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Negação da ditadura e governamentalidade negacionista no Brasil contemporâneo
ALEXANDRE DE SÁ AVELAR
ALEXANDRE DE SÁ AVELAR
Negação da ditadura e governamentalidade negacionista no Brasil contemporâneo
Denial of the dictatorship and negationist governmentality in contemporary Brazil
Varia Historia, vol. 41, e25033, 2025
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais
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RESUMO: O presente texto almeja oferecer um diagnóstico do presente por meio de uma reflexão sobre o negacionismo contemporâneo. Para isso, o artigo percorre dois movimentos. Em primeiro lugar, defino como os discursos e as práticas negacionistas emitidos pela extrema direita bolsonarista se converteram em uma governamentalidade, compreendida, em termos foucaultianos, como um conjunto de procedimentos, cálculos e táticas que produzem uma certa gestão governamental capaz de produzir efeitos de subjetivação que transcendem aqueles gerados pelo simples exercício do poder soberano. Em seguida, com base em falas negacionistas de Bolsonaro como parlamentar, procuro reconstituir como o negacionismo histórico da ditadura militar se converteu em uma questão central para a extrema direita brasileira, especialmente a partir da instituição da Comissão Nacional da Verdade, durante o governo Dilma Roussef. Com isso, pretendo demonstrar que essa modalidade de negacionismo foi decisiva para a construção da identidade política do bolsonarismo e para sua ascensão eleitoral.

Palavras chave: Negacionismo, governamentalidade, bolsonarismo.

ABSTRACT: This article aims to provide a diagnosis of the present through a reflection on contemporary denialism. The text proceeds in two movements. Firstly, it defines how denialist discourses and practices emanating from the Bolsonaro far-right have evolved into a form of governmentality. Drawing on Foucaultian terms, governmentality is understood here as a set of procedures, calculations, and tactics that produce a specific governmental management capable of generating subjectification effects that surpass those derived from mere sovereign power. Secondly, the article reconstructs how Bolsonaro’s historical denialism of the military dictatorship became a central issue for the Brazilian far-right, particularly following the establishment of the National Truth Commission during Dilma Roussef’s presidency. Through this analysis, it aims to demonstrate that this form of denialism was pivotal in shaping the political identity of Bolsonarism and facilitating its electoral rise.

Keywords: Denialism, governmentality, bolsonarism.

Carátula del artículo

ARTIGO

Negação da ditadura e governamentalidade negacionista no Brasil contemporâneo

Denial of the dictatorship and negationist governmentality in contemporary Brazil

ALEXANDRE DE SÁ AVELAR
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Varia Historia, vol. 41, e25033, 2025
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais

Received: 29 August 2024

Revised document received: 12 January 2024

Accepted: 6 December 2024

Funding
Funding source: CNPq
Contract number: 409589/2023-3
Funding statement: Este artigo é a versão modificada de uma apresentação realizada em 2022, na Universidade de Buenos Aires. Sou grato às generosas leituras e contribuições de Lucila Svampa, Maria Inés Mudrovcic, Elias Paltí, Gilda Bevilacqua, Natalia Tacetta, Temístocles Cézar, Arthur Ávila e Mateus Pereira. Agradeço ao CNPq pelo financiamento da pesquisa por meio do Edital Universal (Processo 409589/2023-3).
UM ENSAIO SOBRE O PRESENTE

Este texto assume, sem maiores lamentos ou receios, uma natureza ensaística. Mais do que apresentar argumentos definitivos sobre as ideias aqui propostas, pretendo que elas sejam colocadas em movimento e adquiram novos contornos, formas e conheçam – por que não? – mudanças de rumo, de perspectiva e de horizonte. César Aira (2018, p. 236) define o melhor ensaio como “aquele que presta menos atenção na forma e aposta na espontaneidade e numa elegância descuidada”. Quanto ao segundo objeto da aposta, temo não estar à altura das recomendações do grande escritor, mas ouso investir na sugestão de que este texto se apresenta como uma “tentativa”, ou seja, como uma experiência de escrita que “envolve o processo nuançado de tentar produzir algo” (Wampole, 2018, p. 243).

Apesar de tentadoras – e mesmo necessárias –, as recomendações sobre os modos pelos quais podemos enfrentar o negacionismo não serão meu foco aqui. Não tenho provas, tampouco convicções, de que já tenhamos todos os instrumentos políticos, intelectuais e estratégicos que nos habilitem a confrontar os grupos que, com maior ou menor nível de organização, constroem visões de mundo e interpretações da realidade em flagrante contraste com o conhecimento estabelecido pela ciência normal. Além disso, essa ciência não parece ter conseguido, ao longo das últimas décadas, reverter a desconfiança de parcelas significativas da população (Eyal, 2019; Roque, 2023; Shapin, 2020). Talvez uma certa prudência em emitir prognósticos e receitas seguras deva nos mover. Adorno parecia bastante consciente dessa limitação quando afirmou que “nem sempre é possível acrescentar à crítica a recomendação imediata de algo melhor” (Adorno, 1998, p. 201).

Um ensaio de crítica do presente significa, entre outros sentidos possíveis, investir numa genealogia de nós mesmos, numa compreensão de como chegamos ao ponto em que estamos. Foucault pontuou o problema em sua análise da concepção de Kant sobre o Iluminismo. Para o filósofo francês, a crítica se movimenta pela investigação dos “acontecimentos que nos levaram a nos constituir e a nos reconhecer como sujeitos do que fazemos, pensamos, dizemos” (Foucault, 2000, p. 347). A historicização do presente, por outro lado, será tanto mais produtiva quanto mais desestabilizadora, promovendo a abertura de futuros possíveis: “A crítica nunca está satisfeita com regimes que afirmam preencher seu desejo; a futuridade é garantida somente pela insatisfação permanente da crítica” (Scott, 2007, p. 34). As armas da crítica podem ser definir, portanto, pelos descentramentos que ela provoca e pelas possibilidades de refundação da imaginação sobre o futuro. Mas, lembremos: possibilidades. A crítica nunca pode se pretender a detentora das chaves que nos conduzirão a novos mundos. Historicizar criticamente os processos de negação do passado e de reivindicação de utopias autoritárias implica pensar o presente não como uma culminação fatalista do acúmulo das experiências históricas, mas como uma realidade sempre instável de policronias temporais (Mudrovcic, 2019).

