DOSSIÊ: FORMAS TEXTUAIS, IMAGINAÇÃO E HISTORICIDADE
Apresentação Erich Auerbach e a Literatura de guerra
Presentation Erich Auerbach and War Literature
Apresentação Erich Auerbach e a Literatura de guerra
Varia Historia, vol. 41, e25040, 2025
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais
Received: 18 March 2024
Revised document received: 8 January 2025
Accepted: 25 October 2024
RESUMO: O texto é uma apresentação à conferência “Poesie et guerre” (“Poesia e Guerra”), de Erich Auerbach (1892-1957), proferida provavelmente em 1941, na Turquia, e preza por demonstrar a sensibilidade da reflexão crítica do autor às transformações do mundo à sua volta. Com a concisão própria de um texto dessa natureza, as históricas relações entre poesia e guerra são trazidas à luz, de modo a salientar a peculiaridade da literatura de guerra contemporânea e sua inscrição no projeto filológico auerbachiano. Em seguida, o leitor encontrará a transcrição da conferência em seu idioma original, o francês, bem como a tradução do documento para o português.
Palavras chave: Poesia, guerra, conferência.
ABSTRACT: The text is an introduction to the conference “Poesie et guerre” (“Poetry and War”), by Erich Auerbach (1892-1957), likely delivered in 1941 in Turkey. It highlights and seeks to demonstrate the sensitivity with wich Auerbach’s critical reflection was attuned to the transformations of the world around him. With the conciseness typical of this kind of text, the historical relationships between poetry and war are brought to light, emphasizing the uniqueness of contemporary war literature and its inscription into Auerbach’s philological project. The reader will find a transcription of the conference in its original language, French, along with a Portuguese translation of the document in this same volume of the jornal Varia História.
Keywords: Poetry, war, conference.
O que mais assombra em uma situação de guerra, talvez seja essa estranha sensação de um tempo inédito que, embora novo, interdita uma relação livre e, em certa medida, ingênua que uma sociedade costuma traçar com seu futuro. A guerra coloca em xeque todo um jogo de expectativas que, se antes se colocavam como metas inabaláveis, agora hesitam face ao desdobramento dos grandes eventos políticos mundiais. Ela embaralha as dimensões aparentemente apaziguadas do tempo, lançando ao passado uma lança afiada que o atravessa como quem exige um acerto de contas; mas o presente da guerra é frágil demais, incerto ao ponto de não conseguir oferecer qualquer evidência de que a lança acertará o alvo desejado. O tempo da guerra é o tempo da incerteza.
Atualmente duas guerras ocupam as páginas dos jornais e as telas de televisão, computadores e smartphones: Rússia e Ucrânia, de um lado, Israel em Gaza, de outro. Além desses conflitos, tantos outros ignorados pelas mídias e órgãos internacionais lançam a mesma incerteza sobre a vida cotidiana daqueles diretamente envolvidos, e também um desconforto sem medida sobre todos nós, os que assistimos a tudo, impotentes. Nesse cenário desolador, pode a poesia, ou a literatura de modo geral, oferecer, se não uma clareza, ao menos uma interpretação provável de sua época capaz de proporcionar algum parâmetro, alguma medida de compreensão? De que maneira a escrita criativa do presente pode iluminar um tempo marcado por eventos que parecem não ter precedentes – embora sempre seja possível encontrá-los em algum lugar –, em virtude da destruição e desumanização extremas?
É certo que, desde os tempos antigos, o tema da guerra tem sido parte importante da tradição poética, de modo que esse casamento de opostos não causa nenhuma estranheza ao leitor atento. No entanto, apesar de tributar à epopeia antiga a origem dessa relação, valendo-se de exemplos das tradições bíblica e grega, o tema da conferência de Erich Auerbach (1892-1957) – a respeito da qual falaremos a seguir – aborda uma literatura e uma guerra especificamente contemporâneas, e isso no calor mesmo de seus desdobramentos. Proferida na Turquia, provavelmente em 1941, “Poesia e Guerra” é parte de uma série de palestras previstas no contrato de Auerbach, na Universidade de Istambul. Escrita originalmente em francês, seu idioma de trabalho nesse período, o texto aborda questões prementes da sociedade turca e europeia de seu tempo e suas implicações na literatura contemporânea – e, nesse sentido, preserva uma notável atualidade.
Em 1935, Auerbach foi compelido ao exílio após a promulgação das Leis de Nuremberg, que, dentre outras imposições, afastava funcionários de sangue judeu do serviço público alemão. Sua demissão da Universidade de Marburg coincidiu com a transferência de Leo Spitzer (1887-1960) da Universidade de Istambul1 – onde, desde 1933, atuava como professor de Línguas e Literaturas Latinas e como diretor da Escola de Línguas Estrangeiras – para a cadeira de Filologia Românica da Johns Hopkins University, Estados Unidos. Como esperado, a vaga de Spitzer foi ambicionada por filólogos do mais alto nível na Alemanha, uma lista que contava, além de Auerbach, com Hans Rheinfelder (1898-1971), Victor Klemperer (1881-1960) e, possivelmente, Robert Ernst Curtius (1886-1956). Em um primeiro momento, Klemperer acreditou que o histórico de ex-combatente compensaria sua ascendência judaica, de modo que fosse possível permanecer em Dresden. Rapidamente deu-se conta de seu equívoco e passou a buscar com afinco outras oportunidades de emprego ao redor do mundo: além da Turquia, seu destino prioritário, Palestina e América do Sul estiveram em seu radar.
Conforme consta nos diários que manteve durante os anos do Nacional-socialismo, Klemperer não tomou muito a sério a candidatura de Curtius, pois, afinal, o filólogo alsaciano não era alvo da perseguição nazista e sua posição na Universidade de Bonn era bastante sólida (Klemperer, 1999, p. 31). Sua intuição provou-se acertada e Curtius não seguiu adiante com o suposto interesse de emigrar (dada a sua personalidade controversa, tal interesse pode nunca ter sido genuíno). Seu maior rival era, de fato, Auerbach, com quem manteve, ao longo dos anos, uma atitude ambígua que transitou do ressentimento à admiração intelectual. A razão desse primeiro afeto pode ter tido origem na escolha de Auerbach para a vaga em Istambul, sobretudo em função do declarado apoio que recebeu de Spitzer e do filósofo italiano Benedetto Croce (1866-1952):
Ele [Auerbach] já estava em Florença há um ano, e Croce forneceu um parecer a seu favor. (E eu me dirigi a Vossler em protesto! Stupidone io!) Agora Auerbach está aprimorando seu francês em Genebra. E Spitzer declarou, na Itália, que o posto deve ser ocupado por alguém que realmente saiba francês! Se eu passar alguns meses em Genebra, eu também posso “realmente saber francês” novamente (Klemperer, 1999, p. 116).2
Evidentemente, seria necessário ver aí mais do que simples melindre, senão que o modo como a guerra e a vida sob o regime nazista amplificavam temores e distorciam as percepções em um presente incerto. Klemperer jamais conseguiu deixar Dresden, e, como forma de sobreviver ao terror e às perseguições políticas, escreveu o referido diário, intitulado Ich will Zeugnis ablegen bis zum letzten (na versão em português, Os Diários de Victor Klemperer. Testemunho clandestino de um judeu na Alemanha nazista). Passado o descontentamento com a nomeação de Auerbach em Istambul, Klemperer admitiu a qualidade de seu trabalho, sobretudo após a publicação de Mímesis3.
Chegando ao novo endereço, Auerbach deparou-se com uma cidade em plena efervescência cultural: intelectuais vindos principalmente da Inglaterra, da França e da Alemanha encontraram, na Universidade de Istambul, um ambiente favorável ao pensamento, na esteira do processo de ocidentalização promovido pelo então presidente Mustafa Kemal Atatürk (1881-1953). Segundo o que nos informa Kader Konuk em East West Mimesis (2010), a contratação de europeus emigrados nas principais universidades turcas alinhava-se ao argumento da modernização e do progresso, de maneira que um estimulante intercâmbio de ideias se estabeleceu entre filólogos europeus e turcos. Spitzer mesmo costumava organizar reuniões em seu apartamento, a fim de debater temas relacionados à linguística e à literatura românica com estudantes, professores assistentes e intelectuais emigrados, a exemplo de Traugott Fuchs, Eva Buck e Robert Anhegger (Apter, 2003, p. 266-267). Tal cenário parece contradizer as palavras de Auerbach nas páginas finais de Mimesis: “[...] Além disso, o estudo foi escrito durante a guerra, em Istambul. Aqui não há nenhuma biblioteca bem equipada para estudos europeus; [...]” (Auerbach, 1994 [1946], p. 518).4
Embora Konuk tenha colocado em dúvida o argumento auerbachiano da ausência de boas bibliotecas em Istambul, fato é que o filólogo se sentia isolado e sem os meios necessários para levar adiante o seu empreendimento intelectual no exílio. Além dos registros amplamente conhecidos nas páginas finais de Mimesis e no Epilegomena, ele reiterou essa opinião em uma carta a Oskar Seidlin (1911-1984), na qual justificou seu desejo de deixar a Turquia “[...] pois Istambul, apesar de suas muitas qualidades, é um lugar provisório para um romanista”5. Qual seria a razão de tamanho deslocamento? Enquanto estudiosos, como Fuchs e até mesmo Spitzer, assimilaram-se à nova cultura, aprendendo o idioma e tomando para si a tarefa de construir as pontes entre o ocidente e a Turquia, Auerbach manteve-se como um estrangeiro, jamais aprendeu o turco, e, ainda que tivesse ocupado cargos importantes, como o de diretor de departamento, sentiu-se isolado e com urgência de partir.
Talvez a resposta para isso esteja no projeto teórico que iluminou a sua filologia humanista, a Neuphilologie [Nova Filologia]. Praticada também por Spitzer e Curtius em linhas distintas, porém convergentes, opunha à filologia nacionalista da República de Weimar e à ciência literária nazista não uma renovação aos moldes das vanguardas artísticas que davam o tom naquele momento, mas uma ideia de restauração da Bildung, de maneira que fosse possível recompor, sob bases renovadas, uma noção de Europa como unidade cultural. Esse projeto somente foi proposto efetivamente nos anos finais de sua carreira, quando, no artigo “Filologia da Literatura Universal”, desenvolveu e incorporou ao seu repertório crítico a ideia goetheana de Weltliteratur.
