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Evolução, macacos e homens da caverna nos anos 1920 norte-americanos
Henrique Rodrigues Caldeira
Henrique Rodrigues Caldeira
Evolução, macacos e homens da caverna nos anos 1920 norte-americanos
Evolution, monkeys, and cavemen in 1920s America
História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 24, núm. 3, pp. 842-844, 2017
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz
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Livro & Rede

Evolução, macacos e homens da caverna nos anos 1920 norte-americanos

Evolution, monkeys, and cavemen in 1920s America

Henrique Rodrigues Caldeira
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 24, núm. 3, pp. 842-844, 2017
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz
CLARK Constance A.. God - or Gorilla: images of evolution in the jazz age. 2008. Baltimore. JHU Press. 312p.pp.

God - or Gorilla: images of evolution in the jazz age é um livro sobre muita coisa. Só no primeiro parágrafo, Constance Areson Clark, professora-associada de história da ciência e tecnologia no Worcester Polytechnic Institute, sinaliza pelo menos três grandes temas que pretende abordar. O primeiro, e mais importante, é o papel das imagens na produção e comunicação científica. O segundo, os esforços de demarcar a ciência em relação a outras formas de conhecimento. E o terceiro, o dilema das autoridades científicas entre o ideal de objetividade e neutralidade e a urgência social e institucional de posicionamento e atuação pública.

O contexto no qual a autora situa e enfrenta esses vastíssimos temas é o dos debates norte-americanos sobre a teoria da evolução nas primeiras décadas do século XX, um período que Clark chama de era do jazz, ainda que o jazz, em si, a manifestação artístico-musical, esteja completamente ausente da obra.

O argumento central desenvolvido ao longo das 312 páginas é o de que as imagens tiveram um papel fundamental em tais debates. A forma com que cada um “imaginava” a teoria da evolução, isto é, as imagens visuais presentes na cabeça de cada pessoa quando o tema da evolução era evocado, condicionou em boa medida a aceitação ou recusa de determinados aspectos da teoria, ou mesmo de sua totalidade.

Mais ainda, a autora argumenta que os próprios sujeitos dessa história tinham plena consciência da importância dessas imagens. Não por acaso, as principais investidas antievolucionistas direcionaram-se contra as imagens produzidas pelos evolucionistas. E esses, por sua vez, dedicaram-se a produzir e distribuir imagens em larga escala, fornecendo desde árvores filogenéticas até cenas da vida do homem no Paleolítico para professores, universidades, editoras, imprensa etc.

O paleontólogo Henry Fairfield Osborn (1857-1935), principal personagem da história narrada em God - or Gorilla, sintetiza esse empenho em produzir, distribuir e controlar as imagens da evolução. Atuando como diretor do American Museum of Natural History e aliado a grandes artistas, Osborn concentrou seus esforços em apresentar ao público imagens enobrecidas dos homens da caverna, o máximo possível distantes dos macacos e dos estereótipos de toga e porrete.

A atuação estratégica, ainda que sincera, de cientistas como Osborn, que objetivavam “redimir o caráter” de nossos ancestrais, isto é, adequá-los ao recato puritano de parte do público norte-americano, encontrou forte oposição tanto entre antievolucionistas quanto entre evolucionistas. Os primeiros questionavam principalmente a cientificidade das reconstituições de corpos, cenários e costumes pré-históricos, que, segundo eles, baseavam-se em evidências insuficientes. Além disso, lideranças religiosas antievolucionistas viam na narrativa de progresso evolucionista uma falsa religião que ameaçava o verdadeiro cristianismo.

Do outro lado, alguns evolucionistas também questionavam a cientificidade das tentativas de conciliação entre as visões cristãs e evolucionistas de mundo. Afirmavam que, muitas vezes, dados que nos aproximavam de macacos ou do restante da natureza acabavam desconsiderados por simples preconceito ou soberba. Tal aversão à ideia de que fôssemos parentes próximos dos macacos recebeu até mesmo uma designação própria: pitecofobia (do grego pithekos, macaco).

God - or Gorilla é fartamente documentado e remete a uma bibliografia igualmente volumosa. As fontes reúnem filmes, livros de literatura, opúsculos de autoajuda, manuais e artigos científicos, obras antievolucionistas, colunas e charges de jornais e revistas, cartas pessoais de Osborn e registros do American Museum of Natural History, contudo, a expectativa criada pelo título e pela questão principal referente às imagens acaba sendo frustrada. Por alguma razão, talvez autoral, talvez editorial, pouquíssimas imagens estão de fato reproduzidas no livro. Em muitos casos, a autora apenas descreve brevemente as imagens ausentes ou menciona a sua localização - que muitas vezes são arquivos físicos de acesso restrito, como o arquivo pessoal de Osborn.

Mais decepcionante ainda é que mesmo as imagens reproduzidas no livro não recebem, na maioria das vezes, um tratamento analítico aprofundado e acabam servindo apenas como ilustrações de algum conteúdo previamente atestado em fontes textuais ou na bibliografia secundária. No final das contas, salvo algumas explorações originais sobre a personalidade de Osborn, o conteúdo do livro não traz grandes novidades à produção historiográfica existente sobre a controvérsia evolutiva nos EUA, especialmente quanto à relação entre ciência e religião (ver, por exemplo, Numbers, 2006; Larson, 2008; Bowler, 2009).

Um alento é o excelente capítulo 7 da obra, esse sim abundante em ilustrações que de fato fundamentam interpretações meticulosas e originais. Nesse capítulo, a autora explora a dinâmica das imagens no debate público, considerando as mensagens intencionais e não intencionais presentes em diagramas, reconstituições e modelos pretensamente objetivos. Na verdade, o que se verifica é uma complexa urdidura de evidências fósseis, teorias embriológicas, valores religiosos, discursos sobre raça, gênero e classe, ideais de cientificidade e anseios políticos.

Na maior parte da obra, contudo, o leitor acaba atingido apenas de raspão pela questão central apontada desde o título. O que de fato preenche os capítulos são boas análises da atuação de um pequeno número de evolucionistas e antievolucionistas - muito especialmente Henry Fairfield Osborn. A questão das imagens está sempre lá, mas um tanto embaraçada entre as demais estratégias utilizadas no debate, destacando-se apenas casualmente e de forma bastante repetitiva. Falta discussão teórica. Referências sobre estudo de imagens e representações na ciência estão em bom número nas notas bibliográficas, mas param por aí.

No fim das contas, God - or Gorilla: images of evolution in the jazz age é um bom livro. Apresenta um tema bastante interessante para os públicos acadêmico e geral e condensa com boa escrita uma vastíssima bibliografia sobre os debates públicos do início do século XX sobre o evolucionismo nos EUA. Definitivamente, não é o melhor título. Deus e gorila estão de fato bem representados no texto. As imagens da evolução, nem tanto. Do jazz então, nem se fala.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
BOWLER, Peter J. Monkey trials and gorilla sermons: evolution and Christianity from Darwin to intelligent design. New York: Harvard University Press. 2009.
LARSON, Edward J. Summer for the gods: the scopes trial and America's continuing debate over science and religion. New York: Basic Books. 2008.
NUMBERS, Ronald L. The creationists: from scientific creationism to intelligent design. New York: Harvard University Press. 2006.
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