Escrever e falar sobre o bolsonarismo é uma tarefa intelectual que, não obstante sua dimensão ética inegociável, lida com processos e acontecimentos em curso, presenciados por todos nós e que ainda não estão suficientemente distantes segundo os critérios mais consagrados do campo historiográfico. Perante a incerteza do vivido, reflexões e hipóteses tendem igualmente a ser provisórias e cambiantes. Entre as delícias e os perigos do presentismo, estar em constante deslocamento tornou-se quase uma inevitabilidade e o discurso histórico deve estar apto a reconhecer, a todo momento, sua própria historicidade. Nesse ponto, parece-me valiosa a proposição de Mateus Pereira, que postula que os historiadores do tempo presente devem se posicionar em relação ao seu objeto por meio de um jogo em que ora dele nos afastamos ora o presentificamos com os “sentidos construídos pelos relatos históricos com vistas à abertura de futuros possíveis” (Pereira, 2022, p. 25). Essa postura implica “buscar outras possibilidades de historicização do tempo presente que tensionem de forma mais aberta e direta o ato de demarcar fronteiras que separam ontologicamente o presente do passado” (Ramalho, 2023b, p. 9). O que aqui pretendo nas linhas e páginas seguintes é um esboço de compreensão dessa condição histórica que, num primeiro momento, nos surpreendeu e, num segundo, exigiu que nos colocássemos em combate: o bolsonarismo e sua governamentalidade negacionista.

Abordar e perscrutar o fenômeno bolsonarista significa, ainda, tentar oferecer sentido à memória de eventos-limite, como as ditaduras do Cone Sul durante as décadas de 1960 e 1970. As especificidades dessa memória e suas relações com o tempo presente devem servir como advertência para análises que se fundamentam em distinções temporais rígidas, pois o passado recente é, nos termos de Marina Franco e Florencia Levín (2007, p. 31)

um passado aberto, de algum modo inconcluso, cujos efeitos nos processos individuais e coletivos se estendem até nós e se tornam presentes. Um passado que irrompe impondo questões, fissuras, lutos. Um passado que, de maneira peculiar e característica, entrelaça as tramas do público com o mais íntimo, o mais privado e o mais próprio de cada experiência. Um passado que, ao contrário dos outros passados, não é feito apenas de representações e discursos socialmente construídos e transmitidos, mas que, além disso, é alimentado por vivências e memórias pessoais, relembradas em primeira pessoa. Trata-se, em suma, de um passado “atual” ou, mais precisamente, de um passado em permanente processo de “atualização” e que, portanto, intervém nas projeções futuras elaboradas por sujeitos e comunidades1.

Partindo dessas questões iniciais, uma hipótese aqui explorada é a de que o negacionismo bolsonarista converteu-se em uma governamentalidade, compreendida, em termos foucaultianos, como o “conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas” que produzem uma certa gestão governamental capaz de gerar efeitos de subjetivação que transcendem aqueles resultantes do simples exercício do poder soberano (Foucault, 2006, p. 303). A importância do conceito está no fato de fornecer “uma visão do poder para além de uma perspectiva centrada seja no consenso, seja na violência; ele liga tecnologias de si com tecnologias de dominação” (Lemke, 2017, p. 196).

Como modo de articulação entre governo de si e governo dos outros, a governamentalidade se organiza, portanto, em formas específicas de subjetivação que implicam, por seu turno, processos sempre atualizáveis de identidade. Os discursos negacionistas ininterruptamente emitidos pelo núcleo bolsonarista atuam como catalisadores de um sistemático espectro de técnicas, racionalidades e dispositivos que alimentam as crenças e expectativas de um grande número de pessoas dispostas a reforçarem tais enunciados. Uma vez instalado no poder, como assistimos, essa engrenagem negacionista, composta pelo poder presidencial e por essa rede cada vez mais fragmentada de indivíduos, governamentalizou o Estado com base na produção sistemática de falsificações do existente, de outros horizontes e de outras aberturas ao futuro. A subjetivação negacionista do bolsonarismo deve ser admitida não como um planetário de irracionalidades, como um desmedido delírio, mas como um motor de ação e de transformação sobre o mundo (Valim; Avelar, 2020).

A condução da pandemia de COVID-19 pelo governo Bolsonaro, marcada pela franca rejeição de medidas sanitárias preconizadas por agências nacionais e internacionais de saúde, pela minimização dos efeitos da doença, pelo atraso na compra de vacinas e pela desconsideração dos estudos científicos amplamente aceitos sobre o vírus e sobre as formas de combatê-lo, estabilizou essa governamentalidade negacionista como estratégia performática de preservação da base bolsonarista, o que pode ser demonstrado na manutenção dos índices de popularidade do presidente, quase sempre em torno dos 30%, mesmo nos piores estágios da pandemia. Quando as mortes se acumulavam, Bolsonaro seguiu apostando em sua projeção como um político que lutava contra os poderes instituídos (prefeitos, governadores e ministros do Supremo Tribunal Federal), indicava soluções rápidas para o combate ao vírus (remédios como a cloroquina) e protegia a economia. Portanto, a governamentalidade negacionista gerenciava ativamente a política e compunha um campo de possibilidades que superava as aparentes simplórias manifestações de negação da realidade.

NEGACIONISMO HISTÓRICO E A GOVERNAMENTALIDADE NEGACIONISTA DO BOLSONARISMO

Como desdobramento da hipótese sobre a governamentalidade negacionista está a centralidade do negacionismo histórico em torno do qual se aglutinaram as demais formas de negação que caracterizam o ecossistema bolsonarista. Esvaziar de sentido e rejeitar as interpretações correntes, especialmente as da ditadura militar, são atitudes que demarcam um terreno visível da nova extrema-direita brasileira, tornando evidente não apenas suas opções políticas, mas a própria delimitação de um “eles e nós” identificáveis tanto no passado como no presente.

O bolsonarismo pode ser caracterizado como um movimento que congrega forças autoritárias de vários matizes num amálgama complexo, cuja vitalidade e permanência dependem de sua constante mobilização, da capacidade de produção de inimigos a serem combatidos incessantemente e de clivagens culturais e ideológicas que demarcam posições irreconciliáveis. Essa extrema-direita ascende à cena política com maior protagonismo nas manifestações ocorridas em 2013. Entretanto, a determinação de um contexto específico e localizado, tende a obscurecer o processo sociopolítico de constituição e que, a meu ver, adquire um impulso decisivo no início dos governos do Partido dos Trabalhadores, quando uma série de organizações privadas passaram a se dedicar, simultaneamente, a defender posições ultraliberais e a denunciar a corrupção econômica e moral do petismo. Ao longo dos anos, essas iniciativas se multiplicaram e ocuparam o espaço público digital, em um movimento que combinou o inconformismo dos setores conservadores médios e a insegurança de amplos grupos das camadas populares que, não obstante a melhoria de suas condições materiais, presenciavam com temor os altos índices de violência que faziam parte do cotidiano da vida nas periferias. Essa reorganização da direita brasileira e sua escalada cada vez mais autoritária e extremista parece, por outro lado, sinalizar para o esgotamento dos (frágeis) pactos estabelecidos com a instauração da Nova República com o final da ditadura, em 1985, definindo assim o processo de uma “intensa disputa no seio da sociedade civil operada como guerra de posições” (Mattos e Silva, 2021, p. 5).

