CARTA DOS EDITORES
Apesar de não serem suficientemente apreciadas pela maioria dos pesquisadores, as resenhas por muito tempo têm sido um recurso fundamental para informação e divulgação entre especialistas, bem como para a reafirmação de vínculos entre estes e o fomento de debates entre os historiadores (Sarton, 1950). O(A) autor(a) de uma resenha é um(a) mediador(a) entre um livro recentemente publicado e uma comunidade de especialistas que não leu a obra, mas anseia tomar conhecimento das novidades ali contidas. A resenha pode ajudá-los(as) a decidir se devem, ou não, ler a obra. Queremos fornecer nesta Carta dos Editores de História Ciências, Saúde – Manguinhos algumas reflexões que consideramos pertinentes para a valorização e a elaboração de uma resenha.
Antes de escrever uma resenha, o(a) autor(a) desse tipo de texto deve ler outras resenhas e estudar com cuidado as orientações ou instruções do periódico onde pretende publicá-la. Há em primeiro lugar um assunto ético para ser destacado. Embora a resenha possa ser escrita por pessoas mencionadas nos agradecimentos do livro, não é correto que ela seja feita por uma pessoa que seja ou tenha sido parente próximo(a), amigo(a) pessoal, assistente de pesquisa, orientador(a) ou orientando(a) de uma tese, parecerista da editora do texto a ser resenhado ou autor(a) do prólogo do livro (simplesmente porque nos casos mencionados pode haver conflito de interesses). E sempre deve ser evitado oferecer ou aceitar resenhar a mesma publicação para dois periódicos diferentes.
Escrever uma resenha é uma maneira de exercitar a escrita de texto com extensão limitada (geralmente, cerca de mil palavras nas revistas acadêmicas) e de polir a voz própria e reflexiva de um(a) pesquisador(a) jovem. É, ademais, uma via acessível de publicação, porque os(as) editores(as) de um periódico brasileiro geralmente não recebem resenhas suficientes ou não encontram resenhistas disponíveis. A menos que as instruções aos(às) autores(as) versem o contrário, é normal que um(a) autor(a) em potencial escreva ao(à) editor(a) de uma revista de história propondo voluntariamente fazer a resenha de determinada obra. A maioria dos(as) editores(as) vai responder afirmativamente a essa proposta, sempre que os(as) resenhistas se comprometam a realizá-las profissionalmente, fornecendo a informação bibliográfica completa do livro (como autoria, título completo, editora, cidade de publicação, ano e número de páginas, conforme listados na ficha catalográfica). É verdade que se perde neste oferecimento de escrita voluntária a possibilidade de receber um livro de maneira gratuita (algumas revistas costumam oferecer uma cópia física ou eletrônica); entretanto, é uma oportunidade para ler com cuidado um livro relevante para a pesquisa do(a) resenhista. A publicação de resenhas também se origina de convites feitos pelos(as) editores(as) das revistas, a partir de demanda dos(as) próprios(as) autores(as) ou da editora do livro (que de praxe disponibiliza uma cópia da obra), pois são eles(as) os(as) interessados(as) em visibilizar e divulgar a publicação para os(as) potenciais leitores(as).
Ainda assim, temos observado que o fluxo de submissão espontânea ou induzida de resenhas tem diminuído nos últimos anos (Caldeira, Silveira, 2019). Uma explicação pode ser que tradicionalmente, e infelizmente, os comentários aos livros pouco reverberam no prestígio acadêmico de seus(suas) autores(as). Mais recentemente, outra explicação talvez seja as limitações no acesso às cópias físicas das obras, diante das vicissitudes dos correios durante a pandemia da covid-19. Apontamos também a existência de uma injusta desvalorização das resenhas como produção intelectual e científica pelas agências de fomento. Vale insistir que as resenhas podem ser um exercício de escrita crítico e reflexivo, essencial para a construção do repertório intelectual do(a) pesquisador(a).
Em muitas revistas, como em História, Ciências, Saúde – Manguinhos , as resenhas recebem o identificador de objeto digital ( digital object identifier , DOI), um identificador persistente, e podem ser incluídas no conjunto da produção do(a) pesquisador(a). Escrever uma resenha não denota que seu(sua) autor(a) seja uma autoridade do campo. Certamente, a resenha será mais fácil para os familiarizados com o tema, mas as opiniões de todos(as) os(as) pesquisadores(as) são legítimas. Um recurso comum e válido para jovens cientistas não especialistas na historiografia circunscrita ao livro reside em centrar a análise em aspectos intrínsecos à obra, como clareza no estilo e coerência, acessibilidade e consistência das interpretações e argumentações, e não se ocupar em demasia com o contexto historiográfico.
