DOSSIÊ: HISTÓRIA CONECTADA: INOVAÇÕES DIGITAIS NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO
O passado a um click de distância Fontes históricas e educação científica para uma (re)construção das aprendizagens históricas sobre o local/regional na EPT
The Past One Click Away Historical Sources and Scientific Education for a (Re)Construction of Historical Learning about the Local/Regional in EPT
O passado a um click de distância Fontes históricas e educação científica para uma (re)construção das aprendizagens históricas sobre o local/regional na EPT
Varia Historia, vol. 41, e25019, 2025
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais
Received: 23 March 2024
Revised document received: 09 December 2024
Accepted: 14 October 2024
RESUMO: Esse texto se debruça sobre a nossa experiência com os Acervos Digitais de Fontes Históricas e sua relação com o Ensino de História, especialmente no que tange às aprendizagens históricas sobre o local e o regional em contexto amazônico, em face de certa escassez de materiais didáticos sobre esses recortes. Para tanto, discutimos as possibilidades da (re)construção do conhecimento histórico na sala de aula, na perspectiva da educação científica promovida pela EPT/IFAM, norteada pelo tripé Ensino/Pesquisa/Extensão, em ações que vão além da pesquisa de fontes naqueles acervos, mas também permitem a sua (re)construção. Num contexto em que são não estão disponibilizados materiais didáticos relacionados às várias localidades do interior do Amazonas e mesmo sobre essa região, tais acervos tem desempenhado papel fundamental, na medida em que podem (e devem) preencher as lacunas identificadas e contribuir diretamente para a formação histórica dos discentes do Ensino Médio integrado à EPT, em atividades de ensino, pesquisa e extensão, num movimento de (re)interpretação do passado e (re)construção e/ou fortalecimento da memória histórica regional e local da Amazônia.
Palavras chave: Acervos digitais, Ensino de História, Educação Científica.
ABSTRACT: This article is written about our experience with our digital history of historical sources and its connection to the history of history, especially not related to historical learning in the local or regional context in the Amazon, in the face of certain educational materials of these types. records. Therefore, we discussed the possibilities of (re)construction of historical knowledge in the family room, from the perspective of scientific education promoting EPT/IFAM, nor in the tripartite Teaching/Research/Extension, and what you need with the weight of the acer base passes iron yours, but also allows its (re)construction. In this context, we do not have the availability of teaching materials related to the various locations in the interior of the Amazon and even in this region, but we do not know what their fundamental role is, but I do not know how (and develop) to identify deficiencies and contribute directly to training. regional and local history of the Amazon.
Keywords: Digital collections, History Teaching, Scientific Education.
INTRODUÇÃO
O ano era 2012. Estávamos nós1 em uma das aulas de Teoria da História cujo tema era justamente a problemática do acesso às fontes. Nas falas, as questões relacionadas ao acesso, à organização e catalogação, às condições de consulta eram os tópicos dominantes, quando emergiu no debate a expressão “acervos digitais”. Antes que esse novo tópico fosse amplamente debatido, um dos nossos colegas falou – num tom de lamento quase saudosista – das possíveis perdas que tais acervos poderiam promover, especialmente a “experiência” de poder “tocar” nos documentos e “sentir o cheiro”. Diante dessa fala, o Professor interveio para refutar não apenas os percalços do manuseio de certos documentos, mas também – e principalmente – para chamar a atenção do colega – e dos demais presentes – para as possibilidades que tais acervos já tinham aberto para os pesquisadores, dando como exemplo os documentos que estavam sendo digitalizados e disponibilizados pela Torre do Tombo (Portugal), e que poderiam ser acessados naquele momento por qualquer um de nós naquela sala que tivesse acesso à Internet.
A fala do Professor me afetou profundamente, quando foi possível vislumbrar todas as possibilidades que os acervos digitais poderiam nos oferecer em relação ao acesso às fontes históricas, especialmente em face das limitações (im)postas pela materialidade da vida ou pelo limitado tempo que tínhamos para levantamento de fontes e ingresso em acervos físicos naquele momento. A partir dali, tornou-se possível ter um vislumbre dos inúmeros documentos produzidos havia cerca de quinhentos anos sobre os “ignotos sertões” do que viria a ser a Paraíba (objeto da minha pesquisa), que poderiam ser acessados de um computador conectado à internet em qualquer parte do mundo, inclusive daqueles mesmos “Sertões”.
Uma vez concluído o mestrado – cuja fonte principal foi a Literatura, escolhida justamente em função da problemática suscitada e das dificuldades de acesso a outras fontes naquele momento – o tema dos acervos digitais reapareceu para nós em 2015, quando exercíamos a Docência no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM/Campus Eirunepé e fomos postos diante da escassez de referências bibliográficas e da indisponibilidade de fontes históricas, ambas necessárias para o Ensino de História regional e Local. Identificado o desafio, iniciamos uma empreitada em busca de possíveis fontes históricas para uma escrita da História da região banhada pelo rio Juruá e da cidade de Eirunepé, o que nos levou necessariamente à memória, capitaneada por atividades ligadas ao ensino, quando os discentes entrevistaram os “mais velhos” sobre as origens da cidade (Nascimento, 2018a). Além disso, nos voltados para a digitalização e disponibilização de parte da documentação eclesiástica produzida pelos padres espiritanos sobre o Vale do Juruá referente à primeira metade do século XX e alocadas no Arquivo da Prelazia de Tefé, projeto parcialmente financiado pelo Edital MinC/UFPE 2015 Memórias dos Povos Originários do Brasil (Nascimento et al., 2018b).