Sem me alongar na caracterização do fenômeno político bolsonarista, o que fugiria dos meus objetivos neste artigo, detenho-me na definição oferecida pelos professores André de Macedo Duarte e Maria Rita de César Assis, para os quais o bolsonarismo

encontra sua síntese no ideal fantasmático do Homem de Bem, ideal normativo que se compõe de valores e ideais do cristianismo, do conservadorismo anti-esquerda, do patriotismo nacionalista, do armamentismo, do machismo, da família tradicional heterossexual, da meritocracia, do empreendedorismo econômico sacrificial, que responsabiliza o indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso social, bem como de ideais relativos à plena liberdade de mercado, da recusa dos serviços e servidores públicos e da liberdade das maiorias para discriminar as minorias, sobretudo aquelas organizadas em movimentos políticos e sociais. Em um sentido político mais restrito, o bolsonarismo tem como propósito fortalecer a oposição binária entre nós/eles, amigo/inimigo, por meio da qual se pretende minimizar e, se possível, neutralizar toda forma de oposição e dissidência política. O bolsonarismo orienta-se por um projeto paradoxal de democracia, de caráter autoritário, que se propõe a restringir os direitos e liberdades daquelas formas de vida que não espelham seu modelo ideal normativo de cidadão, o Homem de Bem (Duarte; César, 2020, p. 2).

Bolsonaro alcançou inegável êxito em se projetar como um outsider, como alguém que pretende governar fora do sistema e das normas estabelecidas, ainda que isso signifique a atualização de velhos processos de dominação e de exclusão política e social. Essa forma de antipolítica foi definida por Leonardo Avritzer (2019, p. 19) como “a reação à ideia de que instituições e representantes eleitos devem discutir, negociar e processar respostas a temas em debate no país. A antipolítica constitui uma negação de atributos como a negociação ou a coalizão”.2 Se essa estratégia foi importante para as eleições, ela não pôde ser rompida durante o mandato presidencial de Bolsonaro. O caos como governança e a luta incessante contra todos os inimigos – constantemente atualizados – converteram-se no próprio modo de atuação política de Bolsonaro durante a presidência.

A sobrevivência desse representante da extrema-direita só foi possível mediante o enfraquecimento de todos os pactos reguladores conhecidos da vida política tradicional. Essa me parece ser uma chave importante para explicar o negacionismo contemporâneo. Todo esse repertório estratégico de promoção de visões distorcidas e/ou falsas da realidade implica, ainda, a adoção de uma linguagem facilmente adaptável às formas comunicativas das mídias eletrônicas. Daí a pertinência das formulações acerca do “populismo digital”. Não se trata exclusivamente de uma remodelação do discurso populista e autoritário em função dos aparatos tecnológicos digitais, mas da instauração de novos padrões comunicacionais, entre os quais se destaca a “criação de um canal direto e exclusivo de comunicação entre a liderança e seu público, através da deslegitimação de instâncias de produção de conhecimento autorizado na esfera pública (notadamente, a academia e a imprensa profissional)” (Cesarino, 2019, p. 530). Eu acrescentaria que a importância das plataformas digitais para o bolsonarismo está em sua relação não exatamente com uma antipolítica, mas com uma outra política, que dispensa mediações e se apresenta, por isso mesmo, mais autoritária.

Eis um elemento estruturante do negacionismo bolsonarista. Trata-se dos usos de um repertório variado de imagens do passado, selecionadas para normalizar uma visão de mundo autoritária e excludente pautada em elementos de curta, média e longa duração que caracterizam, historicamente, uma cultura política violenta dirigida contra os movimentos sociais e zelosa da preservação dos privilégios dos grupos economicamente dominantes (Maia, 2023). Essa atualização do passado pode ser ainda percebida pela constante reivindicação que Jair Bolsonaro faz da figura do coronel Brilhante Ustra, conhecido torturador da ditadura militar. Essa memória do horror, atualizada, convoca os apoiadores da extrema-direita bolsonarista a se engajarem em relação ao passado ditatorial sob um duplo prisma: ao mesmo tempo em que a ditadura é francamente negada – ou minimizada – e elogiada, admite-se que ela não cumpriu inteiramente sua missão de eliminar os oponentes. Eles ainda estão presentes, e combatê-los continua sendo uma necessidade. Por isso, os anos da ditadura surgem menos como um fato – que, afinal, pode ser simplesmente negado – do que como um espectro de violências e terror sempre pronto para ser acionado no presente (Joffily; Faria; Franco, 2023, p. 10-11).

Na tentativa de historicizar o negacionismo bolsonarista em formas razoavelmente compreensíveis, bem como de apresentar seus aspectos constituintes e suas características mais visíveis, aponto agora duas falas de Jair Bolsonaro separadas por um período de vinte e cinco anos. Trata-se, evidentemente, de um recorte analítico que poderia ser preterido em favor de tantos outros. As falas foram escolhidas, sobretudo, pelos sentidos que carregam a respeito de como o passado ditatorial pode ser distorcido sob vários aspectos e, simultaneamente, enaltecido por tantos outros.

Em um discurso no Congresso Nacional, no dia 13 de abril de 1994, o deputado Jair Messias Bolsonaro, eleito pelo Partido Democrata Cristão, no ano de 1990, realizou uma série de críticas à política de reajuste das tarifas públicas realizada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Em meio a elogios a Lula, então um potencial candidato às eleições presidenciais daquele ano, Bolsonaro aproveitou para tecer um breve comentário sobre a ditadura que se iniciara trinta anos antes. São suas palavras.

Embora o meu assunto não seja este, quero aqui nesta oportunidade, como não sou um conspirador, saudar o regime que se iniciou em 31 de março de 1964, do qual tenho saudades, e a população brasileira também. Digo isso porque naquela época, Sr. Presidente, vivíamos, sim, uma ditadura ideológica e, hoje em dia, vivemos uma ditadura econômica. Não foi um regime perfeito, os homens não eram perfeitos, e eu até diria que naquele tempo também roubavam sim, mas roubavam 10% e hoje roubam do povo brasileiro 90%.3

Em 2019, no primeiro ano de seu mandato presidencial, Bolsonaro se posicionou, em uma live no Facebook, contra aqueles que apontaram para o fato de o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não ter apresentado nenhuma questão sobre a ditadura militar, algo que não ocorria desde 2009. O exame, segundo Bolsonaro, era digno de elogios porque não teve “questão polêmica como em outros anos”. A justificativa para a ausência do tema foi dada nos seguintes termos.

Daí a imprensa falou: “Não houve questão sobre ditadura”. Bem, parabéns, imprensa, nunca houve ditadura no Brasil. Que ditadura foi essa onde você tinha o direito de ir e vir, tinha liberdade de expressão, você votava? [...] não vou entrar em detalhes. Querem chamar de ditadura e podem continuar chamando. [...] O que interessa é o que está na cabeça de grande parte da população de como era aquele período, de como estamos hoje. Acho difícil alguém falar que quem estava, até pouco tempo atrás, presidindo o Brasil era mais democrático do que eu.4

As duas passagens sinalizam modulações importantes nas interpretações sobre a ditadura militar que circulam entre a extrema-direita brasileira e os seus apoiadores. Ambas indicam tonalidades que se alternam com o tempo, se entrecruzam, se aproximam e se distanciam na construção do discurso negacionista sobre a ditadura ao mesmo tempo em que operam na elaboração de um outro passado que deve ser constantemente idealizado e mobilizado como instrumento de ação política no presente (“O que interessa é o que está na cabeça de grande parte da população de como era aquele período, de como estamos hoje”).