A literatura universal em Auerbach apresentou uma abordagem inteiramente distinta do viés ufanista, pois, se a filologia tradicional se esforçava em demonstrar a superioridade do espírito alemão sobre os demais – sobretudo, o esprit francês – a partir de definições essencialistas e da determinação de fases do desenvolvimento espiritual da Europa, a Weltliteratur auerbachiana encarava as literaturas nacionais não como concorrentes entre si, mas em “fermentação recíproca”. Sua finalidade era a produção de uma espécie de mosaico, em que cada peça simultaneamente mantivesse sua cor e forma individuais e cumprisse um papel específico na figuração do todo.
Tal perspectiva, ao defender uma literatura comum que não se confundisse com massificação grosseira, foi interpretada por autores, como Edward Said,6 como uma atitude humanista. No entanto, e isso precisa ficar claro, Auerbach não pretendia destruir o centro produtor de sentido em relação ao qual as literaturas locais deveriam se referir, mas unicamente reprogramar seu eixo: de uma nação específica, para o conceito unitário de Europa. Sua literatura universal, ao conservar o continente europeu como o coletivo singular de onde partiam as referências estéticas e o sentido do devir histórico, teria reservado a certas partes do globo, a exemplo da Turquia, um lugar marginal (embora tivesse ficado bastante impressionado com um autor russo, Tolstoi, recomendando efusivamente a sua leitura na conferência que o leitor terá em mãos).
Apesar disso, a década de 1940 em Istambul pode ser considerada a época mais produtiva da carreira auerbachiana, quando o filólogo compôs dois de seus mais brilhantes trabalhos, fontes de debates instigantes até os nossos dias: Mimesis (1946) e Figura (1938). Além desses textos e de outros também bastante conhecidos, como os reunidos em Neue Dantestudien (1941), há uma série de conferências proferidas entre 1940 e 1941 que permanecem ignoradas pelo público ocidental não especializado. Nessa fase extremamente produtiva da vida de Auerbach, que, segundo seu filho Clemens, foi marcada por uma profunda depressão devido ao curso da guerra7, ele refletiu acerca de dois conceitos primordiais para a sua geração. Neste breve texto, originalmente uma conferência, Auerbach falou de Poesia e Guerra.
O tema não é fortuito. Entre 1913 e 1945 o Império Otomano – e, posteriormente, República da Turquia – enfrentou uma série de conflitos armados de grande envergadura, como a Guerra dos Bálcãs, a Primeira Guerra Mundial, o genocídio armênio, a Luta de Independência e a Segunda Guerra Mundial. Por essa razão, a guerra era uma experiência muito presente na memória e na vida concreta de diversas gerações da população e, portanto, o público de Auerbach tinha um sentido bastante claro do assunto. Prova disso é que alguns escritores do período passaram a publicar artigos jornalísticos sobre o tema da guerra, oferecendo à sociedade uma perspectiva crítica e estética de um presente particularmente conturbado.
Revistas de grande circulação, como a Yeni Mecmua e a Harp, por exemplo, publicavam notas, às vezes anônimas, registrando a desvantagem dos exércitos turcos, que, ao contrário dos estrangeiros, não contavam com o reforço moral concedido por poetas, compositores e pintores, especialmente na campanha dos Bálcãs e na Primeira Guerra Mundial. Nota-se uma mudança, contudo, a partir da luta pela independência turca, em 1922. As consequências psicológicas da Primeira Guerra ainda se faziam sentir em diversos níveis da sociedade, trazendo para o primeiro plano uma reflexão acerca de seus efeitos. Nesse sentido, a função propagandística da literatura passou a ser questionada. O que começava a ser produzido a respeito dos campos de batalha a partir de então – e com maior força durante a Segunda Guerra Mundial – era uma literatura da não guerra, com forte apelo aos sofrimentos e danos que dela decorrem.
Em sua comunicação, Auerbach analisou dois tipos de poesia de guerra: a primeira, do gênero lírico, referia-se a uma “guerra atual”, cujo objetivo era elevar o ânimo dos soldados, insultar o inimigo, celebrar a vitória ou suplicar aos deuses que a campanha fosse bem-sucedida. Desse tipo de poesia as ocorrências mais antigas teriam sido o Antigo Testamento, com a canção de triunfo da sacerdotisa Débora, e os cantos de guerra de Tirteu, que encorajavam os soldados espartanos em sua incursão no Peloponeso. O outro tipo de poesia de guerra, segundo Auerbach, eram as epopeias que narravam “uma guerra de tempos passados”, que remontavam à Ilíada, de Homero, e à Eneida, de Virgílio. Sua finalidade seria a conformação e o fortalecimento do sentimento nacional em “momentos críticos” da história de um povo. Mesmo que esse segundo gênero não abordasse um evento atual, sua relevância para o presente era ainda mais decisiva, pois, diz o filólogo, “[é] especialmente em momentos críticos da história dos povos que até as obras do segundo grupo, cujo tema não é contemporâneo, mas histórico, podem ganhar uma grande influência na atualidade.”
Auerbach percorreu, em sua conferência, a história da poesia de guerra ao longo da literatura ocidental em um movimento bastante semelhante ao desenvolvido em Mimesis: destacou suas raízes judaico-cristãs, partindo da Antiguidade – e aqui devemos lembrar de sua discussão acerca da separação de estilos como modelo importante na composição das obras – até a sua contemporaneidade, quando o realismo moderno teria revestido de seriedade e tragicidade até a personagem mais baixa, o “soldado desconhecido” nas trincheiras. Os eventos da Segunda Guerra e a literatura que ela passou a produzir não exaltariam mais a “bela morte” como o desfecho do herói destemido, cuja bravura desafiava até os deuses, mas o jovem anônimo que deixou a sua vida e suas esperanças em um campo de batalha qualquer:
O culto aos heróis individuais, sejam generais, aviadores, comandantes de submarinos etc., que naturalmente forneceu o tema para muitos livros, teve muito pouco sucesso, enquanto os livros mais bem escritos e os mais difundidos falam diretamente do povo: de um soldado comum nas trincheiras (Auerbach, 1941, s/p).
As ações modestas do cotidiano8 em uma trincheira implacável e o que se passava com o soldado comum que regressava da batalha passaram a ser os temas de predileção da literatura de guerra no pós-1945, e a maneira como Auerbach identificou essa transformação no calor dos acontecimentos é realmente impressionante. A conferência que se segue foi pensada durante esse debate. O autor vivia, naquela época, com sua família em Bebek, uma zona residencial distante do centro e da Universidade de Istambul. Refletir sobre literatura e guerra estava na ordem do dia, e, a despeito de todo o isolamento que o filólogo afirmava viver, é certo que tais preocupações da sociedade turca o interpelavam, fosse através de seus alunos e colegas da universidade, fosse pelo simples transitar entre um café e outro com um jornal nas mãos à margem do Bósforo. Mas, certamente, seu interesse distinguia-se daquele proclamado pela imprensa. Não ocorria-lhe definir se na Turquia havia ou não uma literatura de guerra, ou se o país tinha uma vocação guerreira apesar do desprezo das elites letradas. Sua preocupação era, assim como demonstrou nos temas e autores com os quais lidou ao longo do tempo, marcadamente histórica.
Talvez essa seja uma resposta possível à questão que propus no início deste texto de apresentação: pode a literatura oferecer um horizonte de compreensão adequado em um tempo tão incerto quanto o da guerra? O que Auerbach parece sinalizar nessa conferência e ao longo de sua obra, munido da erudição filológica herdada do Romantismo e do Idealismo, é uma crença frequente e inabalável no poder de transformação das forças históricas e na linguagem literária como um modo particular de intervenção no mundo. Quando as reuniões diplomáticas se tornam um mero protocolo e, em um grau mais aterrador, quando o sentido de Humanität se dissipa, a conferência de Auerbach recorda a seus leitores, de 1941 e os de hoje, que compartilham o presente de diversas “guerras atuais”, as raízes da cultura literária ocidental, muito distantes da pureza desejada por ideologias extremistas. Trata-se de uma aposta na potencialidade histórica da poesia de interpretar os “momentos críticos da história”.
POESIA E GUERRA9
Erich Auerbach
Existem, ao que me parece, dois tipos de poesia de guerra. Um deles é o que é causado por uma guerra atual; são geralmente peças curtas do gênero lírico; orações para pedir a vitória aos deuses, canções para inflamar a coragem dos soldados, poemas satíricos para depreciar e insultar o inimigo, hinos para celebrar a vitória conquistada e para agradecer aos poderes celestiais. De tudo isso, existem numerosos exemplos.
A peça mais antiga da Bíblia judaico-cristã é provavelmente a canção de triunfo da sacerdotisa Débora por uma vitória conquistada pelo povo de Israel sobre os cananeus, antigos habitantes da Palestina. Entre os monumentos mais antigos da poesia grega que nos foram conservados, figuram os louvores de Tirteu (Tyrtaios), pelos quais ele encoraja os espartanos em sua guerra contra os messenianos, seus vizinhos no Peloponeso. Foi ele quem primeiro expressou, até onde sabemos, um pensamento muito frequente, repetido desde então: bela é a morte de um homem corajoso que caiu nas primeiras filas tendo lutado por sua pátria.
Também encontraremos esse tipo de poesia entre todos os povos da Europa moderna assim que uma guerra se torna a questão de todo um povo que a leva a cabo. Muita coisa mudou desde as canções das cruzadas do século XII ou desde os hinos, ao mesmo tempo religiosos e guerreiros, da Reforma no século XVI. O objeto dessas lutas tornou-se indiferente para nós, mas, ao lê-los, ainda sentimos o sopro de entusiasmo que os inspirou. E, para os tempos mais modernos, preciso apenas lembrá-los de La Marseillaise, canto de guerra e liberdade dos franceses, ou das canções dos alemães em sua guerra de libertação contra Napoleão.
