DOSSIÊ: ESCRAVIDÃO, COTIDIANO E DINÂMICAS DE MESTIÇAGENS NOS MUNDOS IBÉRICOS (SÉCULOS XVI-XVIII): ESPAÇOS, MOBILIDADE, ACORDOS E CONFLITOS
Received: 21 April 2024
Revised document received: 17 January 2024
Accepted: 16 September 2024
DOI: https://doi.org/10.1590/0104-87752025v41e25030
RESUMO: Este artigo analisa os conflitos e as disputas pelo privilégio do uso de esquife entre a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Pretende demonstrar que o objeto de madeira utilizado para carregar os cadáveres dos falecidos da casa à sepultura era significativo elemento dos funerais com pompa, nos cortejos fúnebres que atravessaram as ruas da cidade. Com base na documentação do Conselho Ultramarino, de compromissos de ambas as irmandades e de registros paroquiais de óbitos e testamentos, analisa de que modo o privilégio do uso de tumbas e esquifes que a Misericórdia do Rio possuía desde início do século XVII foi o elemento de discórdia entre as duas associações até a metade do século XVIII, num processo de disputas jurídicas que atravessou os dois lados do Atlântico português, a fim de se resguardar privilégios, precedências e hierarquias naquela sociedade.
Palavras chave: Esquifes e tumbas, privilégios e hierarquias, pompa fúnebre.
ABSTRACT: This article analyzes the conflicts and disputes over the privilege of using a skiff between the brotherhood of Our Lady of the Rosary and Saint Benedict the Moor and Santa Casa da Misericórdia [the Holy House of Mercy] in Rio de Janeiro. It aims to demonstrate that the wooden object used to carry the bodies of the deceased from the house to the grave was a significant element of the pompous funerals in the funeral processions that traveled through the streets of the city. Based on documentation from the Overseas Council, commitments from both brotherhoods and parish registers of deaths and wills, it analyses how the privilege of using tombs and skiffs held by the Misericórdia do Rio from the beginning of the 17th century was an element of discord between the two associations until the middle of the 18th century, in a process of legal disputes that crossed both sides of the Portuguese Atlantic to safeguard privileges, precedence and hierarchies in that society.
Keywords: Skiffs and tombs, privileges and hierarchies, funerary pomp.
ESQUIFE, CORTEJO E POMPA FÚNEBRE NA “BOA MORTE” CATÓLICA
Na cidade do Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII, as atitudes diante da morte eram marcadas pelo predomínio dos rituais católicos, considerados os oficialmente reconhecidos devido ao fato de o catolicismo ser a religião oficial da monarquia portuguesa. Os estudos sobre o tema já demonstraram sobejamente o quanto tais rituais se faziam presentes na sociedade escravista da época, marcados por uma série de cerimônias que, em situações ideais, se iniciavam desde antes da morte, com a escritura de um testamento com vistas a professar a fé católica, a busca dos últimos sacramentos (penitência, eucaristia e extrema-unção), o uso de mortalhas religiosas para envolver o corpo morto, a realização de velório e/ou exéquia marcados pela presença de irmandades e sacerdotes, especialmente com a presença do pároco, o cortejo fúnebre da casa até o local do sepultamento em sagrado numa das igrejas da cidade e a realização de missas e sufrágios após a morte pela alma do defunto. A combinação desses elementos marcava a chamada “boa morte” católica, caracterizada pela preparação do ritual de modo a se obter o máximo de intercessão possível e salvação da alma do defunto cujo corpo descansaria até o final dos tempos em local sagrado, quando ressuscitaria por ocasião da segunda vinda de Cristo para o Juízo Final (Campos, 2004, 2013; Reis, 1991; Rodrigues, 2005, 2008, 2022a; dentre muitos outros estudos). Esse roteiro sofria adaptações em virtude das condições da morte (uma morte repentina, por exemplo, que impedia a redação do testamento e o recebimento dos sacramentos) e da fortuna e rede de relações do morto e sua família.
Um dos aspectos dos funerais católicos era o cortejo que acompanhava o morto conduzido em um objeto carregado por membros das irmandades religiosas, chamado esquife e/ou tumba. Sua utilização evidenciava um funeral diferenciado e marcado pela pompa fúnebre, ao ponto de seu uso ser monopolizado pela Santa Casa da Misericórdia, desde fins do século XVI, no reino português e estendido aos domínios de seu Império no século seguinte, a exemplo do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo que expressava um elemento religioso por encenar a procissão de Cristo morto até a sepultura, sua posse e uso explicitaram questões menos transcendentais e associadas às disputas por monopólio, poder, precedências e privilégios no âmbito daquela sociedade escravista com traços de Antigo Regime, que alcançaram, inclusive, as irmandades religiosas de pretos.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisarmos como se deu esse processo de disputas entre a Santa Casa da Misericórdia e a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos da cidade do Rio de Janeiro, entre os séculos XVII e XVIII, e de que forma os irmãos dessa associação religiosa buscaram se movimentar nas teias burocráticas do Império português, fazendo uso da comunicação política, em defesa do seu dito imemorial uso e posse do esquife para conduzir seus irmãos falecidos à sepultura. O significado e o papel do esquife no funeral católico podem ser evidenciados no testamento de últimas vontade de ex-escravos afiliados à irmandade de Nossa Senhora do Rosário, por meio do qual planejavam seu “bem morrer”, em alguns casos, permeado de pompa fúnebre, como é possível identificar em alguns casos narrados a seguir.
O preto forro José Dias era mais um dos libertos de origem africana que habitavam a área central da cidade do Rio de Janeiro. De procedência mina, havia sido batizado na freguesia da Sé. Era casado com Mariana da Conceição e não teve filhos, instituindo-a sua herdeira universal. Possuía uma banca de peixes na ribeira da cidade, assim como três escravos - sendo dois africanos de procedência Ganguela, Antônio e Maria, e Helena -, ouro de sua mulher e alguns trastes. Em sua rede de relações era credor do também liberto Miguel, a quem havia emprestado 25$600 para a compra da sua alforria, e de Domingos da Costa Forte, a quem emprestara igual quantia. Além de emprestar dinheiro aos pretos, José Dias também era credor do carpinteiro Manoel Ferreira, homem branco, a quem havia emprestado 12$800.1
No início do ano de 1740, ficou doente e, apesar de investir no tratamento, faleceu em 26 de fevereiro, tendo determinado que seu testamenteiro vendesse a escrava Helena para o pagamento dos gastos feitos com a enfermidade e com seu enterro. Para ter auxílio por ocasião da morte, havia se filiado às irmandades de Santo Antônio da Mouraria e de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da cidade, de quem esperava a realização dos sufrágios costumados e a obtenção de uma sepultura na igreja dessa última. Com vistas a garantir a salvação da alma após a morte, especificou os sufrágios e legados pios que acreditava contribuírem para abreviar a passagem de sua alma pelo Purgatório, tais como: 100 missas por sua alma, sendo 50 na igreja do Rosário e as outras 50 na igreja de São José; esmolas aos pobres no dia de seu enterro; e doação de 4$800 réis de esmola a cada uma de suas irmandades. Unindo a intenção de se despedir com pompa e obter intercessão dos confrades, amigos e parentes no seu derradeiro trânsito pelas ruas da cidade, através das quais caminhara em vida, pediu que seu cadáver fosse levado à sepultura no esquife da irmandade do Rosário.2
Seis anos depois, o esquife dessa irmandade também conduziria o cadáver de outra pessoa liberta por aquelas ruas, em 22 de dezembro de 1746, até a igreja da Sé Catedral instalada na recém-construída igreja de Nossa Senhora do Rosário. Desta vez se tratou da preta forra mina, Francisca Vieira, que havia sido escrava de Pedro Vieira Tomás, a quem pagou duzentos mil réis por sua liberdade, obtidos às suas próprias custas, segundo relatou em seu testamento. Sem vínculo com seus pais desde que fora arrancada da Costa da Mina e solteira, sem filho algum, determinou que sua alma seria a universal herdeira de todos os seus bens, compostos de três escravos - Luzia, Sebastião e Josefa Vieira - e várias peças de ouro, como cordões, memórias, brincos, cruz e botões de camisa, colete e de saia, que ela acreditava valer cerca de cem mil réis. Não devia a ninguém e tampouco alguém lhe devia algo. Após a conclusão de seu inventário, determinou que o remanescente de todos os seus bens fosse investido em missas por sua alma e pelas almas do Purgatório, rezadas tanto na matriz da Sé como na igreja de sua irmandade de Nossa Senhora do Rosário que, à época da redação de seu testamento por Francisco da Rocha Monteiro, em 27 de julho de 1736, ainda se localizavam em dois templos diferentes.3
Pode ser que Francisca Vieira tenha ficado doente quando determinou a redação do testamento e que, diferentemente de José Dias, tenha conseguido se curar.4 O tempo pode ter passado e, às vésperas do Natal de 1746, acabou morrendo de repente, sem tempo de receber os últimos sacramentos. O período entre a escritura do testamento e sua morte pode explicar a informação dada no registro de óbito pelo coadjutor da Sé, Antônio Pereira Nunes, de que ela era casada com o preto forro Antônio Lopes dos Anjos, cujo nome não fora mencionado em nenhum momento no testamento feito dez anos antes. Não temos como saber se todos os detalhes sobre o funeral que ela organizara nas suas “últimas vontades” foram cumpridos, como a encomendação pelo pároco juntamente com a presença de vinte sacerdotes, as missas estipuladas para os dias do falecimento e do sepultamento, a distribuição de três mil e duzentos réis pelos pobres no dia do enterro e o pedido para que seu corpo fosse levado à sepultura no esquife da irmandade do Rosário. Em seu registro de óbito consta apenas que ela foi sepultada na igreja da Sé catedral, que à época da morte estava instalada no templo da irmandade do Rosário. Nada mais informa sobre os funerais; ou seja, não menciona se recebeu os últimos sacramentos, em qual mortalha seu cadáver foi envolto, se e como foi a encomendação e a quantidade de sacerdotes presentes.5