Fazer uma boa resenha requer um trabalho cuidadoso de leitura, contextualização e resumo do argumento principal da obra (Moreira, 2021). Para realizar esse trabalho, é necessário ler fazendo anotações e registrar comentários que possam ser úteis posteriormente no conteúdo da resenha. Ainda assim, esse esforço implica, idealmente, conhecer algo da trajetória dos autores e das autoras para conferir se são especialistas no tema abordado ou se a obra trata de um tema novo em relação a seus trabalhos anteriores. A resenha de um livro – especialmente uma coletânea com vários(as) autores(as) – não é um relato de todo o seu conteúdo. Ainda que obviamente a sequência e a organização de uma resenha não necessitem ser ajustadas a uma ordem prévia, em geral, as resenhas possuem dois grandes eixos. Metade do texto deve ser dedicado à descrição breve do argumento central e da metodologia da obra. Essa parte inicial contém assuntos como recorte cronológico, região ou problema analisado e organização dos capítulos e/ou se o livro é parte de uma série da editora. Sendo o livro uma edição com vários(as) autores(as), a escrita deve focalizar a apresentação dos(as) organizadores(as) e um ou dois capítulos que o(a) resenhista queira destacar. A segunda metade da resenha deve apresentar comentários críticos e equilibrados, sem faltar ao respeito com os(as) autores(as) nem utilizar expressões agressivas, sarcásticas, negativas ou que sugiram uma atitude de superioridade do(a) resenhista. Ainda que o livro seja considerado de baixa qualidade, quase sempre existe a possibilidade de avaliar as debilidades e os pontos fortes do tema, sobretudo se a obra foi publicada por uma editora acadêmica prestigiada, cuja publicação foi seguramente avaliada por pares. Por outro lado, elogios lançados sem sobriedade e exagerados denotam falta de credibilidade do(a) resenhista.
Assuntos possíveis de serem tratados na seção crítica da resenha são: menções às possíveis contribuições do livro à historiografia existente; apreciação sobre a pertinência e originalidade das ideias desenvolvidas para os debates contemporâneos na área; comentários sobre a atualidade da bibliografia secundária utilizada; e, no equilíbrio entre a descrição e a análise, destaque para a existência de coleções ou arquivos relevantes que, por ventura, não foram consultados ou elogio a materiais inéditos e úteis a outros(as) historiadores(as) apresentados no livro. A seção crítica deve, sobretudo, discutir se as evidências da obra são capazes de provar os argumentos, citando um exemplo em que exista consonância ou discordância entre os dados e o argumento.
Finalmente, as resenhas costumam ser concluídas com uma indicação sobre quais públicos podem se interessar mais pela publicação. O(A) resenhista pode enunciar se recomenda o livro para leitores(as) não especialistas (no caso de uma obra de difusão), ou para algum grupo ou combinação dos seguintes: estudantes, jovens pesquisadores(as) e/ou profissionais do tema, do período ou da região estudados pelo livro.
Although they are not sufficiently appreciated by most researchers, book reviews have long been a fundamental resource for information and dissemination among specialists, as well as for reaffirming ties between these individuals and stimulating debate among historians (Sarton, 1950). The author of a review is a mediator between a recently published book and a community of specialists who have not read the book but wish to know what novelties it contains. The review helps them decide whether they should read it or not. In this Editors’ Letter of História, Ciências, Saúde – Manguinhos we wish to share some reflections we consider relevant about drafting and adding value to book reviews.
Before writing a book review, authors of this type of text should read other reviews and carefully examine the suggestions or instructions from the journal where they intend to publish it. Before anything else, we must call attention to an ethical topic: although reviews can be written by people mentioned in the acknowledgments of the book, they should not be written by close relatives, personal friends, advisors, reviewers at the publisher, or authors of the prologue (simply because all these cases can involve conflicts of interest). And offering or agreeing to review the same text for two different journals should always be avoided.
