LIVROS & REDES
Euclides da Cunha por vários ângulos
Euclides da Cunha from different angles
Euclides da Cunha por vários ângulos
História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 26, núm. 1, Suppl., pp. 261-263, 2019
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz
![]() | HECHT Susanna. The scramble for the Amazon and the lost paradise of Euclides da Cunha. 2014. Chicago. The University of Chicago Press. 632pp. |
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Essa obra merece uma crítica inicial: trata-se de “vários livros” encadernados sob título e capa únicos. Além da descontinuidade entre seus componentes, a obra é um conjunto de livros enorme e heterogêneo, difícil de ler. Ainda assim, o conteúdo é valioso para quem se interesse por Euclides da Cunha e/ou pelo prolífico trabalho de Hecht sobre a Amazônia; no entanto, a obra não é para iniciantes.
Hecht é doutora em geografia pela University of California (Berkeley) e professora da University of California (Los Angeles). É veterana estudiosa do Brasil e da América Latina, sobre os quais publicou livros e artigos, especialmente a respeito de questões socioambientais, como The fate of the forest: developers, destroyers, and defenders of the Amazon (com Alexander Cockburn; edição atualizada em 2011) e Soy, globalization, and environmental politics in South America (com Gustavo L.T. Oliveira, 2017 ).
Hecht parece ter se cansado de escrever simultaneamente três ou quatro textos diferentes e resolveu unificá-los nessa obra. Isso resultou num produto de difícil definição: não é um livro de texto corrido, nem uma coletânea. Colocar vários textos inacabados sob um título único deu um fecho inadequado ao enorme trabalho da autora. O resultado exige que o leitor tente dar unidade ao descosturado texto final. Apesar disso, a qualidade da pesquisa, a forte capacidade analítica da autora, e a riqueza das fontes recomendam a leitura da obra aos interessados em Cunha e na região amazônica brasileira.
O título, apesar de longo, curiosamente não descreve o conteúdo da obra. Para fins da escrita desta resenha, identifico pelo menos “seis” livros distintos nessas 632 páginas:
É impressionante a rica massa de livros analíticos e documentais, artigos e materiais primários usados e citados por Hecht, incluindo correspondências de Cunha aparentemente não usadas antes por outros estudiosos. A autora se deu ao trabalho de traduzir para o inglês longos trechos das cartas e anotações de diário de Cunha. Ela focaliza fundamentadamente muitas questões relevantes da ocupação europeia e brasileira da Amazônia, mas se permite interpretações embasadas apenas em suas preferências políticas.
A longa parte “biográfica” sobre o drama familiar e a morte de Cunha tem narrativa e temática que não “colam” com as quase quinhentas páginas anteriores e nada acrescentam ao Cunha “homem público”, escritor, “intérprete” do Brasil. Além disso, Hecht tenta – e não convence – promover Ana de Assis (esposa de Cunha) como precursora da afirmação feminista no Brasil, uma aguerrida Anna Karenina dos trópicos.
É quase ridículo o contraste artificioso que Cunha faz na parte (5) entre os “caucheiros” peruanos e os seringueiros brasileiros. Sem críticas de Hecht, Cunha argumenta que os “caucheiros” seriam “predadores” de árvores chamadas caucho (nome popular; Castillo aulei ), das quais tiravam látex e por isso seriam incapazes de construir instituições. No caso dos seringueiros brasileiros, Cunha os entroniza “patrioticamente” como construtores da nacionalidade brasileira, ou nation builders , nas plagas amazônicas, pelo mero fato de serem “sedentários”. A alegada virtude “cívica” dos seringueiros residiria no fato de eles não derrubarem as seringueiras ( Hevea brasiliensis ) para retirar o látex. A própria Hecht, no entanto, descreve os seringueiros como trabalhadores criminosamente transplantados, mal adaptados e profundamente espoliados, ou seja, mal preparados para serem nation builders , e mesmo atores “ecologicamente adaptados” à floresta tropical.
Se Hecht publicou esse livro como “obra de maturidade”, a sua opção foi lamentável. O escrito se baseia em muitos anos de leituras e pesquisa e contém vários textos independentes que ficaram “escondidos” pela falta de tempo, ou de vontade, da autora para os construir separadamente.
REFERÊNCIAS
HECHT, Susanna; OLIVEIRA, Gustavo L.T. (Ed.) Soy, globalization, and environmental politics in South America. London: Routledge. 2017.
HECHT, Susanna. The scramble for the Amazon and the lost paradise of Euclides da Cunha. Chicago: The University of Chicago Press. 2014.
HECHT, Susanna; COCKBURN, Alexander (Ed.). The fate of the forest: developers, destroyers, and defenders of the Amazon. Chicago: The University of Chicago Press. Updated version. 2011.