La Marseillaise é particularmente interessante para o objetivo que me propus nesta conferência. Pois ela é, como acabei de dizer, ao mesmo tempo uma canção de guerra e liberdade, uma canção de toda a nação, armada contra seus opressores internos e externos; e podemos ver claramente que na França, como em toda a Europa, o nacionalismo tem raízes populares e está intimamente ligado às aspirações das pessoas por liberdade individual, seja liberdade de consciência ou liberdade econômica.
Passemos, agora, ao segundo gênero da poesia guerreira, que talvez seja ainda mais importante do ponto de vista da arte, pois produziu muito mais obras-primas – obras que, em quase todos os lugares, constituem a base fundamental da literatura nacional. Essas obras são, em sua maioria, longas, não líricas, mas épicas, e não falam de uma guerra contemporânea à vida do poeta; elas cantam sobre uma guerra de tempos passados, celebram os grandes feitos dos ancestrais.
Estes são, antes de tudo, os grandes épicos nacionais, como a Ilíada de Homero, a Eneida de Virgílio, os Nibelungos dos alemães, a Canção de Rolando dos franceses e muitos outros. São ainda, nos tempos modernos, as tragédias históricas, como algumas das peças de Goethe e Schiller, e até romances. Entre os romances desse tipo, citarei uma grande obra do russo Tolstói, cujo título é Guerra e Paz; o assunto é a campanha de Napoleão contra a Rússia em 1812; é, a meu ver, um dos mais belos livros do século XIX, e aconselho vocês a lê-lo se ainda não o conhecem; há uma tradução turca.
Todas as obras desse segundo gênero são históricas, como eu disse, elas não são da atualidade; mas todas elas contribuíram (especialmente os épicos antigos) para formar ou fortalecer o sentimento nacional. A Ilíada de Homero contribuiu poderosamente para sustentar o sentimento de unidade entre os gregos em momentos críticos de sua história antiga, e a importância de Rolando para os franceses e de Cid para os espanhóis não é menos importante.
É especialmente em momentos críticos da história dos povos que até as obras do segundo grupo, cujo tema não é contemporâneo, mas histórico, podem ganhar uma grande influência na atualidade. Várias vezes nós vimos, entre diferentes povos, gregos, franceses, alemães, que alguns versos de um antigo poeta pronunciado em cena tiveram um impacto formidável entre os espectadores que ali descobriram uma alusão à situação corrente, e em 1871, durante o cerco de Paris, uma conferência do professor Gaston Paris sobre a Canção de Rolando e a nacionalidade francesa contribuiu muito para reanimar o espírito de resistência heroica. Assim, podemos dizer que mesmo a importância política do segundo grupo, do grupo de obras com temática histórica, não é inferior à do primeiro.
Contudo, durante os séculos XVII e XVIII, ou seja, na época do absolutismo europeu, não se encontram poesias nacionais e populares sobre temas bélicos, nem de obras do primeiro grupo, isto é, líricas e atuais, nem do segundo grupo, isto é, épicas e históricas – embora houvesse muitas guerras nessa época. De fato, há a Henriada, de Voltaire, um poema épico sobre as guerras do rei da França, Henrique IV, mas é uma obra fria e de modo algum popular; mais importante, há algumas canções e marchas militares muito populares do século XVIII, canções que se relacionam com os nomes de alguns generais famosos da época, como o Príncipe Eugène de Savoie e Marlborough; acho que muitos de vocês estão familiarizados com o Marlborough s’en va-t-en guerre, feito para homenagear o Duque General de Marlborough, ancestral do primeiro-ministro inglês Churchill; ora, essas canções e essas marchas não têm a gravidade e o entusiasmo que caracterizam a poesia de guerra de outras épocas, elas soam como uma música de dança, suas letras não aludem às grandes ideias políticas da época ou à trágica e heroica tarefa da defesa nacional, seu conteúdo é bastante alegre, às vezes um pouco melancólico, às vezes um pouco frívolo; não é a poesia de um povo que luta por sua existência e por sua liberdade.
Qual é a razão para o estranho fato de que dois séculos repletos de guerras foram tão pouco fecundos nesse tipo de poesia? Não é uma esterilidade poética geral, porque em todos os países europeus, especialmente na França, os séculos XVII e XVIII foram épocas de florescimento literário; esse é o período das obras-primas da poesia clássica francesa, a era de Racine, Molière, Boileau, La Fontaine e seus imitadores na França e nos países vizinhos.
Mas essa poesia clássica não era uma poesia popular; era uma poesia destinada a certos grupos da sociedade, uma poesia de extremo refinamento tanto no conteúdo quanto na forma, inacessível às massas da população da época. E essa observação mostra-nos o caminho que devemos seguir para encontrar a solução do problema que nos interessa neste momento: nos dois séculos de absolutismo na Europa, o povo estava, por assim dizer, mudo; ele não participava da vida pública, era apenas uma massa inerte nas mãos dos governos.
Na Idade Média e, novamente, na Renascença do século XVI, o povo desempenhou um papel ativo e importante na história; em suas várias organizações por estados e por ofícios, como burgueses nas cidades e camponeses no campo, ele representava uma parte integrante e poderosa da vida pública. Não eram organizações em uma base individual como nas democracias modernas, mas em uma base corporativa e hierárquica; no entanto, elas eram muito ativas e conscientes do seu poder, tanto que, em muitos países, o povo era o aliado natural do poder central, isto é, do rei, na sua luta contra as forças centrífugas, compostas especialmente pela nobreza feudal.
Na França, acima de tudo, essas são as bases da unidade e do sentimento nacional: o rei e o povo, aliados contra a nobreza feudal e particularista. Naquela época, não seria fácil travar uma grande guerra que não interessasse ao povo e sem ganhar a sua simpatia pela causa que queriam defender; muitas vezes as pessoas das cidades e do campo pegavam em armas espontaneamente. Depois que as guerras religiosas terminaram, porém, quando o absolutismo definitivamente conquistou a vitória, quando a nobreza feudal foi subjugada para sempre, o poder do rei tornou-se tal que ele não precisava mais do povo. O estado absolutista governava para seus funcionários, sem a ajuda de corporações e representações do povo; as guerras eram guerras de príncipes, preparadas, declaradas e conduzidas nos gabinetes, e o povo não participava delas, exceto para pagar os custos.
O desenvolvimento técnico da arte da guerra ainda contribuiu para a eliminação da atividade militar do povo. As armas de fogo, principalmente a artilharia, exigiam uma formação profissional que, naquela época, ainda não era possível de dar a todo o povo. Percebam então que, mesmo na Europa, não existiam nem o serviço militar nem a educação obrigatória, e que a grande maioria dos europeus era analfabeta. Portanto, os exércitos eram formados por soldados profissionais, mercenários que muitas vezes nem eram do país em que serviam; eram pessoas que vendiam o seu sangue.
No próprio corpo de oficiais havia muitas pessoas de um tipo que eram chamadas de “soldados da fortuna”; aventureiros, muitas vezes os filhos mais novos de uma família nobre, sem herança ou carreira em seu país, que percorriam o mundo vendendo seus serviços aos príncipes beligerantes. Nós encontramos esse tipo em uma famosa comédia do século XVIII, Minna von Barnhelm, do poeta alemão Gotthold Ephraim Lessing; foi o tenente Riccaut de la Marlinière, o filho mais jovem de uma casa da nobreza francesa, que, depois de ter servido sucessivamente nos exércitos dos Países Baixos, do Papa e do rei Frederico, o Grande, da Prússia, agora se vê reduzido a ganhar a vida no jogo.
Se esses eram os oficiais, vocês podem imaginar quem eram os soldados. Os recrutadores percorriam os diferentes países da Europa em busca de jovens capazes de prestar serviço ao príncipe, seu mestre. Eles recrutavam os descontentes, as pessoas em conflito com suas famílias, os fracassados, os pobres, os desesperados, muitas vezes os criminosos; às vezes conquistavam com suas promessas um jovem infeliz e sem experiência que haviam embriagado antes de fazê-lo assinar o contrato que o vinculava por dez, doze ou mesmo vinte anos. Vimos até pequenos príncipes, no fim de seus recursos financeiros, que venderam alguns milhares de seus jovens súditos a outro príncipe, rico e poderoso, que precisava para as suas guerras.
Vocês podem ver que as guerras travadas com exércitos compostos assim não podiam ser guerras populares, e que elas eram apenas uma questão de gabinete e de dinastia. Na mais importante e mais longa dessas guerras, tratava-se de decidir se seria a casa alemã dos Habsburgos ou a casa francesa dos Bourbons que sucederia o trono da Espanha, vago com a morte do último rei que faleceu sem um herdeiro direto, e cujas famílias, tanto dos Habsburgos quanto dos Bourbons, tinham laços de parentesco. Era uma pura questão de dinastias reais, nas quais nem o povo alemão nem o povo francês estavam diretamente interessados; e quanto ao povo espanhol, dificilmente a sua opinião foi solicitada.
Talvez seja injusto dizer que os reis que travaram tais guerras não pensavam de modo algum em seu povo; certamente eles acreditavam que, pelo aumento do seu poder, poderiam ganhar importantes vantagens políticas e econômicas que aumentariam a riqueza e o bem-estar dos seus súditos; eles haviam apenas perdido o hábito de consultá-los, não sentiam mais necessidade e muitas vezes se enganavam quanto à capacidade do seu povo de arcar com os custos e fardos de uma guerra longa. O famoso exemplo de Luís XIV mostra que um rei, mesmo inteligente, cuidadoso, quase sempre vitorioso, mas querendo decidir tudo sozinho, sem qualquer outro conselho que não o dos ministros e funcionários por ele indicados, minou a economia e a estrutura política de seu país.
Quanto aos povos, parece que eles eram, antes de mais nada, bastante contentes com o estado das coisas. A consolidação do poder central, isto é, do poder do rei, deu-lhes muitas vantagens; sentiram-se livres de seus antigos opressores, os barões feudais; a organização da administração nas mãos do monarca e da sua burocracia garantia-lhes a paz interna e a segurança no trabalho. Cansados das lutas religiosas, das perturbações que duraram séculos, eles abdicaram dos seus direitos, renunciaram aos antigos privilégios das suas corporações e pacificamente se deixaram governar por seus príncipes.