Pretendemos, nesse texto, discorrer acerca das nossas experiências e reflexões em torno do papel que os acervos digitais têm desempenhado no nosso exercício profissional, tanto no dia a dia das aulas de História para os discentes do Ensino Médio quanto na concepção e execução de projetos de pesquisa e extensão técnica/tecnológica, a partir da Educação Profissional e Tecnológica – (EPT), cujo mote é a (re)construção do saber histórico da/na Amazônia. Trata-se, portanto, de um esforço interpretativo para a compreensão das possibilidades que os acervos digitais oferecem na oferta da EPT, a partir – e em função – da necessária relação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, capitaneada pela chamada Educação Científica.
O ENSINO DE HISTÓRIA EM PERSPECTIVA
Quando pensamos no papel do Ensino de História atualmente, somos remetidos àquilo que nos diz Silva e Fonseca (2010, p. 24), ao afirmarem que esse tem “papel educativo, formativo, cultural e político, e sua relação com a construção da cidadania perpassa diferentes espaços de produção de saberes históricos”, e na educação básica, constitui-se enquanto “conhecimento e prática social, em permanente (re)construção, um campo de lutas, um processo de inacabamento”. Essa perspectiva vai ao encontro da ideia de formação omnilateral na qual tem se alicerçado a EPT ofertada pelos Institutos Federais (IFs), cuja principal característica é a busca pelo desenvolvimento integral dos discentes (Bernardes, 2020, p. 8). Voltaremos a essa questão em outro momento desse texto!
Sabe-se que a educação histórica parte de uma problemática do presente, fazendo uso do estudo do passado para a compreensão daquele presente e que, para ser significativa, precisa envolver as experiências históricas dos discentes, a serem relacionadas com as temáticas das aulas (Lopes, 2017, p. 7). Portanto, é papel do professor de História na contemporaneidade atuar como um produtor de saberes (visto que a escola é um locus privilegiado para tal), além de buscar compreender que o ensino é um campo de produção, reflexão e investigação, capaz de envolver-se e envolver os seus discentes em constantes descoberta, além de leva-los a desenvolverem competências ligadas à natureza da História. Em outras palavras, o professor precisa levar os seus alunos a encontrarem significado nos conteúdos e temas que são ministrados em suas aulas.
A assertiva acima nos leva necessariamente à ideia de que uma aula de História precisa conter não apenas os conteúdos históricos elencados para dar conta de um determinado tema, mas também teorias, metodologias, didática e ideologias nas quais devem estar embasados os Saberes Históricos a serem (re)construídos na relação entre professores e alunos (Schmidt, 2010, p. 57). Nesse contexto, a sala de aula precisa ser muito mais que um lugar de (re)construção de conhecimentos entre alunos e professores, mas um espaço de embates construtivos. Nesse processo, Caimi (2006, p. 18) chama a nossa atenção para o fato de que o universo dos alunos deve ser levado em consideração para que o conhecimento histórico seja promovido com sentido e significação, mas sem se abrir mão do rigor científico no qual está alicerçado. Segundo Caimi (2006, p. 20), uma aprendizagem significativa “ocorre quando uma nova ideia se relaciona aos conhecimentos prévios, numa situação relevante para o estudante, proposta pelo professor”. Já ao professor cabe a tarefa de realizar uma “ proposição de atividades desafiadoras que provoquem desequilíbrios e reequilibrações sucessivas nos processos de cognição”. Nessa perspectiva, é requerido do professor de História uma postura reflexiva, na qual o mesmo seja capaz de investigar os problemas que se colocam no cotidiano escolar e mobilizar os conhecimentos, recursos e procedimentos para a sua superação (ou mitigação). Além disso, também se espera que esse profissional seja capaz de avaliar a adequação de suas escolhas e possa reorientar a sua ação para intervenções mais qualificadas dos/nos processos de aprendizagem dos alunos.
Quando falamos em significação nas aulas de História, somos remetidos à ideia da cognição histórica, ou seja, das formas como professores e estudantes aprendem e/ou constroem os seus conhecimentos históricos. Mas como ensinar História? E como se ensina a Ensina História? A resposta a essas questões passa necessariamente pela conceituação do que se entende por aprendizagem histórica e o que a mesma envolve. Sobre esse tema, Jörn Rüsen (2010, p. 43) afirma que esse processo se dá a partir da interiorização de novas qualidades cognitivas com o objeto que está sendo aprendido. Uma formação histórica, portanto, tem a finalidade de levar os sujeitos a pensar historicamente, tomando o conhecimento histórico como uma síntese da experiência humana e a sua interpretação para a orientação na vida prática. Além disso, trata-se de uma formação com vista na socialização e individualização (dinâmica da identidade histórica) a partir da sua relação com a ciência.
Ponto importante a ser considerado é a necessidade de se estabelecer pontos de intersecção entre a ciência da História e a vida prática dos sujeitos (professores e alunos), de modo que as aulas de História possam ser estabelecidas a partir – e em função – dessa intrínseca relação, constituindo-se não apenas o ponto de partida, mas também de chegada. Segundo Rüsen, essa “operação” deve ser feita seguindo-se o mesmo processo de produção do conhecimento histórico acadêmico. Parte-se de (a) uma problemática apresentada pelos discentes para (b) uma pesquisa bibliográfica e de fontes, para em seguida - professor e alunos - terem condições de realizarem uma (c) análise, com discussões e contrapontos e (d) produzir uma síntese – ou narrativa – e assim (e) fazer uma compreensão e/ou aplicação do conhecimento histórico. Nesse processo, é possível se alcançar o significado e sentido de orientação temporal – “quem sou”, “onde estou”, “como cheguei aqui”, “onde posso chegar” – tanto para o autoconhecimento quanto para o conhecimento do “Outro” e do mundo. Trata-se da proposição daquilo que o autor chama de uma relação orgânica entre a Teoria da História (produção de conhecimento histórico) e Didática da História (o ensinar História).
