. Laurentino e Plínio sequer foram interrogados. Mais do que uma punição pela invasão da residência ou pelos ganhos obtidos com a produção de cartas falsas, a condenação de Marcelino — oito anos de galés, convertidos em quatrocentos açoites e ferro ao pescoço por três anos — parece ter tido uma função pedagógica, sobretudo numa localidade onde a comunidade de escravizados reivindicava e conquistava espaços de autonomia.

Antes de prosseguir, é importante entender qual o sentido que estava em uso para “parceiro” e “companheiro”, no século XIX. No Dicionário da Língua Portuguesa de Luís Maria da Silva Pinto (1832), a palavra “parceiro” significa o “que tem parte com outro em alguma coisa, companheiro”. Essa definição corresponde àquilo que na prática se verifica nas relações constituídas entre os diversos sujeitos, de diferentes condições jurídicas e socioeconômicas: alianças feitas de modo precário, ou seja, temporárias e sem maiores vínculos de cunho afetivo, com o objetivo de atender demandas específicas das quais ambos pudessem tirar algum tipo de vantagem, como foi o envolvimento de Marcelino com Laurentino e seus parceiros e, também, se aplica ao grupo que se reuniu para construir a morada da africana Joaquina. Embora a definição de “parceiro” seja vista por alguns historiadores (Mattos, 2013, p. 135) como uma identidade construída de fora para dentro, ou seja, das narrativas das autoridades sobre os escravizados tratados na documentação, parece razoável considerar que tal definição não estava limitada ao mundo das pessoas livres e que, mesmo sendo parte da “voz” dos redatores dos documentos, é uma interpretação que tem fundamento nas relações concretas estabelecidas pelos sujeitos.

Em situações distintas, essas parcerias surgiram a partir de uma demanda tangível sobre as condições materiais de sobrevivência que podia afetar a todos, ainda que de maneiras diferentes. Momentaneamente, deixaram de lado as possíveis diferenças de status jurídico, origem, cor ou de posses para implementarem a tarefa que lhes cabia e da qual tirariam algum tipo de vantagem, que nem sempre era financeira. A construção da morada ou aplicação de golpes dependia da autonomia sobre o seu tempo e de habilidades específicas, fatores que estimulavam a formação das parcerias. Assim, as parcerias são consequências do exercício da autonomia no dia a dia de pessoas que, majoritariamente, viviam em condições materiais muito parecidas. Estou falando de pessoas livres, libertas e escravizadas, na sua maioria vivendo no limiar da pobreza em zonas de economia voltada à alimentação básica, formada por pequenos e médios lavradores, senhores de poucos escravos. Esse perfil predomina em quase toda a extensão das vilas litorâneas, desde a Ilha de Itaparica até o Sul da Bahia, na primeira metade do século XIX. Lavradores, senhores e pessoas escravizadas, não raro, compartilhavam de condições de vida muito semelhantes, inclusive de moradia. O estabelecimento de parcerias no cotidiano, diferente do compadrio, não carecia da mediação ou regulação dos poderes constituídos, mas apenas das escolhas que os envolvidos faziam a partir da autonomia com que se revestiam, tendo como critério, na maioria das vezes, a proximidade.

A segunda definição, a de “companheiro”, porém, agrega outros valores e sentimentos, mais ligados às escolhas feitas por afeição e cujos laços podem ter longa duração, estendendo-se, sobretudo, para o cotidiano dessas pessoas. O compadrio pode ser considerado uma forma de companheirismo amplamente difundida no Brasil, desde o período colonial, uma vez que, ao estabelecer um apadrinhamento, compadres e afilhados passam a tomar parte nas vidas um do outro. Entre os escravizados, por exemplo, o compadrio sempre foi objeto de escolhas muito bem refletidas. Tanto por parte do senhor, quando o apadrinhamento era imposto, quanto pelos escravizados, quando podiam escolher e elegiam aqueles em melhores condições de prover para o afilhado a proteção material e afetiva. O mesmo Dicionário de Luís Pinto (1832) apresenta como um dos sentidos para “compadre” o ato de “estar em boa amizade”, remetendo ao mesmo significado de “companheiro”.