Somente aos poucos começaram a lamentar essa abdicação e a se revoltar contra o absolutismo. Completamente afastados de qualquer colaboração com o governo, estrangulados pelos impostos, exasperados pela injustiça e corrupção da burocracia, sua submissão pacífica pouco a pouco cedeu espaço para o espírito de revolta. Quando, no século XVIII, as novas ideias sobre a liberdade nacional e individual se difundiram, elas encontraram uma repercussão profunda primeiro entre o povo francês e, mais tarde, entre os outros povos europeus.
A Revolução Francesa de 1789 foi o sinal e a primeira fase dessa mudança e, ao derrubar o absolutismo, ao fundar a soberania nacional do povo, ao atribuir ao povo toda a responsabilidade política, derrubou, também, a antiga constituição dos exércitos, mudou as ideias sobre a guerra e criou a concepção de defesa nacional pelo povo. Foi aqui que surgiu a instituição do serviço obrigatório, intimamente ligada à da educação obrigatória de todas as crianças através dos cuidados do governo.
Há um povo na Europa cujo desenvolvimento político se antecipou ao dos outros em um século, ou mesmo em vários séculos. São os ingleses. Para eles, a democracia não data do final do século XVIII, mas sim do século XVII e, mais ainda, é o fim de um desenvolvimento que começou muito antes. Quase todas as instituições da democracia moderna foram estabelecidas primeiramente na Inglaterra; mas a organização militar é uma exceção, pela simples razão de que o problema da defesa nacional surgiu de uma forma muito diferente para eles, graças à localização geográfica do seu país; eles puderam levar a cabo todas as suas guerras até 1914 pela sua frota e por voluntários que eram frequentemente coloniais; ainda hoje encaram o serviço obrigatório como uma medida excepcional e necessária apenas em tempos de perigo nacional. É por isso que a organização da nação armada é talvez a única grande instituição democrática que não seja de origem inglesa, mas, sim, francesa.
As ideias francesas, que logo se tornaram ideias mundiais sobre a defesa nacional para todo o povo, vêm, se voltarmos às suas fontes, do sistema político de um homem que foi talvez o menos belicoso, o mais idílico entre os escritores políticos: Jean-Jacques Rousseau. Ele quase nunca fala sobre a guerra em seus escritos, e a glória militar é provavelmente algo muito distante do quadro convencional das suas ideias. No entanto, a sua concepção de liberdade natural de todos os homens, um bem supremo que, como tal, deve ser defendido por todos os meios, e que o leva a sua famosa teoria sobre a soberania e a solidariedade da nação, tem por consequência necessária e inevitável que cada cidadão capaz de portar armas tem o dever de defender a liberdade comum a todos os membros da nação logo que essa liberdade seja ameaçada.
Os acontecimentos da Revolução, ocorrida dez anos após a morte de Rousseau, fizeram florescer esse germe oculto do seu sistema político. Quando o povo revoltado se julgava, com ou sem razão, ameaçado pelas tropas mercenárias do rei, e quando, mais tarde, os reis e os príncipes vizinhos enviaram os seus exércitos compostos por soldados profissionais contra a França para salvar o rei, para restaurar o absolutismo, para destruir a liberdade ao mesmo tempo nacional e individual que se esperava ter adquirido para sempre, a solução que se impunha necessária e, imediatamente, em uma situação tão perigosa, foi armar toda a nação para a sua defesa. E assim o exército francês de 1792, esse exército formado às pressas, mal equipado, que fez tantos milagres em prol da defesa do país, e a partir do qual se desenvolveu o exército napoleônico, foi o primeiro exército do povo organizado.
Esse é um desenvolvimento da maior importância para a história dos homens, e tal importância excede o ponto de vista militar: um povo, tornado consciente de si mesmo, tendo compreendido a necessidade da defesa nacional por todos, deve, também, adaptar-se às exigências intelectuais que tal tarefa exige nos tempos modernos; para poder se defender, deve educar-se. O serviço militar e a educação obrigatória estão intimamente ligados e se complementam mutuamente; a escola é a preparação para o quartel, e o quartel, em muitos casos, finaliza a educação intelectual do povo, não apenas para a instrução militar, mas também para a educação geral e a preparação profissional.
Contudo, o povo francês fez, ele mesmo, tudo o que era necessário para que os outros povos da Europa continental adotassem as medidas de defesa nacional que lhe deram sucesso. Pois a mesma força que lhe serviu de defesa durante a Revolução foi posteriormente empregada, sob Napoleão, para subjugar quase toda a Europa continental; e com isso despertou o sentimento nacional dos demais e os obrigou a se defender com as mesmas armas que os derrotaram. A guerra de 1813 a 1815, que libertou a Europa da dominação napoleônica, foi uma guerra dos povos, das nações em armas.
Quando o rei Frederico Guilherme III da Prússia declarou guerra a Napoleão, em 1813, ele lançou, ao mesmo tempo, uma proclamação “Ao meu povo”. Esse título, que hoje nos parece tão natural para uma situação como essa, era, então, algo novo e sem precedentes; ele mostra, de forma inconfundível, a mudança que ocorreu desde a época das guerras de gabinete, em que os povos não participavam ativamente e os reis as conduziam sem pedir o consentimento de seus súditos.
Desde os tempos da Revolução Francesa e de Napoleão Bonaparte, as ideias de defesa nacional e serviço obrigatório têm se enraizado solidamente em todos os povos europeus e em muitos outros. Isso não aconteceu sem lutas. Os diferentes partidos políticos se apropriaram da questão e, por vezes, procuraram abolir a instituição do serviço obrigatório ou usá-lo para fins bem distantes de sua origem democrática e popular. Não é nossa tarefa elaborar a história dessas lutas políticas que não puderam impedir o desenvolvimento: a ideia da nação armada tem permanecido até agora a base da guerra moderna.
É óbvio que tal mudança teve uma repercussão profunda na literatura. A literatura de guerra no século XIX é uma literatura do povo em combate. É verdade que isso não ocorreu de um dia para o outro. Muitos poetas hesitaram diante dos horrores da Revolução Francesa, e sentiram uma certa antipatia quando viram uma tal revolta das massas populares; eles temiam a destruição de toda civilização, de todos os valores morais e estéticos pela tirania das massas enfurecidas.
Goethe, que no início de sua juventude, ao escrever sua tragédia Götz von Berlichingen [Götz von Berlichingen da mão de ferro], havia apoiado vigorosamente a causa da liberdade e do povo, contemplou com doloroso espanto, até mesmo com repugnância, o espetáculo que vinha se desenrolando na França desde 1789. Ele participou da guerra que os príncipes alemães iniciaram em 1792 contra a França revolucionária, e seu relatório sobre essa campanha, embora seja bastante realista e distante de qualquer fanatismo, não mostra simpatia alguma pelo movimento revolucionário.
Entretanto, quando na noite da Batalha de Valmy, na qual as tropas dos príncipes alemães foram forçadas a se retirar diante do exército revolucionário francês, seus amigos preocupados pediram a sua opinião. Goethe respondeu: “hoje começa uma nova era da história, e vocês poderão dizer que testemunharam seu nascimento”. Essa frase mostra sua perspicácia. Ele não compartilhava a esperança da maioria de seus companheiros de guerra de que poderia deter o movimento dos povos; no entanto, não tinha muita simpatia por esse movimento, do qual ele previa a vitória, e até seus últimos anos – ele viveu até 1832 – manteve uma atitude bastante reservada em relação a tudo o que se assemelhasse a movimentos populares.
Outro grande poeta clássico dos alemães, Schiller, dez anos mais novo que Goethe e seu amigo íntimo, nunca abandonou totalmente o idealismo revolucionário que animava suas tragédias de juventude. Uma de suas últimas tragédias, e talvez a mais popular, é Wilhelm Tell [Guilherme Tell], cujo tema é a conspiração dos cantões suíços contra o domínio estrangeiro dos Habsburgos no início do século XIV. Schiller inspirou-se em uma lenda popular que transformou em um movimento espontâneo, em um levante dramático de todo o povo, aquilo que, na realidade histórica, havia sido uma lenta evolução. E as ideias de liberdade que as personagens de sua tragédia expressam são muito mais as ideias de seu tempo do que as do século XIV. O sucesso de sua peça foi simplesmente estrondoso, e, embora Schiller não fosse suíço de nascimento e nem mesmo tenha visitado a Suíça, sua tragédia se tornou o poema nacional da Confederação Helvética.
Na França, a literatura de guerra da primeira metade do século XIX está principalmente ligada à pessoa e à lenda de Napoleão Bonaparte. Napoleão, após sua queda e morte, tornou-se, pouco a pouco, um mito popular e um símbolo do nacionalismo do povo; esse desenvolvimento pode ser observado em certos autores, como Paul-Louis Courier e Stendhal: ambos serviram nos exércitos do imperador, e suas carreiras literárias só começaram após a sua queda.
Durante seu reinado, nem Courier nem Stendhal nutriram muita simpatia pelo imperador, e, como muitos de seus contemporâneos, viam em Napoleão, enquanto vivo, muito mais um destruidor do que um continuador da Revolução. Mas quando, após a sua queda, o governo reacionário e algo mesquinho dos Bourbon perdeu a simpatia do povo, a lembrança da grandeza de suas concepções e da glória que ele havia conquistado para a França apagou a lembrança do sofrimento sob seu governo; ele não era mais o tirano, tornou-se o herói nacional que liderou o povo armado, de vitória em vitória, na guerra contra o espírito reacionário dos príncipes estrangeiros e dos aristocratas emigrados.
Foi sobretudo sobre os jovens daquela geração, dotados de imaginação e coragem, que a lembrança do imperador exerceu um fascínio extraordinário, e seguindo esta corrente, de modo mais ou menos consciente, Courier e Stendhal escreveram páginas quase entusiásticas sobre Napoleão, algo que provavelmente não teriam concebido enquanto ele reinava. Outros que não compartilharam suas memórias os superaram em admiração por Napoleão; o mais conhecido entre eles é Béranger, poeta ultraliberal, popular e adorador da memória do imperador, embora fosse fundamentalmente medíocre, exerceu uma enorme influência sobre seus contemporâneos, porque tinha o dom de expressar o sentimento geral por meio de ritmos fáceis e marcantes.