Numa reflexão semelhante, Maria Auxiliadora Schmidt (2010) enfatiza o papel da problematização nos processos de ensino e aprendizagem em Histórica, na medida em que afirma a (re)construção de problemáticas deve estar no cerne das discussões e reflexões a serem empreendidas na sala de aula, de modo a contribuir para a construção de um ambiente de aprendizagens significativas para os discentes. Nesse movimento, deve-se partir de alguns pressupostos tal qual aquele que entende que o fato histórico possui várias interpretações e que são as questões do presente que precisam ser postas e interpretadas em diálogo com o passado. Além dessa problematização, o professor precisa trabalhar com os conceitos históricos, partindo do princípio que esses são dinâmicos, complexos e possuem também uma historicidade, além de serem uma ferramenta útil utilizada pelos historiadores para a compreensão do passado (Silva, 2009, p. 9). Também os recortes espaço-temporais são necessários para que os discentes sejam situados nos contextos específicos aos quais as temáticas desenvolvidas pelo docente estão vinculadas. Um outro ponto significativo para o Ensino de História é o uso de fontes como recurso para as aulas, de modo a permitir que os discentes possam ter contato com esses vestígios do passado e possam vislumbrar outras possibilidades de interpretação e (re)construção das narrativas sobre o passado.
EDUCAÇÃO CIENTÍFICA NA EPT E A (RE)CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO EM CONTEXTO ESCOLAR
Falar em Educação Científica no âmbito da EPT nos remete necessariamente às transformações que a educação brasileira vem sofrendo ao longo das últimas três décadas, quando – a partir da aprovação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – importantes políticas públicas passaram a ser implementadas, sustentadas pelo debate em torno do tipo de formação que deveria ser ofertada. Nesse contexto, o que tem prevalecido é a perspectiva da formação humana integral, percebida como uma “formação multidirecional que compreende o desenvolvimento integral do educando, em sua totalidade, considerando as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia, da cultura e da cidadania como fundamentais no processo de formação” (Bernardes, 2020, p. 8). Esse modelo está na base da organização curricular dos IFs - criados em 2008 por meio da Lei n. 11.892 (Brasil, 2008) – que oferta o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, além de promover a chamada verticalização do ensino e ofertar desde o Ensino Médio até a pós-graduação em nível de doutorado, em diálogo com os arranjos produtivos e as comunidades locais.
Se, por um lado, o cotidiano escolar da/na EPT nos coloca em contato direto com a realidade local, por outro as iniciativas da chamada Educação Científica acabam por oportunizar a operacionalização de ações e projetos capazes de levar professores e alunos a produzirem conhecimentos significativos, a partir de tais realidades. Entendida como parte fundamental da formação discente, a Educação Científica tem a capacidade de introduzir no cotidiano das escolas de educação básica o pensamento lógico, o treinamento para a resolução de problemas práticos e o acúmulo da cultura científica vigente (Zancan, 2000, p. 6). Além disso, essa educação, se tomada como norteadora dos processos de ensino e aprendizagem, é capaz de despertar a capacidade de questionamentos, auto-organização e abordagens críticas do conhecimento. Trata-se, portanto, de um movimento que tem buscado introduzir nas escolas de educação básica o métier científico, abordando as mais variadas áreas do conhecimento, incluindo aí a História e as demais Ciências Humanas.
Na forma como foram (re)estruturados, os IFs assumiram a tarefa de promover a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, num esforço para integrar os processos educativos com as práticas sociais e articular a formação das pessoas com a produção de conhecimentos e a divulgação científica (Marques; Vieira, 2020, p. 188). A partir do chamado currículo integrado, que enfatiza a necessidade do desenvolvimento de práticas integradoras, é possível o desenvolvimento de ações de ensino, pesquisa e extensão, traduzidas em projetos de pesquisa (cujo mote é a iniciação científica, a partir da perspectiva da educação científica), projetos de extensão (manifestados por meio da curricularização da extensão) e dos projetos integrais vinculados ao ensino. Como seria possível, pois, operacionalizar uma formação humana integral na EPT dos IFs em diálogo com o Ensino de História, a partir – e em função – da tríade Ensino/Pesquisa/Extensão?
Uma possível resposta à questão nos remete à Didática da História, capitaneada pelas reflexões do Historiador alemão Jörn Rüsen (2010). Em suas colocações, estão contidas algumas pistas para a superação da ainda persistente dicotomia universidade versus escola, no que diz respeito à (re)construção do conhecimento histórico. Nesse contexto, tem havido uma tendência bastante forte em conferir à ação de professores e alunos – dentro das escolas de Educação Básica – um status de construtores de conhecimento, especialmente quando se vinculam as atividades didático-pedagógicas à vida prática daqueles sujeitos, na perspectiva da promoção de um ensino significativo.
Quando propõe que haja uma relação orgânica entre a produção do conhecimento histórico e os processos de ensino-aprendizagem em História, Rüsen está acenando para uma superação daquela dicotomia. Se durante muito tempo, as Teorias da História (o produzir História) estiveram trancafiadas nos muros das universidades e a Didática da História (ensinar e aprender História) esteve vinculada à Escola, essa nova perspectiva coloca ambas num diálogo horizontal, ratificando a escola e as aulas de História enquanto espaços de produção de conhecimento histórico, além de creditar ao ambiente escolar uma posição de destaque na (re)construção das identidades profissionais dos docentes e na experiência de formação dos discentes. Trata-se, portanto, de uma alternativa que tem o potencial para construir propostas significativas na promoção de conhecimentos históricos significativos para os discentes.