No primeiro caso, não estamos diante de uma negação frontal dos acontecimentos do passado, mas de uma postura que implica distorções, manipulações interpretativas, supervalorização de determinadas evidências em detrimento da desqualificação ou mesmo da omissão de outras, descontextualizações e imprecisões. Estaríamos próximos daquilo que Aviezer Tucker (2007, p. 2) definiu como revisionismo e que se fundamenta mais em valores terapêuticos do que cognitivos e em uma mistura entre má filosofia, argumentos inválidos e mal-entendidos. Em uma direção semelhante, Marcos Napolitano desenvolveu a noção de revisionismo ideológico, “cujo procedimento envolve um arranjo argumentativo, em muitos casos seletivo e restrito, para comprovar uma tese previamente fechada pelo autor [...] e voltada exclusivamente para intervir no debate ideológico e servir de apoio para projetos políticos de segmentos específicos da sociedade” (Napolitano, 2022, p. 113). Nessas posturas revisionistas, o passado não é inteiramente desfactualizado, mas revestido de projeções enviesadas e de premissas que pretendem converter os acontecimentos em respostas a expectativas ideológicas já estabelecidas de antemão.

Nesse e em vários outros pronunciamentos anteriores à sua eleição como presidente, Bolsonaro não negou que a ditadura brasileira tivesse existido, mas justificou-a e legitimou-a como a saída política inevitável para o controle da desordem política e econômica, da subversão comunista e da corrupção. Evidentemente, essa interpretação não encontra qualquer validade na historiografia sobre o período militar que, ademais, desenvolveu-se consideravelmente ao longo das últimas três décadas, cobrindo uma gama altamente expressiva de temas, questões e problemas. No entanto, o que deve ser efetivamente considerado é como a interpretação oferecida por Bolsonaro se adéqua a um conjunto de memórias que serviram de esteio aos apoiadores militares e civis da ditadura, reforçando sua identidade como grupo e insuflando-os na cena pública após a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal em 2002 e, especialmente, a partir da criação da Comissão Nacional da Verdade. Essa comunidade de memória contém profundos traços que poderiam ser correntemente interpretados como revisionistas, uma vez que promove interpretações enviesadas sobre o passado, distorce fontes, mas não necessariamente rejeita a veracidade de certos acontecimentos.5

Já a segunda afirmação de Bolsonaro opera na negação completa da ditadura militar. Trata-se de uma falsificação deliberada do passado, cuja intencionalidade a distingue do simples erro ou engano. Mais ainda: estamos diante da rejeição das próprias condições de possibilidade de que um fato seja entendido como tal dentro das formas de conhecimento socialmente reconhecidas, quer dizer, trata-se, para usar os termos de Marc Nichanian, da “destruição do fato, da noção de fato, da factualidade do fato” (Nichanian, 2006, p. 9).

Por outro lado, as diferenças, que parecem tão nítidas nas duas falas de Bolsonaro, podem ser relativizadas sob um prisma bem identificado por Artur Lima de Ávila. Nos negacionismos contemporâneos, os dispositivos colocados em circulação não implicam apenas a simples rejeição de acontecimentos, mas também “silêncios, mistificações, ocultamentos, minimizações que se dão no âmbito narrativo” e que procuram “subtrair determinados passados de nossos presentes, tornando-os insubstanciais, e impor significados unívocos à nossa história” (Ávila, 2021, p. 164). Esse aspecto nos sugere, portanto, que “o negacionismo histórico pode ser pensado como um mosaico de falas, práticas e representações mobilizadas com o objetivo de legitimar certas leituras dos nossos passados sensíveis – sobretudo da violência e do extermínio praticados neles, e ainda da dominação sobre os mais vulneráveis” (Valim; Avelar; Bevernage, 2021, p. 15).6

Poderíamos ainda, sem dúvida, nos lembrar do que Freud escreveu, em 1925, sobre a negação da realidade como um desejo de repressão de algo que é sabidamente real (Freud, 2011). Ou então de como os negacionistas sempre se posicionam como mártires de uma “verdade sufocada” por grupos dominantes, esses vencedores que escrevem a história de acordo com suas visões de mundo, ideologias e interesses (Kahn-Harris, 2018). Entretanto, parece-me importante considerar algo para além dessas dimensões mais reativas do fenômeno. Defendo que o negacionismo é um projeto ativo, um padrão orquestrado de negação para dar sentido a uma determinada experiência do tempo marcada pela crise da democracia institucional, pelas promessas não cumpridas da miragem neoliberal e pela tragédia ambiental generalizada. Essa dimensão ativa do negacionismo é também epistêmica em um duplo sentido: primeiro, a promoção de uma pervasiva ignorância social e, segundo, a elaboração de um conjunto de representações disponíveis da realidade que tendem a incluir “uma agenda não necessariamente explícita, uma visão de mundo, tradições e estruturas argumentativas, bem como motivos e motivações semelhantes” (Karlsson, 2015, p. 37-38). Essa dimensão de agência dos negacionistas foi muito bem exposta na seguinte síntese de Rodrigo Nunes.

se a extrema direita, ao recorrer à desinformação ou qualquer subterfúgio parecido, conseguiu mobilizar as paixões antissistema de milhões de pessoas que se sentem desassistidas e abandonadas é porque esses sentimentos realmente existem. Isto é, a mensagem da extrema direita só é convincente porque grande número de pessoas acredita que há, de fato, algo profundamente errado com o sistema político e econômico atual. Combater essa mensagem não se resume, portanto, a combater as mentiras em que ela vem embalada; mas exige, mais que isso, dar respostas convincentes às questões que estão na raiz desses sentimentos. Isso não poderá ser feito, no entanto, enquanto continuarmos negando a existência dessas questões (Nunes, 2021, p. 59).

As formulações negacionistas podem ainda ser vistas como promotoras de traços particulares de coesão social e empoderamento dos seus adeptos, cada vez mais envolvidos na conformação e disseminação de conteúdos que mobilizam significantes em disputa, como as noções de “golpe”, “revolução” ou “ditadura”. O papel desses significantes não se limita a conferir forma às teses negacionistas/revisionistas com o seu uso em um ambiente de disputas e dissensos que caracterizam o populismo digital contemporâneo. Eles também funcionam como norte e ponto de apoio para a confirmação de hipóteses e ideias estabelecidas de antemão e por isso mesmo não falseáveis. Desse modo, os significantes, como os mencionados acima, atuam na conformação de uma economia libidinal negacionista organizada por “regimes de imagens, valores e simbolismos que operam em função da produção de quadros hegemônicos, temporários e contingentes, de sobreposição de forças” (Silva, 2020, p. 1177). A desqualificação da ciência normal, dos seus espaços de produção e de seus agentes e mediadores, a ação manipulatória da memória e da história e a descrença no papel público e social do conhecimento acadêmico reforçam uma identidade grupal fundamental para a ascensão da extrema-direita bolsonarista em um ambiente midiático radicalmente distinto do que conhecíamos há poucas décadas. Se parece pertinente nos questionarmos em que medida nosso próprio regime de verdade se encontra em crise, a seguinte observação de Eugênio Bucci é esclarecedora acerca das dimensões não exclusivamente cognitivas envolvidas na difusão do negacionismo.

