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O conservadorismo no Brasil e nos Estados Unidos no século XXI. Caracterizando a Maré conservadora
Conservatism in Brazil and the United States in the 21st Century. Characterizing the Conservative Tide
Revista SAAP, vol. 18, no. 2, pp. 431-459, 2024
Sociedad Argentina de Análisis Político

Artículo


Received: 31 July 2023

Accepted: 16 July 2024

DOI: https://doi.org/10.46468/rsaap.18.2.a6

Resumo: O século XXI assistiu à ascensão do conservadorismo na política. Nesse contexto, propomos a seguinte questão: Como as percepções de crise e o conservadorismo latente se relacionam com a proeminência do conservadorismo explícito no Brasil e nos Estados Unidos? Argumentamos que este fenômeno ocorre através de percepções de crise e instabilidade, que são proporcionalmente determinadas pelo nível de conservadorismo latente na cultura política. Usando dados do WVS coletados entre 2001 e 2018 e análises fatoriais e de rede, concluímos que 1) a relação entre percepções situacionais e atitudes e comportamentos conservadores é mediada por crenças; 2) há um declínio longitudinal nos indicadores de cultura política conservadora; 3) o avanço do conservadorismo parece ser um sistema no qual as variáveis se retroalimentam, resultando em ativação comportamental.

Palavras-chave: Conservadorismo, Brasil, Estados Unidos, Século XXI.

Abstract: The 21st century has seen the rise of conservatism in politics. In this context, we pose the following question: How do perceptions of crisis and latent conservatism relate to the prominence of overt conservatism in Brazil and the United States? We argue that this phenomenon occurs through perceptions of crisis and instability, which are proportionally determined by the level of latent conservatism in the political culture. Using WVS data collected between 2001 and 2018 and factor and network analysis, we conclude that 1) the relationship between situational perceptions and conservative attitudes and behaviours is mediated by beliefs; 2) there is a longitudinal decline in indicators of conservative political culture; 3) the advance of conservatism appears to be a system in which variables feed back on each other, resulting in behavioural activation.

Keywords: conservatism, Brazil, United States, 21st Century.

1. Introdução

Notadamente, muito tem se falado sobre as chamadas ondas -ou, como preferimos denominar, marés- conservadoras que periodicamente assumem protagonismo nos cenários políticos nacionais e internacional. Com efeito, esse é precisamente o caso do Século XXI, especialmente na última década. Visando a contribuir para essa discussão, começamos propondo um conceito objetivo e empírico de conservadorismo. Neste estudo, o conceito de conservadorismo é entendido como o conjunto de pressupostos que orientam os indivíduos à preferência de tudo que for tradicional e conhecido, em detrimento da inovação ou transformações (Duarte, 2023).

Existem esforços teóricos na direção de retratar o pensamento conservador ou os principais componentes simbólicos e estruturais presentes nos argumentos dos autores de maior referência no conservadorismo (Huntington, 1957; Hirschman, 1992; Kirk, 1953). Contudo, ainda não é uma discussão robusta teoricamente e carece, acima de tudo, de um potencial aplicado à realidade, isto é, de capacidade empírica e de mensuração. Conforme veremos na revisão teórica, a literatura disponível sobre o tema é composta, fundamentalmente, pelos próprios autores conservadores e por autores que buscam descrever e classificar o ideário conservador de forma mais abstrata e normativa do que analítica.

Outrossim, temos como objetivo central investigar a natureza dessa ascensão conservadora. Dito de outro modo, buscamos averiguar as características dos processos que têm tornado o conservadorismo mais saliente na política atual. Pesquisas de opinião pública, entre elas o World Values Survey, têm mostrado uma redução nas proporções de crenças, valores e atitudes conservadores. A noção de que o avanço do conservadorismo não é necessariamente quantitativo, mas sim uma ativação comportamental, sugere que o mesmo pode estar sempre presente em uma sociedade, mas sua expressão pode variar dependendo do contexto e das condições sociais e políticas.

Portanto, a pergunta de pesquisa aqui proposta é a seguinte: Como a percepção de ameaças e o conservadorismo latente se relacionam com a saliência do conservadorismo manifesto nos cenários políticos de Brasil e Estados Unidos no início do século XXI? Destarte, na nossa perspectiva, o que ocorre é uma ativação do conservadorismo latente já préexistente na sociedade mediante percepções de instabilidade.

Desse modo, seguindo uma abordagem mais psicossocial dos fenômenos políticos e sociais (Inglehart, 2003; Almond e Verba, 1965; Morlino, 2009), consideramos que no aspecto mais amplo desse processo estão as estruturas econômicas, sociais e históricas que formam as crenças e valores mais profundos. Na parte intermediária, como um gatilho, estaria a percepção de ameaça que pode ocorrer quando indivíduos com predisposições conservadoras se deparam com crises (políticas, econômicas) ou com movimentos sociais que proponham mudanças nos modelos tradicionais de organização social. Por fim, essa percepção sobre supostas ameaças à estabilidade social ativaria a manifestação do conservadorismo latente.

A ideia de que o conservadorismo pode ser ativado por percepções de crise e instabilidade é consistente com teorias sociais e psicológicas que sugerem que as pessoas tendem a buscar segurança e estabilidade em tempos de incerteza. Nesses momentos, valores tradicionais e conservadores podem se tornar mais atrativos, oferecendo uma sensação de ordem e continuidade em meio ao caos percebido. À vista disso, atitudes e comportamentos conservadores ganham maior ou menor destaque e aderência conforme a congruência existente entre os argumentos conservadores e o conservadorismo latente em cada sociedade.