Um importante desafio que tem sido posto para os profissionais da educação tem sido justamente o papel da escola na contemporaneidade (Ribeiro Junior, 2017). Nesse contexto, somos compilados a responder às questões “o que ensinar?”, “como ensinar?” e “por que ensinar?”. Para a educação básica, as discussões sobre currículo envolvem temas como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, a reforma do Ensino Médio, a “Escola sem Partido”, etc., enquanto que na Educação Superior, o debate gira em torno da escola, do currículo e da formação de professores. No caso específico do Ensino de História, os desafios principais são a superação da persistente dicotomia historiador versus professor e a construção de estratégias para uma práxis docente pautada num ensino significativo, capaz de promover a educação histórica, num mundo cada vez mais globalizado, no qual tudo parece “mais interessante” que as persistentes “tradicionais” aulas de História.
Nesse contexto, os sujeitos são postos diante da aceleração do tempo que, por sua vez, tende à naturalização dos fenômenos do tempo presente e à não problematização da construção histórica de tais fenômenos; nessas condições, a percepção crítica da realidade fica prejudicada, o que acaba por naturalizar situações de desrespeito, violências, opressões, desigualdades, etc. O desafio para a formação humana integral, nesse contexto, passa necessariamente pelo enfrentamento não apenas dessa aceleração do tempo, mas também pelas incertezas e conflitos que permeiam as relações humanas, no contexto das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDICs, das desigualdades do multiculturalismo, o que requer respostas plurais dos professores e alunos (Fonseca; Couto, 2008, p. 101). Mas como enfrentar o desafio de ensinar uma História que seja significativa para alunos do Ensino Médio Integrado à EPT em tempos como esses?
Uma alternativa interessante, tanto do ponto de vista da organização curricular quanto de prática pedagógica, é a chamada História Temática, abordagem didático pedagógica que difere da chamada História Convencional e da Integrada (Caimi, 2009). Enquanto a História Convencional segue uma narrativa cronológica a partir e em função da divisão quadripartite eurocêntrica e a Integrada se esforça para misturar os elementos da anterior com os conteúdos da História da África ou da América Latina – especialmente a partir das crescentes contestações acerca do conhecimento histórico e do Ensino de História, a partir da década de 1980 – a História Temática parece oferecer condições epistemológicas em torno de uma aprendizagem significativa de História para os alunos, abrindo o caminho para ações de pesquisa e extensão, na perspectiva da educação científica.
O primeiro ponto a ser considerado em relação à História Temática é o fato de que os conhecimentos históricos a serem elencados nas aulas precisam vincular-se às práticas sociais dos alunos, o que nos leva necessariamente à realização de um diagnóstico da turma, a primeira etapa do planejamento pedagógico. Através de questionários e/ou rodas de conversa, é possível construir um espaço de diálogo entre docentes e discentes, no qual os alunos e alunas poderão expressar as suas expectativas e opiniões em torno das aulas de História, bem como indicar – através de suas falas – quais temas deveriam ser abordados à luz do conhecimento histórico. Uma vez coletadas as informações e impressões dos discentes, o professor pode fazer um planejamento pedagógico a partir dos temas suscitados. Em geral, os temas variam de acordo com o público-alvo, o que requer uma atenção especial em relação aos recursos didáticos utilizados, tópicos a serem abordados, níveis de aprofundamento, etc.
Outro ponto importante da abordagem da História Temática é o uso de diferentes linguagens e fontes, a serem capitaneadas com vistas em proporcionar aos discentes as diferentes versões de um determinado fato. Com isso, é possível discutir e problematizar inclusive o saber histórico enquanto uma interpretação da realidade, feita a partir de um lugar específico e com determinados objetivos. Também deve-se considerar o papel que as fontes históricas devem assumir nessa abordagem, quando os discentes são levados a terem contato eles mesmos com essas fontes, de modo a lê-las e fazer inferências acerca do passado e se perceberem como agentes ativos no processo de construção do conhecimento, na perspectiva daquilo que estamos chamando de Educação Científica.
Se a História Convencional e/ou Integrada impõe conteúdos que não se vinculam direta ou indiretamente às práticas e vivências discentes, a História Temática permite abordar aqueles temas que atravessam a sala de aula, tal qual as questões de gênero e sexualidade, violência, discriminação e preconceito racial, pobreza, etc. Uma vez elencado o tema julgado mais relevante – a partir do diagnóstico inicial – o estagiário e o professor podem estabelecer relações entre o presente vivenciado pelos discentes e o passado, buscando as semelhanças e diferenças, rupturas e continuidades, sempre visando situar historicamente a realidade dos discentes, num processo de desnaturalização e historicidade de tal realidade. Trata-se, portanto, da construção de uma noção de temporalidade histórica que rompa com noções absolutas de linearidade, progresso e evolução. Em linhas gerais, portanto, as aulas de Histórias – a partir da perspectiva da História Temática, no contexto da EPT – devem ser pensadas de modo que se permita o trabalho com temas de interesse dos discentes, indo de encontro à perspectiva eurocêntrica quadripartite e linear – tão criticada pelos estudos decoloniais – e trazendo os discentes para o centro dos processos de ensino e aprendizagem histórica, na perspectiva de Rüsen.
Em suma, podemos inferir que o Ensino de História na EPT – a partir da relação necessária da tríade Ensino/Pesquisa/Extensão, no contexto da formação integral – tem o potencial de promover uma aprendizagem histórica significativa para os discentes, além de (re)definir as identidades profissionais dos professores vinculados àquela modalidade educacional. Por meio de uma atitude problematizadora – capitaneada pelos pressupostos da Educação Científica – é possível o desenvolvimento de propostas de ensino, pesquisa e extensão capazes de (re)habilitar os espaços escolares enquanto locus privilegiados de (re)construção de conhecimentos. Se aplicarmos, portanto, essas condições ao Ensino de História na EPT, pode-se criar significativas oportunidades tanto para os discentes quanto para os professores, tendo em vista que ambos os sujeitos (a partir de suas posições respectivas no processo) podem estabelecer significativas trocas e diálogos, de modo a enriquecer mutuamente as suas experiências nos processos de ensino e aprendizagem histórica.