A preta forra mina, Ângela Correia, que havia sido escrava de Dona Guiomar de Marins, também registrou como esperava que seu funeral fosse realizado no testamento que a seu pedido foi escrito por Francisco da Rocha Monteiro,6 em 21 de janeiro de 1747, cerca de quatro meses antes da sua morte. Era solteira, sem filho e, portanto, sem herdeiro forçado, motivo pelo qual igualmente instituiu sua alma como universal herdeira. Da mesma forma que no testamento de Francisca Vieira, o coadjutor da Sé, Antônio Pereira Nunes, não deu maiores detalhes sobre o funeral de Ângela Vieira, ocorrido em 31 de maio. Podemos apenas identificar nas últimas vontades dessa testadora que era de seu desejo ser amortalhada em hábito de Santo Antônio e sepultada na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de onde era irmã, a quem igualmente pediu que lhe desse uma sepultura e acompanhasse seu corpo em cortejo fúnebre até a cova, juntamente com seu reverendo pároco mais cinco sacerdotes, sendo seu corpo levado no esquife da irmandade. Pediu missas em sufrágio por sua alma tanto no dia do enterro como tempos depois da morte. Os gastos para a realização do funeral seriam custeados pelos bens que possuía, a saber: pares “de botões de ouro, de granito, de camisa”, dois pares de botões pequenos, “duas voltas de contas de ouro do pescoço, dois pares de brincos de chouriço uns maiores e outros mais pequenos, uma Senhora da Conceição de ouro”, um palmo e meio de cordão de ouro, além de duas escravas — Maria e Felipa, ambas de nação Angola — e alguns móveis e trastes de casa.7
Diferentemente das poucas informações passadas pelo coadjutor Antônio Pereira Nunes nos assentamentos de óbito das libertas acima mencionadas, a morte e o funeral da preta forra mina, Cristina de Almeida, foram detalhadamente registrados pelo outro coadjutor da Sé, Manoel Francisco da Costa, no livro paroquial. Viúva de Domingos Fernandes, recebeu apenas o sacramento da extrema-unção por morrer “quase repentinamente”, em 5 de julho de 1751, deixando como herdeiro seu filho pardo, João Garcia do Lago, que se encontrava na cidade de Goa, na Costa da Índia, de quem tivera notícia recentemente. Foi amortalhada no hábito de São Francisco e encomendada por ninguém menos que o cura da Sé, reverendo doutor João Bento Barros Casada, juntamente com vinte e dois padres,8 pelos quais foi acompanhada de sua casa até a igreja de Nossa Senhora do Rosário, na qual foi sepultada, tendo sido acompanhada pelos irmãos do Rosário no esquife em que a irmandade costumava carregar seus afiliados. O caso de Cristina se diferenciou dos demais citados anteriormente pela quantidade de bens que afirmou possuir: quatro moradas de casas na rua do Cano; três escravos — os moleques Pedro e Sebastião e Esperança, do Gentio da Guiné — ; seis varas de cordão de ouro, sendo quatro mais grossos e dois finos; dois pares de brincos de aljofres, quatro pares de botões, 10 botões de colete, todos de ouro, uma imagem da Senhora da Conceição, um fio de contas, uns colares “engrazados em ouro”. Deixou 115$200 réis a Gonçalo Gonçalvez Chaves que lhe havia emprestado dinheiro, tijolo e cal para a obras das suas casas. Ela também devia ao mestre carpinteiro, Bento Gonçalves, o valor restante de 4$000 do ajuste da obra que fizera para ela, além de cal e de tijolos. Devia 12$800 a Tomás de Abreu, cinco patacas a Luiz Ramos, 9$600 a Lopes Carneiro e o valor de 1$750 ao serralheiro Domingos, morador na rua do Rosário defronte à igreja do Hospício, referente ao restante de uma dívida de ferragens que lhe havia encomendado. Seu testamento, escrito por Antônio Teixeira da Mota, contém o pedido de vários sufrágios e legados pios, evidenciadores de uma posição social diferenciada naquela paróquia da Sé em relação aos outros testadores negros citados anteriormente. Tanto que a ex-escrava de Caetano da Fonseca, que pagou duzentos mil réis por sua liberdade, foi acompanhada na hora da morte por pelo menos vinte e três sacerdotes, incluindo o cônego cura da freguesia da Sé.9
Quatro meses depois de conduzir o cadáver de Cristina de Almeida, o esquife da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos voltaria a circular pelas ruas da cidade, conduzindo à sepultura o corpo morto de outra filiada, em 27 de novembro de 1751. Tratava-se da parda forra Tereza de Jesus Maria, casada com carta de ametade com o também pardo forro Antônio Neto Reis, de quem não teve filhos e estava divorciada. Segundo afirmou em seu testamento, ele nunca havia feito vida marital com ela, destruiu os bens do casal e tentou tirar a vida dela. Nascida na freguesia de Nossa Senhora da Candelária, era filha de uma preta chamada Isabel, já defunta à época em que Tereza pediu que Francisco da Rocha Monteiro por ela escrevesse e assinasse seu testamento. Por meio dessas “últimas vontades”, ela buscou prestar contas a Deus para desencargo de sua consciência. Foi amortalhada no hábito de Nossa Senhora do Carmo e encomendada pelo coadjutor da Sé Catedral e por ele acompanhada até a sepultura na igreja do Rosário, juntamente com irmãos dessa sua irmandade. Por não ter herdeiro forçado, determinou sua alma como herdeira universal de seus bens, que se resumiam a dois escravos — Domingas, de nação angola, e a crioula Eugênia — e algumas peças de ouro: três botões de pé de salva, uma memória, duas Senhoras da Conceição, um palmo e meio de cordão de ouro, três pares de botão de camisa, um de saia e oito botões de colete de granitos, um fio de contas em fio de retrós e um par de brincos de diamante de pingente.10
No primeiro dia de julho de 1752, o cadáver da preta forra Maria Josefa, natural de Portugal, filha natural de pai incógnito e de Joana de Sá, casada no Rio de Janeiro com o preto forro Antônio da Silva, sem filhos, foi levado à sepultura na igreja de sua irmandade do Rosário “no seu esquife”. Maria Josefa foi amortalhada no hábito franciscano de Santo Antônio e acompanhada pelo reverendo pároco e cinco sacerdotes, conforme determinado no seu testamento, escrito por Francisco da Rocha Monteiro. Possuía como bens a moradinha de casas onde vivia, situada defronte da sacristia da igreja de São Pedro, uma negra chamada Antônia e dois cabrinhas, José e Joaquim. Seu casal possuía uma dívida de 358$400 réis e seus juros e, por isso, ela não pediu nem doou mais nada. Se fosse possível, seu marido deveria alforriar os três escravos, ao seu arbítrio.11
Em 11 de dezembro de 1756 faleceu Bernarda do Espírito Santo, preta forra, casada com João da Glória, que também deixara um testamento determinando suas últimas vontades. Quando solteira havia tido dois filhos, Joaquim Crioulo e Apolinário Mulatinho, a quem instituiu como seus herdeiros. Pediu para ser levada à sepultura no esquife de sua irmandade do rosário. Solicitou ser amortalhada no hábito franciscano de São Francisco e que seu reverendo pároco mais seis sacerdotes acompanhassem seu corpo, além de pedir doze missas de corpo presente no testamento que rogou para Manoel Fernandes da Silva redigir para si, por não saber ler nem escrever. Possuía como bens três escravas, Rita de nação angola e Emerenciana e Narcisa, de nação mina, além de objetos da casa, uma imagem da Senhora da Conceição de ouro grande, com uma volta de cordão de ouro, brincos de ouro com seus diamantes, os quais estavam empenhados nas mãos da parda Joana Carvalho, por 13$040. Pediu que satisfeitos os seus legados, sua terça fosse usada para missas por sua alma.12
Josefa de Jesus Maria era filha legítima de Luis Pereira Tavares e de Tomásia da Luz, já falecidos, havia sido batizada na freguesia da Sé e faleceu em 12 de fevereiro de 1757. Se dizia solteira e que sempre vivera honesta, não tendo herdeiros, de modo que instituía sua alma como herdeira. Não pudemos identificar ainda se era mulher parda, preta ou branca. Por estar doente, embora de pé, havia feito seu testamento cerca de quatro meses antes, em outubro de 1756, no qual informou que havia pagado dez anos de anuais atrasados à sua irmandade de Nossa Senhora do Rosário, devendo apenas mais dois anos, os quais pedia que fossem pagos após sua morte para que pudesse ter direito a uma sepultura na igreja da irmandade e que esta fosse buscar seu corpo no esquife, junto com o capelão da irmandade, doze clérigos e seu pároco. Pediu para ser amortalhada no hábito de São Francisco e que fossem rezadas vinte e cinco missas de corpo presente no dia do seu falecimento, distribuídas na igreja da sua matriz, na do convento de Santo Antônio, na igreja de N. S. do Carmo, na igreja de São José e na de N. Sra. da Boa Morte. Solicitou uma capela de missas (50 missas) pelas almas de seus pais, irmãs, sobrinhos e outra capela de missas para as almas. Deixou uma escrava cabra de quinze anos, chamada Efigênia, para que se pagasse as dívidas que viesse a ter, doou um escravo para o convento de Santo Antônio e em troca pedia um hábito pelo amor de Deus, por acabar sua vida muito pobre. Não mencionou que outra pessoa tivesse escrito seu testamento e, ao que parece, foi ela mesma quem o redigiu.13
Em que pese as especificidades das histórias de vida acima citadas, é possível identificarmos alguns elementos comuns ao determinarem como desejavam que fosse realizado seu funeral em busca da boa morte católica (Reis, 1991; Rodrigues, 1997, 2008), eram filiados à irmandade do Rosário do Rio de Janeiro e solicitaram que seu cadáver fosse carregado pelos confrades e conduzido até a sepultura no esquife dessa irmandade. Falecidos entre 1739 e 1757, os testadores aqui citados não explicitaram em nenhum momento de suas últimas vontades que, em que pese seus pedidos, aqueles foram anos tensos, nos quais o sodalício enfrentou intensas disputas com a poderosa Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro em defesa da manutenção do uso do seu esquife.