Em meados do século XIX, o nacionalismo popular e democrático, que implica a ideia de nação armada, fez grandes progressos em toda a Europa. Na França, Victor Hugo, líder do movimento romântico, que no início foi bastante conservador politicamente, voltou-se cada vez mais para um democratismo entusiástico e quase místico; nos Châtiments, em La légende des siècles, e, mais tarde, em L’Anné terrible, ele celebrou o heroísmo dos povos em combate por sua liberdade com todo o fervor de seu gênio; historiadores da geração romântica, como Michelet, adotaram a mesma atitude.
Na Alemanha, o grupo democrático chamado os “Jovens Alemães”, cujo papel foi muito importante na revolução de 1848 e que contribuiu muito para preparar a unificação alemã alcançada em 1871, cantou tanto a democracia quanto o patriotismo; na Itália, o movimento pela unificação do país nasceu de ideias revolucionárias e exerceu uma profunda influência sobre a literatura; mesmo na Suíça, a ideia de nação armada estava inseparavelmente ligada às ideias democráticas; aqueles que leram as novelas de Gottfried Keller, especialmente o Estandarte dos sete justos (Das Fähnlein der sieben Aufrechten), podem compreender esse estado de espírito.
Há apenas dois países europeus que são exceções e que mal conhecem a atmosfera do patriotismo democrático militante do século XIX; um deles é a Inglaterra, a mais democrática, e o outro é a Rússia, na época a mais despótica das nações europeias. A Inglaterra, onde o democratismo estava firmemente estabelecido, onde tinha assumido um caráter tradicionalista, e cuja situação geográfica era uma garantia contra invasões, quase nunca exaltava o patriotismo militar, e o culto à bravura na guerra desempenhava apenas um papel secundário na literatura do século XIX.
O famoso romance de Thackeray Vanity Fair [A feira das vaidades], associado aos eventos históricos em torno da batalha de Waterloo, oferece um exemplo muito significativo. Os grandes eventos históricos ali são apenas um quadro a serviço dos problemas de moral individual e de crítica sociológica; há apenas raras alusões ao heroísmo demonstrado pelos ingleses durante as guerras napoleônicas, e, em um de seus personagens principais, Thackeray insiste em mostrar que um homem de bravura esplêndida pode ter, ao mesmo tempo, um caráter vaidoso e fraco.
Quanto à Rússia é o oposto. Seu povo, no século XIX, mal foi tocado por ideias democráticas, e seu nacionalismo baseava-se em um sentimento imediato e instintivo, no amor pela terra natal. No romance de Tolstói Guerra e Paz, que citei no início de minha conferência e que, como Vanity Fair, descreve a última fase da era napoleônica (não se poderia imaginar maiores contrastes), é a própria terra sagrada da Rússia que parece se levantar contra o invasor, os homens parecem agir apenas sob seu impulso, e seu líder, o General Kutuzov, um velho simples, tranquilo, paciente e obstinado, assemelha-se a um símbolo do gênio de sua terra e de sua raça.
Durante o longo período de paz que durou na Europa de 1871 a 1914, a literatura de guerra parece perder toda a importância. Um lirismo extremamente refinado, por um lado, e problemas de psicologia e sociologia, por outro, dominavam em toda parte. Passei minha juventude nos últimos anos desse período, e acredito poder assegurar que, apesar das complicações diplomáticas, apesar de muitas discussões sobre uma eventual guerra, pouquíssimas pessoas real e seriamente acreditavam na possibilidade de uma guerra europeia.
Quando ela eclodiu em 1914 fomos pegos de surpresa. A literatura acompanhou-a apenas lentamente. Com exceção de algumas peças feitas por encomenda ou inspiradas por paixões passageiras, quase todas medíocres, a literatura da guerra de 1914 a 1918 foi uma literatura escrita após a guerra, uma literatura do pós-guerra. Essa literatura é imensa, eu não conheço mais do que alguns exemplos, e ainda é preciso acrescentar que ela pode ser julgada de diferentes formas, segundo o ponto de vista daquele que julga. Posso apenas dar-lhes as minhas impressões.
O que domina nesses livros de guerra é sempre o povo em armas; ele domina mais do que nunca. O culto aos heróis individuais, sejam generais, aviadores, comandantes de submarinos etc., que naturalmente forneceu o tema para muitos livros, teve muito pouco sucesso, enquanto os livros mais bem escritos e os mais difundidos falam diretamente do povo: de um soldado comum nas trincheiras. Vocês podem ver esse símbolo nos monumentos erguidos em quase todos os lugares ao “soldado desconhecido”. Portanto, é sempre o povo em armas que domina, como no século XIX.
Mas o acento, o tom geral, mudou. Fala-se muito mais dos sofrimentos da guerra do que dos atos de heroísmo e dos grandes objetivos que se perseguem; fala-se das misérias, do lodo nas trincheiras, da fome que se sofreu. E por que tudo isso? Desejamos viver e trabalhar em liberdade, educar nossos filhos e preparar-lhes um futuro tal como nos permitiria a condição de nossa civilização se todos fossem razoáveis. E o homem na trincheira oposta, que ajusta sua metralhadora para me matar, não quer exatamente a mesma coisa, não tem mais ou menos as mesmas ideias que eu? É necessário que nos matemos por isso? Esse, ao que me parece, é o sentimento geral da Europa do pós-guerra; esse é o espírito da maioria dos livros que falam da Grande Guerra.
É bastante compreensível que todos os povos tivessem horror a uma nova guerra, e que muitos governos, por muito tempo, hesitassem considerar tal possibilidade e até mesmo se preparar energicamente para ela. Mas apesar desse estado de espírito, a nova guerra irrompeu e está em expansão, e pode ser que ultrapasse a primeira não apenas em amplitude, mas também pela importância das mudanças que ocorrerão como resultado na vida dos homens sobre a Terra. É prematuro falar sobre a literatura desta guerra; mas já podemos fazer algumas observações sobre o papel do povo, e é com estas observações que quero concluir minha conferência.
A guerra tornou-se, mais do que nunca, o assunto de todo o povo. Para conduzi-la e prepará-la, é preciso organizar toda a população; na indústria, na agricultura, nas medidas de defesa aérea, nos transportes, cada habitante, até mesmo mulheres e crianças, são forçados a se adaptar ativa e passivamente a condições muito diferentes da vida cotidiana que a guerra impõe; embora o número de combatentes propriamente dito seja apenas relativamente pequeno na fase atual, ninguém, nos países beligerantes, poderá viver como costumava.
Como resultado, o sucesso depende, por um lado, da capacidade de organização dos governantes e, por outro, em grande medida, do estado de espírito moral do povo. Eu diria até que o primeiro fator, a organização, depende majoritariamente do segundo, do ânimo do povo. Viu-se que um povo determinado a se defender a todo custo não é facilmente derrotado, mesmo que seja inferior em número e em uma situação muito difícil. Não se pode fazer guerra sem o apoio de todo o povo, e dificilmente se pode perdê-la enquanto o povo mantiver sua coragem e sangue frio.
POESIA E GUERRA10
Erich Auerbach
Il y a, à ce qu’il me semble, deux sortes de poésie de guerre. L’une est celle qui est provoquée par une guerre actuelle; ce sont en général des pièces courtes du genre lyrique; prières pour demander aux dieux la victoire, chants pour enflammer le courage des soldats, poèmes satiriques pour dénigrer et insulter l’ennemi, hymnes pour célébrer la victoire remportée, et pour en rendre grâce aux puissances célestes. De tout cela, il y a de nombreux exemples.
La pièce la plus ancienne dans la Bible judée-chrétienne est problablement le chant de triomphe de la prêtresse Deborah pour une victoire remportée par le peuple Israel sur les Cananéens, anciens habitants de la Palestine. Et parmi les plus anciens monuments de la poésie grecque qui nous sont conservés figurent les élégies de Tyrtée (Tyrtaios) par lesquelles il encourage les Spartiates dans leur guerre contre les Messéniens, leurs voisins dans le Péloponnèse. C’est lui qui a exprimé le premier, à ce que nous savons, une pensée très souvent répétée depouis: Belle est la mort d’un homme courageux tombant dans les premiers rangs, ayant combattu pour sa patrie.
Vous trouverez cette sorte de poésie aussi chez tous les peuples de l’Europe moderne, dès qu’une guerre devient l’affaire du peuple entier qui la mène. Bien des choses ont changé depuis les chansons de croisade du 12e siècle ou depuis les hymnes en même temps religieuses et guerrières du temps de la Reforme du 16e. L’objet des ces luttes nous est devenu indifférent, mais nous sentons encore en les lisant le souffle de l’enthousiasme qui les a inspirés. Et, pour les temps plus modernes, je n’ai qu’à vous rappeler la Marseillaise des Français, chant de guerre et de liberté, ou les chansons des Allemands dans leur guerre de libération contre Napoléon Ier.
La Marseillaise est particulièrement intéressante pour le but que je me suis proposé dans cette conférence. Car c’est, commme je viens de le dire, en même temps un chant de guerre et de liberté, un chant de la nation toute entière, armée contre ses oppresseurs à la intérieur et à la extérieur; et l’on y voit fort bien qu’en France comme ailleurs en Europe le nationalisme a des racines populaires et est lié intimement aux aspirations des peuples à la liberté individuelle, soit liberté de conscience soit liberté économique.
Passons maintenant au second genre de poésie guerrière, qui peut-être est encore plus important, du point de vue de l’art, puisqu’il a produit beaucoup plus de chefs-d’oeuvre – oeuvres qui, presque partout, constituent la base primordiale de la littérature nationale. Ces oeuvres sont pour la plupart longues, pas lyriques mais épiques, et elles ne parlent pas d’une guerre contemporaine à la vie du poète; elles chantent une guerre des temps passés, elles célèbrent les hauts faits des aieux.
Ce sont d’abord les grandes épopées nationales, telles que l’Iliade d’Homère, l’Enéide de Virgile, les Nibelungen des Allemands, la Chanson de Roland des Français, et beaucoup d’autres. Telles sont encore, dans les temps modernes, les tragédies historiques comme quelques-unes des pièces de Goethe et de Schiller, et même des romans. Parmi les romans de ce genre je vous citerai une grande oeuvre du Russe Tolstoi, dont le titre est Guerre et Paix; le sujet en est la campagne de Napoléon contre la Russie en 1812; c’est, à mon goût, un des plus beaux livres du 19e siècle, et je vous conseille de le lire si vous ne le connaissez pas encore; il en existe une traduction turque.