OS ACERVOS DIGITAIS PARA O ENSINO, A PESQUISA E A EXTENSÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO SOBRE O LOCAL E O REGIONAL NA EPT
O debate em torno da relação entre a “revolução tecnológica” capitaneada pela internet e a História vai desde as mudanças históricas provocadas pela internet, passando pelo material produzido e disponibilizado enquanto fonte até chegar ao potencial de divulgação da História, seja dos diversos conteúdos, seja dos vários formatos (textos, imagens, vídeos, áudios, etc.) nos quais estão alocados tais conteúdos (Rodrigues Junior, 2021, p. 26). Interessa-nos, todavia, o papel que os acervos digitais têm desempenhado no acesso às fontes históricas, disponibilizando-as tanto para a pesquisa acadêmica quanto para o ensino de História.
Retomando o debate relatado no início desse texto, entendemos que as problemáticas suscitadas naquele momento são reflexos do crescente processo de “digitalização” do mundo físico e do consequente conflito de gerações, estando de um lado aqueles que ainda resistiam (ou resistem) aos acervos digitais – numa aproximação do estereótipo do “rato de arquivo” (Almeida, 2011, p. 10) – e os demais, que reconhecem o potencial que os acervos digitais têm desempenhado nas pesquisas e no ensino de História (Souza Neto, 2022, p. 21).
Em linhas gerais, os acervos digitais de fontes históricas constituem-se basicamente a partir da transferência dos documentos do suporte de papel para os suportes digitais, a partir de um processo de digitalização, feito por meio dos aparelhos tecnológicos, dentre os quais se destacam o scanner e a câmera digital, além dos instrumentos para o armazenamento dos arquivos produzidos no processo, os quais são chamados – não por acaso – de memória. Esse processo de digitalização das fontes físicas e sua disponibilização acaba por ampliar a noção de documento histórico, iniciada com a Escola dos Annales ainda no século XX, e que torna o registro das informações um dos aspectos mais relevantes (Almeida, 2011, p. 20).
Como podemos observar, a internet possibilitou aos historiadores/professores de História testemunhar a emergência da chamada História Digital, cujas principais características são a capacidade de armazenamento de informações, a facilidade de acesso (para aqueles incluídos no mundo digital), a flexibilidade de formatos e a interatividade entre os usuários; trata-se, portanto, de um “saber-fazer” historiográfico que não poderia ser feito sem o auxílio do computador e da internet (Almeida, 2011, p. 25). Diante dessa nova realidade, fomos compelidos não apenas a consultar os acervos digitais em busca de fontes para as nossas pesquisas, mas também em refletir sobre o ensino de História para crianças, jovens e adolescentes com elevado nível de domínio das TDICs (Góis; Peçanha, 2021, p. 32). A questão que se colocou foi a seguinte: como tornar interessante e estimulante a aula de História, quando aqueles sujeitos se encontram imersos no mundo digital?
A resposta a essa questão passa necessariamente pela reelaboração da nossa identidade profissional, naquilo que diz respeito ao processo de reflexão – ação – reflexão (ou práxis) docente, a partir das condições reais de existência e do ambiente escolar/institucional no qual estamos inseridos. No caso específico da EPT dos/nos IFs, há determinadas condições – auspiciadas pela estrutura curricular e pela necessária articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão – que permitem o desenvolvimento de ações envolvendo fontes históricas digitais nas aulas de História, especialmente quando tratamos de temáticas relacionadas ao regional e ao local dos/nos contextos amazônicos. Já havíamos destacado o papel que a História regional e local pode desempenhar nos processos de ensino e aprendizagem histórica na EPT ofertada em contexto amazônico, na medida em que tem o potencial de situar historicamente os discentes enquanto pertencentes àquelas localidades, cujas identidades foram e/ou são (re)construídas a partir – e em função – das relações com o “Outro” e com o ambiente natural ao qual estão vinculados, num movimento de reconhecimento de seu protagonismo não apenas enquanto sujeitos históricos, mas também como intérpretes do passado amazônida à luz das demandas do tempo presente (Nascimento, 2021, p. 79).
Sobre a indisponibilidade de materiais didáticos para o ensino de História regional e local, nos deparamos com a principal fonte de informações do saber histórico escolar disponível para professores e alunos: o livro didático (Bittencourt, 2002, p. 71). Apesar do papel que têm desempenhado historicamente na educação brasileira, esse recurso didático-pedagógico ainda é alvo de muitas críticas e debates, que versam sobre questões como a deficiência de conteúdos, as lacunas, os erros conceituais e informativos, além das questões políticas, ideológicas e mercadológicas que interferem direta e indiretamente na sua concepção, escolha e distribuição (Bittencourt, 2008, p. 298). Em se tratando especificamente da História regional e local, as críticas versam necessariamente sobre a ênfase em temas “nacionais” predominantes nas obras. Resta, portanto, recorrer aos chamados paradidáticos, obras produzidas para fins didáticos, mas que abordam conteúdos não constantes nos livros didáticos, aprofundando elementos dos saberes dos componentes curriculares (Thomson, 2016, p. 45) e que buscam atender à diversidade da população escolar brasileira (Bittencourt, 2008, p. 304). Essa opção, todavia, também esteve indisponível para nós, quando buscamos referências para o ensino de História da Amazônia, do Amazonas e das localidades interioranas.