Writing a book review is a way to practice writing a smaller text (the limit is generally around 1,000 words in academic journals) and offers early-career researchers a chance to polish their own voices and reflections. It is also an accessible route to publication, since editors of Brazilian journals generally do not receive enough reviews or have difficulty finding authors available to write them. Unless the journal’s instructions for authors state otherwise, it is common for potential authors to write to the editors of a historical journal volunteering to review a certain text. Most editors will accept this offer, as long as the authors agree to do so in a professional manner, providing the complete bibliographical information for the book (such as author, complete title, publisher, city of publication, year, and number of pages, according to its cataloging data). It is true that by volunteering, authors lose the chance to get a free book to review (some journals often offer a hard or electronic copy), but it is an opportunity for them to read texts in detail that may be relevant for their own research. Reviews may also be published at the invitation of journal editors, responding to requests from the authors of the book or the publisher (which usually provides a review copy), since it is in their interest to publicize the text among potential readers.
Still, the numbers of spontaneously submitted or invited reviews have dropped in recent years (Caldeira, Silveira, 2019). One reason may be that traditionally (and unfortunately) commentary on books has little repercussion in terms of academic prestige for those who write these reviews. More recently, another explanation could be limited access to hard copies of texts resulting from the unpredictable nature of the postal service during the covid-19 pandemic. Some funding institutions also unfairly disregard book reviews as intellectual and scientific production. We maintain that book reviews can be an exercise in critical and reflective writing, which is essential for researchers as they construct their intellectual repertoires.
In many journals, such as História, Ciências, Saúde – Manguinhos , book reviews are assigned a digital object identifier (DOI) and can be incorporated into the author’s professional publications. Writing a book review does not imply that its author is an authority in the field; certainly, writing one will be easier for individuals familiar with the topic, but all researchers hold legitimate opinions. One common and valid tactic for early-career scientists who are not specialized in the historiography contained in the book is to focus the analysis on the aspects intrinsic to the text such as clear style and coherence, accessibility, and consistency of interpretations and arguments, and to not focus too much on the historiographic content.
A good book review requires careful reading, contextualization, and summary of the text’s main arguments (Moreira, 2021). Those who write reviews must take notes while reading and record comments that could be useful later. This effort ideally also involves familiarity with the authors and their trajectory in order to determine whether they specialize in the subject matter or if the book addresses a new topic compared to previous work. Book reviews (especially for collections featuring work by various authors) should not report on the entire contents. Although book reviews are not required to follow any established sequence or organizational scheme, they generally contain two main features. Half of the text should be dedicated to a brief description of the central argument and the methodology of the book. Among other aspects, this initial section describes delineation in terms of time, region, or problem analyzed, as well as how the chapters are organized and whether the text is part of a published series. If the book is a collection featuring various authors, the review should focus on the introduction by the editor(s) and one or two notable chapters. The second half of the review should present critical but balanced commentary, and should avoid aggressive, sarcastic, or negative expressions or implied superiority. Even if the book is considered poor quality, the strong and weak points of the topic can almost always be assessed, particularly if the text was published by a prestigious academic publisher and underwent peer review. Meanwhile, exaggerated praise indicates that the reviewer may lack credibility.
Topics that can be addressed in the critique section of a book review include mentioning the book’s potential contributions to the existing historiography, appreciation of the relevant and original ideas in terms of contemporary debates in the area, comments on whether the secondary references are up to date, and the balance between description and analysis, highlighting the existence of relevant collections or archives that may not have been consulted, or praise for groundbreaking materials presented in the book that will be useful to other historians. Above all, the critique section should discuss whether the evidence used in the text can prove its arguments, and should cite examples where the data and argument agree or diverge.
Finally, reviews tend to conclude with recommendations about which audiences may be most interested in the book. The reviewer may suggest the book to lay readers (in the case of scientific dissemination), students, early-career researchers, specialists in the area, period, or region addressed in the book, or any combination of these groups.
REFERÊNCIAS
CALDEIRA, Ana Paula Sampaio; SILVEIRA, Anny Jackeline Torres da. Resenhas: um gênero à margem entre os historiadores. Varia Historia, v.35, n.68, p.397-401, 2019.
MOREIRA, Martha Cristina Nunes. Resenhas críticas: sobre livros, leituras e leitores críticos. Cadernos de Saúde Pública, v.37, n.10, e00175921, 2021.
SARTON, George. Notes on the reviewing of learned books. Isis, v.41, n.2, p.149-158, 1950.