Esquife era o suporte de madeira com as laterais vazadas e com varas para sustentação, no qual o corpo morto era depositado envolto em uma mortalha ou vestimenta fúnebre para ser transportado da casa para a igreja na qual seria sepultado. O objeto viabilizava a realização da etapa do funeral católico que era o cortejo fúnebre, por meio do qual os presentes ao velório seguiam em procissão a pé pelas ruas da cidade, até o local da deposição do cadáver na sepultura para que o morto “dormisse em Cristo” até ser ressuscitado para o Juízo final, tal como ocorrera com Jesus após sua crucificação (Rodrigues, 2022, p. 216-217). Tal fato pode ser identificado na passagem dos testamentos aqui citados, quando pediam que o esquife fosse transportado pela irmandade do rosário e acompanhado pelo pároco e mais sacerdotes. Os compromissos das irmandades obrigavam que os afiliados deveriam estar presentes ao cortejo “aparatados com as vestes, velas, tochas e os vários emblemas da irmandade”, num ritual de solidariedade para com o morto que “se associava à noção de que a boa morte nunca seria uma morte solitária e desprovida de cerimônia” (Reis, 1991, p. 144). O capítulo 17 do compromisso de 1686 da irmandade de Nossa Senhora do Rosário da Conceição da Praia, na Bahia, garantia o uso do esquife para o enterro dos irmãos e o capítulo 20 ordenava que, se falecesse algum irmão ou irmã, a irmandade organizaria seu funeral ao qual assistiriam todos os irmãos com suas tochas acesas até dar-lhe sepultura.14 O compromisso da irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Pretos do Rio de Janeiro de 1759 aborda o tema do esquife no seu capítulo 20, mas não descreve o ritual a ser realizado , muito embora não devesse ser diferente do da sua congênere baiana, como vimos nos testamentos aqui mencionados.15
Para além da presença de familiares, parentes e membros de sua(s) irmandade(s) com suas vestimentas, tochas e velas, o cortejo fúnebre que tinha o corpo morto dentro de um esquife carregado no ombro dos confrades com suas opas era uma excelente oportunidade para “mostrar-se”, funcionando como chamariz para membros em potencial e visibilizando o prestígio do morto, aspecto que não se restringiu às associações religiosas de brancos e livres, uma vez que, desde sua origem, as irmandades negras se esforçaram por equiparar seus funerais àqueles das irmandades brancas (Russell-Wood, 1981, p. 157; Reis, 1991, p. 145). Como afirma João José Reis, a “pompa fúnebre fazia parte da tradição cerimonial das confrarias, formando, ao lado das festas de santo, importante fonte de seu prestígio” (Reis, 1991, 144). Nesse aspecto, a pompa fúnebre das irmandades dos pretos pode se assemelhar aos gastos que elas realizavam com suas festas e com a manutenção dos templos, proporcionando prestígio aos membros da diretoria, projetando sua associação em meio à coletividade e possibilitando a atração de novos associados (Aguiar, 2001, p. 365; Reginaldo, 2011, p. 198).
A importância desse significativo objeto de transporte nos cortejos fúnebres é evidenciada no fato de que, desde fins do século XVII, os pretos do Rosário e os chamados “homens bons” da Misericórdia se enfrentaram numa intricada trama administrativa e jurídica em torno da posse de esquife nos cortejos fúnebres que cortavam as ruas da cidade do Rio de Janeiro. Foi provavelmente entre 1744 e 1745 que a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Pretos da cidade do Rio de Janeiro requereu auxílio à Coroa portuguesa para a resolução da questão. Por meio de dois requerimentos encaminhados à Sua Majestade Real, os irmãos suplicaram a autorização para manter “a sua posse e uso imemorial em que sempre estiveram” de levarem seus “irmãos pretos” à sepultura no seu esquife, alegando que estavam na sua posse quando foram impedidos pela Santa Casa da Misericórdia de utilizá-lo.16 O pano de fundo dessa disputa era o privilégio que a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro detinha da exclusividade da posse, uso e/ou aluguel de tumbas e esquifes na cidade, desde o início do século XVII, não apenas para seus irmãos como também para os das demais irmandades, como passamos a analisar.
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA E A ORIGEM DOS PRIVILÉGIOS DE TUMBA
A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, assim como as congêneres de outras cidades, detinha o monopólio do serviço dos enterros na América portuguesa, derivado das cláusulas dos estatutos da Misericórdia de Lisboa, de 1516. Estas conferiam a ela o cuidado com os enterros de caridade, em virtude de não serem todas as associações religiosas que se dispunham a tratar do enterramento dos mais pobres, para além dos funerais dos seus afiliados e respectivos familiares (Russell-Wood, 1981, p. 153-184; Sá, 1997, p. 109).
Desde sua fundação pela Coroa portuguesa, em 1498, a irmandade da Santa Casa da Misericórdia tinha como objetivo proporcionar auxílio espiritual e material aos necessitados, vinculando-se a obras de caridade. Sob o patrocínio real e por ser composta por membros da nobreza, recebera uma série de privilégios, como o monopólio da coleta de esmolas e o relativo à caridade nas prisões, em retribuição à sua organização em torno de 14 obras de caridade, divididas em sete espirituais (ensinar aos ignorantes, dar bom conselho, punir os transgressores com compreensão, consolar os infelizes, perdoar as injúrias recebidas, suportar as deficiências do próximo e orar a Deus pelos vivos e pelos mortos) e sete corporais (resgatar cativos e visitar prisioneiros, tratar dos doentes, vestir os nus, alimentar os famintos, dar de beber aos sedentos, abrigar os viajantes e os pobres e sepultar os mortos), às quais os irmãos deveriam se dedicar (Abreu, 2014; Araújo, 1999; Lopes, 2000; Russell-Wood, 1981; Sá, 1997).
Como afirma Luciana Gandelman (2001, p. 613-630), a Misericórdia era uma Casa na qual se articulavam as ações de caridade guiadas pelos preceitos cristãos e pelas relações de Antigo Regime. A noção de caridade por trás de suas ações pressupunha a ideia de desigualdade e a assistência decorrente não era entendida como um direito inerente ao indivíduo. Ser alvo da caridade dependia do estabelecimento de relações pessoais e recomendações (Sá, 1997, p. 110), ou seja, do estabelecimento de vínculos assimétricos e hierárquicos (Abreu, 2014, p. 22-37; Franco; Patuzzi, 2019, p. 9), o que poderia se dar, inclusive, entre membros do mesmo grupo. Em decorrência dessas ações, a Misericórdia obteve uma série de privilégios, a exemplo dos relativos aos serviços fúnebres, como constou na Sentença Apostólica proferida em 30 de junho de 1593 pelo Cardeal Arquiduque Alberto da Áustria, governador de Portugal durante o reinado de Felipe II da Espanha, que reconheceu o privilégio de somente a Misericórdia de Lisboa poder usar de tumba nos enterramentos realizados na capital do Império português.17 Segundo a sentença, a Santa Casa exercitava por seu principal instituto “todas as obras de Misericórdia, e Caridade, acudindo às necessidades dos pobres”, visitando e cuidando de enfermos, casando órfãs, sustentando um hospital de miseráveis, negociando a soltura de encarcerados pobres, mandando criar a sua custa meninos enjeitados e órfãos, resgatando cativos, acompanhando os que padeciam por Justiça e enterrando a estes e os mais defuntos, dando mortalha aos pobres. Para dar conta de realizar esses enterramentos, possuía “homens salariados” e capelães, além de três tumbas e um esquife para transportar os cadáveres dos necessitados da cidade de Lisboa. Por serem ações contínuas e muito necessárias numa cidade tão grande e populosa como aquela, esta possuía “um Provedor, pessoa de muita qualidade, e seiscentos irmãos nobres e mecânicos que se ocupavam no exercício geral delas”. Tais práticas, segundo o documento, não havia e não podiam haver em nenhuma outra confraria, por serem instituídas “para coisas particulares”, ocupando-se somente delas.18
Ao reiterar o discurso de uma dedicação maior à caridade coletiva do que aos próprios interesses, era mister que a Misericórdia fosse recompensada na forma de privilégios. Diante disso, cumprindo a Autoridade Apostólica conferida por Sua Santidade, o Arquiduque governador de Portugal mandava aos juízes, mordomos e mais oficiais, além dos irmãos e confrades das demais confrarias da cidade, que não se intrometessem nem exercitassem daquele momento em diante “nenhuma das sobreditas obras de Caridade que a irmandade da Misericórdia exercita[va] assim com os vivos, como com os defuntos, e com os enfermos, e sãos”, o que implicava que não tivessem e nem usassem tumba e esquife, devendo acompanhar seus defuntos apenas com a cruz levantada, não podendo nem levar “velas nem insígnias algumas semelhantes aos dos irmãos da Misericórdia, porque destas em nenhum tempo poderão usar”. Deveriam se apartar de toda atividade que pudesse prejudicar a Misericórdia “e causar escândalos, ódios e dissensões” naquela cidade, sob pena de excomunhão, cuja absolvição era de mil cruzados para a Câmara Apostólica. O descumprimento incorreria em censuras e penas. Apenas as confrarias de Nossa Senhora do Loreto dos Italianos e de São Bartolomeu de S. Guia dos Alemães poderiam manter o uso de suas tumbas, por terem sido erigidas por Bulas apostólicas, mas deveriam ser usadas apenas para “sua nação”.19
Quase um século depois, a Misericórdia de Lisboa renovou seus estatutos e o capítulo 35 do compromisso de 1618 passou a ser mais preciso sobre os privilégios do serviço fúnebre, especificando a existência de um “serviço de tumbas” de três classes: “a primeira para os pobres; a segunda para as pessoas mais elevadas e a terceira para os seus irmãos”. Para estes, era previsto o acompanhamento da irmandade quando da saída da tumba da casa para o local do sepultamento, com capelães, irmãos graduados e o próprio provedor, distinção que também era estendida à mulher ou à viúva do irmão e aos filhos menores. As três tumbas deveriam ser cobertas com um grande pano de veludo preto. Existia ainda um esquife para os escravos, cujo transporte era acompanhado por um “padre pobre”, a quem os senhores dariam 20 réis e à Misericórdia 200 réis. No entanto, se os senhores alegassem pobreza, não pagariam nada pelo enterro (Ferreira, 1894-1899, p. 54-55).
Como parte das hierarquizações típicas das sociedades de Antigo Regime, havia a diferenciação de nome e, obviamente, status, entre “tumba” e “esquife”. Este último era destinado aos cativos e a primeira aos demais segmentos sociais. Essa diferenciação aparece, por exemplo, nas definições dadas aos termos “Tumba” e “Esquife” pelo dicionarista Raphael Bluteau no século XVIII. A primeira é compreendida como um ataúde; ou seja, uma caixa descoberta ou com arcos por cima cobertos de um pano negro onde se mete o corpo do defunto para o pôr na sepultura, que os irmãos da Misericórdia levam às costas quando vão buscar ou enterrar os defuntos (Bluteau, 1721, p. 324). O segundo é associado ao enterro “de gente pobre” (Bluteau, 1713, p. 295). Como afirmaram Renato Franco e Silvia Patuzzi, a caridade prestada aos escravos estava abaixo daquela destinada aos pobres, sendo que estes não se confundiam com aqueles (Franco; Patuzzi, 2019, p. 9-13; p. 22). Não por acaso, a tumba era complementada por um pano preto que deveria servir para cobrir o corpo, já que naquela época os cadáveres eram levados à sepultura sem caixão, sendo tão somente envoltos em mortalhas. No caso do esquife, não há menção de cobertura.