Uma vez identificada a escassez tanto de materiais bibliográficos quanto de fontes históricas para tratar das temáticas regionais e principalmente locais relacionadas às localidades interioranas da Amazônia, voltamos nossa atenção para as estratégias disponibilizadas pela EPT, tal qual o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para os estudantes de Ensino Médio (PIBIC Jr). Assim como os demais programas de iniciação científica, esse programa consiste basicamente no apoio financeiro aos estudantes para a realização de pesquisas científicas e tecnológicas, sob a orientação de um professor/pesquisador. Com o objetivo de “fortalecer o processo de disseminação das informações e conhecimentos científicos e tecnológicos básicos, e desenvolver atitudes, habilidades e valores necessários à educação científica e tecnológica dos estudantes” (CNPq, 2006, s/p). Tal proposta vai ao encontro da Resolução Normativa n. 17, de 6 de julho de 2006, ao determina que é finalidade principal do programa a promoção da formação de recursos humanos, através do incentivo à pesquisa para alunos e professores das instituições de ensino superior e institutos de pesquisa. Esse incentivo manifesta-se no pagamento de bolsas para aqueles discentes que, orientados por professores pesquisadores, possam desenvolver os seus talentos potenciais, numa espécie de “despertar” para a ciência. Dividido em três grandes áreas – ciências da vida, ciências exatas e da terra e ciências humanas e sociais – o programa utiliza como principais critérios de seleção o currículo do orientador e a qualidade do plano de atividade (ou projeto de pesquisa), o que denota a necessidade de qualificação por parte dos professores/pesquisadores/orientadores. Por meio dos chamados Acordos de Cooperação Técnica, o CNPq concede as quotas de bolsas, para serem administradas e aplicadas pelas referidas instituições, dentre as quais os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFs. Como requisitos e condições, essas instituições devem “a) ser beneficiária dos programas PIBIC e/ou PIBITI; b) dispor de infraestrutura adequada à realização das atividades de pesquisa do bolsista; c) disponibilizar, quando necessário, transporte e alimentação aos bolsistas para participação nas atividades previstas” (CNPq, 2006, s/p).
A partir dessas condições – escassez de referências e fontes para a História regional e local e as possibilidades da pesquisa envolvendo discentes do ensino médio na EPT/IFAM – desenvolvemos seis projetos de pesquisa em nível de PIBIC Jr cujas principais fontes foram arroladas em acervos digitais diversos. O primeiro desses projetos intitulou-se “Águas, Anões e Caldas: representações dos povos indígenas do Juruá nos relatos de viagens (séc. XVII - XIX)” e teve como objetivo principal as representações construídas pelos colonizadores europeus nos relatos de viagem reproduzidos a partir do século XVII sobre os povos indígenas que habitavam o rio Juruá. O conjunto das fontes identificadas e analisadas foram as seguintes: a) Novo Descobrimento do grande rio das Amazonas, de Cristóbal de Acuña (1639) e disponibilizado na Biblioteca Digital de Obras Raras da UFRJ2; b) Viagem na América Meridional descendo o rio das Amazonas, de Charles-Marie de La Condamine (1743), disponibilizado na Biblioteca Digital do Senado Federal3; c) Roteiro da Viagem da Cidade do Pará até as Últimas Colônias do Sertão da Província, de José Monteiro de Noronha (1768), disponibilizado na Biblioteca Brasiliana4; d) Viagem pelo Brasil 1817 – 1820, de Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius (1820) e disponibilizado na Biblioteca Brasiliana5; e) Ensanio Chorographico do Pará, escrito por Antônio Ladislau Monteiro Buena (1839) e disponibilizado na Biblioteca Brasiliana6; e f) O País das Amazonas, escrito pelo Barão de Santa Ana Nery (1889) e disponibilizado pela Biblioteca Digital do Senado Federal7.
Já o segundo projeto foi chamado de Nem só de borracha vive o homem: uma história da agricultura na província do Amazonas (1850 - 1889) e tomou como fonte privilegiada os Relatórios da Presidência da Província do Amazonas, produzidos entre 1852 e 1889 e disponbilizados pelo Center for Research Libraries8. Esse projeto foi significativo porque nos ajudou a compreender o papel da agricultura no Amazonas na segunda metade do século XIX, momento em que aquela província vivenciava a exploração extrativista da borracha, mas que manteve os necessários e tradiconais sistemas de produção agrícola, importantes para o fornecimento de gêneros alimentícios para os “trabalhadores da borracha”. Além desse trabalho inicial, as atividades de pesquisa (prospecção e análise de fontes) nos levou à construção do nosso objeto para o doutorado, diga-se a aplicação da legislação agrária na província do Amazonas.
O terceiro projeto a lançar mão das fontes históricas digitais foi o Encontro de mundos: os povos originários da costa de Iranduba nos relatos de viagens (séculos XVI - XIX), que se debruçou – assim como o primeiro – sobre os relatos de viagem produzidos sobre as representações e informações contidas naquele conjunto relatos de viagens sobre a região que viria a ser chamada de “Costa de Iranduba”, situada na confluência dos rios Negro e Solimões, num período que se estende do século XVI e vai até o século XIX. Produzidos nessa longa duração, tais relatos que nos possibilitaram vislumbrar os contextos históricos, mudanças e permanências, relações sociais e de poder, e principalmente as relações interétnicas entre os chamados povos originários e os colonizadores europeus.