Devido à disponibilidade de dados e, principalmente, à importância política de líderes e movimentos políticos conservadores recém estabelecidos, os casos selecionados para a análise são Brasil e Estados Unidos. De forma reduzida, a escolha desses casos atende aos seguintes critérios: o nível de impacto do avanço conservador dentro do contexto ocidental e a necessidade de incorporação no estudo de casos que possuam em comum o avanço do conservadorismo, ao mesmo tempo que apresentam estruturas políticas e culturais diferentes.

Utilizamos os dados do World Values Survey2 por três motivos centrais: 1) a qualidade e abrangência temporal da pesquisa, 2) a quantidade de dados para os casos estudados e, por fim, 3) a experiência, familiaridade e proximidade com o survey. Além disso, foi adotada uma abordagem metodológica quantitativa na sistematização dos dados e na execução dos testes estatísticos. No que diz respeito à instrumentalização das variáveis teremos três dimensões principais: percepção de ameaça, conservadorismo latente e conservadorismo manifesto. No aspecto conjuntural será considerada a percepção sobre instabilidade, situação política, insegurança, conflitos e condições de vida. Pela dimensão cultural latente serão identificados crenças e valores que sejam congruentes com o pensamento conservador. O conservadorismo manifesto será mensurado por atitudes e comportamentos conservadores.

Sobre os métodos aplicados, efetuamos análises fatoriais a fim de conferir robustez e coesão às dimensões analíticas construídas à priori teoricamente, bem como reduzilas em conjuntos de variáveis suficientemente significativas estatisticamente. A seguir, na segunda parte dos resultados, temos os cruzamentos feitos por meio da análise de redes. Este método foi escolhido como teste principal do estudo, por estar em congruência com o argumento teórico proposto. Isto é, esse modelo nos permite avaliar o desempenho e as relações entre as variáveis a partir de um sistema interconectado; mensurando as correlações entre todas as dimensões do estudo e considerando a interferência das demais.

Na próxima seção apresentamos a contextualização sobre a ascensão do conservadorismo neste século no Brasil e nos Estados Unidos. A seguir apresentamos as discussões e construções teóricas considerando as definições dos conceitos utilizados e também a argumentação que sustenta a pesquisa. Por fim, apresentamos os resultados estatísticos e as conclusões sugeridas a partir da análise.

2. O Avanço de manifestações conservadores no Brasil e Estados Unidos Século XXI

Dentre as principais conturbações na estabilidade do continente ocidental neste século, podemos citar as crises políticas de representação e a crise migratória, as crises econômicas que atingiram países por toda América e Europa, a crise sanitária da Covid19 e desafios imensos aos direitos humanos.

No contexto norte-americano, o acontecimento mais importante a ressaltar é a eleição de Donald Trump em 2016, com sua frase de impacto muito bem-sucedida: “fazer a América grande novamente”; isto é, instrumentalizando claramente uma concepção de que é preciso reformar o país em direção a padrões políticos, econômicos e morais passados ou tradicionais. A candidatura e vitória de Trump foi expressão de alguns dos principais elementos presentes no pensamento conservador: a ideia de que o que há de melhor e mais natural na sociedade está enraizado no passado, o nacionalismo enquanto figura argumentativa, a defesa da redução ou reparação da ampliação de direitos civis, políticos e sociais a determinados grupos da sociedade.

Durante todo seu mandato, entre altos e baixos, Trump e sua equipe buscaram manter sua imagem de protetor da liberdade econômica e herói da classe média ameaçada pelos estrangeiros (Bleiker, 2020). Além disso, outra característica da marca pessoal de Trump, comum a Bolsonaro, é a ideia de um líder forte e autêntico. Nesse sentido, Melania Trump enfatizou em entrevista sobre o marido que “Goste ou não, você sempre sabe o que ele pensa” (Bleiker, 2020).

No entanto, a predominância de Trump e do Partido Republicano, mesmo tendo sido resultado de um movimento conservador ascendente e robusto, não se manteve nas eleições presidenciais americanas de 2020. O democrata Joe Biden foi eleito conquistando estados chave como: Pensilvânia, Georgia, Wisconsin e Arizona.

Com isso, é importante para esse estudo explorar o seguinte questionamento: o resultado das eleições de 2020 nos Estados Unidos põe fim ou mesmo nega a existência de um avanço conservador no país? Começamos a responder pontuando que a figura de Trump enquanto presidente perdeu as eleições, isso é fato, porém a base ideológica e republicana conservadora se mantém consolidada (Zurcher, 2021).

Neste sentido, podemos destacar a atuação do Capitol Ministries, grupo cristão conservador norte-americano criado para evangelizar lideranças políticas. O grupo vem se consolidando desde 2000 e, durante o governo Trump, ganhou espaço dentro da Casa Branca a partir de um discipulado de estudos bíblicos. A principal função da organização é oferecer argumentos baseados na bíblia para justificar ações políticas; como por exemplo: a adoção de medidas de restrição à entrada de imigrantes no país (Dip; Viana, 2019).

Seguindo a análise do avanço conservador, no Brasil é possível destacar o aumento da força de figuras como Jair Bolsonaro e sua consequente eleição à presidência da república em 2018. O expresidente brasileiro instrumentaliza uma argumentação em torno do nacionalismo e do saudosismo à ordem passada, negando as transformações políticas e, principalmente, econômicas e sociais ocorridas no país durante o período democrático mais recente. Pelo lado moral do conservadorismo, incorpora o discurso acerca de discussões sobre sexualidade e gênero, fundamentando-se em pressupostos religiosos (Burity, 2020).