Esses privilégios foram replicados às Misericórdias nos domínios do Império português, a exemplo das do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, em 1605; da Bahia, em 1622; de Olinda, em 1672 e a da Paraíba do Norte, em 1676. Criada entre os anos de 1550 e 1582, a Misericórdia do Rio de Janeiro era a segunda mais importante da América, depois da Misericórdia de Bahia, por apresentar grande complexidade institucional, com oferta de serviços sistemáticos de caridade, como afirma Renato Franco. Era formada pelos chamados principais da terra, além de governadores que residiam na cidade, exercendo papel de protagonista na assistência aos pobres da cidade e seu entorno por quase três séculos (Franco, 2011, p. 79-80; p. 123-124; p. 166-167). Seu monopólio permitia que os ganhos auferidos com o aluguel de tumbas e esquifes, dentre outros, compusessem um dos pilares das rendas da instituição (Franco, 2011, p. 142; p. 160).
No início do século XVII, a Misericórdia do Rio solicitou e obteve o privilégio do uso e aluguel de tumbas e esquifes para condução de cadáveres na cidade. A concessão foi dada por meio de Alvará emitido em 8 de outubro de 1605, pelo Rei Felipe II, e passou a ser registrada no livro de privilégios da Santa Casa, de forma a deixar marcado para a posteridade aquela importante distinção em relação às demais irmandades do Rio de Janeiro.20 A justificativa para a extensão do privilégio não diferia muito daquela originalmente obtida pela Misericórdia de Lisboa: a contrapartida pelo exercício da caridade. No caso do Rio de Janeiro, argumentava-se que a Santa Casa e seu hospital foram instituídos desde os primórdios da ocupação da cidade, onde se curavam os pobres enfermos, tanto os naturais como os estrangeiros, assim como os soldados, artilheiros e marinheiros “da guarnição da mesma cidade e os das naus de guerra que vão comboiar as frotas carregando sobre elas a arrecadação das esmolas e fazendas deixadas à dita Casa”. A Santa Casa gastava as esmolas recebidas com os pobres do seu hospital, com os presos necessitados, com a criação de alguns enjeitados, com os casamentos de órfãos e com demais obras da Misericórdia para as quais fazia uso de sua fazenda.21
Os dados de Russell-Wood sobre o igual privilégio obtido pela Santa Casa da Misericórdia da Bahia, em 1627, nos auxiliam na compreensão de como funcionava o serviço destinado aos funerais. Ali, a instituição possuía três “essas cobertas” ou tumbas. Enquanto a melhor era reservada para os funerais dos irmãos, possuindo uma mortalha feita de veludo preto ornado com brocado dourado com decorações florais, as outras duas eram alugadas para as outras irmandades ou indivíduos, conforme as posses do morto e seus familiares: uma por 8$480 réis e a outra por 4$480 réis. Essa última era também usada nos enterros de caridade destinados aos pobres. De modo similar a Lisboa, havia os chamados esquifes, os quais a Misericórdia baiana chegou a possuir três para aluguel: um destinado ao transporte de escravos, mediante o custo de 800 réis para os senhores (valor que chegou a ser reduzido para 400 réis por um tempo) e os outros dois destinados às crianças ou “anjinhos”, variando o preço para aluguel entre 3$200 e 2$560. Se os senhores dos cativos falecidos ou os pais das crianças mortas fossem notoriamente pobres, a Misericórdia os enterrava gratuitamente (Rusell-Wood, 1981, p. 175).
O monopólio do serviço de condução de cadáveres detido pela Misericórdia baiana acabou gerando conflitos envolvendo a Santa Casa e outras irmandades, ordens terceiras e autoridades eclesiásticas. Um exemplo foi o ocorrido entre a Misericórdia da Bahia e a Ordem Terceira de São Francisco, no final do século XVII, quando esta última iniciou uma disputa judicial que chegou à Casa de Suplicação de Lisboa, em 1698, em defesa do uso de tumba própria sem a obrigação de pagar à Misericórdia, com ganho de causa para a Santa Casa (Russell-Wood, 1981, p. 153; p. 166-172).
Ainda na Bahia, parte das discordâncias e conflitos daí decorrentes se deveu não apenas aos privilégios detidos pela Santa Casa, mas ao fato de esta ter feito concessões às irmandades dos pretos mulatos, permitindo que pudessem usar seu próprio esquife nos funerais dos seus irmãos. Segundo Russell-Wood, a primeira a obter o privilégio, em 1649, foi a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, formada por mulatos cativos e livres, com a condição de que todos os irmãos forros fossem enterrados pela Misericórdia, de que o uso da essa/tumba não significava que a irmandade tivesse sua propriedade e que a Santa Casa pudesse retirar o privilégio a qualquer momento (Russell-Wood, 1981, p. 173).
Em 1656, a Irmandade de Nossa Senhora de Guadalupe, de escravos mulatos, obteve o mesmo privilégio após sua reivindicação, assim como a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Esta, no entanto, teve o privilégio revogado em 1694 por conduzir pessoas não irmanadas, cujos registros seriam falsificados pelo escrivão da irmandade. Após aceitar que não detinha a propriedade da tumba, a associação retomou o privilégio de seu uso para condução à sepultura apenas dos seus irmãos mortos. Entretanto, os conflitos continuaram na primeira metade do século XVIII, diante da representação da irmandade do Rosário ao Rei para que tivesse o privilégio de tumba própria e que esta fosse coberta. Em 1722, a Misericórdia ganhou mais essa causa, resguardando seus privilégios; mas em 1736, os pretos da irmandade de São Benedito conseguiriam do Rei a anuência para ter o privilégio de uso de tumba, desde que exclusivamente para o enterro dos irmãos e que notificassem a Misericórdia antes do enterro. Apesar da posição contrária da Santa Casa durante o processo judicial, ela perdeu, pela primeira vez, o poder de influir na decisão monárquica (Russell-Wood, 1981, p. 174).
Em que pese a derrota, o fato é que, diferentemente da negativa para uso de tumba às irmandades de brancos, a Misericórdia da Bahia concedera tal privilégio a quatro irmandades de pretos e mulatos, o que, segundo Russell-Wood, era uma forma de ela se livrar da obrigação moral de sepultar todos os escravos da Bahia (Russell-Wood, 1981, p. 174).22 No entanto, estes representavam uma parcela minoritária do conjunto de cativos, uma vez que ser membro de uma irmandade era em si uma distinção entre os livres e brancos (Campos, 2004, p. 176) e para escravos e seus senhores, principalmente se os cativos ocupassem algum cargo na associação (Reis, 1991, p. 151; Reginaldo, 2011, p. 215). A possibilidade de um escravo fazer parte de uma das irmandades de homens pretos requeria um investimento material e um capital relacional construído pelos cativos, por vezes, em associação com o seu senhor. Como observou João Fragoso, ao analisar as relações de apadrinhamento de cativos pelos seus senhores e por sua parentela, a construção desse capital relacional recriava diferenças e hierarquias entre os próprios escravos (Fragoso, 2007, p. 109-111). Portanto, as irmandades de pretos funcionavam também como locais de reprodução de hierarquias típicas de sociedades perpassadas pela cultura política do Antigo Regime (Engemann; Assis; Florentino, 2003, p. 197-199; Rodrigues; Soares, 2023, p. 376; Soares, 2019, p. 129-130; Soares, 2000, p. 165), situação que se fez presente na irmandade do Rosário do Rio de Janeiro nos conflitos nos quais ela se envolveu nos séculos XVII e XVIII em torno do privilégio do uso de esquife.
OS IRMÃOS DO ROSÁRIO DO RIO DE JANEIRO E A SUA “IMEMORIAL” POSSE DO ESQUIFE
Criada em 1639, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário se uniu aos pretos da irmandade de São Benedito, em 1668, e compartilhou com esta um altar lateral da igreja matriz de São Sebastião, no alto do Morro do Castelo. Em 1676, a igreja foi elevada à condição de Sé do recém-criado Bispado do Rio de Janeiro e, em 1684, tornou-se o local de instalação do Cabido, colegiado de sacerdotes a quem competiria realizar as funções litúrgicas mais solenes da Catedral, cabendo-lhe assegurar o culto solene na Sé mediante a participação cotidiana dos seus membros na recitação das horas canônicas em coro e nas missas, especialmente nas presididas pelo Bispo, além de assumir as funções de auxílio no pastoreio do bispado (Araújo, 1820, p. 224; Barbosa, 2020, p. 45; Costa, 1886, p. 4; p. 27-31; Leão Filho, 2021, p. 4).
O Cabido compunha a alta hierarquia eclesiástica católica na cidade do Rio de Janeiro. Conforme a vida catedralícia se consolidava na Sé, os cônegos começariam a restringir cada vez mais as atividades religiosas da irmandade de Nossa Senhora do Rosário, exigindo seus títulos, compromissos e relação de objetos de culto em seu altar lateral (as alfaias). Os atos da irmandade dos pretos deveriam ser informados ao Cabido, realizando suas atividades apenas mediante sua autorização. Talvez, por força dessas pressões, a irmandade elaborou compromisso, aprovado em 22 de março de 1669 (Costa, 1886, p. 4), o qual não localizamos23 e cujo acesso nos permitiria identificar menção à posse de esquife. De todo modo, considerando que desde 1605 a Misericórdia do Rio de Janeiro possuía o monopólio do uso de tumbas, acreditamos que do início do funcionamento da Irmandade do Rosário nos anos de 1640 até o final do Seiscentos os pretos podem ter recebido permissão da Misericórdia para uso de esquife próprio, provavelmente te seguindo caminho semelhante ao ocorrido em relação à Bahia, como analisado anteriormente.