Bluteau (Silva, 1789) definiu por companheiro “o que acompanha alguém em jornada, passeio, casa de vivenda, na guerra; o ofício do comércio; no sucesso, ou fortuna, o que também participa dele com outros. [...] companheiro nos furtos, crime”. Ser companheiro, portanto, adquiria um significado que abrangia vários aspectos da vida, envolvendo atos lícitos e ilícitos, cuja finalidade ia desde dividir as tarefas para erguer uma morada, ou fabricar a farinha de mandioca, até a associação para cometer furtos e roubos, como veremos a seguir.

Por volta do meio-dia de uma terça-feira, vinte e oito de novembro de 1850, o crioulo forro Manoel José do Espírito Santo interrompeu repentinamente a tarefa de montar uma cova para fabricar carvão na localidade em que morava, chamada Monte Alegre, a qual também tinha a sugestiva alcunha de Campo dos Forros, situada na freguesia do Santíssimo Sacramento, na Ilha de Itaparica, nas franjas da cidade de Salvador. O motivo foi a chegada de uma conhecida sua dizendo que a casa em que o crioulo morava se achava arrombada. Ao mesmo tempo, o filho de Manoel já havia tomado conhecimento da notícia e, por estar mais próximo da casa de seu pai, correu imediatamente para verificar o ocorrido. Ao chegar ao local, deparou-se com um “preto que estava a roubar a casa, porém, por falta de ânimo”,32 foi chamar um vizinho para que o socorresse. Quando retornou ao lugar com a ajuda, já não havia mais ninguém. Mas, junto com o vizinho, seguiu os supostos criminosos até a Fazenda Grande, “onde encontrou os pretos com parte do roubo que constava de toda a sua roupa e uma arca que já se achou arrombada no mato”.33

Os dois acusados do furto, ambos identificados como nagô, foram: Gaspar, que trabalhava na lavoura e como mestre de lancha, e Aníbal, que era do serviço da roça. Os dois eram escravizados do capitão José da Costa Júnior, conhecido traficante da Bahia oitocentista, e viviam na Fazenda Grande, mesma localidade do Campo dos Forros, onde mantinham amplas relações com toda a vizinhança, a qual esteve envolvida nas buscas para encontrar os pertences furtados. Em depoimento, o crioulo liberto e carpina, Cipriano de Araújo, que também trabalhava na roça e era vizinho dos acusados, afirmou que o furto “fora praticado pelos escravos Aníbal e Gaspar [...] que há muito ele testemunha os conhece”,34 e acrescentou que os escravos se dirigiram, após o furto, para a Fazenda Grande, onde moravam. Severino Francisco de Sant’Anna, cabra, liberto, também vizinho da vítima, ao saber da situação, foi à casa de Manoel José e disse que “encontrou a porta do fundo arrombada sem objeto algum dentro”.35

Aquela localidade de Campo dos Forros, pelo que é possível perceber, era uma comunidade formada majoritariamente por libertos que trabalhavam como lavradores de mandioca, para si ou em outras propriedades, sendo que alguns mantinham outras pessoas escravizadas, mesmo que de modo compartilhado com outros vizinhos, como Severino Francisco de Sant’Anna, que dividia um escravizado com Estevão Pereira Soares, ambos libertos e identificados como cabras. Muitos desses libertos negociavam as suas produções com os lavradores da região, como também se utilizavam, de forma temporária, dos serviços de outros escravizados que por ali viviam em busca de algum pecúlio. Havia, ainda, um pequeno número de lavradores considerados brancos, como o senhor de Aníbal e Gaspar, mas que não moravam no Campo dos Forros, ainda que possuíssem suas lavouras naquele local.36

Não é preciso se esforçar muito para imaginar que os escravizados que ainda viviam naquela região miravam-se no exemplo daqueles que, uma vez libertos, passaram a ter o acesso à terra “reconhecido” e, ainda, utilizavam-se de outros escravos em serviços diversos. Se a alforria ainda estivesse distante de ser alcançada, recorriam a estratégias de sobrevivência que abreviassem esse caminho, como parece ter sido a intenção de Gaspar e Aníbal com o furto.