Outra possível expressão do avanço do movimento conservador no país é o crescimento da bancada religiosa no Legislativo - há 180 deputados em exercício e quatro senadores que fazem parte da Frente Parlamentar Evangélica. Nessa bancada, os políticos atuam, fundamentalmente, a partir de pressupostos cristãos, em sua maioria evangélicos. Além disso, houve o aumento do número de fiéis religiosos no país. Conforme dados do IBGE (2010), o acréscimo foi de 61% em relação à década passada (2000-2010).

Com efeito, o conteúdo conservador desses mandatos reside nas principais bandeiras dos parlamentares (conforme suas plataformas de campanha política online e na televisão): 1) pelo lado da demanda por segurança pública, aparecem: a) a redução da maioridade penal como uma solução essencialmente punitivista; b) o esvaziamento do estatuto do desarmamento como uma forma simples e planificada de estabelecer a ordem; 2) a diminuição da quantidade de terras indígenas demarcadas em prol da propriedade privada e da suposta produtividade do país; e 3) o projeto Escola Sem Partido como uma negação da inclusão nas escolas de temas que firam o que é compreendido como a ordem natural social e familiar - concepção geralmente associada a crenças religiosas.

Seguindo o caráter adaptativo do discurso conservador ao contexto no qual se insere, em seu avanço mais recente podemos observar a adoção de bandeiras diversificadas, como: defesa da família e da ordem, temáticas morais e religiosas, medo e negação do estrangeiro ou culturalmente diferente, entre outros. Contudo, todas essas dimensões continuam se circunscrevendo a um pensamento uníssono essencialmente conservador, tais como: a crença na existência de uma natureza humana errática, a valorização de aspectos tradicionais e religiosos e a sobreposição do coletivo sobre o individual. Sobre esse último aspecto, pontuamos que, apesar de condutas individualistas de Jair Bolsonaro e Donald Trump, argumentos retóricos comunitaristas foram adotados por ambos com o objetivo de defender as normas de conduta moralistas e religiosas que deveriam ser seguidas pela sociedade.

Correlacionado à ascensão conservadora, a extrema direita também foi “reativada”, nos termos de Singer (2021), no contexto ocidental. Com efeito, a atuação dos atores e grupos conservadores que ganharam destaque no Brasil e nos Estados Unidos no período recente está associada a outras formas convergentes de atuação política e ideológica, são elas: a direita política, o autoritarismo e o reacionarismo (González, Baquero y Grohmann, 2021).

A este respeito Michel Lowy (2015) demonstra de forma muito efetiva a associação mais recente entre o conservadorismo e a extrema-direita fascista. Isto também foi posto em tela por Burity (2020; 2021) em seus estudos sobre a relação entre a atuação política de grupos religiosos conservadores no campo da direita no Brasil. Destarte, neste trabalho pretendemos contribuir para essa discussão ao focar de forma mais concentrada e aprofundada no tema do conservadorismo.

Seguindo a estrutura lógica, após a contextualização do avanço conservador e antes de partir para a análise de dados, na seção a seguir, apresentamos o debate e as construções teóricas que determinam o enquadramento e a instrumentalização da pesquisa.

3. Enquadramento teórico

A teoria para pensar o conservadorismo

Começamos destacando um ponto quase universal do conservadorismo no qual se baseiam boa parte de seus pressupostos: a crença de que o homem é naturalmente falho e todas as suas ações para mudar a natureza das coisas está fadada ao fracasso, não havendo a possibilidade de uma justiça ou estabelecimento de uma ordem perfeita a partir da humanidade (Steiner, 1989). Em consequência, para os conservadores, as tradições são formas de conhecimento implícitas, incorporadas e compartilhadas na sociedade, por isso devem ser preservadas e reproduzidas mesmo quando não se é mais possível explicá-las ou justificá-las pela passagem do tempo (Scruton, 2015).

Quando aplicado à ação política e social, o conservadorismo pode ser entendido como um movimento que se preocupa em entender o mundo a partir de princípios morais e, ainda, agir de modo a preservá-lo ou reestruturá-lo em sua forma ordenada e natural (Nash, 1976).

Nesta lógica, o ser conservador é composto de disposições tidas como naturais em se contentar com o que existe no presente e recusar opções futuras incertas, mobilizando-se em torno dos sentimentos de perda e medo (Oakeshot, 1991). Desse modo, o governo ideal seria moderado e não abriria margem para paixões (Burke, 1982; 2012).

Classificando de maneira didática, conforme sugere Scruton (2015), o conservadorismo pode ser classificado em duas vertentes principais: metafísico e empírico. Sendo o primeiro relacionado à crença e à valorização dos aspectos tradicionais da sociedade e à necessidade de defendê-los. O conservadorismo empírico é um fenômeno moderno resultante das reações desencadeadas por movimentos de mudanças.

Ainda sobre a definição e caracterização do que seria o espírito conservador, Mannheim (1982) também faz uma divisão metodológica do conceito. Nessa classificação o conservadorismo pode ser identificado como natural ou moderno. No primeiro o tradicionalismo é adotado como uma atitude geral psicológica espontânea da humanidade em sua busca pela segurança e negação do novo. Em uma vertente moderna, a concretude e objetividade são fundamentais, por isso, a tradição absorvida de forma mais consciente, como resultante de condições históricas específicas. Nesse contexto, o propósito é lidar de maneira reformadora, reflexiva e gradual em relação aos novos cenários que se apresentam.