Essa hipótese se baseia no fato de que em dezembro de 1687 os irmãos do Rosário receberam uma notificação da Santa Casa da Misericórdia para deixarem de usar o esquife com o qual costumavam conduzir seus afiliados à sepultura, o que significa que provavelmente possuíam autorização para tal, pois não faz muito sentido que, após solicitar às autoridades monárquicas o privilégio do uso de tumbas e esquifes, a Misericórdia do Rio de Janeiro não tivesse conhecimento de que os pretos do Rosário faziam uso do objeto para conduzir seus irmãos à sepultura. Diante da proibição imposta pela Misericórdia, Antônio Mendes, juiz de Nossa Senhora do Rosário; Pedro dos Reis, juiz de São Benedito; juntamente com Agostinho Rodrigues e Thomas de Barros, respectivamente tesoureiro e procurador da irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, peticionaram pela manutenção do uso do esquife, dispondo-se a assinar um termo de obediência às condições estabelecidas pela Santa Casa para a manutenção daquele uso. Para selar o acordo, compareceram ao Consistório da Santa Casa da Misericórdia, em 14 de dezembro de 1687, e assinaram documento se comprometendo a utilizar o esquife apenas para o enterro dos seus irmãos pretos. Para o sepultamento “dos mais pretos” ou mesmo de pessoas brancas, deveriam primeiro dar satisfação à Misericórdia de que fariam o transporte, juntamente com o pagamento da esmola ordinária da tumba da Santa Casa, no valor de um cruzado (400 réis), por cada vez que fossem usar o esquife.24
Na trasladação do Termo assinado pelos pretos do Rosário e São Benedito não foi explicitado o que teria motivado a notificação da Misericórdia. No entanto, é possível cogitar que se deveu ao descumprimento das condições pelas quais a Santa Casa teria permitido o uso de esquife pela irmandade dos pretos, se considerarmos o novo entrevero surgido entre as duas associações, em 1698, dessa vez com menção explícita do descumprimento por parte da irmandade do Rosário das condições estabelecidas pela Misericórdia para a manutenção do uso do esquife. O fato motivador ocorreu em 9 de julho, quando o juiz, o escrivão, o tesoureiro e mais irmãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos pretos fizeram uso do esquife para enterrar Ângela Almeida, uma mulher branca que falecera apressadamente “de uma pancada que se lhe deu na cabeça”. Não fica claro se ela era afiliada, mas eles a teriam carregado e enterrado “sem licença alguma da dita Santa Casa” e sem fazer o pagamento dos 400 réis. O caso foi parar na Ouvidoria do Rio de Janeiro e, seis meses depois, após a conclusão dos autos, foi promulgada a sentença de 13 de janeiro de 1699 que condenou a irmandade do Rosário a restituir a posse do esquife à Santa Casa da Misericórdia e a pagar as custas do processo. O texto que prolatou a sentença não deixa claro se a Santa Casa da Misericórdia voltou a fazer novo acordo de concessão do uso do esquife aos pretos do Rosário e S. Benedito, tampouco localizamos dados sobre os desdobramentos dessa derrota jurídica dos irmãos do Rosário no início do século XVIII.25
O último quartel do século XVII foi um período em que irmandade do Rosário se defrontava não só com a Misericórdia, mas também com o Cabido pela manutenção de suas práticas cotidianas. Os atritos com os capitulares pioraram quando, além das exigências anteriormente mencionadas, foi determinado que a irmandade do Rosário e São Benedito pagasse ao Cabido pela realização de seus atos divinos, inclusive pela obtenção de sepultura para os irmãos falecidos que fossem alocados nas covas pertencentes à paróquia situada no templo da Sé, o que levou o sodalício a pleitear a isenção de tal pagamento, recebendo decisão favorável do chantre João Pimenta de Carvalho, em 12 de novembro de 1687, que concedeu autorização monocrática (sem consulta ao colegiado do Cabido), dispensando a irmandade do pagamento da esmola de uma pataca, 320 réis, por cada sepultura aberta nas covas da fábrica. Essa ação teria causado desgosto ao restante do Cabido que, por esse motivo, intensificou as demandas contra a irmandade do Rosário, devido às perdas financeiras que a gratuidade ocasionaria para a fábrica da paróquia (Barbosa, 2020, p. 35-36; Leão Filho, 2021, p. 4).
A isenção obtida pela irmandade de pretos seria o estopim para a intensificação dos conflitos com o Cabido, ocasionando pressões deste colegiado junto ao bispo para a dissolução da irmandade. Diante dos fatos, os irmãos do Rosário decidiram buscar outra capela para se instalar ou construir igreja própria, o que foi possível a partir de 1700, mediante a doação de um terreno por Dona Francisca de Pontes, uma devota de Nossa Senhora do Rosário, situado no Campo de São Domingos, numa área ainda erma da cidade (Barbosa, 2020, p. 35-36; Costa, 1886, p. 7-8; Leão Filho, 2021, p. 4). A irmandade requereu ao Rei licença para construção de sua igreja e por meio do alvará de 14 de janeiro de 1700 obteve a autorização, que também incluiu a permissão para celebrar os ofícios divinos com sacerdotes de sua escolha, isentando-a da obrigação de notificar o Cabido de suas atividades, de ter capelão capitular e de pagar pelo uso das covas da fábrica da Sé no alto do morro do Castelo até que sua capela fosse erguida, decisões que tornavam a irmandade independente da jurisdição paroquial durante esse período, “por não ser justo que tendo edificado igreja capaz de se enterrarem nela os irmãos e cemitério onde se enterre os que não forem, fique onerada com os referidos encargos”.26
Em 1708 foi feita a bênção do terreno e a colocação da pedra fundamental para o início das obras, para as quais a irmandade conseguiu reunir mais de sete mil cruzados por meio de doações, além de auxílio financeiro do governador Luiz Vahia Monteiro, que foi Juiz da irmandade em 1728, e da doação de uma capela existente nos fundos da igreja que estava sendo erguida, de propriedade de João Machado Pereira. Segundo Joaquim José da Costa, não se sabe ao certo quando a obra do corpo da igreja foi finalizada, mas em 1736 já se celebravam atos religiosos na capela mor (Costa, 1886, p. 58).
O momento em que os pretos do Rosário e São Benedito inauguraram sua igreja fez parte de um contexto de expansão da malha de templos próprios construídos por irmandades de homens pretos na cidade do Rio de Janeiro, em meados do século XVIII, coincidindo com o contexto da mineração, economicamente favorável à acumulação de riquezas tanto para livres quanto para forros da freguesia da Sé (Tostes, 2018, p. 135-136). A título de exemplificação, citamos o caso do preto forro Manoel do Santos Martins, que era irmão de Santo Elesbão e Santa Efigênia e em seu testamento, redigido em 1751, afirmou ter emprestado dinheiro à sua irmandade para construção de seu templo. Vale ressaltar que esse sodalício havia adquirido o terreno em 1745, mediante o concurso dos irmãos, e conseguido provisão para a construção de sua igreja em 1747 (Oliveira, 2008, p. 259). Demonstrando igual preocupação e zelo com o templo de suas irmandades, a preta forra Cristina de Almeida, da Costa da Mina, falecida em 1751, deixou 10$000 para ajuda nas obras da igreja de Nossa Senhora do Rosário e igual quantia para a de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte no seu testamento comentado no início deste artigo.27
A construção de seu próprio templo permitiu que a irmandade do Rosário e São Benedito afirmasse certo grau de autonomia da associação, mas não demorou muito tempo para que voltasse a ter conflitos com o Cabido, tendo em vista que sua igreja recém-construída foi escolhida para sede da Sé, diante da decisão de esta deixar o alto do morro do Castelo e se instalar na várzea, mais próxima do espaço onde a maioria das igrejas e instituições coloniais se localizavam, sob alegação de problemas estruturais na igreja de São Sebastião. A conflituosa convivência com o Cabido, instalado, agora, na sede da irmandade de pretos, se daria entre 1737 e 1808 (quando finalmente os capitulares deixaram a igreja do Rosário em direção à nova Igreja da Sé, na antiga igreja do Convento dos Carmelitas).28
Até que retomassem o controle sobre seu templo no início do século XIX, os irmãos do Rosário e São Benedito enfrentaram o Cabido por sete décadas, disputando o exercício da sua autonomia. Nesse processo, passaram a recorrer diretamente ao rei, numa intensa produção de requerimentos e representações para garantir a autonomia da gestão de seu templo e seus rituais (Barbosa, 2020, p. 48-108). É possível que, com isso, tenham passado a conduzir as antigas demandas com a Misericórdia pelo uso do esquife, fazendo uso da comunicação política com a Coroa portuguesa para alcançar seus objetivos, da mesma forma que agiam em relação ao Cabido.
A IRMANDADE DO ROSÁRIO E O RECURSO À COROA NA DEFESA DO PRIVILÉGIO DA POSSE DE ESQUIFE
Para a irmandade do Rosário, a manutenção da condução dos corpos mortos de seus irmãos em esquife próprio denotava questões importantes. A visibilidade do cortejo de alguns confrades pelas ruas da paróquia da Sé expressava o prestígio da irmandade em relação às demais associações e, em particular, em relação às outras associações religiosas de pretos e pardos. Mas é possível cogitar que, no interior da irmandade, o acesso ou não ao uso do esquife também fosse um fator de diferenciação entre os irmãos. Um caminho que talvez possa nos aproximar dessas questões é a análise dos registros de óbitos, pois se os testamentos nos permitem observar o desejo dos irmãos, os óbitos nos permitem ver a execução ou não daquilo que foi solicitado. Uma observação a ser feita, contudo, é que os óbitos nos permitem tão somente uma aproximação, já que os registros por nós analisados não explicitam o termo “esquife” ou “tumba” na descrição do funeral do paroquiano falecido.