Toutes les oeuvres de ce second genre sont historiques, comme je l’ai dit, elles ne sont pas d’actualité; mais elles ont toutes contribué (surtout les anciennes épopées) à former ou à renforcer le sentiment national. L’Iliade d’Homère a puissamment contribué à soutenir le sentiment de l’unité des Grecs dans le moments critiques de leur histoire ancienne, et l’importance de Roland pour les Français, du Cid pour les Espagnols n’est guère moins grande.
C’est surtout dans les moments critiques de l’histoire des peuples que même des oeuvres du second groupe, dont le sujet n’est pas contemporain mais historique, peuvent gagner une grande influence actuelle. Plusieurs fois on a vu, chez différents peuples, Grecs, Français, Allemands que quelques vers d’un ancien poète prononcés sur la scène ont trouvé un retentissement formidable chez les spectateurs qui y découvraient une allusion à la situation actuelle, et en 1871, pendant le siège de Paris, une conférence du professur Gaston Paris sur la Chanson de Roland et la nationalité française a contribué beaucoup à réanimer l’esprit de la résistance héroique. Donc, on peut dire que même l’importance politique du second groupe, du groupe des oeuvres à sujet historique, n’est pas inférieure à celle du premier groupe.
Or, pendant le 17e et le 18e siècle, c’est-à-dire dans l’époque de l’absolutisme européen, vous ne trouvez pas de poésie nationale et populaire sur des sujets guerriers, ni des oeuvres du premier groupe, c’est-à-dire épiques et historiques – quoiqu’il y ait beaucoup des guerres dans cette époque.
Il y a bien la Henriade de Voltaire, poème épique sur les guerres du roi de France Henri IV, mais c’est une oeuvre froide et nullement populaire; il y a, ce qui est plus important, quelques chansons et marches militaires très populaires au 18e, chansons qui se rattachent aux noms de quelques généraux célébres de l’époque tels que le prince Eugène de Savoie et Marlborough; je suppose que beaucoup d’entre vous connaissent le “Marlborough s’en va-t-en guerre”, fait pour célebrer le général duc de Marlborough, ancêtre du premier ministre anglais Churchill; eh bien, ces chansons et ces marches n’ont pas la gravité et l’enthousiasme que caractérisent la poésie de guerre des autres époques, elles ont l’air d’une musique de danse, leur texte ne fait pas allusion aux grandes idées politiques du temps ou à la tâche tragique et héroique de la défense nationale, leur contenu est plutôt gai, parfois un peu mélancolique, parfois un peu frivole; ce n’est pas la poésie d’un peuple qui combat pour son existence et pour sa liberté.
Quelle est la raison de ce fait étrange que deux siècles remplis de guerres ont été si peu féconds dans ce genre de poésie ? Ce n’est pas une stérilité poétique générale, car dans tous les pays européens, surtout en France, le 17e et le 18e siècles ont été des époques de floraison littéraire; c’est la période des chefs-d’oeuvre de la poesie classique française, l’époque des Racine, Molière, Boileau, Lafontaine et de leurs imitateurs en France et dans les pays voisins.
Mais cette poésie classique n’était pas une poésie populaire; c’était une poésie destinée pour certains groupes de la société, une poésie d’un raffinement extrême autant pour le contenu que pour la forme, inaccessible aux masses de la population de l’époque. Et cette constatation nous montre la voie qu’il faut suivre pour trouver la solution du problème qui nous intéresse en ce moment: dans les deux siècles de l’absolutisme en Europe, le peuple était pour ainsi dire muet; il ne prenait pas part à la vie publique, il n’était qu’une masse inerte dans les mains des gouvernements.
Au moyen âge, et encore dans la Renaissance du seizième siècle, le peuple avait joué un rôle actif et important dans l’histoire; dans ses différentes organisations par états et par métiers, comme bourgeois des villes et paysans des campagnes, il représentait une partie intégrante et puissante de la vie publique; c’est n’est pas des organisations à base individuelle comme dans les démocraties modernes, mais à base corporative et hiérarchique; toutefois elles étaient fort actives et conscientes de leur pouvoir, d’autant plus que dans beaucoup de pays le peuple était l’allié naturel du pouvoir central, c’est-à-dire du roi, dans sa lutte contre les forces centrifugues, composées surtout par la noblesse féodale.
Ce sont surtout en France les bases de l’unité et du sentiment nationales: le roi et le peuple, alliés contre la noblesse féodale et particulariste. Dans ces époques il n’aurait pas été facile de mener une grande guerre sans intéresser le peuple et sans gagner sa sympathie pour la cause qu’on voulait défendre; souvent, le peuple des villes et des campagnes avait spontanément pris les armes. Mais après la fin des guerres de religion, quand l’absolutisme avait définitivement remporté la victoire, quand la noblesse féodale était subjuguée pour toujours, la puissance du roi devint telle qu’il n’avait plus besoin du peuple. L’Etat absolutiste gouvernait par ses fonctionnaires, sans le concours des corporations et répresentations du peuple; les guerres étaient des guerres des princes, préparées, déclarées et dirigées dans les cabinets, et les peuples n’y avaient aucune part si ce n’est d’en payer les frais.
Le développement technique de l’art de la guerre avait encore contribué à éliminer l’activité militaire du peuple. Les armes à feu, l’artillerie surtout, demandaient une formation professionnelle, qu’à cette époque on n’était pas encore capable de donner au peuple entier; rendez-vous compte qu’alors, même en Europe, il n’existait ni service militaire ni enseignement obligatoire, et que l’immense majorité des Européens étaient analphabètes. Donc, les armées se composaient de soldats de métier, de mercennaires qui souvent n’étaient pas même originaires du pays dans l’armée duquel il servaient; c’étaient des gens qui vendaient leur sang.
Dans le corps des officiers même il y avait beaucoup de gens d’un type qu’on appelait alors “soldat de fortune”; aventuriers, souvent fils cadets d’une famille noble, sans héritage ni carrière dans leur pays, qui couraient le monde en vendant leurs services aux princes belligérants. Nous trouvons ce type dans une comédie célèbre du 18e siècle, Minna von Barnhelm, par le poète allemand Gotthold Ephraim Lessing; c’est le lieutenant Riccaut de la Marlinière, cadet d’une maison de noblesse française, qui après avoir servi successivement dans les armées des Pays-Bas, du Pape er du roi Frédéric le Grand de Preusse, se trouve maintenant réduit à gagner sa vie au jeu.
Si tels étaient les officiers, vous pouvez bien imaginer ce qu’étaient les soldats. Des enrôleurs parcouraient les différents pays d’Europe à la recherche de jeunes gens capables d’entrer au service du prince leur maître. Ils enrôlaient des mécontents, des gens brouillées avec leurs familles, des ratés, des pauvres, des désespérés, souvent des criminels; parfois ils gagnaient par leurs promesses un malheureux jeune homme sans expérience qu’ils avaient enivré avant de lui faire signer le contrat qui le liait pour 10, 12 ou même vingt ans. On a vu même des petits princes à bout de ressources financières qui vendaient quelques milliers de leurs jeunes sujets à un autre prince riche et puissant qui en avait besoin pour ses guerres.
Vous voyez bien que des guerres menées avec des armées ainsi composées ne pouvaient pas être des guerres populaires, et qu’elles étaient uniquement des affaires de cabinet et de dynastie. Dans la plus importante et la plus longue de ces guerres il s’agissait de décider si ce serait la maison allemande des Habsbourg ou la maison française des Bourbons qui succéderait au trône d’Espagne, devenu vacant par la mort du dernier roi décédé sans héritier direct, et à la famille duquel les Habsbourg autant que les Bourbons avaient des liens de parenté. C’était une pure question de dynasties royales, à laquelle ni le peuple allemand ni le peuple français n’étaient directement intéressé. Et quant au peuple espagnol, on ne lui demandait guère son opinion.
Il serait peut-être injuste de dire que les rois qui menaient de pareilles guerres ne pensaient pas du tout à leurs peuples; certainement ils croyaient pouvoir gagner par l’accroissement de leur puissance d’importants avantages politiques et économiques qui augmenteraient la richesse et le bien-être de leurs sujets; seulement, ils avaient perdu l’habitude de les consulter, ils n’en sentaient plus le besoin, et souvent ils se trompaient sur la capacité de leur peuple de soutenir les frais et fardeaux d’une longue guerre; l’exemple célèbre de Louis XIV montre qu’un roi même intelligent, consciencieux, presque toujours victorieux, mais voulant décider tout à lui seul, sans autre conseil que celui des ministres et fonctionnaires nommés par lui-même, a miné l’économie et la structure politique de son pays.
Quant aux peuples, il semble qu’ils étaient, tout d’abord, assez contents de l’état des choses. La consolidation du povoir central, c’est-à-dire du pouvoir du roi, leur avaient donné beaucoup d’avantages; ils se sentaient libres de leurs anciens oppresseurs, les barons féodaux; l’organisation de l’administration dans les mains du monarque et de sa bureaucratie leur garantissait la paix à l’intérieure et la sécurité du travail. Fatigués par les combats de religion, las des troubles qui avaient duré pendant des siècles ils abdiquaient leurs droits, renonçaient aux anciens privilèges de leurs corporations et se laissaient paisiblement gouverner par leurs princes.
Ce n’est que peu à peu qu’ils commençaient à regretter cette abdication et à se révolter contre l’absolutisme. Eloignés complètement de toute collaboration au governement, étranglés par les impôts, exaspérés par l’injustice et la corruption de la bureaucratie, leur paisible soumission fit place peu à peu à l’esprit de la révolte. Quand, au dix-huitième siècle, les idées nouvelles sur la liberté nationale et la liberté individuelle se répandaient, elles trouvaient un retentissement profond d’abord chez le peuple français, et plus tard chez les autres peuples européens.