A partir do estudo das ideias de autores conservadores, Ricupero (2010) reforça a ideia de que o conservadorismo dá grande importância à história. Neste contexto, elemento central para os conservadores é a coexistência, enquanto para os progressistas é a sucessão.

Outra característica marcante do conservadorismo é o entendimento de que a liberdade e propriedade são identificadas como lados de uma mesma moeda. Dessa forma, afirmase que é importante a manutenção da divisão natural da ordem de classes enquanto uma expressão saudável do princípio da diversidade social. Além disso, transformações devem ser vistas de forma desconfiada e cautelosa, especialmente quando essas partem de abstrações, resultando em uma preferência por reformas que sejam realmente salutares e que se deem de forma gradual (Kirk, 1953).

A partir das diferentes interpretações feitas sobre o conservadorismo, elencase um conjunto de princípios básicos do pensamento conservador. Primeiramente, a religiosidade, dado que o homem seria por natureza um animal religioso, e, com isso, a religião é a base da sociedade civil. A partir disso, a sociedade se mantém enquanto um produto natural e orgânico do desenvolvimento gradual ao longo de sua trajetória. Aponta-se, ainda, que a adoção de prudência e cautela são fundamentais uma vez que a ação humana é orientada, fundamentalmente, por emoções e instintos. A lógica da comunidade deve sempre se sobrepor ao indivíduo e dentro desse contexto os homens são naturalmente desiguais. Além disso, as estruturas tradicionais e naturais devem sempre ser preferíveis a qualquer modelo político novo (Huntington, 1957).

Em termos gerais, partir dessa digressão teórica, compreendemos o conservadorismo como um conjunto de pressupostos que orientam os indivíduos à preferência de tudo que for tradicional e conhecido em detrimento da inovação ou transformações. Desse modo, os princípios conservadores estão diretamente atrelados a alguns pressupostos básicos: medo ou receio do novo/desconhecido, desconfiança em relação à mudança e à ação puramente humana, apreço por normas morais, hierarquias, instituições e comportamentos tradicionais. O nível de conservadorismo de uma sociedade ao longo do tempo se expressa através da forma pela qual essas crenças estão incluídas e enraizadas nos valores e nos princípios morais e na intensidade com que balizam as percepções, atitudes e comportamentos.

Por fim, vale notar que, quando aplicado de forma pragmática, a ideia normativa de defesa e manutenção da ordem não se refere a “qualquer ordem”, mas a uma ordem muito específica. Dito de outro modo, as forças conservadoras, na prática, atuam direcionadas à defesa de crenças, valores e princípios morais alinhados com elementos ideológicos do conservadorismo, mesmo que isso implique adotar estratégias mais radicais e disruptivas; como os discursos e ações antissistema adotados por Bolsonaro e Trump enquanto candidatos, presidentes e expresidentes.

A teoria para pensar o avanço do conservadorismo

Conforme mencionado anteriormente, este estudo propõe que o conservadorismo pode assumir formatos latentes e manifestos de acordo com a sua configuração em cada sociedade e com a percepção da conjuntura em que se insere. Igualmente, acredita-se que a presença desses traços pode atuar de duas formas: reforçando crenças e valores já internalizados ou favorecendo a expressão dessas orientações de forma mais explícita.

Com efeito, as manifestações do conservadorismo ascendem enquanto uma reação à percepção de instabilidade, insegurança e incerteza - especialmente quando estão em cena pautas progressistas. À vista disso, essas atitudes e comportamentos ganham maior ou menor destaque e aderência conforme a congruência existente entre os argumentos conservadores e a cultura política de cada sociedade. Em outras palavras, o pensamento conservador, que até então estava latente, ganha caráter manifesto a partir de um padrão na dinâmica política e social e se potencializa na mesma medida em que encontra adesão na cultura política dos indivíduos.

Corroborando o argumento proposto nesta pesquisa, há um entendimento por parte da literatura de que forças situacionais afetam a congruência entre valores, atitudes e comportamentos (Schuman e Johnson, 1976). Com efeito, quando as pessoas estão em cenários que as deixam incapazes de pensar cuidadosamente sobre suas ações - como receio, ansiedade ou medo - atitudes podem definir mais diretamente o comportamento (Baumeister e Finkel, 2010). Adaptando essa lógica para o objeto deste estudo, podese afirmar que, quando há a percepção de instabilidade enquanto uma ameaça, as pessoas tendem a ativar de forma mais automática suas crenças e valores em forma de comportamentos e atitudes.

A este mesmo respeito, Eagly (2008) afirma que uma atitude constituída pode ser expressa de maneira comportamental. Essa conversão ocorre porque os valores estabelecidos determinam tendências de resposta aos objetos com base em avaliações dos mesmos (Manstead, 2001). Considera-se ainda a possibilidade de em alguns momentos os indivíduos possuírem avaliações ambivalentes e isso enfraquecer a capacidade de predição do comportamento, contudo estas percepções continuam a influenciar as ações (Baumeister, Finkel, 2010). Entretanto, Festinger (1957) é assertivo em afirmar que quando há dissonância as pessoas tendem a buscar alinhar valores, atitudes e comportamentos de um modo geral.