Em que pese a ausência desses objetos nos assentamentos paroquiais da freguesia da Sé, é possível cogitar a sua presença em registros pontuais com menção de que o morto foi encomendado pelo pároco e mais sacerdotes e por eles “acompanhado” ou “conduzido” à sepultura “em andor” ou “em enterro”. São pontuais, pois não aparecem na maioria dos assentamentos, sugerindo que ocorreu um funeral diferenciado, no qual se realizou um cortejo fúnebre. A menção do assentamento do óbito, de que a encomendação do corpo à beira da sepultura ocorreu mediante a presença de mais de um sacerdote, configurava a chamada “encomendação solene”, geralmente presente num funeral com pompa. Tais situações demandavam, além da esmola paga ao pároco ou seu coadjutor, o pagamento de padres extras e a aquisição de tochas e velas, dentre outros elementos materiais e rituais desses funerais, gerando um gasto que os diferenciava dos demais realizados na cidade (Reis, 1991, p. 142-144; Rodrigues, 2022b, p. 311-312). Como afirmou Alcântara Machado, a pompa estava na razão direta do acompanhamento, com o “desfile completo de clérigos e confrarias, com os guiões, cruzes e bandeiras do estilo”, havendo testadores que solicitavam “todo acompanhamento que for possível... todos os sacerdotes que nesta vila estiverem... com a bandeira e cera que houver” (Machado,1972, p. 208). Nesse sentido, as menções dos registros aos termos que fazem remissão a acompanhamento e/ou cortejo serão, pois, interpretadas por nós como sinal de ter havido cortejo fúnebre e, por conseguinte, uso do esquife, se considerarmos a afirmação do início deste artigo sobre esse ser um objeto utilizado diferenciadamente em alguns funerais como forma de dar visibilidade ao prestígio de determinados falecidos. Para identificar essa questão, recorremos à análise de uma amostragem de 2.380 assentamentos de óbitos referentes a todos os registros de três livros paroquiais da freguesia da Sé, situados entre 1701 e 1758. Em termos de marcadores sociais, 76,51% (1.821) dos registros não mencionaram a condição jurídica do falecido; 11,72% (279) foram identificados como escravos; 10,71% (255) foram mencionados como forros e 1,05% (25) foram denominados livres. Apesar de a quantidade de escravos ser levemente superior à de forros, nenhum deles foi à sepultura com menção de terem sido acompanhados ou conduzidos em andor ou enterro. O único sinal de diferenciação entre os cativos de nossa amostragem é o de que 1,43% deles contaram com a presença de mais de um sacerdote na encomendação, enquanto 64,87% foram encomendados por um sacerdote (em geral, o coadjutor da paróquia). No caso dos egressos do cativeiro, 0,71% tiveram menção a acompanhamento ou condução em enterro ou andor, 9,01% citaram a encomendação do falecido por mais de um sacerdote e 32,15% por apenas um padre.29
Apesar de não ser possível identificar quais escravos e forros da amostragem pertenciam a uma irmandade (pois esse dado não era mencionado no assentamento de óbito), é muito provável que uma fração desses negros fosse filiada a elas e, a nosso ver, seriam justamente os libertos, cujos funerais contaram com os dois sinais de distinção aqui considerados: realização de acompanhamento/cortejo e encomendação por mais de um sacerdote. Como os dados sugerem, a manutenção do privilégio do uso do esquife por uma irmandade de pretos, portanto, não significava na prática que todos os irmãos teriam acesso a ele. Isso nos remete às diferenciações internas entre os cativos e os libertos nas irmandades de pretos (cuja filiação, por si só, já representava um nicho naquela sociedade escravista), que se expressavam também na ocupação dos cargos de direção da agremiação. É muito provável que os ex-cativos tenham dominado as mesas administrativas nas irmandades de pretos, embora ainda careçamos de estudos mais específicos sobre a questão da ocupação dos cargos entre libertos e cativos no interior dessas irmandades. Ao analisar a devoção mercedária associada aos crioulos em Minas Gerais, entre 1740 e 1840, Vanessa Cerqueira Teixeira apresenta dados bastante interessantes sobre a Irmandade da Mercês da Paróquia de Antônio Dias, que confirmam a impressão que Russell-Wood havia apresentado em estudo anterior. Em relação ao cargo máximo da associação mineira, 64 forros foram eleitos juízes, enquanto 28 escravos atingiram o posto; 105 forros foram eleitos irmãos de mesa, contra 45 escravos que ocuparam a posição. Com relação ao cargo de tesoureiro, que exigia não só o domínio da escrita formal, mas a prodigalidade de recursos para socorrer a irmandade diante de dificuldades financeiras, 13 forros exerceram a função, enquanto somente um escravo ocupou o cargo (Russell-Wood, 2005, p. 206; Teixeira, 2022, p. 307).
Embora os compromissos dessas irmandades não explicitassem diferenças entre irmãos escravos e libertos, elas pareciam de fato existir, ligadas à ocupação dos cargos, no que dizia respeito ao acesso ao esquife. Os exemplos no início deste artigo disseram respeito prioritariamente à manifestação de ex-escravos, embora seja evidente que a documentação testamentária não se preste à análise dos escravos, uma vez que não podiam testar. Todavia, tendemos a acreditar que na prática o esquife seria utilizado majoritariamente para os cadáveres dos libertos na irmandade do Rosário e São Benedito do Rio de Janeiro e, especialmente, para um seleto grupo de libertos que, a se considerar os dados dos testamentos citados anteriormente, tivessem mais posses e recursos materiais. Esse fato pode ser verificado não apenas nos bens que mencionaram ter (inclusive cativos), mas igualmente nas menções ao desejo de terem seu cadáver conduzido no esquife da irmandade e acompanhando por vários sacerdotes, além da “contratação” de pobres para acompanharem o cortejo mediante o pagamento de esmolas (enquanto José Dias não especificou o valor da esmola, Francisca Vieira determinou a distribuição de 3$200 réis). Uma aproximação das hierarquias internas na irmandade é a que consta no capítulo 19 do seu compromisso de 1759, que fazia uma distinção na distribuição dos sufrágios aos irmãos e na diferenciação de seus locais de sepultura no interior de sua igreja, como podemos verificar abaixo:
É esta irmandade obrigada a mandar dizer pela alma de qualquer irmão que tiver servido de Juiz ou Juíza, tanto de Nossa Senhora como de São Benedito 24 missas, e morrendo no tempo em que atualmente estiverem servindo, como depois, serão sepultados na Capela Mór junto aos presbíteros, e os que tiverem servido de Escrivão, Tesoureiro e Procurador de Juízas do Ramalhete, dezesseis missas, e serão sepultados na Capela Mór mais abaixo dos Juízes; e os que forem de Mesa terão doze missas e serão abaixo do Arco do Cruzeiro e os Reis e Rainhas terão 26 missas e o serão logo na boca do Arco do Cruzeiro, e os que não tiverem ocupado cargo algum se lhes dirão dez missas por sua alma, e serão sepultados no corpo da Igreja.30
Aos irmãos de maior destaque que haviam servido à irmandade determinava-se uma quantidade de maior de missas, além de suas sepulturas estarem na ou mais próximas da capela-mor e hierarquizadas daí por diante. Acreditava-se que essa proximidade do altar-mor facilitaria a intercessão dos santos pela alma do irmão ali inumado, ao mesmo tempo que demarcava o maior status do morto. Mais distante do altar-mor, menor o prestígio (Campos, 2004, p. 172-178; Reis, 1991, p. 174-181; Rodrigues; Soares, 2023, p. 366). A se considerar a tendência de os forros ocuparem maior quantidade de cargos, era mais propenso que recebessem maior quantidade de missas e ocupassem as sepulturas mais prestigiadas do templo. Nessa mesma linha, podemos compreender os dados dos registros de óbitos que apontam para maior frequência da encomendação por mais de um sacerdote e da existência de cortejo fúnebre entre os ex-escravos da paróquia da Sé do Rio de Janeiro.
Estamos tratando de uma questão que diz respeito às definições de jurisdições, privilégios, precedências e hierarquias. A disputa na qual os irmãos do Rosário se envolveram com a Santa Casa da Misericórdia para manter o privilégio do uso de esquife próprio revela como a irmandade dos pretos pretendia afirmar graus de autonomia naquela sociedade escravista, defendendo privilégios conquistados, mas também afirmando sua precedência sobre outras irmandades de pretos, além de guardar relação com as hierarquias internas ao próprio sodalício. Como afirmou João José Reis, entre “os acessórios funerários, aquele em que se conduzia o cadáver era o que melhor definia a dignidade da morte e a disputa em torno da tumba simbolizava desigualdades e tensões sociais profundas, “que nem a morte podia apagar” (Reis, 1991, p. 149). Tais questões vão ao encontro das afirmações de Lahon e Reginaldo de que, para além do papel religioso e de ajuda mútua, a importância e a forma do exercício de poder protagonizado pelas confrarias negras adquiriram um significativo diferencial naquela sociedade escravista ao buscar — e por vezes conquistar — privilégios régios (Lahon, 1999, p. 129-130; Reginaldo, 2011, p. 86-89 ).
Ao entrarem em confronto com a Santa Casa pelo uso de esquife próprio, os irmãos do Rosário da cidade do Rio de Janeiro estariam também dando conta dessas hierarquias intra corpore que reiteravam privilégios e naturalizavam a ideia de diferença. Essas questões de âmbito local, ao expressarem as assimetrias que caracterizavam uma sociedade escravista e corporativa, reiteravam disputas entre instituições corporativas que acabavam por requerer a regulação da monarquia (Monteiro; Consentino, 2017, p. 447). Acreditamos que essa mediação realizada pela Coroa tinha um papel importante não só entre instituições, mas igualmente no interior delas. Portanto, por trás do conflito da irmandade do Rosário com a Santa Casa, uma miríade de problemas se descortinava no século XVIII.
Embora não tenhamos informações até este momento sobre os desdobramentos daquela derrota jurídica do Rosário para a Santa Casa, em 1699, supomos que de alguma forma a irmandade dos pretos seguiu levando seus afiliados à sepultura em seu esquife. Os casos aqui citados dos testadores da irmandade que solicitaram ser conduzidos à sepultura no esquife da irmandade indicam que, naqueles anos de 1740 e 1750, a irmandade mantinha o uso do objeto. A dúvida é se ela pagava a esmola de 400 réis pelo enterro dos irmãos, como exigido pela Santa Casa. Embora não tenhamos dados específicos sobre isso, nos parece relevante um trecho do capítulo 20 do Compromisso da irmandade dos pretos de 1759 que tratava do tema do esquife ao mencionar que logo “que se fundou esta Irmandade, e se foi estabelecendo o aumento dela”, os irmãos “principiaram a ter o seu esquife o qual o conservaram sempre no tempo de mais de sessenta e seis anos, sem dele pagarem contribuição alguma”, o que ordenavam que fosse mantido.31
Feitas as contas do período de uso do esquife sem pagar “contribuição alguma” que os irmãos do Rosário fizeram questão de registrar no seu estatuto, chegamos ao final do século XVII, coincidindo com o contexto analisado anteriormente. O que sugere que, como desdobramento do processo de 1699, a irmandade dos pretos parece ter sido pressionada pela Misericórdia a pagar pelo uso do esquife nos primeiros anos do Setecentos, reeditando os conflitos vividos décadas antes. Até o momento não localizamos nenhum documento que evidencie o retorno do embate jurídico. Possivelmente, devido a novas tentativas de interdição da Santa Casa da Misericórdia, os pretos do Rosário reforçaram o recurso diretamente ao rei, abrindo, ao que parece, uma nova dinâmica de ação em defesa do uso do esquife, como verificamos nos seguintes requerimentos enviados ao rei na metade da década de 1740.