Enquanto os vizinhos localizavam os acusados, a vítima, Manoel José, que também tinha saído para procurar os seus bens, foi até a senzala da Fazenda Grande e lá encontrou uma pequena caixa que havia sumido de sua casa. Porém, estava vazia. Já outro vizinho, que também fez parte desse grupo de busca, Estevão Pereira Soares, cabra, dirigiu-se para os fundos da senzala, onde encontrou a trouxa de roupas que pertencia ao queixoso.37

Encontrar a roupa e a caixa onde a vítima guardava seu dinheiro dava fortes indícios que confirmavam a autoria do crime, mas faltava o mais importante: o conteúdo da caixinha. Os vizinhos começaram a pressionar Gaspar e Aníbal para que dessem conta do dinheiro que a vítima alegou possuir, resultado de um acumulado ao longo do tempo e que estava na pequena arca de madeira. O valor, segundo o queixoso, “excedia trezentos mil réis”,38 quantia bastante significativa, uma vez que quase 50% da população da região tinha seus bens avaliados em até um conto de réis. Naquele lugar, trezentos mil réis era quantia suficiente para comprar um escravo, conforme preço médio anotado em inventários daquele ano.

Ao ser questionado sobre o dinheiro, Aníbal primeiramente negou qualquer participação no ocorrido, mas, pressionado, acabou confessando a posse, dizendo, porém, que não entregaria nada sem que Gaspar lhe autorizasse, e completou afirmando que: “não dizia nem entregava, porque tanto havia de sofrer entregando, como não”.39 A dramática resposta do escravo evidencia, por um lado, a consciência sobre o ato que praticara e suas possíveis consequências. Além do crime em si, deve-se considerar o fato de serem africanos, o que os colocava numa situação muito desfavorável. Independentemente de seu tempo no Brasil, eram vistos com maus olhos, inclusive por parte da comunidade a sua volta (Brito, 2016; Souza, 2009, p. 156). Aliás, como bem podemos notar pelos depoimentos, a comunidade de libertos estava toda ao lado da vítima, que também era um liberto. Do outro lado, ficaram isolados os dois africanos escravizados, o que reforça a existência de tensões “étnicas”, mesmo em comunidades menores, que não as de plantations. Nessas comunidades, embora houvesse maior proximidade nas condições econômicas das pessoas, havia variadas condições jurídicas e “étnicas”, o que agravava as divisões de trabalho, como vimos anteriormente no caso de Joaquina, e acirrava as disputas, que não eram só por sobrevivência, mas por reposicionamento social.

A atitude do africano Aníbal também reflete o receio dos efeitos de um possível rompimento com o parceiro de cativeiro, alguém que, como ele, era um “estrangeiro” e carregava sofrimentos e sonhos em comum, sendo, talvez, uma de suas poucas referências e possibilidades de amparo naquela vida. Numa condição adversa e de risco iminente, escravizados podiam assumir, se não uma solidariedade, uma ética própria de comportamentos e obediências, talvez resultado dos anos de convívio no cativeiro. Aníbal não demonstrava esperança para com um melhor tratamento por parte dos seus acusadores, mesmo que entregasse o dinheiro. No fundo, ele percebia que sua condição de escravizado e de africano limitava os seus espaços de atuação e negociação.