La révolution française de 1789 fut le signal et la première phase de ce changement, et en renversant l’absolutisme, en fondant la souveraineté nationale du peuple, en donnant au peuple toute la responsabilité politique, elle renversait aussi l’ancienne constitution des armées, changeait les idées sur a guerre et créait la conception de la défense nationale par le peuple. C’est de là que naquit l’institution du service obligatoire, intimement liée à celle de l’instruction obligatoire de tous les enfants par les soins du gouvernement.
Il y a un peuple en Europe dont le developpement politique a devancé celui des autres d’un siècle, ou même de plusieurs siècles. Ce sont les Anglais. Chez eux, la démocratie ne date pas de la fin du 18e siècle mais du 17e, et encore est-ce la fin d’une évolution qui a commencé longtemps auparavant. Presque toutes les institutions de la démocratie moderne ont été établies d’abord en Angleterre; mais l’organisation militaire en fait exception, par la simple raison que le problème de la défense nationale se posait d’une façon toute différente chez eux, grâce à la situation géographique de leur pays; ils ont pu mener toutes leurs guerres jusqu’en 1914 par leur flotte et par des volontaires que étaient souvent des coloniaux; encore maintenant, ils regardent le service obligatoire comme une mesure exceptionnelle et nécessaire seulement en temps de danger national. Voilà pourquoi l’organisation de la nation armée est peut-être la seule grande institution démocratique qui ne soit pas d’origine anglaise, mais française.
Les idées françaises, devenues bientôt les idées mondiales sur la défense nationale par le peuple entier proviennt, si on remonte à leur source, du système politique d’un homme, qui fut peut-être le moins belliqueux, le plus idyllique parmi les écrivains politiques: de Jean-Jacques Rousseau. Il ne parle presque jamais de la guerre dans ses écrits, et la gloire militaire est probablement quelque chose d’assez éloigné du cadre ordinaire de ses idées. Néanmoins, sa conception de la liberté naturelle de tous les hommes, bien suprême qui comme tel doit être défendu par tous les moyens, et qui le mène à sa théorie célèbre sur la souveranité et la solidarité de la nation, a pour conséquence nécessaire et inévitable que chaque citoyen capable de porter les armes a le devoir de défendre la liberté commune à tous les membres de la nation dès que cette liberté est menacée.
Les événements de la révolution, survenue dix ans après la mort de Rousseau, est fait éclore ce germe caché de son système politique. Quand le peuple révolté se crut, à tort ou à raison, menacé par les troupes mercenaires du roi, quand, plus tard, les rois et les princes voisins envoyèrent leurs armées composés de soldats de métier contre la France pour sauver le roi, pour rétablir l’absolutisme, pour détruire la liberté en même temps nationale et individuelle qu’on espérait avoir acquise pour toujours, la solution qui s’imposait nécessairement et imédiatement dans une situation tellement dangereuse fut celle d’armer la nation entière pour sa défense. Et ainsi, l’armée française de 1792, cette armée formée à la hâte, mal équipée, qui a fait tant de miracles pour la défense du pays et dont se développa l’armée napoléonienne, fut la première armée du peuple organisé.
C’est un développement de toute première importance pour l’histoire des hommes, et dont l’importance dépasse le point de vue militaire: un peuple, devenu conscient de lui-même, ayant compris la nécessité de la défense nationale par tous, doit s’adapter aussi aux exigences intellectuelles qu’une telle tâche demande dans les temps modernes; pour pouvoir se défendre, il doit s’instruire. Service militaire et enseignement obligatoire sont intimement liés entre eux et se complètent mutuellement; l’école est la préparation pour la caserne, et la caserne, dans beaucoup de cas, termine l’éducation intellectuelle du peuple, non pas seulement pour l’enseignement militaire, mais aussi pour la formation générale et la préparation professionelle.
Or, le peuple français a fait lui-même tout ce qu’il fallait pour faire adopter aux autres peuples de l’Europe continentale les mesures de défense nationale qui lui avaient si bien réussi. Car la force qui lui avait servi pour se défendre pendant la révolution il l’employa dans la suite, sous Napoléon, pour se soumettre l’Europe continentale presque toute entière; par là il réveillait le sentiment national des autres et les obligeait à se défendre par les mêmes armes qui les avaient battus. La guerre de 1813 à 1815, qui a délivré l’Europe de la domination napoléonienne, fut une guerre des peuples, des nations en armes.
Quand le roi Frédéric Guillaume III de Prusse déclara en 1813 la guerre à Napoléon, il lança en même temps une proclamation “A mon peuple”. Ce titre qui nous semble aujourd’hui tellement naturel pour une situation pareille, était alors quelque chose de nouveau et d’inoui; il montre d’une manière à n’y pouvoir se méprendre tout le changement qui s’était effectué depuis la période des guerres de cabinet auxquelles les peuples ne prenaient aucune part active, et que les rois menaient sans demander le consentement de leurs sujets.
Depuis le temps de la révolution française et de Napoléon Ier l’idée de la défense nationale et du service obligatoire s’est solidement enraciné chez tous les peuples européens et chez beaucoup d’autres. Cela ne s’est pas passé sans luttes. Les différents partis politiques se sont emparés de la question, ils ont voulu parfois abolir l’institution du service obligatoire ou la faire servir à des buts assez éloignés de son origine démocratique et populaire. Nous n’avons pas la tâche de faire l’histoire de ses luttes politiques qui n’ont pas pu arrêter le developpement: l’idée de la nation armée est resté jusqu’ici la base de la guerre moderne.
Il va sans dire qu’un tel changement a eu une répercussion profonde sur la littérature. La littérature de guerre au 19e siècle est une littérature du peuple combattant. Il est vrai qu’elle ne l’est pas devenu d’un jour à l’autre. Beaucoup de poètes ont hésité devant les horreurs de la Révolution française, et ont ressenti en voyant un tel soulèvement de toute la masse d’un peuple, une certaine antipathie; ils craignaient la destruction de toute la civilisation, de toutes les valeurs morales et esthétiques par la tyrannie des masses déchaînées.
Goethe qui dans sa première jeunesse, en écrivant sa tragédie Goetz von Berlichingen, avait puissamment soutenu la cause de la liberté et du peuple, contemplait avec un étonnement douloureux, avec dégoût même, le spectacle qui se déroulait en France depuis 1789. Il prit part à la guerre que les princes allemands commençaient em 1792 contre la France révolutionnaire, et son rapport sur cette campagne, tout en étant fort réaliste et très éloigné de tout fanatisme, ne montre aucune sympathie pour le mouvement révolutionnaire.
Toutefois, quand le soir de la canonade de Valmy, par laquelle les troupes des princes allemands furent forcées de se retirer devant l’armée révolutionnaire française, ses amis inquiets lui demandèrent son avis, il leur répondit: c’est aujourd’hui une nouvelle époque de l’histoire qui comence, et vous pouvez dire que vous avez assisté à sa naissance. Cette phrase montre sa perspicacité; il ne partageait pas l’espoir de la plupart de ses compagnons de guerre qu’on pourrait arrêter le mouvement des peuples; cependant il n’a pas eu beaucoup de sympathie pour ce mouvement dont il prévoyait la victoire, et jusque dans ses dernières années – il a vécu jusqu’en 1832 – il a gardé une attitude fort réservée vis-à-vis de tout ce qui ressemblait à des mouvements populaires.
L’autre grand poète classique des Allemands, Schiller, de dix ans plus jeune que Goethe, et son ami intime, ne s’est jamais entièrement départi de l’idéalisme révolutionnarie qui animait ses tragédies de sa jeunesse. Une de ses dernières tragédies, et peut-être la plus populaire, est le “Wilhelm Tell” dont le sujet est la conjuration des cantons suisses contre la domination étrangère des Habsbourg, àu [au] commencement du 14e siècle. Schiller s’y est inspiré d’une légende populaire qui avait transformé en un mouvement spontané, en un soulèvement dramatique de tout le peuple ce qui dans la réalité historique avait été une lente évolution. Et les idées de liberté que les personnages de sa tragédie expriment sont plutôt les idées de son temps que celles du 14e siècle. Le succès de sa piece n’en fut que plus retentissant, et quoique Schiller ne fût pas Suisse de naissance, quoique même il n’ait jamais vu la Suisse, sa tragédie est devenue le poème national de la Confédération helvétique.
En France, la littérature de guerre, dans la première moitié du 19e siècle, se rattache surtout à la personne et à la légende de Napoléon Ier. Napoléon, après sa chute et sa mort, devint peu à peu un mythe populaire et un symbole du nationalisme du peuple; on peut suivre ce développement chez quelques auteurs comme Paul-Louis Courier et Stendhal, qui tous les deux avaient servi dans les armées de l’empereur, et dont la carrière littéraire n’a commencé qu’après sa chute.
Pendant son règne, ni Courier ni Stendhal n’avaient beaucoup de sympathie pour l’empereur, et comme beaucoup de leurs contemporains ils ont vu dans Napoléon vivant plutôt le destructeur que le continuateur de la Révolution. Mais quand après sa chute le gouvernement réactionnaire et un peu mesquin des Bourbons s’était aliéné les sympathies du peuple, le souvenir de la grandeur de ses conceptions et de la gloire qu’il avait acquise à la France effaçait le souvenir de ce qu’on avait souffert sous lui; il n’était plus le tyran, il devint le héros national qui avait conduit le peuple armé de victoire en victoire dans la guerre contre l’esprit réactionnaire des prince étrangers et des aristocrates émigrés.
C’est surtout sur les jeunes gens de cette génération qui avaient du courage et de l’imagination que le souvenir de l’empereur exerçait une fascination extraordinaire, et c’est en suivant plus ou moins consciemment ce courant que Courier et Stendhal ont écrit sur lui des pages presque enthousiastes que fort probablement ils n’auraient guère conçu tant qu’il regnait. D’autres qui n’avaient pas leurs souvenirs les surpassaient de beaucoup dans l’admiration de Napoléon; le plus connu parmi ceux-là c’est Béranger, poète ultralibéral, populaire et adorant le souvenir de l’empereur, assez médiocre au fond, mais d’une influence énorme sur ses contemporains, parce qu’il avait le don d’exprimer le sentiment général par des rythmes faciles et saisissants.