Pensando metodologicamente a teoria, os termos latentes e manifesto são ferramentas para descrever como atuam as crenças e os valores, por um lado, e as atitudes e o comportamento, por outro, no fenômeno do avanço do conservadorismo no século XXI. As principais referências sobre o uso desses conceitos são Merton (1968), Almond e Coleman (1969) e Ekman e Amna (2012). Tanto nesses estudos quanto nesta pesquisa, a ideia central é a de que há elementos sociais que são conscientes, intencionais e explícitos, enquanto outros, de igual importância e validade, são não intencionais e ocorrem de maneiras menos perceptíveis. É importante notar que esta definição comum é aplicada a objetos de estudo bastante diferentes entre si, não implicando o compartilhamento da construção teórica ou metodológica como um todo. No quadro 1, apresentamos o resumo sintético dos elementos operacionais e conceituais desse estudo:




Com base na discussão teórica estabelecida até aqui, o modelo proposto afirma que o fenômeno do avanço do conservadorismo envolve duas dimensões fundamentais compostas pela percepção de uma conjuntura ameaçadora de instabilidade e um conservadorismo latente. Uma vez estabelecidos os parâmetros teóricos do estudo, partimos para a descrição da metodologia, instrumentalização da pesquisa e resultados obtidos.

4. Mensuração e Análise Empírica

Os dados utilizados são extraídos da maior pesquisa de valores e opinião pública mundial, a World Values Survey, que conta com bancos de dados de ondas de pesquisa tipo survey efetuadas em mais de 100 países. Essa pesquisa contém blocos temáticos de informações com as percepções dos indivíduos e oferece variáveis que comportam as dimensões a serem operacionalizadas neste estudo em nível comparativo.

Com isso, os questionários e banco de dados da pesquisa foram examinados exaustivamente, buscando selecionar variáveis que mensurem cada uma das dimensões de estudo da pesquisa. Foram considerados critérios como adequação empírico-teórica e a viabilidade do uso da variável no que diz respeito à disponibilidade das mesmas para os países selecionados e recorte temporal.

As ondas de levantamento de dados que serão consideradas dizem respeito às primeiras duas décadas do século XXI. Assim, serão utilizados os bancos a partir da quarta onda, com dados de 2001, a quinta onda, que tem dados de 2005 a 2007, a sexta onda, com dados de 2010 a 2014, e a sétima onda, com informações coletadas entre 2017 e 2018. A seguir, o quadro 2 com os modelos de mensuração de cada uma das variáveis do estudo:

Foram selecionadas como unidades de análise Estados Unidos e Brasil. A justificativa para esta escolha se dá a partir de dois parâmetros fundamentais: 1) o significado político e social que as manifestações conservadoras tiveram dentro e fora de seus países, isto é, seu nível de contribuição para o avanço do conservadorismo neste século; 2) a variabilidade de aspectos estruturais e institucionais; que será mais bem detalhada neste capítulo.




A despeito da diferença numérica da população dos dois países, acreditamos que o estudo dos dois casos mantém sua validade devido

semelhança da ocorrência do fenômeno em si, ao papel de protagonismo dos dois países em suas regiões geográficas e ao fato de que a amostra total da população de Brasil e Estados Unidos na base de dados utilizada é representativa para ambos. A seguir o quadro 3 com a síntese comparativa de semelhanças e diferenças entre os casos.




Definida a instrumentalização empírica, na próxima seção são apresentados os resultados da pesquisa.

5. Resultados

Com o objetivo de responder adequadamente aos questionamentos levantados, os resultados estão divididos em duas etapas principais: análise fatorial e de redes. Em ambas as etapas as informações foram organizadas a partir de cada uma das principais dimensões escolhidas para estudar o fenômeno, fazendo comparações entre os dois casos escolhidos.

Análise fatorial

Nesta etapa foram analisados os instrumentos empíricos de mensuração com o objetivo de dar mais coesão a eles. As dimensões elaboradas e analisadas foram: percepção sobre ameaças, crenças, valores, atitudes e comportamento. Esses vetores foram construídos a partir da operacionalização das variáveis do World Values Survey, conforme detalhado nos quadros a seguir:




Em relação à percepção de crise e instabilidade, foram selecionadas 23 variáveis resultantes das dimensões e perguntas apresentadas no quadro 4.




Na construção do instrumento de mensuração sobre crenças conservadoras foram selecionadas oito variáveis derivadas das dimensões e perguntas indicadas no quadro 5.




Para mensurar os valores conservadores, foi definido um conjunto de 13 variáveis relacionadas diretamente com as dimensões e questões listadas no quadro 6. Por fim, no quadro 7 temos as dimensões que determinaram as 23 variáveis escolhidas para compor a mensuração das atitudes e comportamentos conservadores.




Destarte, essa instrumentalização empírico-teórica definida a priori foi submetida a ferramentas de redução de variáveis a fim e tornar os instrumentos mais sintéticos e robustos. Para tanto efetuamos a análise fatorial no software estatístico JASP3 para verificar a evidência de validade relacionada à estrutura interna do instrumento, ou seja, verificar a adequação de cada variável dentro do modelo e avaliar a possível exclusão daquelas que forem excedentes.

Consideraremos como adequados os modelos com resultado do teste de Kaiser-Meyer-Olkin ≥ 0,6 e parâmetros para os Bartlett’s Test of Sphericity = p < 0,05, RMSEA = < 0,08 [IC 90% < 0,10] e TLI > 0,90. Não foram feitas limitações à quantidade de fatores, devido ao objetivo exploratório da execução da análise fatorial neste estudo e porque algumas dimensões já foram previamente divididas conforme a teoria. Seguindo a definição de Hair (2009)4, as cargas fatoriais serão consideradas satisfatórias neste estudo quando forem ≥ 0,3.

De um modo geral, as análises fatoriais para cada uma das dimensões e casos indicaram relativa coesão e robustez da instrumentalização empírica construída. A maioria das variáveis selecionadas apresentou cargas fatoriais significativas divididas entre os fatores. Além disso, boa parte das definições teóricas preestabelecidas a partir da revisão de literatura se refletiram nos resultados numéricos obtidos.