Enquanto tentavam fazer com que eles entregassem os produtos furtados, a vítima tomou a palavra e disse que “não se importava com os ‘mulambos’ e só com a boceta que tinha dentro dinheiro e que estava guardada dentro da dita caixa”.40 As falas fornecem muitos indícios sobre as condições materiais de vida do crioulo liberto Manoel José e dos escravos Gaspar e Aníbal. Praticamente todos os depoimentos das testemunhas apontaram para uma situação de grande pobreza. Ao entrar na morada do queixoso para verificar o furto, o vizinho Severino havia dito que estava vazia e os pertences se resumiam à trouxa de roupas que havia sido levada pelos escravos e o dinheiro sumido.41 A própria vítima confirmou a precariedade de sua vida quando caracterizou as roupas roubadas como “mulambos”, demonstrando pouco-caso pelos trapos com que se vestia; o que de fato importava era aquele dinheiro acumulado com sacrifício e mal guardado em sua morada — talvez parecida com a de Joaquina ou a da gravura de Rugendas — completamente vulnerável à ação de pessoas gananciosas ou, ainda mais, desvalidas, dispostas a cometer crimes.42

Se alcançar a alforria era um desejo e representava uma vantagem significativa, ela não era sinônimo de melhoria imediata nas condições de vida de um recém-liberto. Com ela, apenas se iniciava uma nova etapa de enfretamentos e labutas. Isso fica evidente quando vemos que Manoel José e seus vizinhos, mesmo sendo libertos, viviam em condições duras de sobrevivência, como tantos outros libertos de que tratamos ao longo deste artigo.

Voltando ao caso, ainda temos coisas a desvendar: a tentativa de Manoel José e seus vizinhos era reaver o dinheiro roubado ali mesmo, mas como a situação da devolução não se resolvia, Aníbal e Gaspar foram levados para a cidade para serem entregues ao delegado, quando, no caminho, encontraram Ana Joaquina, esposa de Manoel José. A mulher, ao ver os dois escravos que iam amarrados pelas mãos, passou a cobrar de Aníbal o pagamento de uma galinha que ele devia. No mesmo instante, o acusado pediu que lhe tirassem do bolso duas patacas e quatro vinténs para fazer o pagamento. Ao retirarem o dinheiro, Ana Joaquina viu uma moeda de prata que, segundo ela, lhe pertencia. A situação parecia complicada para Aníbal e Gaspar, tendo sido levados à prisão e pronunciados pelo juiz local. Quando tudo parecia se resolver, o capitão João da Costa Júnior, senhor dos dois africanos, entrou com um requerimento solicitando a soltura de ambos, por falta de provas. Também alegou que a prisão dos seus escravizados lhe causava prejuízos de dias de serviço, passando a cobrar do queixoso Manoel José o pagamento correspondente aos dias em que os dois ficaram parados. Numa decisão bastante célere e desconhecendo as provas contra Aníbal e Gaspar, cerca de trinta dias após a prisão, o juiz despronunciou os réus, alegando inconsistência nas provas, devolvendo-os à posse do seu senhor. Depois, ainda condenou o pobre queixoso a pagar as custas do processo, mas ele alegou não ter condição alguma de cumprir tal determinação devido ao seu estado de pobreza.43

A rápida e esquisita decisão do juiz pode ter uma explicação: João da Costa Júnior, como já dito, era um conhecido traficante de escravizados da Bahia e tinha influência em diversos meios da sociedade baiana, o que o fez membro da poderosa irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Salvador. Além de atuar no tráfico atlântico, Costa Júnior teve inúmeros outros negócios de diferentes pesos, comercializando produtos por diferentes regiões do Brasil (Tavares, 1983). Sua rede de influências, portanto, pode ter pressionado o juiz diretamente, ou mesmo feito com que ele se sentisse acuado, levando-o a tomar a decisão que beneficiou o senhor e seus escravizados. O perfil do cargo de juiz de paz, as condições políticas em vigor a partir da Lei Feijó e o distanciamento em relação ao poder central são fatores que contribuíram para que juízes se envolvessem com o contrabando de escravos, protegendo traficantes ou a si próprios, acabavam por garantir o funcionamento dessa lucrativa engrenagem da qual, certamente, alguns esperavam tirar proveito (Costa, 2019).