O quarto projeto de iniciação científica por nós desenvolvido também partiu da documentação disponibilizada na internet, tais quais os já citados relatórios de presidência de província. Intitulado Às margens: uma história da produção social do espaço urbano em Iranduba – AM, esse projeto teve expandido o leque de fontes arroladas, tal qual um conjunto de fotografias disponibilizadas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE9 e os jornais disponíveis na Hemeroteca Digital10 da Biblioteca Nacional. As fontes jornalísticas disponíveis nesse último acervo também estão na base de mais dois projetos de PIBIC Jr, cujos títulos são De costa a cidade: produção agrícola, abastecimento urbano e a (re)construção do espaço de Iranduba a partir da CHISA (c. 1970 c. 1980) e Uma estrada para a juta: colonização, integração e abastecimento da região metropolitana de Manaus (c. 1960); ambos versam necessariamente para a (re)construção histórica do município de Iranduba – AM, a partir – e em função – da expansão econômica da região, no contexto da Ditadura Civil-Militar brasileira.
Além dos projetos acima elencados, também desenvolvemos ações no campo da construção de acervos digitais de fontes históricas, quando em 2015 fomos contemplados pelo Edital Povos Originários, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que tinha como objetivo principal fomentar, incentivar e apoiar a coleta, recuperação, conservação e disponibilização para o acesso público de acervos de interesse científico e cultural de bens do patrimônio indígena brasileiro. Submetido o projeto Entre águas e árvores: as memórias dos povos indígenas do Vale do Juruá – AM, obtivemos apoio financeiro para o pagamento de bolsas e custeio, para a execução do mesmo. Como resultado, foi possível prospectar, identificar, digitalizar, editar e publicar mais de 5 mil peças documentais referentes aos povos indígenas do Vale do Juruá, disponíveis no Arquivo da Prelazia de Tefé – Amazonas (TJAM ), e que agora encontram-se acessíveis no Acervo Memória do Juruá.11
Já em 2023, submetemos o Projeto História, Memória e Identidade do Amazonas: Projeto Acervo Memória Histórica da Amazônia Oitocentista ao Edital n. 01/2023 – Programa Universal – FAPEAM 20 ANOS, que foi aprovado por meio da Decisão n. 470/2023 - CD/FAPEAM e encontra-se em execução, com previsão para conclusão em 2026. A proposta tem como objetivo principal a criação de um Acervo Digital a partir da documentação histórica sobre a província do Amazonas existente no Arquivo Público do TJAM, referente ao período que vai de 1850 até 1889, momento no qual o Amazonas se constituiu enquanto unidade político-administrativa autônoma e independente. Trata-se de um projeto que propõe a prospecção, catalogação, digitalização, edição e publicação dos mais diversos documentos existentes naquela instituição, que versam sobre os mais variados temas referentes à administração da justiça na então província do Amazonas, indo ao encontro das atuais políticas públicas de preservação, restauração e manutenção do patrimônio histórico, artístico e cultural do estado do Amazonas. Uma vez concluídas as etapas previstas no projeto, obteremos como resultado principal um acervo documental que servirá tanto à comunidade acadêmica especialmente historiadores, sociólogos e antropólogos quanto à sociedade amazonense em geral, na medida em que os documentos históricos poderão ser acessados por todos aqueles que se interessam pela memória e pela História desse estado, num movimento de (re)interpretação do passado e (re)construção e/ou fortalecimento das identidades, bem como o respeito à diversidade étnica, social, cultural e ambiental do Amazonas, através da documentação histórica do TJAM.
Todas essas ações envolvendo acervos digitais de fontes históricas sobre a Amazônia partiram efetivamente das necessidades em torno do Ensino de História regional e local. Seja a pesquisa nos acervos existentes, seja o trabalho de (re)construção de tais acervos, tem havido um profícuo diálogo com as demandas dos discentes do Ensino Médio ofertado no contexto da EPT/IFAM, num movimento que tem por base o tripé Ensino/Pesquisa/Extensão, a partir – e em função – das ferramentas disponibilizadas pelas TDIC’s, com destaque para a internet. Todavia, apesar da miríade de possibilidades – fontes, bibliografias e divulgação do conhecimento - que a internet oferece aos processos de ensino e aprendizagem histórica, é fundamental que os docentes tenham o domínio dessa ferramenta, de modo utilizá-la de forma eficiente, aproveitando todo o seu potencial (Silva, 2015, p. 107). O grande desafio que se coloca é como utilizar a tecnologia nos processos de ensino e aprendizagem, o que requer não apenas uma alfabetização informacional, mas também a capacidade de problematização e análise crítica da parte dos discentes, pois não basta apenas ter acesso e saber usar a internet, mas também aprender História a partir dos recursos disponibilizados, sejam eles websites, enciclopédias, blogs, vídeos, podcasts, etc. (Rodrigues Junior, 2021, p. 26).
Em linhas gerais, é possível afirmar que a relação entre a Internet e a História pode ser profícua e tem se tornado cada vez mais necessária, especialmente quando vários aspectos da existência humana têm se (re)produzido nos meios digitais. Também havemos de considerar o fato de que as novas gerações crianças, jovens e adolescentes frequentadores das escolas estão imersos no mundo digital (ao menos, aqueles que tem acesso àqueles recursos tecnológicos), o que leva necessariamente os docentes a repensarem as suas práticas a partir de um diálogo com as ferramentas digitais disponíveis. Dessa forma, é possível criar condições para um ensino de História significativo, capaz de criar condições reais de aprendizagem histórica na perspectiva da Educação Científica, especialmente em contextos de ensino, pesquisa e extensão da/na EPT.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É sabido que a criação dos IFs, em 2008, tornou mais atrativa a carreira docente, não apenas pelos salários (equiparados aos das universidades), mas também pelas possibilidades de atuação no ensino (desde a educação básica até a pós-graduação), na pesquisa e na extensão, através do financiamento de projetos e do fornecimento de infraestrutura tecnológica e pessoal de apoio especializado. Nesse cenário, tem sido possível o desenvolvimento de projetos voltados para o Ensino de História em diálogo com as TDICs, num movimento de (re)construção das formas de ensinar e pesquisar História.