Olhando mais detalhadamente os resultados, pode-se afirmar que os testes sobre a dimensão crenças apresentaram confluência com a teoria, trazendo aspectos como papéis sociais de gênero e ideologia liberal econômica; no entanto, diferente do que se esperava, as variáveis referentes a moral não demonstraram significância no modelo. Os valores se mostraram divididos entre: religiosidade, organização social, hierarquia, senso de comunidade e normas de conduta. Por fim, as atitudes e comportamentos ficaram focados nos seguintes aspectos: religiosidade (caso brasileiro), nacionalismo, moralidade, intolerância ao “diferente” e atitudes em relação a temas sensíveis, à ciência e tecnologia. Após o refinamento da mensuração das dimensões, efetuamos os testes de análise de redes.

Análise de redes

Com o objetivo de explorar de forma dinâmica interativa as relações entre as dimensões do modelo, rodamos modelos de análise de redes para os dois casos estudados. Para realizar tal análise, este estudo aplicou o graphical least absolute shrinkage and selection operator (GLASSO) que estima um modelo gráfico gaussiano (GGM)5. Nesse método, os nós (círculos) representam variáveis e as arestas (linhas) representam a dependência condicional (ou correlações parciais) entre os nós, considerando todos os outros nós da rede.

Foi utilizada a técnica least absolute shrinkage and selection operator (LASSO) do GLASSO para controlar a dispersão da rede (a quantidade de relações) e efetuar uma regularização que reduz as estimativas dos parâmetros, com algumas dessas estimativas se tornando exatamente zero; reduzindo ruídos e correlações espúrias (Tibshirani, 1996). A interpretação do efeito das correlações relativas na análise de redes seguirá os mesmos parâmetros definidos por Cohen (1992): - 0,1 a -0,3 ou 0,1 a 0,3 = fraca, -0,31 a -0,5 ou 0,31 a 0,5 = moderada, -0,51 a -1 ou 0,51 a 1 = forte.

A centralidade do nó foi avaliada por quatro estimadores (Freeman, 1978; Opsahl et al., 2010). O strength/degree é o nível total de envolvimento em uma rede, em outras palavras: é a soma em módulo os valores das correlações obtidas. O closeness é a soma das distâncias de um nó a todos os outros nós, considerando se a variável se relaciona diretamente com as outras ou se necessita de outras variáveis intermediários. O terceiro parâmetro é o betweenness, que corresponde ao grau em que um nó se encontra o caminho mais curto entre dois outros nós, isto é, avalia se a variável é intermediária para as demais. Por fim, o expected Influence é a soma das conexões de um nó (assim como o strength/degree), porém sem colocálas em módulo, ou seja, pondera o peso do sinal das correlações, descontando quando a mesma é negativa. Além disso, esse último parâmetro considera quantas correlações a variável possui com as outras; por esses motivos, essa medida representa a importância relativa de um nó em uma rede (Robinaugh et al., 2016).

Iniciando pelos resultados para o caso brasileiro, no modelo de redes (Gráfico 1), podemos observar uma possível relação mediadora da onda de coleta e das crenças na relação entre as variáveis conjuntura e atitudes/comportamentos. Nos gráficos 1 e 2, vemos a grande influência do ano de coleta para a rede como um todo, visto que: se relaciona fortemente com as outras, possui a menor distância para todas as outras variáveis (indicando que ela possui mais relações diretas com as outras variáveis).

Além disso, a onda também foi o caminho mais curto entre duas outras variáveis, o que pode indicar que ela é uma possível variável mediadora da relação entre às outras. Somado a isso, vemos também que crenças apresentou maior importância relativa na rede: é uma variável que, em geral, possui mais relações e é a segunda com a menor distância para todas as outras variáveis. Assim como a onda, crenças foi o caminho mais curto entre duas outras variáveis; ou seja, temos evidências sobre o seu poder mediador da relação entre atitudes/comportamentos e outras variáveis.







Partindo para a análise de redes do caso norte-americano, no Gráfico 3 observamos uma possível relação mediadora da preocupação com guerra e das crenças para a relação entre conjuntura e atitudes/comportamentos. A partir da Gráfico 4, vêse a importância das atitudes/comportamentos para a rede, sendo a segunda variável como menor caminho entre outras duas (sendo uma possível mediadora da relação entre outras variáveis). Segunda a possuir mais relações diretas com as outras variáveis do modelo. A dimensão de atitudes e comportamentos possui ainda maior envolvimento na rede.

Já em relação às possíveis variáveis preditoras de atitudes/comportamentos, destaca-se a importância das crenças para a rede, pois ela é o menor caminho entre duas outras variáveis (sendo uma possível mediadora das relações entre variáveis). Além disso, essa variável é a terceira mais envolvida na rede e possui maior importância relativa ao apresentar mais relações e relações mais fortes na rede como um todo. É importante salientar também o papel da onda de coleta para a rede, pois ela foi o menor caminho entre todas as variáveis, ou seja, possui mais relações diretas com as outras variáveis; além de ser a segunda variável com mais relações na rede. Por fim, destacase a menor importância para a rede americana das variáveis de valores e preocupação com guerra (Gráfico 3; Gráfico 4).







A partir da análise dos resultados da pesquisa, partimos para a sessão de discussão dos mesmos. Nessa etapa do estudo, iremos avaliar os dados de forma comparada e relacionada, bem como buscaremos identificar quais inferências é possível fazer.