Nas redes sociais [...], a propagação das mensagens depende diretamente da ação das audiências, nas quais o desejo leva vantagem sobre o pensamento. Uma notícia (falsificada, fraudulenta ou mesmo verdadeira, pouco importa) só se difunde à medida que corresponde a emoções, quaisquer emoções, “positivas” ou “negativas”. Sobre o factual, predomina o sensacional – daí o sensacionalismo. Sobre o argumento, o sentimento ou o sentimentalismo. Esses registros da percepção e do sensível, que passam pelo desejo, pelo sensacional, pelo sentimental, proporcionam conforto psíquico aos indivíduos enredados em suas fantasias narcisistas. A receita se revelou infalível (Bucci, 2019, p. 60-61).

Os negacionistas, portanto, agem. A polifonia da negação brasileira, de acordo com Mateus Pereira, é também linguística, pública e ideológica e, sobretudo no caso dos negacionismos históricos, vincula-se àquilo que Paul Ricouer entende como memória manipulada. Assim, “a distorção imagética deve ser articulada com o fenômeno de legitimação e mediação simbólica. A compreensão dessas dimensões intermediárias nos permite entender a negação e o revisionismo brasileiro como molas do processo de manipulação da memória e da história” (Pereira, 2022, p. 49). Essa manipulação pode assumir sentidos variados, conforme a percepção de Valencia-Garcia, os quais, em maior ou menor medida, estão presentes no negacionismo bolsonarista e estruturam o projeto de uma Alt-history, ou seja, a negação que pode incidir sobre arquivos e evidências históricas; a crença numa história cíclica ou teleológica que indica onde estávamos e para onde vamos; narrativas de degeneração que assumem uma teoria da decadência em vez da compreensão da mudança; a mitologização da história, com a substituição de fatos por quimeras; a nostalgia de um passado idealizado, que supõe seletivamente a exclusão e a incorporação de fatos e narrativas históricas; um a-historicismo baseado puramente na falsificação; e a exibição de uma história tendenciosa e fragmentada em diversos espaços de constituição da memória pública popular (filmes, livros, documentários, séries etc.) (Valencia-Garcia, 2020, p. 9).

As manipulações negacionistas não produzem apenas uma deliberada desinformação sobre o passado, mas buscam construir um outro passado, mitificado, idealizado, um suposto reino da tradição e da harmonia social que precisa ser resgatado para que a nação possa se reencontrar com seus valores formativos. Essa nostalgia pode, no caso brasileiro, remontar ao Império, mas se manifesta especialmente em relação à ditadura militar, período apresentado pelo bolsonarismo como marcado pela ordem, pelo respeito às autoridades, pelo crescimento econômico e pelo combate aos subversivos da esquerda, que buscavam desvirtuar a nossa cordialidade e promover valores estranhos ao nosso meio. Aqui sobressai uma visão cíclica da história na qual a restauração de uma idade de ouro deve se seguir a uma fase vista como de declínio civilizacional (Valencia-Garcia, 2020, p. 4-5). Explicita-se, desse modo, o sentido dado por Svetlana Boym, para quem a nostalgia pode ser definida como o “desejo por um lar que não existe mais ou nunca existiu”. Esse sentimento é marcado pela “perda e deslocamento, mas é também uma fascinação com a própria fantasia” (Boym, 2017, p. 153).

Voltemos a Bolsonaro e à sua atuação parlamentar. Ao longo de seus sete mandatos, o ex-capitão do Exército realizou 1.541 falas no Congresso. Esse conjunto de intervenções verbais é bastante diversificado, indo desde discursos mais longos até comentários breves durante justificativas de voto em projetos apresentados ao Plenário. O primeiro momento em que Bolsonaro tomou a palavra, como deputado federal, se deu em 25 de fevereiro de 1991. Curiosamente, o recém-empossado parlamentar fazia uma crítica aos militares da Marinha que, em meio à austeridade financeira imposta pelo Governo Collor, haviam acabado de fechar a compra de centenas de carros a serem utilizados pelos almirantes. O último discurso registrado foi em 6 de novembro de 2018, num evento na Câmara em homenagem aos 30 anos da Constituição de 1988, no qual Bolsonaro, já eleito presidente, faz uma breve fala em defesa da Constituição e da união dos Poderes.

Entre as suas intervenções na Câmara, Bolsonaro mencionou o tema da ditadura em 25% delas. Apesar da expressividade desse número, sua distribuição é bastante desigual ao longo do tempo. Durante os anos noventa, a defesa do regime militar não estava entre os temas mais mencionados no Congresso pelo então deputado federal. Nesse momento, seus discursos no Plenário se concentravam, sobretudo, em duas questões: defesa – numa lógica corporativista – dos servidores públicos, especialmente militares, e críticas aos planos econômicos dos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O trecho mencionado anteriormente, lido em Plenário em 1994, foi a primeira referência mais explícita de Bolsonaro à ditadura após mais de duzentos discursos por ele pronunciados. As escassas menções quase sempre eram feitas em datas celebratórias do regime, como o 31 de março, apresentado por Bolsonaro, em diversas ocasiões, como o início de uma “revolução” que impediu a chegada dos comunistas ao poder.

Tendo sido eleito principalmente pelo voto dos saudosistas da ditadura, como explicar que Jair Bolsonaro tenha discursado pouco, durante a década de 90, em apoio ao regime instituído em 1964? A justificativa reside, a meu ver, em uma certa latência da memória militar sobre a ditadura que, desde o início dos governos civis, tornara-se “subterrânea” em relação a uma narrativa que ora oscilava entre o topos do “virar a página” (estimulado, sem dúvida, pela Lei da Anistia), e ora denunciava os crimes cometidos pelo Estado brasileiro. Como forma inscrita no espaço público, essa memória, naquele momento, era precária, apesar de estabilizada por sucessivas gerações. Não era incomum que se os generais se sentissem derrotados nas disputas pelo passado ditatorial, numa curiosa apropriação de uma condição vitimária, enquanto viam os vencidos na “guerra suja” ocuparem postos políticos relevantes, conduzirem a vida cultural do país e, consequentemente, escreverem a história de acordo com seus pontos de vista.