No que tange aos escravizados, apesar da historiografia mostrar casos de cativos que adquiriram melhores condições de vida ou até enriqueceram, essa não foi a regra na escravidão brasileira (Faria, 2006). Majoritariamente, eles levavam uma vida com muitas limitações, mesmo após a alforria. Ser escravizado por um traficante de gente, como eram Aníbal e Gaspar, não tornava a situação mais favorável. Ao contrário, talvez pelo absenteísmo ou pela negligência do senhor, cabia a eles amealhar ganhos para complementar seu sustento, de tal forma que precisavam disputar cotidianamente a sobrevivência com pessoas livres, libertos e outros escravizados. Não era por outro motivo que eles deviam dinheiro de uma galinha, que haviam comprado provavelmente para sustento próprio.44 Da mesma forma, a trouxa de roupas velhas que afanaram, quase sem serventia, revela as condições miseráveis a que estavam submetidos naquele cativeiro. Em regiões pobres, buscar o próprio sustento exigia ações desesperadas. Assim, quando não se conseguia a alforria nem possibilidades de obter alguma renda, caminhos alternativos em direção à liberdade, como os delitos, não eram menosprezados (Machado, 2014).

Mais do que um crime, esse processo ilumina a delicada situação dos grupos sociais situados no limiar da pobreza e como lidavam com questões urgentes para garantir a própria sobrevivência, buscando acesso a itens básicos como alimentação, vestimenta e moradia. Isso os fazia tomar decisões drásticas, que podiam comprometer o restante de suas vidas, mas das quais era quase impossível escapar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Regiões consideradas economicamente periféricas pela historiografia, ou seja, que não se estabeleceram como parte do complexo agrícola da grande lavoura e estiveram na retaguarda da produção de alimentos de subsistência, possuíam características muito diferentes na posse de escravos e na forma de controle senhorial. Essas regiões eram formadas, majoritariamente, por pequenos lavradores com poucos escravos que, não raro, trabalhavam lado a lado com seus senhores nas pequenas roças, gerando relações sociais e de trabalho diferentes daquelas das grandes plantações, sobretudo no que diz respeito ao controle senhorial sobre seu escravizado.

Predominantemente, as áreas rurais da província da Bahia, na primeira metade do século XIX, eram ocupadas por pequenas e médias propriedades, com lavoura diversificada ou criação de gado. Mesmo nas vilas do Recôncavo, onde a lavoura açucareira havia se estabelecido no período colonial, a grande plantação não era mais hegemônica. Em se tratando das vilas litorâneas, indo do Sul do Recôncavo até a vila de Ilhéus, prevalecia a lavoura de mandioca, base da alimentação dos baianos, mas, também, fundamental para os negócios do tráfico de escravizados com regiões da África, como Angola, e, até mesmo, na alimentação das tropas em Lisboa. Somava-se à farinha uma outra variedade agrícola, das hortaliças ao café. Tudo isso era produzido, em sua maioria, em pequenas lavouras com poucos escravizados, sendo que os mais pobres não contavam com nenhum, ou tinham que alugar ou repartir um cativo com outros senhores.

Escravizados e libertos, africanos ou nascidos no Brasil, formaram, naquele litoral, uma comunidade que compartilhava semelhantes condições de sobrevivência, marcadas pela contingência da vida, o que foi determinante no estabelecimento de parcerias, momentâneas ou mais duradouras. Essas parcerias se formavam pela necessidade de suprir demandas imediatas em torno da sobrevivência ou pelo sentimento de companheirismo, que tinha a ver com a formação de relações de caráter afetivo, mas sem descuidar do pragmatismo pela manutenção da própria vida.