6. Avaliação dos resultados à luz da discussão sobre conservadorismo

Para nortear a seção de discussão dos resultados, iremos começar apresentando as questões centrais que permeiam a pesquisa: 1) há uma conjuntura de instabilidade que favorece à percepção de crises e mudanças; 2) Brasil e Estados Unidos apresentam forte atuação de crenças e valores conservadores; 3) conjuntura, crenças e valores intermediam as relações estabelecidas por atitudes e comportamentos. Além desses, outro objetivo importante do estudo é contribuir para o esforço de instrumentalização dos conceitos e modelos teóricos sobre o tema; portanto, avaliaremos também o modelo empírico proposto a partir do desempenho de mensuração demonstrado pelos resultados.

Os resultados das análises fatoriais nos permitiram observar quatro informações importantes para avaliar o modelo empírico construído e o desempenho das variáveis. Primeiramente, todos os indicadores de adequação e qualidade dos modelos atingiram os valores necessários para considerarmos válidas as inferências a partir deles. Em segundo lugar, se mostraram coesas e significativas para ambos os casos as variáveis inseridas nas temáticas de: religião, condições de vida, segurança, estrutura social, papéis sociais de gênero. Além disso, é importante notar que poucas variáveis escolhidas não resultaram em cargas minimamente significativas em nenhum fator, reforçando a pertinência do modelo proposto. Por fim, há pequenas diferenças entre os casos na forma como as variáveis ficaram agrupadas que sugerem que há pequenas discrepâncias conjunturais e culturais entre os dois países.

De modo complementar, na segunda parte dos resultados, efetuamos a análise de redes para avaliar se há de fato relação entre as dimensões do estudo e, em caso afirmativo, compreender como é essa relação. Optamos por esse método, para dialogar com o argumento teórico de que as dimensões estão interrelacionadas e se retroalimentam, visto que a técnica calcula as correlações de modo concomitantemente em todo o sistema. Os resultados para esse teste obtiveram estimadores de ajuste válidos e estabeleceram várias correlações parciais de diferentes níveis entre as dimensões.

Tratando dos casos especificamente, no Brasil parece haver uma importância maior na rede de crenças e da onda do que valores e conjuntura. Apesar da correlação entre crenças e atitudes e comportamentos ser fracamente positiva, assim como no caso de valores, essa variável parece aumentar com o tempo e apresenta muitas relações, servindo como mediadora no sistema. Podemos inferir que as crenças possuem centralidade no modelo explicativo, devido ao seu alto grau de interação com as outras variáveis do esquema.

interessante notar que a percepção sobre conjuntura é intermediada pela onda, ou seja, pelo tempo (o que é bem intuitivo), mas também

intermediada por crenças, o que significa que, para se relacionar com atitudes e comportamentos, a percepção de conjuntura passa pelas crenças dos indivíduos. Outro apontamento interessante é o de que a onda

a variável que apresenta relações mais fortes e diretas, sugerindo que algo está mudando nas demais variáveis conforme o tempo passa. Conforme as análises multivariadas, essa transformação tem sido na direção de gradual redução de crenças, valores, atitudes e comportamentos conservadores.

Em comparação, no caso americano a rede de correlações parciais foi mais densa do que no caso brasileiro; isto é, a análise dos dados sugere que para os Estados Unidos as dimensões do estudo estão mais relacionadas do que para o Brasil. Além disso, a partir dos dados americanos, encontramos uma correlação parcial negativa forte entre a onda (ano) e as atitudes e comportamentos conservadores. Deste modo, em conformidade com o que vemos nos dados descritivos, mas diferentemente do que observamos no contexto político e social: conforme o tempo passa (aumenta) menores são os índices de atitudes e comportamentos conservadores. Dando mais um sinal de que o modelo empírico americano está em maior ajuste com o modelo teórico proposto, as correlações entre crenças e valores com atitudes e comportamentos foram moderadas e positivas, enquanto no Brasil elas foram fracas.

As principais variáveis dentro do sistema de correlações parciais americano foram onda e crenças: a primeira obteve mais relações diretas e a segunda mais relações fortes, sendo que ambas foram mediadoras entre outras duas variáveis. Essas também foram as variáveis mais significativas na análise de redes do caso brasileiro, o que sugere que o enraizamento das crenças conservadoras e a passagem do tempo podem de fato ser dimensões importantes para determinar o fenômeno, independentemente desse efeito ser positivo, como no caso das crenças, ou negativo, como no caso do ano da pesquisa. Ratificando a centralidade das crenças.

Com efeito, outro achado que reforça essa inferência é o fato de a conjuntura precisar passar por crenças para chegar ao ano e às atitudes e comportamentos. Esse dado é muito interessante, pois sugere que a percepção de conjunturas instáveis é intermediada pelas crenças dos indivíduos. Por fim, outro elemento que merece destaque é a intermediação entre as variáveis de conjuntura e atitudes e comportamentos pela variável de preocupação com guerras; ou seja, mesmo que essa variável não tenha ganhado grande destaque dentro da rede, ela parece realmente ser importante para relação entre a percepção da conjuntura e as atitudes e comportamentos conservadores nos Estados Unidos.

7. Conclusão

Como uma primeira possibilidade explicativa para esse resultado, a mensuração dessas dimensões no âmbito do conservadorismo envolve muitos desafios. Contudo, com o objetivo de lidar com isso, foram empregados esforços para refinar e dar coesão ao modelo desde a decupagem de variáveis até a execução de análises fatoriais. Sendo que nesse último método, os resultados obtidos podem ser considerados consistentes.