Caroline Bauer (2019, p. 40) lembra que, desde os seus primeiros momentos no poder, os militares se esforçaram para produzir uma imagem do regime que negasse o seu caráter ditatorial ou, ao menos, o minimizasse ou relativizasse. Nesse sentido, as estratégias acionadas deveriam produzir uma memória daqueles anos que pudesse sustentar simbolicamente a ideia de que o país havia sido salvo da subversão comunista e atingido elevados níveis de desenvolvimento econômico e de segurança pública. Segundo a autora.

Durante a Ditadura, além dos sequestros, das torturas, das mortes e dos desaparecimentos, foram empregadas práticas de controle sobre o passado, a escrita da história e o exercício da memória do período, como a censura, a desinformação, o falseamento da realidade (com as versões falsas de “atropelamento”, “morte em confronto” e “suicídio” para ocultar os assassinatos sob tortura e as execuções), a indisponibilidade de arquivos dos órgãos de informação e repressão e o uso da propaganda (Bauer, 2024, p. 6).

Entre os recursos discursivos mobilizados pelos militares – e que se tornariam peças importantes de sua memória sobre o período ditatorial –, estava um proposital deslocamento conceitual de golpe para a “revolução” de 1964, que visava, entre outros aspectos, incorporar uma noção cara à esquerda em função, sobretudo, das lutas de libertação nacional das décadas de 50 e 60. No cotidiano político, os ditadores raramente usavam suas vestimentas militares, preferindo trajes civis e autodenominando-se “presidentes militares”. O sistema político conservou formalidades institucionais, como o funcionamento do Parlamento, ainda que a vida partidária estivesse resumida a dois partidos e os sucessivos governos ditatoriais lançassem mão constantemente de atos institucionais, pelos quais a censura foi aprofundada, a repressão recrudescida e os espaços de livre manifestação cada vez mais restringidos.

A forma lenta da transição brasileira, permeada por uma anistia que significou, na prática, impunidade aos perpetradores, foi outro aspecto significativo na consolidação dessa memória militar. As práticas revisionistas e negacionistas sobre a ditadura alimentaram-se, ao longo dos anos, de nossa precária justiça de transição, que não foi capaz de punir os responsáveis pelas violações dos direitos humanos cometidas entre 1964 e 1985. Como consequência dessa impunidade, há também a “ausência de arrependimento, remorso ou culpa por parte dos algozes diretos ou indiretos, de ontem e de hoje” (Pereira, 2022, p. 39). É importante salientar, e ainda de acordo com Bauer, que os militares (e seus apoiadores civis) conseguiram controlar, em grande medida, essa frágil justiça transicional, bloqueando o acesso aos arquivos e evitando os “revanchismos” que seriam causados por uma publicização ampla das memórias e dos relatos do terror de Estado. Assim, no “processo de transição política, a preocupação dos grupos dirigentes sobre a governabilidade os impulsionou a evitar discussões divisionistas a respeito do passado ditatorial” (Bauer, 2019, p. 41)7.

Bolsonaro, como já assinalado, desde os primeiros momentos de sua formação militar, foi iniciado nessa comunidade de memória e passou a compartilhar esse relato revisionista/negacionista sobre a ditadura militar. Incorporar e difundir uma certa narrativa sobre o passado das Forças Armadas são etapas decisivas na constituição do ethos militar, com o qual se desenha uma identidade que deverá acompanhar os membros da caserna ao longo de suas vidas. Esse repertório de imagens, de sentidos e de fundamentos construídos sobre o período militar implica uma adesão acrítica por parte dos cadetes que postulam uma carreira nas Armas. Compondo um mundo próprio, com signos, distinções e formas de pertencimento social, a corporação militar desenvolve suas próprias interpretações sobre o passado nacional e as difunde em suas escolas preparatórias sem qualquer esforço de construção de diálogo intelectual com a historiografia produzida pelos historiadores profissionais. Bem ao contrário, estes tendem a serem vistos como ideólogos e promotores de um pensamento antimilitarista e antipatriótico.

Essa memória que transita entre o revisionismo legitimador da ditadura e a sua mais brutal negação projeta as Forças Armadas como garantidoras da ordem e da proteção da nação contra os seus inimigos externos e internos. O nível de confiança da população brasileira em suas instituições militares, de acordo com uma pesquisa de 2021, é em torno de 58%, o que demonstra, mesmo com uma queda de 12 pontos percentuais durante o governo Bolsonaro, um índice de aprovação que possivelmente não encontramos em nossos vizinhos.8 Essa popularidade ainda expressiva não deve ser desconsiderada na expansão da memória militar sobre a ditadura em nossos dias. Não por acaso, uma das estratégias retóricas mobilizadas pelo bolsonarismo investe em comparações entre os mortos durante a ditadura e os assassinatos cometidos em nossos dias. Pretende-se criar um efeito afetivo no qual as mortes ocorridas em nosso recente passado autoritário foram lamentavelmente necessárias para que a ordem social não fosse rompida. Essa justificativa se mistura a uma alegada irrelevância estatística dessas mortes. “Hoje matamos muito mais”. Não foi outro o sentido de uma fala do general Hamilton Mourão, quando este afirmou que “os grupos marxistas e leninistas do Brasil diziam que estavam enfrentando a ditadura, mas, na verdade, estavam lutando para impor outra ditadura, a ditadura do sistema comunista. Foi uma guerra muito pequena para um país de 90 milhões de habitantes [na época]. Somando os dois lados, morreram pouco mais de 400 pessoas. Hoje, 60.000 são assassinados por ano no Brasil e ninguém fala disso”9.

As manifestações públicas de Bolsonaro sobre a ditadura foram, como já apontado, pouco numerosas durante os anos noventa, resultado de uma posição defensiva dos militares quanto aos acontecimentos do passado na medida em que a memória das Forças Armadas e de seus apoiadores civis se orientava pela defesa dos governos pós-1964, ao mesmo tempo em que propugnava que essa era uma página virada de nossa história. A Lei da Anistia fornecia, nesse aspecto, a garantia jurídica e institucional de que esse passado não deveria ser revirado, sob o risco de alimentarmos revanchismos e ressentimentos que poderiam corroer o arcabouço político construído desde o final da ditadura.

Entretanto, desde a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência, a partir da eleição de Lula em 2002, Bolsonaro e a comunidade de memória que legitimava a ditadura passaram a se posicionar mais incisivamente contra o que viam como uma vingança promovida pelos comunistas derrotados no passado. Assistimos, a partir desse momento, a uma mobilização cada vez mais orquestrada e planejada de diversos setores conservadores e reacionários, que procuram reavivar sentidos e modalidades discursivas que construíram as imagens de um país ordeiro e economicamente pujante entre os anos de 1964 e 1985. O tema da ditadura militar foi central para a sedimentação de estratégias de ação e de posicionamento desses grupos no espaço público – com um uso cada vez mais extenso das tecnologias digitais –, transformando a extrema direita em um ator decisivo da vida política brasileira, especialmente a partir do governo Dilma Roussef. As disputas pelo passado, empreendidas pelas fileiras bolsonaristas, foram forjadas majoritariamente em torno de uma concepção passadista e nostálgica do período militar.