Em 12 de dezembro de 1744, o Procurador da Coroa encaminhou ao Conselho Ultramarino um requerimento do Juiz e mais irmãos de Nossa Senhora dos Pretos da cidade do Rio de Janeiro, dirigido ao Rei D. João V, por meio do qual pediam a posse de uns terrenos, a entrega de documentos e “que lhe [fosse] mantido o privilégio de terem o seu esquife para enterros dos irmãos”. O requerimento iniciava-se afirmando “que há inumeráveis anos” haviam erguido sua irmandade de pretos, cativos e forros, mediante licença e confirmação Real. Posteriormente, “levantaram um muito suntuoso templo à Santíssima Virgem”, que causou inveja ao Cabido do Rio de Janeiro, que ocupou sua igreja. Nesse templo, os irmãos “se ocupa[va]m em exercícios devotos, e festas solenes, para aproveitamento das próprias almas, e confusão manifesta do gentilismo”; o que lhes permitia atrair “muitos irmãos” naquela “pia congregação para participarem do efeito das indulgências e exercícios em vida” e, depois da morte, “das orações e sufrágios”. Para isso, “desde seu princípio teve esquife para enterrar os irmãos, e esse princípio ou foi antes de haver a Santa Casa da Misericórdia ou ao menos no mesmo tempo” (grifo nosso). No entanto, “os irmãos da Santa Casa lhe quer[ia]m impedir o tal esquife”.32
Prosseguia o requerimento dos pretos afirmando que por meio daquela posse “tão dilatada” dos “irmãos do Rosario pobres comumente se lhes evita[va] o dispêndio de um cruzado por cada qual para a Santa Casa, enterrando-se por meio do esquife sobredito”. Diante disso, achavam “estranhável” que a Santa Casa quisesse proibir o seu uso “por meio de uma notificação sem usar dos meios ordinários para convencer possuidores tão antigos”. Pediam, pois, que o Rei se dignasse lhes conceder por graça a conservação do dito esquife, “sem embargo da contradição da Misericórdia” e da demanda que esta movia contra os pretos, em atendimento à “posse tão justa e dilatada” dos irmãos do Rosário, visto ser o Rei “protetor pio dos cativos e humildes” que promoviam os “cultos da Senhora do Rosário incitando com as mercês para que se aumente, e afervore uma congregação tão pia”.33
O vocabulário presente na argumentação da irmandade do Rosário era característico das petições que as corporações, entre elas as confrarias, enviavam à monarquia portuguesa. Foram invocados direitos vistos como precedentes, projetando inclusive a sua anterioridade à criação da Santa Casa para justificar o caráter imemorial do uso do esquife, solicitando a reiteração de privilégios e regalias (Monteiro; Consentino, 2017, p. 439). Apelava-se para a proteção régia por serem os irmãos pobres. Mas, ao mesmo tempo, esses irmãos pobres diziam ter construído uma suntuosa igreja em homenagem à Santa Virgem. Tanto que ela foi cobiçada pelo Cabido que para lá se transferiu. Ou seja, recorria-se a um vocabulário processual retórico segundo o qual a ideia de pobreza era invocada como uma categoria que não necessariamente era sinônimo de falta de recursos materiais. Pobreza, na acepção moderna, era uma forma de distinguir os pobres meritórios — que deveriam ser ajudados — dos pobres indignos — excluídos de qualquer possibilidade de serem assistidos. Ao se aplicar essa leitura a indivíduos e instituições, estabelecia-se uma hierarquia por meio da qual nem todos deveriam ser atendidos, afirmando-se que só um grupo reduzido entre os pobres deveriam receber atenção e assistência (Franco; Patuzzi, 2019, p. 9). Os irmãos do Rosário colocavam-se na situação de pobres meritórios, até pelo fato de sua igreja estar servindo como Sé da freguesia, cabeça da principal paróquia da cidade, abrigando o Cabido. Ao mesmo tempo, avaliavam o seu peso na estrutura corporativa da cidade, percebendo que para a reiteração do ideal do “bem comum”, o rei poderia agir com liberalidade e caridade em relação a eles, mesmo que para isso tivesse que contrariar a poderosa Santa Casa da Misericórdia.
Alegavam ser “estranhável” que a Misericórdia tentasse proibir o uso do esquife por meios não ordinários, talvez entendendo que eles não passaram pelo crivo da anuência real. Diferentemente do encaminhamento do final do século XVII, os pretos decidiram solicitar a mediação da coroa portuguesa, talvez a fim de não se sujeitar às instâncias das autoridades locais, que lhes havia imposto a derrota de 1699. Levaram suas demandas diante da Coroa, procurando fugir dos conflitos locais, e esperavam que a palavra do rei pudesse, como por vezes ocorria, atender às suas súplicas enquanto súditos. Com isso, percebe-se que os grupos vistos como subalternos, nesse caso em comparação com os irmãos da Misericórdia, dominavam as taxonomias sociais de representação e as utilizavam na defesa de seus interesses e privilégios que julgavam possuir (Monteiro; Cosentino, 2017, p. 444; p. 452). No despacho dado a esse requerimento, é mencionado que os suplicantes não justificaram “por modo algum” a sua posse, ou seja, não teriam apresentado documentação demonstrando a antiguidade que alegavam ter que lhes justificasse não terem que pagar pelo uso do esquife. O despacho monárquico mencionou que, para se deferir com isenção, se mandasse carta para o governador do Rio de Janeiro para que este se posicionasse sobre o fato.34
Possivelmente pela incompletude da petição, meses depois, os irmãos do Rosário entraram com novo requerimento ao rei para conservarem o uso do esquife. A especificidade desse novo documento é que, talvez, por não conseguirem ter documento que atestasse sua antiga posse, carregaram nas tintas do texto ao buscar reforçar o tempo pelo qual faziam uso do objeto e o serviço que prestavam ao Estado português por estarem irmanados. Para demonstrar o quanto eram meritórios, destacaram que aquela irmandade “foi ereta há imemoráveis anos com consentimento do ordinário e aprovação de V. Majestade” e “para melhor servirem a Deus, erigiram e fabricaram sua própria igreja na qual praticavam “santos exercícios para aproveitamento de suas almas e confusão da gentilidade que continuamente vem da África e Guiné para aquela cidade”. A adesão à religião do Rei era frisada, ao mencionarem que, “instruídos na Santa Fé, e batizados”, procuram logo se irmanar para “exercitar os seus naturais”, manifestando “o zelo com que serv[iam] a Deus e a Virgem Senhora do Rosário”.35
Segundo eles, “desde o princípio da ereção da dita irmandade tiveram sempre esquife próprio em que levavam a enterrar à sua igreja somente os seus irmãos cativos e forros sem contradição nem proibição de pessoa alguma por conhecerem o seu grande zelo e suma pobreza”. No entanto, estando “nesta posse imemorial mansa e pacificamente”, há alguns anos os irmãos da Santa Casa da Misericórdia começaram a os inquietar, “proibindo-lhe o uso do seu esquife para enterro de seus pobres e miseráveis irmãos com o fundamento de que diziam ser deles a sepultura na tumba da dita Santa Casa” e lhes cobrando a esmola da tumba por meio “de força e violência grave”, “sem atenderem à miséria dos suplicantes, que nada possu[íam]”. Devido à sua pobreza, suplicavam a “Real Piedade” de Sua Majestade para que lhes concedesse a mesma graça que havia concedido não só às irmandades de N. Sra. do Rosário de todas as freguesias da cidade da Bahia, mas também à irmandade de S. Benedito da mesma cidade,” como faziam constar do documento que apensaram ao seu requerimento.36
Em 30 de julho de 1745, Alexandre de Gusmão e Thome Joaquim da Costa Corte Real, conselheiros do Conselho Ultramarino, determinaram que se informasse ao Ouvidor Geral da cidade do Rio de Janeiro, Manuel Amaro Pina de Mesquita Pinto, para que este ouvisse a Mesa da Misericórdia sobre o assunto,o que foi feito em 18 de janeiro de 1746 e a Misericórdia passou a redigir sua resposta ao Ouvidor Geral. Se a irmandade do Rosário do Rio de Janeiro anexou a Provisão Régia de 1736, por meio da qual se concedeu aos irmãos de São Benedito estabelecida no Convento de São Francisco da Bahia a permissão para terem tumba para conduzir seus irmãos defuntos, o Provedor da Santa Casa, o Mestre de Campo Mathias Coelho de Souza, determinou que o escrivão, José Borges Reymondo — Cavalheiro Fidalgo da Casa de Sua Majestade e professo na Ordem de Cristo, Cidadão desta cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro — transladasse uma série de documentos a serem enviados ao Rei, dos quais constavam os documentos já mencionados anteriormente neste artigo: a Sentença Apostólica de 1593 a favor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que reconheceu o seu privilégio de só ela poder usar de tumba nos enterramentos naquela cidade; o Alvará de 1605, por meio do qual a irmandade do Rio de Janeiro poderia gozar e usar de todas as Provisões e Privilégios concedidos à Misericórdia de Lisboa em 1593; a Resolução de 14 de dezembro de 1687, pela qual os pretos do Rosário e São Benedito se comprometeram a pagar pelo uso do esquife; e uma certidão extraída do processo judicial pendente entre as irmandades da Misericórdia e a de Nossa Senhora do Rosário (mencionado anteriormente, relativo a 1698). Esses documentos foram anexados à resposta que a Santa Casa encaminhou ao Ouvidor do Rio de Janeiro em 29 de março de 1746.
Num texto extremamente ácido, argumentou que antes de demonstrar a “falsidade” da súplica da irmandade de Nossa Senhora do Rosário, era preciso expor o direito que cabia apenas à Misericórdia da denegação do uso de tumba nos enterramentos que ocorressem na cidade do Rio de Janeiro a qualquer outra irmandade. Afinal, era “notório que a Irmandade da Misericórdia desta Santa Casa é a mais antiga que há nesta cidade, e por esta razão tem precedência em todos os lugares”, dada a sua utilidade ao bem comum por socorrer a pobreza com a caridade que exercitava e as obras pias que praticava no seu hospital, aos pobres presos e outras que lhe demandavam considerável despesa.37
Dito isso, rememorou todos os privilégios alcançados e que lhe permitiam só e unicamente a ela poder usar tumba, dando início a trechos em que usou termos em latim como argumento de autoridade. Continuou alegando que os privilégios por ela possuídos proibiam as mais irmandades e confrarias da cidade do Rio de Janeiro de possuir tumba, dentre as quais a irmandade impetrante (do Rosário), de modo que a alegação desta de que detinha a posse do esquife desde a sua criação era falsa. Segundo a resposta da Santa Casa, ao usar esse argumento em sua petição ao Rei, a irmandade do Rosário fazia uso de engano e, por isso, deveria ser castigada com as penas das Ordenações do Reino. Também era falsa a pobreza que alegavam os pretos, posto que era “notório ser a dita Irmandade Rica e abastada”. Por fim, afirmou que não “assistia justiça” na concessão à irmandade do Rosário, pelo prejuízo que a graça que viesse a ser a ela concedida causaria à Santa Casa, além de ser “contra o direito”.38
Em seu posicionamento dirigido ao Conselho Ultramarino, em 8 de outubro de 1746, o Ouvidor Manuel Amaro Pina de Mesquita Pinto afirmou que, pela certidão que constava entre os documentos juntados pela Misericórdia, havia um litígio dos irmãos do Rosário com a Santa Casa sobre usarem de esquife ou tumba. Segundo ele, ainda estando para se definir a questão “pelo meio ordinário” em que se vincula[va] o direito das partes para juntar os títulos que bem lhes parecesse, lhe parecia que os irmãos do Rosário deveriam “ser conservados na sua posse” enquanto não fossem convencidos do contrário por sentença passada em caso julgado.39 Isso pode ser considerado como uma vitória parcial dos irmãos do Rosário. Não conseguimos identificar a que litígio se referia. Uma das possibilidades é que, eventualmente, a irmandade do Rosário não teria se conformado com a derrota jurídica manifestada na sentença pronunciada pela Ouvidoria Geral do Rio de Janeiro, em 1699, e teria apelado da decisão a instâncias superiores. Mas não temos como comprovar essa hipótese, embora não faça muito sentido que a Santa Casa tivesse dado continuidade a um processo o qual ela teve ganho de causa.