Vers le milieu du 19e siècle, le nationalisme populaire et démocratique, qui implique l’idée de la nation armée, fit de grand progrès partout en Europe. En France, Victor Hugo, chef du mouvement romantique qui avait été tout d’abord conservateur en politique, se tourne de plus en plus vers un démocratisme enthousiaste et presque mystique; dans les “Châtiments”, dans la “Légende des siècles,” et plus tard dans “l’Année terrible”, il a célébré l’héroisme des peuples combattants pour leur liberté avec toute la fougue de son génie; les historiens de la génération romantique, tels que Michelet ont adopté la même attitude.
En Allemagne, le groupe démocratique appelé les “Jeune-Allemagne”, dont le rôle fut très important dans la révolution de 1848 et qui ont beaucoup contribué à préparer l’union allemande réalisée en 1871, ont autant chanté la démocratie que le patriotisme; en Italie le mouvement pour l’union du pays naquit des idées révolutionnaires et exerçait une profonde influence sur la littérature; même en Suisse, l’idée de la nation armée était inséparable des idées démocratiques; ceux qui ont lu les nouvelles de Gottfried Keller, surtout le “Drapeau des sept inébranlables” (Das Fähnlein der 7 Aufrechten), peuvent se rendre compte de cet état d’esprit.
Il n’y a que deux pays européens qui font exception, et qui ne connaissent guère l’atmosphère du patriotisme démocratique militant du 19e siècle; l’un des deux, l’Angleterre, le plus démocratique, l’autre, la Russie, à cette époque le plus despotique parmi les nations européennes. L’Angleterre, où le démocratisme était solidement établi, où il avait revêtu un caractère traditionaliste, et dont la situation géographique était une garantie contre l’invasion, a presque jamais exalté le patriotisme militaire, et le culte de la bravoure dans la guerre n’a joué qu’un rôle de second ordre dans sa littérature au 19e siècle.
Le roman célèbre de Thackeray “Vanity fair”, qui se rattache aux événements historiques autour de la bataille de Waterloo en offre un exemple fort significatif. Les grands événements historiques n’y sont qu’un cadre pour servir à des problèmes de morale individuelle et de critique sociologique; on n’y fait que de rares allusions à l’héroisme dont les Anglais ont fait preuve pendant les guerres napoléoniennes, et dans un de ses personnages principaux Thackeray insiste à montrer qu’un homme d’une bravoure éclatante peut avoir en même temps un caractère vaniteux et faible.
Quant à la Russie, c’est tout le contraire. Son peuple, au 19e siècle, n’est guère touché par les idées démocratiques, et son nationalisme se basait sur un sentiment immédiat et instinctif, sur l’amour du sol natal. Dans le roman de Tolstoj “Guerre et paix” que j’ai cité au début de ma conférence et qui tout comme Vanity Fair décrit la dernière phase de l’époque napoléonienne (on ne saurait imaginer de plus grands contrastes) c’est le sol lui-même de la Sainte Russie qui semble se dresser contre l’envahisseur, les hommes semblent n’agir que sous son impulsion, et leur chef, le général Kutusow, vieillard simple, tranquille, patient et tenace, a l’air d’être un symbole du génie de sa terre et de sa race.
Pendant la longue période de paix qui a duré en Europe de 1871 à 1914, la littérature de guerre semble perdre toute importance. Un lyrisme d’un raffinement extrême d’une part, les problèmes de psychologie et de sociologie de l’autre dominent partout. J’ai passé ma jeunesse pendant les dernières années de cette période, et je crois pouvoir assurer que malgré les complications diplomatiques, malgré beaucoup de discussions sur une guerre éventuelle, très peu de gens ne croyaient pratiquement et sérieusement à la possibilité d’une guerre européenne.
Quand elle éclata en 1914, on était pris au dépourvu. La littérature ne suivait que lentement. A l’exception de quelques pièces faites sur commande ou inspirées par des passions passagères, d’ailleurs presque toutes médiocres, la littérature de la guerre de 1914 à 1918 fut une littérature écrite après la guerre, une littérature d’après-guerre. Elle est immense, cette littérature, je n’en connais que des spécimens, et encore faut-il ajouter qu’on en peut juger très différemment, selon le point de vue de celui qui juge. Je ne peux que vous donner mes impressions.
Ce qui domine dans ces livres de guerre, c’est toujours le peuple en armes; il y domine plus que jamais; le culte des héros individuels, soit généraux soit aviateurs où commandant de sous-marins etc., qui, bien entendu a fourni le sujet à beaucoup de livres, n’a eu que très peu de succès, tandis que les livres les mieux écrits, les plus répandus parlent directement du peuple: d’un fantassin quelconque dans les tranchées. Vous en voyez le symbole dans les monuments qu’on a érigés un peu partout au “soldat inconnu”. Donc, c’est toujours le peuple en armes qui domine, comme au 19e siècle.
Mais l’accent, le ton général a changé. On parle beaucoup plus des souffrances de la guerre que des actes d’héroisme, et des grands buts qu’on poursuit; on parle des misères, de la boue dans les tranchées, de la faim qu’on a soufferte. Et pourquoi tout cela? On veut vivre et travailler en liberté, élever ses enfants, et leur préparer un avenir tel que l’état de notre civilisation nous le permettrait si tout le monde était raisonnable. Et l’homme dans la tranchée vis-à-vis, qui ajouste sa mitrailleuse pour me tuer, ne veut-il pas exactement la même chose, n’a-t-il pas à peu près les mêmes idées que moi? Faut-il se tuer pour cela? Voilà, à ce qu’il me semble le sentiment général en Europe dans l’après-guerre; voilà l’esprit de la plupart des livres qui parlent de la grande guerre.
Et on comprend fort bien que tous les peuples ont eu horreur d’une nouvelle guerre, que beaucoup de gouvernements ont hésité longtemps d’envisager une telle possibilité et même de s’y préparer énergiquement. Mais en dépit de cet état d’esprit, la nouvelle guerre a éclaté, elle s’étend toujours, et il se peut qu’elle dépassera la première non seulement par son étendue, mais aussi par l’importance des changements qui se produiront à sa suite dans la vie des hommes sur la terre. Il est prématuré de parler de la littérature de cette guerre; mais on peut dejà formuler quelques remarques sur le rôle du peuple, et c’est par ses remarques que je veux terminer ma conférence.
La guerre est devenu plus que jamais l’affaire du peuple entier. Pour la mener et pour la préparer, il faut organiser toute la population; dans l’industrie, dans l’agriculture, dans les mesures de défense aérienne, dans les transports, chaque habitant, même les femmes et les enfants sont forcés de s’adapter activement et passivement à des conditions très différentes de la vie ordinaire, que la guerre impose; quoique le nombre des combattants au sens propre ne soit que relativement petit dans la phase actuelle, personne, dans les pays belligérants, ne peut vivre comme il avait l’habitude de le faire.
Il en résulte que le succès dépend d’une part de la capacité d’organisation des gouvernants, de l’autre, dans une mesure très large, de l’état d’esprit, de la morale du peuple. Je dirais même que le premier facteur, l’organisation, dépend dans une large mesure du second, de la morale du peuple. On a vu qu’un peuple résolu à se défendre coûte que coûte n’est pas aisément vaincu, même s’il est inférieur en nombre et dans une situation très difficile. On ne peut pas faire la guerre sans le concours de tout le peuple, et on ne peut guère la perdre tant que le peuple garde son courage et son sang-froid.
REMERCIEMENT
Je remercie Joseph Jurt pour la lecture du texte.
REFERÊNCIAS
AUERBACH, Erich. Mimesis: Dargestellte Wirklichkeit in der abendländischen Literatur. Tübingen: Franke Verlag, 1994.
AUERBACH, Erich. Figura (1938). In: BORMUTH, Matthias; VIALON, Martin (org.). Gesammelte Aufsätze zur romanischen Philologie. Tübingen: Francke Verlag, 2018.
AUERBACH, Erich. Philologie der Weltliteratur. In: Weltliteratur. Festgabe für Fritz Strich. Berna: Francke, 1952.
AUERBACH, Erich. Neue Dantestudien. Istanbul: Istanbuler Schriften, Nr. 5, 1944.
AUERBACH, Erich. Poesie et guerre. Texto datilografado, sem data. Deutsches Literaturarchiv Marbach, Alemanha. 1941.
AUERBACH, Erich. Epilegomena zu Mimesis. Romanische Forschungen, v. 65, p. 1-18, 1953,
AUERBACH, Erich. Carta a Oskar Seidlin. 19 jan. 1946. Acervo do Deutsches Literaturarchiv Marbach.
APTER, Emily. Global Translatio: The "Invention" of Comparative Literature, Istanbul, 1933. Critical Inquiry, v. 29, n. 2, p. 253-281, 2003.
GREEN, Geoffrey. Literary criticism & the structures of history, Erich Auerbach & Leo Spitzer. Lincoln: University of Nebraska Press, 1983.
GUMBRECHT, Hans Ulrich: Pathos des irdischen Verlaufs, Erich Auerbachs Alltag, In: GUMBRECHT, Hans Ulrich: Vom Leben und Sterben der großen Romanisten, München, 2002 p. 152-174.
JØRGENSEN, A. Visionary Drama and Scholarly Argument: On the Structure of Erich Auerbach's Mimesis. 1996. 155 p. Tese (Doutorado em Letras) - Copenhagen University, Copenhagen, 1996.
KONUK, Kader. East West Mimesis. Stanford Stanford UP, 2010.
KLEMPERER, Victor. Ich will Zeugnis ablegen bis zum letzten: Tagebücher 1933-1945. Aufbau Taschenbuch Verlag, 2. Aufl. (1935-1936), Berlin, Germany, 1999.
KLEMPERER, Victor. Philologie im Exil. Aufbau, v. 4, n. 10, p. 863-868, 1948.
REIS, Patrícia. Erich Auerbach e a apologia das ações modestas. Topoi, Rio de Janeiro, v. 24, n. 53, p. 487-504, 2023.
VIALON, Martin. Fünf Souvenirs aus dem Schatzkästlein der Marburger Romanistin Freya Hobohm. Romanische Studien Beihefte, v. 4, p. 445-474, 2018.
Notes
Author notes