No cenário de vitória da moderada esquerda do PT, as intervenções discursivas do deputado Jair Bolsonaro se multiplicam no Congresso. Duas delas merecem registro, não por destoarem de suas falas de anos anteriores, mas por demonstrarem a virulência e o ódio com os quais a extrema direita pretendia impor-se no debate político no país, com reivindicações abertas de violência contra seus oponentes políticos. Em 2009, Bolsonaro fixou um cartaz na porta do seu gabinete com a seguinte frase: “Guerrilha do Araguaia: quem procura osso é cachorro”. O infame dizer fazia referência às ações governamentais e de setores civis para a identificação das ossadas de guerrilheiros desaparecidos durante a ditadura na região do Araguaia, no norte do Brasil. Importante ainda registrar que a frase é de autoria do major Curió, responsável pela operação militar que terminou com a morte e o desaparecimento de dezenas de guerrilheiros. A outra se deu durante a sessão que selou o afastamento da presidente Dilma Roussef, em abril de 2016, quando Bolsonaro, justificando seu voto pró-impeachment, prestou uma homenagem ao coronel Brilhante Ustra, o “terror de Dilma Roussef”. Ustra, como se sabe, foi um conhecido agente da ditadura militar, responsável pelo comando de um centro de tortura, e que torturou pessoalmente a jovem Dilma, integrante de grupos de esquerda armada. Além disso, é autor de um conhecido libelo negacionista sobre a ditadura chamado “A verdade sufocada”, considerado por Bolsonaro como seu livro de cabeceira.

Sob os governos do PT, a comunidade de memória na qual Bolsonaro se iniciou como militar faz a sua transição em direção a performances e discursos abertamente negacionistas sobre o passado recente. Ao mesmo tempo, o então obscuro deputado, se torna a liderança carismática que parecia faltar à extrema-direita brasileira, especialmente por meio de sua atuação durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), cujos trabalhos ocorreram entre 2012 e 201410.

A instituição da CNV recrudesceu as batalhas de memória em torno da ditadura (Teles; Quinalha, 2020). Para os militares e seus apoiadores civis, a Comissão representava a quebra de um acordo tácito de não inscrição do passado recente no espaço público, fundado na premissa assegurada especialmente pela Lei da Anistia de que as violências cometidas pelos militares e pelos militantes de esquerda eram equivalentes. Para os setores da sociedade civil que, desde a redemocratização, lutaram para o reconhecimento das violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro durante os chamados “anos de chumbo”, a CNV representava uma inadiável possibilidade política e ética de justiça, mesmo que os perpetradores não pudessem ser condenados judicialmente.

Em um importante artigo e com base em sólida análise estatística, Pablo Emanuel Romero Almada demonstrou a atuação parlamentar de Bolsonaro durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (Almada, 2021, p. 7-16). O que salta aos olhos, de imediato, é o crescimento de suas falas e intervenções a respeito da ditadura militar, em contraste com os anos anteriores. Nota-se uma predominância discursiva em torno de três questões fundamentais: o revanchismo que teria motivado a criação da Comissão, os crimes cometidos pela esquerda e o papel da imprensa na divulgação de uma visão distorcida sobre o que foi o período militar, começando pela imprudência de qualificá-lo como uma ditadura que teria ocorrido após um “golpe”.

Nos discursos de Bolsonaro entre 2010 e 2015, com destaque para os anos de funcionamento da CNV, é possível identificar uma nítida reorientação que se deu não apenas pela negação explícita do caráter ditatorial do governo militar instaurado em 1964, mas também pela acusação mais direta aos responsáveis pela difusão de interpretações supostamente mentirosas a respeito dos acontecimentos daquele período. Essa postura se alinha com um conjunto expressivo de outras iniciativas que, seguindo as premissas negacionistas sugeridas por Bolsonaro, eram visíveis nas redes sociais e nos espaços digitais e disputavam as interpretações do nosso passado recente (Pereira, 2022, p. 37-38)11. Não me parece ser exagerado, portanto, concluir que os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade provocaram reações da comunidade de memória negacionista que passou a investir cada vez mais na visibilização de suas intervenções, estruturadas para combinar, de modo mais sistemático e organizado, três elementos cruciais, tais como: a defesa do legado dos governos ditatoriais apontados como patrióticos, preocupados com a ordem e promotores do desenvolvimento econômico; a ênfase no caráter “democrático” do regime militar; e a responsabilização da esquerda e da imprensa pela propagação de uma memória inteiramente mentirosa sobre aqueles anos.

As manifestações de Bolsonaro sobre o passado ditatorial reforçam uma leitura negacionista desse período que pode remontar, sem dúvida, aos próprios militares que protagonizaram os denominados anos de chumbo. O prolongamento dessas visões, que rejeitam o próprio caráter autoritário e repressivo do regime, sinaliza, uma vez mais, para a permanência desses passados sensíveis, abertos e inconclusos em larga medida. Essa dimensão de continuidade ou de “assombro” nos transforma em contemporâneos desses processos marcados pela violência estatal, pelo arbítrio e pela censura. Esse passado não cessa de lançar dúvidas e perguntas ao presente, de expor suas feridas e de servir de modelo e de inspiração nostálgica para projetos de futuro. Ao mesmo tempo, atua como marcador de uma identidade política que se estabilizou no Brasil ao longo da última década e que se caracteriza, em linhas gerais, pela defesa de uma visão ultrarreacionária da sociedade e pelo reforço das hierarquias sociais que secularmente nos constituíram. O passado idealizado da utopia autoritária bolsonarista é aquele de uma ordem repressiva o suficiente para que nada possa corromper uma unidade nacional imaginária e que sempre se encontra sitiada pelos inimigos da pátria.

PALAVRAS FINAIS

No texto de apresentação do dossiê “Negacionismos e usos da história”, publicado pela Revista Brasileira de História, situamos, logo no início, as seguintes perguntas/provocações aos leitores: “como certos passados, sistematicamente escrutinados pelos historiadores, amplamente debatidos e largamente documentados, podem ser simplesmente negados ou apresentados como invenções motivadas por interesses escusos? O que leva grupos e indivíduos a duvidarem da existência do Holocausto, da ditadura militar brasileira, dos incontáveis genocídios ao redor do mundo ou da escravidão que, ao longo de mais de três séculos, moldou as formas sociais do capitalismo moderno? Quais são as operações intelectuais, afetivas, políticas e ideológicas que envolvem e inscrevem os desafios e interrogações lançados pelos negacionismos à história, como conhecimento organizado do passado, aos seus usos políticos, a suas apropriações e condições de produção da verdade?” (Valim; Avelar; Bevernage, 2021, p. 13-14)

As respostas para essas questões não podem ser esgotadas em um texto modesto como este. Somos contemporâneos de um processo de governamentalidade negacionista que procura refazer todo o universo do conhecimento sobre o passado e o presente e instaurar/reabilitar formas autoritárias de estar no mundo. As disputas sobre o nosso tempo são, também, disputas sobre tempos outros, pois sabemos que a memória ativa sentimentos, produz e reproduz identidades e pactua formas de ação. A abertura para futuros mais democráticos dependerá, em larga medida, das formas pelas quais responderemos às perguntas colocadas anteriormente.