As redes de parceria e companheirismo fazem parte do roteiro de instituição da autonomia como um direito costumeiro entre escravizados e libertos. Essa maneira de conduzir suas vidas não foi resultado apenas das experiências obtidas com o cativeiro, e nem mesmo estão limitadas ao Brasil, mas sim como indício de que ali havia uma comunidade afrodiaspórica, a qual não é definida pelas fronteiras físicas, mas pelo compartilhamento de condições semelhantes de sobrevivência e um sentimento comum de pertencimento, nem sempre tão evidente. Essa comunidade utilizava os saberes e os traquejos acumulados da vida na África, antes da escravidão, por si ou por seus antepassados, e aqueles que foram construídos na relação com indígenas, com seus senhores e com outras pessoas livres, resultando nas técnicas usadas para a construção das moradas até às variadas formas de articulação coletiva, incluindo aquelas pela obtenção de pecúlio.

A reivindicação por espaços de autonomia evocava a vida em liberdade, de modo que se constituía num ato de resistência em torno da memória de quem eles eram, de suas origens africanas, e do esforço em reconstruírem suas vidas com alguma dignidade. Numa comunidade com africanos de diferentes lugares da África Ocidental e Centro-Ocidental, somados aos sujeitos de todos os tipos nascidos no Brasil, a mescla de costumes era inevitável. Desse modo, como sabemos, para muitas comunidades africanas, tanto de origem iorubá quanto banto, a posse da terra e da morada era parte fundamental na definição sobre quem eram e na possibilidade de exercitar o governo de si mesmos. Assim, a autonomia não se limitava ao acesso à terra, a roças ou a uma morada, sem desprezar o papel que o acesso aos bens materiais proporcionava aos escravizados e libertos, mas era uma forma de reminiscência africana, uma maneira de ler o mundo à sua volta e, como sujeitos com plena posse de si, fazerem suas escolhas, nem sempre acertadas, reafirmando as suas agências.