Em nossa experiência, os acervos digitais de fontes históricas têm se constituído enquanto ferramentas fundamentais, porque minimizam as limitações de acesso (custos da ida aos arquivos, problemas de manuseio, etc.) e ampliam as possibilidades de pesquisa, tanto em relação aos objetos analisados para os trabalhos de conclusão de curso de graduação, mestrado e doutorado quanto em relação aos usos daquelas fontes no desenvolvimento de projetos de pesquisa tais quais o PIBIC Jr, na perspectiva da educação científica promovida pela EPT dos/nos IFs.
Ademais, tais acervos mostram-se necessários uma vez que fornecem fontes para o trabalho em sala de aula, estando a um click de distância dos discentes e servindo de ponto de partida para a análise e interpretação do passado, num movimento de (re)construção de narrativas históricas sobre o local e o regional, tornando o ensino significativo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: Uma visão acerca da internet como fonte primária para as pesquisas históricas. Aedos, Rio Grande, v. 3, n. 8, p. 9-30, jan./ jun. 2011.
BERNARDES, Vanessa Araújo. O anunciado e o feito: Ensino Médio Integrado e Formação Omnilateral no IFES - Campus Cachoeira de Itapemirim. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), Vitória, 2020.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre imagens e textos. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2002. p. 69-90.
BRASIL. Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm. Acesso em: 6 mar. 2024.
CAIMI, Flávia Eloísa. História convencional, integrada, temática: Ima opção necessária ou falso debate? In: XXV Simpósio Nacional de História, 2009, Fortaleza. Anais do XXV Simpósio Nacional de História. Fortaleza: ANPUH, 2009. p. 1-10.
CAIMI, Flávia Eloísa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Tempo, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, ano 3, p. 17-32, jun. 2006.
CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO - CNPq. Resolução Normativa - n. 017/2006. Brasília, 2006.
FONSECA, Selva Garrido; COUTO, Regina Célia do. A formação dos professores de História no Brasil: Perspectivas desafiadoras do nosso tempo. In: ZAMBONI, Ernesta; FONSECA, Selva Guimarães (org.). Espaços de formação do professor de história. Campinas: Papirus, 2008. p. 101-130.
GÓIS, Mariana Emanuelle Barreto de; PEÇANHA, Natália Batista. "Do pó do arquivo ao click: recursos metodológicos para o uso de fontes no ensino de história. In: OLIVEIRA, João Paulo Gama (org.). Acervos e fontes: Diferentes caminhos para o ensino de história. Recife: EdUPE, 2021. p. 32-46.
LOPES, Jackeline Silva. Estágio supervisionado e formação de docentes em História: Múltiplas perspectivas formativas. In: XXIX Simpósio Nacional de História, 2017, Brasília. Anais do XXIX Simpósio Nacional de História. Brasília: ANPUH, 2017. p. 1-17.
MARQUES, Maristela Beck; VIEIRA, Josimar de Aparecido. Indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão na prática profissional do ensino médio integrado à educação profissional. ScientiaTec, Bento Gonçalves, v. 7, n. 1, p. 187-202, jun. 2020.
NASCIMENTO, Paulo de Oliveira. O lugar da história regional e local na educação profissional e tecnológica - EPT: O caso do IFAM/Campus Eirunepé. In: AUGUSTO, Diogo Luiz Lima et al. História: Diálogos da realidade e percursos de debate. Rio de Janeiro: e-Publicar, 2021 p. 79-88.
NASCIMENTO, Paulo de Oliveira. Narradores de Eirunepé: Oralidade, Narrativa e Ensino de História na (re)construção de uma Memória Coletiva urbana. Mnemosine Revista, Campina Grande, v. 8, p. 202-219, jul./dez. 2018a.
NASCIMENTO, Paulo de Oliveira et al. Entre águas e árvores: Memórias dos Povos Indígenas do Vale do Juruá - AM. In: Acervo Memória do Juruá. [2018b].
RIBEIRO JUNIOR, Halferd Carlos. Formação inicial do professor de História e estágio supervisionado: Reflexões sobre a Universidade Federal da Fronteira Sul e a Universidade do Minho. In: RIBEIRO JUNIOR, Halferd Carlos; VALÉRIO, Mairo Escorsi. Ensino de História e Currículo: Reflexões sobre a Base Nacional Comum Curricular, Formação de Professores e Prática de Ensino. Jundiai: Paco Editorial, 2017. p. 125-137.
RODRIGUES JUNIOR, Osvaldo. Ensinar história na era do google: O uso de websites como fontes históricas no ensino de história. In: OLIVEIRA, João Paulo Gama (org.). Acervos e fontes: Diferentes caminhos para o ensino de história. Recife: EdUPE, 2021. p. 16-31.
RÜSEN, Jörn. A razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2010.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2010. p. 54-66.
SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009.
SILVA, Micael Alvino. As fontes digitais e o ofício de historiador. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 172, p. 104-112, set. 2015.
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: Errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, n. 60, p. 13-33, 2010.
SOUZA NETO, Amaro Jose de. O potencial dos meios digitais para o ensino de história: A cultura em foco na sala de aula da educação básica. RELPE, Arraias, v. 6, n. 2, p. 8-25, 2022.
THOMSON, Ana Beatriz Accorsi. Os paradidáticos no ensino de História: Uma reflexão sobre a literatura infantil/juvenil na atualidade. Revista do Lhiste, Porto Alegre, v. 3, n. 4, p. 27-49, jan./jun. 2016.
ZANCAN, Glace T. Educação científica, uma propriedade nacional. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 3-7, 2000.
Notes
Author notes