A tarefa, decerto, está longe de ser simples e exigirá um longo e árduo trabalho de investigação, que talvez esteja apenas em seu começo. Os negacionismos históricos que invadiram nossa cena pública, sobretudo ao longo da última década, instauraram formas de lidar com o passado que acionam elementos distintos das cronosofias modernas e das conhecidas histórias nacionais . Além disso, como demonstrou Walderez Ramalho, os negacionistas recusam a dupla historicidade que caracteriza o conhecimento produzido pela historiografia profissional, “seja por meio da falsificação empírica, seja através da retórica da verdade sequestrada” (Ramalho, 2023a, p. 217). A governamentalidade negacionista não condiciona apenas a gestão da política no presente, mas também estabelece outros passados e futuros, redefinindo as políticas do tempo. Como foi enfatizado ao longo deste texto, negar certos acontecimentos e representações do passado impõe a invenção de um outro passado e dos modos possíveis de acessá-lo. Desarticular a experiência moderna da história não significa algum niilismo historiográfico ou o abandono de qualquer relação pragmática ou utilitarista com o passado. É possível, inclusive, que estejamos vivenciando um momento de redisciplinarização da história, operado pela extrema-direita apoiando-se em outras bases conceituais e epistêmicas.12

Como algum sinal de esperança, os autores aqui mobilizados na sustentação dos meus argumentos demonstram que estamos reagindo com as armas que possuímos: a formulação de interpretações potencialmente capazes de fornecer explicações ao vivido e horizontes de reflexão para “uma visão do futuro que nos dê esperança ao invés de permanecer apenas no registro da denúncia” (Mouffe, 2018, p. 76). Essa talvez seja uma das grandes urgências intelectuais do nosso tempo. Que estejamos à altura de enfrentá-la.

Supplementary material
AGRADECIMENTOS

Este artigo é a versão modificada de uma apresentação realizada em 2022, na Universidade de Buenos Aires. Sou grato às generosas leituras e contribuições de Lucila Svampa, Maria Inés Mudrovcic, Elias Paltí, Gilda Bevilacqua, Natalia Tacetta, Temístocles Cézar, Arthur Ávila e Mateus Pereira. Agradeço ao CNPq pelo financiamento da pesquisa por meio do Edital Universal (Processo 409589/2023-3).

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Notes
Notes
1 Tradução livre do autor: “un pasado abierto, de algún modo inconcluso, cuyos efectos en los procesos individuales y colectivos se extienden hacia nosotros y se nos vuelven presentes. De un pasado que irrumpe imponiendo preguntas, grietas, duelos. De un pasado que, de un modo peculiar y característico, entreteje las tramas de lo público con lo más íntimo, lo más privado y lo más propio de cada experiencia. De un pasado que, a diferencia de los otros pasados, no está hecho sólo de representaciones y discursos socialmente construidos y transmitidos, sino que, además, está alimentado de vivencias y recuerdos personales, rememorados en primera persona. Se trata, en suma, de un pasado ‘actual’ o, más bien, de un pasado en permanente proceso de ‘actualización’ y que, por tanto, interviene em las proyecciones a futuro elaboradas por sujetos y comunidades.”
2 A antipolítica também caracterizou a atuação de juízes e promotores na conhecida Operação Lava-Jato que, sob a justificativa da investigação e da punição dos responsáveis por casos de corrupção, acabou conduzindo a uma forte rejeição de todo o jogo político-partidário institucional, insistentemente veiculado como corrupto por excelência. Como atestam Mateus Pereira e Daniel Pinha (2021, p. 136). A Lava-Jato também pode ser caracterizada como negação da política conduzida por forças pretensamente despolitizadas e moralizadoras.
3 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discursos e notas taquigráficas. Disponível em: http://imagem. camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD13ABR1994.pdf#page=69. Acesso em: 19 mar. 2022.
4 Bolsonaro elogia Enem e diz que “não houve ditadura no Brasil”. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/11/14/bolsonaro-elogia-enem-sem- polemica-e-diz-que-nao-houve-ditadura-no-brasil.htm. Acesso em: 20 mar. 2022.
5 Como assevera Caroline Silveira Bauer: “Nessa ‘comunidade de memórias’, a correção conceitual e histórica dessas representações do passado tem menos importância que as emoções que despertam. Caracterizados por uma retórica marcada por distorções e idealismos, esses discursos não necessariamente negam a ditadura, mas a justificam”. A mesma autora lembra que Bolsonaro, militar formado nas décadas de 70 e 80, foi doutrinado sob essa comunidade de memória que, ademais, assumia esses relatos sobre a ditadura como um dos elementos centrais da constituição da identidade das Forças Armadas. Ver: Bauer (2020, p. 179-180).
6 Ainda que não vinculado diretamente ao objeto deste texto, é importante sublinhar que o negacionismo mais recente da escravidão brasileira opera nos registros apontados por Ávila. Não se trata de negar os acontecimentos relativos ao nosso passado escravista, mas o seu caráter estrutural e a herança desse passado-presente. Assim, sendo o escravismo apenas um episódio vergonhoso da nossa formação, interdita-se qualquer política de reparação dos seus efeitos em nosso tempo, como, por exemplo, as cotas raciais nas universidades públicas. Estamos diante, portanto, de uma formulação que não nega a factualidade do passado, mas o seu caráter “fantasmagórico” sobre o presente.
7 Tradução livre do autor: “proceso de transición política, la preocupación de los grupos dirigentes sobre la gober-nabilidad los impulso a evitar discusiones divisionistas respecto del pasado dictatorial”.
8 Os dados da pesquisa se encontram disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/ alianca-com-bolsonaro-reduz-a-confianca-nas-forcas-armadas/. Acesso em: 15. jan.2024.
10 Ainda que limitada do ponto de vista jurídico e sempre assombrada pelo temor do esvaziamento político e da ausência de recursos financeiros, a CNV teve destacada relevância ao tematizar as violências de Estado cometidas contra indígenas, homossexuais, crianças, adolescentes, mulheres e negros. Além disso, apesar de reconhecer oficialmente 434 mortes, o relatório final apontou para a possibilidade de que esse número tenha sido muito maior, algo próximo de 10 mil pessoas. Para reflexões produzidas sobre o papel político e histórico da CNV, ver, especialmente, os trabalhos de Teles e Quinalha (2020) e Bauer (2017).
11 Mateus Pereira estuda particularmente uma “batalha de memórias” travada nas páginas da Wikipedia, em 2012, em torno do verbete “regime militar brasileiro” na qual posturas negacionistas foram explicitamente enunciadas.
12 Devo a Arthur Ávila a sugestão dessa hipótese de redisciplinarização da história.
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Editor responsável: Ely Bergo de Carvalho
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