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Notes

1 Santarém teve sua origem numa aldeia indígena fundada por jesuítas às margens do rio Serinhaém, com uma capela dedicada a santo André. Ela foi elevada a vila a partir da Lei do Diretório dos Índios do Maranhão, em 1758.
2 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APEB), Salvador. Seção Judiciária, Processo Crime, Santarém: estante 6, cx. 223, doc. 1.
3 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo Crime, Santarém: estante 6, cx. 223, doc. 1.
4 APEB, Salvador. Seção Colonial e Provincial, Governo Geral, Ouvidoria geral do crime, maço 572-2. Traslado do inventário e sequestro de bens que se achavam no Oitizeiro (Barra do Rio de Contas – Comarca de Ilhéus), 1806.
5 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo Crime, Santarém: estante 6, cx. 223, doc. 1.
6 Comunidade negra não se refere ao conjunto de pessoas que moravam relativamente próximas umas das outras, mas aqueles que dividiam condições de sobrevivência parecidas, ao mesmo tempo que experienciavam a solidariedade mútua.
7 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo Crime, Santarém: estante 6, cx. 223, doc. 1.
8 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo Crime, Santarém: estante 6, cx. 223, doc. 1
9 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo Crime, Santarém: estante 6, cx. 223, doc. 1.
10 Analisando 91 inventários post-mortem referentes às vilas de Valença, Camamú e Maraú, entre 1800 e 1850, o que corresponde a mais de 90% dos documentos disponíveis para pesquisa no Arquivo Público da Bahia sobre o período, foi possível notar que as fortunas contabilizadas em até um conto de réis alcançaram o estrondoso número de 48,7% dos inventários. Comparando com as vilas do Recôncavo Sul, esse mesmo grupo de fortunas chegou a 28% do total e em Salvador correspondia a menos de 14%. Já os inventários que alcançaram o valor máximo de quinhentos mil réis, o menor de todos os grupos, correspondendo a pessoas gravemente afetadas pela pobreza, representou 25% do total. A média da posse de escravizados na região estudada era de 4,8 escravizados por senhor, mas entre esses grupos mais pobres, esse número diminuía para 1,5 escravizados para cada inventariado.
11 Engemann (2005, p. 338) utilizou a definição de “liberdade administrada” para se referir às diversas formas do escravizado exercitar sua autonomia. Ainda que reconheçamos que se trata de uma autonomia limitada, a definição do historiador não parece ser a mais adequada, posto que reivindica um lugar de controle das decisões para o senhor, o que não era tão comum, sobretudo nas pequenas propriedades com poucos escravos e de senhores pobres.
12 Sobre as práticas de parcelamento de alforria, também chamadas de coartação, há uma extensa produção historiográfica e que ajudam a entender como essa forma de acesso a liberdade estava fortemente conectada ao exercício da autonomia. Segundo Fernanda Pinheiro (2028), indivíduos que tiveram as relações de submissão rompidas desde o início de suas coartações conseguiram acessar níveis maiores de autonomia.
13 APEB, Salvador. Livro de Notas nº 6, Camamú, 01/10/1828 a 06/04/1835, do tabelião Manoel Rodrigues de Souza.
14 APEB, Salvador. Livro de Notas nº 6, Camamú, 01/10/1828 a 06/04/1835, do tabelião Manoel Rodrigues de Souza.
15 APEB, Salvador. Livro de Notas nº 6, Camamú, 01/10/1828 a 06/04/1835, do tabelião Manoel Rodrigues de Souza.
16 APEB, Salvador. Livro de Notas nº 12, Camamú, 10/01/1846 a 24/10/1850, do tabelião Vitoriano Gomes da Costa.
17 APEB, Salvador. Livro de Notas nº 12, Camamú, 10/01/1846 a 24/10/1850, do tabelião Vitoriano Gomes da Costa.
18 Foram analisadas as alforrias correspondentes às seguintes vilas: Maraú, Camamú, Barra do Rio de Contas e Boipeba.
19 Embora a historiografia já tenha consolidado a prevalência de mulheres escravizadas tendo êxito nos processos de alforria, em comparação com os homens, a historiadora Raiza Canuta da Hora (2022, p.109) argumenta que ainda é preciso lançar luz para a dimensão produtiva e reprodutiva do trabalho das mulheres escravizadas, sobretudo o acúmulo de jornadas a que as mulheres sempre foram submetidas, com o sobrepeso das atividades impostas pela cultura do cuidado, que secularmente impõe às mulheres as tarefas reprodutivas e maternais com os bebês, crianças, doentes e idosos, bem como com o asseio dos ambientes, preparo de alimentos e a gestão dos lares.
20 APEB, Salvador. Livro de Notas nº4, Camamú, 18/07/1816 a 01/06/1831, do tabelião Domingos Luiz de Menezes.
21 APEB, Salvador. Livro de Notas nº 1, Camamú, 07/05/1843 a 09/11/1846, do tabelião Manoel Rodrigues de Souza.
22 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
23 APEB, Salvador. Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
24 APEB, Salvador. Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
25 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
26 O documento, além da má redação, apresenta lapsos na ordem dos depoimentos e falta de páginas, por isso não fica muito claro quando o escravo Marcelino dá essa informação ao juiz. APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
27 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
28 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
29 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
30 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
31 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime: estante 6, cx. 241, doc. 2.
32 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
33 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
34 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
35 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
36 Na documentação, o nome do escravo Aníbal está grafado como Haníbal. Porém, para efeito de uma melhor leitura, atualizei a grafia.
37 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
38 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
39 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
40 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
41 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
42 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
43 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.
44 APEB, Salvador. Seção Judiciária, Processo crime, Itaparica: estante 22, cx. 778, doc. 7.

Author notes

Editor responsável: Alexandre Almeida Marcussi
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