Acreditamos que a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e a Santa Casa da Misericórdia seguiram duelando juridicamente pelo privilégio do uso de esquifes. O último dado que possuímos sobre esse entrevero é um requerimento da Misericórdia à Coroa, de fevereiro de 1749, por meio do qual pediam que os ministros da Justiça não tomassem conhecimento das causas que se movessem contra os privilégios da Santa Casa, solicitando que os que estivessem pendentes fossem arquivados , o que, por si só, indica que ela perseguia a ação de reafirmar seus privilégios de uso de tumba e esquife na cidade, ainda em 1749, e que ainda havia processos judiciais contra seus privilégios.40
O requerimento se iniciou com a referência a todos os já mencionados documentos que ratificavam os privilégios da Misericórdia do Rio de Janeiro sobre o serviço de condução funerária. Menciona a existência de muitas irmandades e confrarias na cidade e que só “de pretos e pardos” se achavam oito em várias igrejas: Nossa Senhora da Boa Morte, da Conceição, São Domingos, S. Benedito, Nossa Senhora do Rosário, das Mercês, Assunção e Lampadosa, das quais, querendo usar de esquife, a de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito foi notificada, em 1687, para não o poderem fazer. Contudo, dentre os irmãos da mesa da Confraria de N. Senhora das Mercês, havia pessoas “apaixonadas e opostas” ao sossego da Santa Casa, que moveram várias demandas no juízo da Ouvidoria Geral, “em gravíssimo desassossego” para a derrogação da sentença que determinava que as irmandades deveriam obedecer aos privilégios da Misericórdia. Embora não tenhamos identificado nenhum documento sobre esse caso da irmandade das Mercês, o Requerimento da Misericórdia afirma que o Ouvidor Geral emitiu sentença em favor dessa irmandade, contra a qual, ao que parece, a Santa Casa apelava na Relação da Bahia. Ainda segundo os requerentes, os mesmos instrumentos jurídicos foram movidos pelos juízes e mais irmãos da confraria do Rosário, em que pese terem assinado o termo a que haviam se sujeitado, em 1687, e passado a “usar do seu esquife livremente”. Em virtude disso, a Santa Casa da Misericórdia entrou com ação contra o Rosário — ao que parece, aquela de 1698 —, obtendo vitória. Nesse momento, o requerimento menciona que “ainda assim não desenganados, recorreram a Vossa Majestade de próximo para que em seu favor os derrogasse [os privilégios da Misericórdia]”.41
Deveriam estar se referindo aos requerimentos que a irmandade do Rosário enviou ao Rei em 1744 e 1745, pois o texto menciona que “sendo ouvidos os suplicantes na dita súplica, na sua resposta, provaram com documentos a injustiça dela” e quanto “careciam de razão e verdade os apaixonados contra a Santa Casa, que para a sua teimosa vingança se emascaravam com essas confrarias de pretos, e pardos para poderem lhe fazer guerra”. Segundo a Misericórdia, todas lhe moviam “demandas injustíssimas, que teimosamente quer[iam] usar de tumbas não só para pretos, e pardos, mas para brancos, e que não são seus irmãos, quando a Santa Casa de Misericórdia” se achava “pronta com tumbas para dar sepultura a todos que se tiverem de enterrar, segundo a sua fortuna, ou a sua sorte, como privativamente lhe é concedido”. Para não prejudicar a assistência que a Misericórdia promovia à pobreza, ela recorria, portanto, à Sua Majestade, pedindo que esta, “como protetora” da Santa Casa, lhe fizesse mercê de mandar que seus ministros não tomassem “nos seus juízos conhecimento de causa que se queira mover contra os privilégios dela, para que não seja perturbada com demandas” em seu “louvável e santo ministério”. Pedia que os processos que se achassem em julgamento ficassem “na forma em que estive[ss]em em perpétuo silêncio, e que os que perturba[ss]em esta paz” pagassem para os pobres da Misericórdia a pena de um marco de prata. Ainda solicitava que “os ministros que não guarda[ss]em esta provisão se lhe [desse] em culpa na residência”.42
No despacho localizado na lateral esquerda desse requerimento consta o trecho “Este Requerimento se deve logo escusar a que os Suplicados sigam as suas causas, e [aplicados?] que correm até maior alçada”.43 Infelizmente, não pudemos acessar ainda os arquivos da Relação da Bahia ou mesmo os da Ouvidoria Geral do Rio de Janeiro para buscar mais detalhes e mesmo desdobramentos desses casos. Apesar disso, o importante a registrar é o modo pelo qual as disputas pelo privilégio do uso de esquifes entre as irmandades de Nossa Senhora do Rosário e da Santa Casa da Misericórdia adentraram as estruturas jurídicas do Império português, atravessando a Ouvidoria, no nível local, e o Conselho Ultramarino, juntamente com a Procuradoria da Coroa, no âmbito externo e mais amplo.
À GUISA DE CONCLUSÃO
Dentre os elementos do funeral católico praticado por diferentes segmentos sociais no Rio de Janeiro colonial dos séculos XVII e XVIII, em busca da “boa morte”, havia formas de se evidenciar as diferenças sociais. Naquela sociedade escravista com traços de Antigo Regime, as hierarquias se faziam presentes de variadas formas por ocasião da morte e da busca pela demonstração da distinção social que se explicitava na pompa fúnebre, presente no cortejo ou acompanhamento e na quantidade de sacerdotes presentes num funeral. Segundo afirmou João José Reis, ao imitar a procissão do enterro de Cristo, o cortejo fúnebre católico teatralizava a viagem do cristão, após a morte, rumo ao reencontro com o Deus vitorioso e, nesse sentido, fazia parte de “um ritual de descompressão tão mais eficaz quanto maior fosse a difusão de signos, quanto mais gestos e objetos simbólicos fosse capaz de produzir. E quanto mais gente pudesse acompanhá-lo” (Reis, 1991, p. 138).
A realização de um cortejo no qual o falecido fosse carregado pelas ruas da paróquia em que residia no esquife de sua irmandade e acompanhado por pároco, vários outros sacerdotes, irmandades religiosas em suas opas, pobres, familiares, parentes, vizinhos e curiosos carregando tochas, tocheiros, velas, dentre outros elementos simbólicos, era ocasião de máxima explicitação da pompa fúnebre. Para além dos significados escatológicos que a mobilização de todo esse aparato possuía, de se obter o máximo de intercessão pela alma da pessoa morta em busca da salvação, essa era uma ocasião de a irmandade mostrar seu prestígio na comunidade, disputar a deferência perante as demais e angariar novos filiados. Anseios esses que nos permitem compreender por que geraram acirradas disputas pela posse do esquife pelos sodalícios, a fim de viabilizar a pompa fúnebre, diante do monopólio do uso do objeto pela Santa Casa da Misericórdia concedido pela Coroa portuguesa desde fins do século XVI.
As disputas pela posse do esquife também incluíram as irmandades de pretos, como a de Nossa Senhora do Rosário da cidade do Rio de Janeiro aqui estudada, num processo que remontava ao século XVII. Pudemos observar que, desde fins dessa centúria, seus irmãos buscavam resguardar o uso e posse do esquife, confrontando-se com a poderosa Santa Casa da Misericórdia e seu monopólio, situação que atravessou várias décadas e culminou em meados do século seguinte num processo que percorreu diversas instâncias da administração do Império português dos dois lados do Atlântico, nos anos de 1740, numa intensa troca de correspondências e decisões monárquicas, em defesa do “uso imemorial” de seu esquife. Para isso, recorreram a diversas estratégias para a afirmação da antiguidade do uso do objeto, paralelamente à insistente desobediência à proibição de terceirizar o uso do esquife, ao alugá-lo a não irmãos e até a brancos, numa prática recorrentemente condenada pela Misericórdia que, em vão, tentava proibi-la.
As notas aqui apresentadas, mais do que conclusivas, têm o caráter de tentar vislumbrar possíveis caminhos para o estudo das irmandades de pretos, procurando, de alguma forma, conectá-lo com os avanços em termos de pensar a dinâmica de funcionamento dos impérios coloniais. Desse modo, acreditamos, como Boxer (1981, p. 263) e Russell-Wood (1981), que as irmandades foram instituições que nos permitem compreender de forma mais ampla a atuação das repúblicas no espaço das conquistas. Embora, posteriormente, tenha-se cobrado de Boxer um certo exagero na equiparação das Câmaras às irmandades, não se pode desconsiderar que ele tenha notado o importante papel que essas instituições tiveram no cenário das conquistas, especialmente as Misericórdias e os privilégios reais por elas obtidos, os quais implicaram na imposição de verdadeiro monopólio, como o do serviço de condução de cadáveres tanto para as elites como para pobres e cativos.
O estudo aqui desenvolvido buscou demonstrar que o exercício desses privilégios atravessou os segmentos sociais e foi perseguido de perto por irmandades de pretos. Estas, a exemplo da do Rosário do Rio de Janeiro, não apenas perceberam a importância de demonstrar sua projeção naquela cidade por meio do uso de esquife na replicação dos funerais pomposos da elite dos “homens bons”, como também se utilizaram da disputa pela posse do tão almejado objeto fúnebre para a manutenção das hierarquias internas, que privilegiavam os irmãos libertos e os detentores de cargos. Foram hábeis na mobilização de um discurso jurídico em defesa de tais privilégios, apresentando-se como meritórios da Graça real para atender aos “pobres cativos”, ainda que, na prática, destinassem o uso para alguns irmãos especiais.
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