Ainda sobre esse aspecto e já mencionando outro achado importante, o modelo explicativo empírico-teórico pareceu se adequar melhor

realidade norte-americana. De fato, os dois casos possuem diferentes características em sua formação, estrutura política e natureza do conservadorismo. Contudo, outra possibilidade explicativa é a de que os resultados para os Estados Unidos tenham obtido maior coesão empíricoteórica devido à origem do questionário utilizado; a captação de informações pode ter maior adequação e acurácia para a realidade local.

Destarte, a análise empírica permitiu inferir que fenômeno parece ser muito mais um sistema de elementos específicos que interagem entre si e se retroalimentam do que um processo causal entre aspectos políticos e sociais. Outrossim, a passagem do tempo e as crenças compartilhadas pela sociedade parecem ter uma relação significativa com atitudes e comportamentos conservadores. Por fim, diferentemente do se esperava teoricamente, a preocupação com guerras nos Estados Unidos não parece estar muito correlacionada com crenças e valores conservadores.

Em alguma medida, a realidade dos dados divergiu da realidade observada no contexto político e social atual. De todo modo, consideramos que, mesmo sem a intensidade ou direção esperada do desempenho de algumas variáveis, elas se mostraram relevantes para buscar compreender o avanço do conservadorismo. Isto porque: 1) houve coesão do modelo identificada pelas análises fatoriais; 2) na análise de redes, foi possível identificar que conjuntura e crenças possuem um papel de moderado a importante para atitudes e comportamentos. Conforme se esperava, a percepção da conjuntura intermediada pelas crenças.

Identificamos por meio da análise de redes que as variáveis independentes do modelo explicativo realmente se relacionam com a variação de atitudes e comportamentos. Logo, é plausível concluir que os elementos explicativos -crenças, valores e conjuntura- são importantes para a ocorrência e a compreensão do fenômeno.

Mesmo tendo construído ferramentas teóricas e empíricas robustas para explicar o avanço do conservadorismo e alcançado resultados que contribuem para a compreensão do evento nos casos estudados, não foi possível identificar diretamente por meio delas o que particularmente explica ou prediz esse avanço, ainda que a análise dos dados tenha indicado a importância das variáveis de conjuntura, crenças e valores.

Com efeito, é indispensável o questionamento e a reflexão sobre as razões pelas quais os resultados não foram os esperados. Iniciando pela questão metodológica, o avanço conservador enquanto fenômeno a ser estudado envolve muitos desafios de mensuração. Primeiramente, é um objeto de estudo complexo e ainda pouco explorado, o que configura uma vasta gama de possíveis fatores e causas explicativas. Em consequência disso, mesmo a partir de um recorte, como o que foi feito nessa pesquisa, os modelos explicativos acabam sendo densos. Outra dificuldade, para quem trabalha sob a perspectiva quantitativa, é a inexistência de questões com esse enquadramento temático em pesquisas tipo survey já consolidadas com dados longitudinais. Portanto, tivemos que enfrentar dois obstáculos importantes e recorrentes nesse tipo de pesquisa: a mensuração indireta (via proxy) de dimensões e a condensação de um conjunto grande de variáveis.

Tratando mais especificamente pela perspectiva da cultura política, uma interpretação admissível dos resultados é a de que o apoio ao conservadorismo é mais específico do que difuso, o que faz com que as pessoas se declarem menos conservadoras do que realmente são na prática.

Contudo, o conjunto de inferências analíticas, não contradiz necessariamente os pressupostos assumidos inicialmente na pesquisa. Na verdade, avaliamos que essas conclusões, ao mesmo passo que relativizam alguns aspectos, os complementam e aprofundam. Em outras palavras, apesar de ressignificar parte do seu entendimento, os achados empíricos não negam o avanço do conservadorismo. A suposição se sustenta ao considerar que esse aumento parece não ocorrer em quantidade, mas sim, tenha ganhado mais espaço, impacto e frequência por parte do grupo mais alinhado a essa concepção de mundo. Isto é, o avanço conservador não significa um aumento em número, mas sim, em força.

De forma conexa, a disputa entre forças progressistas e conservadoras, já identificada na contextualização, explica o movimento de redução gradual dos indicadores de conservadorismo. Seguindo essa linha de raciocínio, podemos ponderar também que o conservadorismo avança paralelamente ao crescimento e atuação de grupos progressistas e pautas controversas ao ideário conservador. O discurso conservador não é o único disputando e ocupando lugar nos cenários social e político.

Em congruência, conforme definido teoricamente ao longo do artigo, a contestação das instituições e normativas tradicionais da sociedade, tende a gerar uma reação de grupos conservadores; aumentando sua atuação política na tentativa de influenciar a sociedade e “conter os danos”. Essas elucidações são corroboradas pela confirmação da existência de enraizamento de crenças e valores congruentes ao conservadorismo nos dois países analisados.

Nestes termos, mantémse o prognóstico de que o crescimento do poder conservador está associado a conjunturas e específicas e sua adesão baseada na congruência de seus princípios com a cultura política da sociedade. Além disso, os resultados da pesquisa por si só também já indicam que o processo que propicia o avanço conservador não é um processo linearmente causal, mas sim, um sistema de fatores que se relacionam e se retroalimentam; com destaque para o papel das dimensões de crenças e conjuntura. Com base nesses achados, sustentamos que assim como a medida do avanço do conservadorismo, a força da proposta explicativa se concentra mais no potencial conjunto e interconectado das variáveis.

Como uma limitação desse estudo presente, fica indicada a necessidade de desenvolver novos estudos incluindo as questões teórico analíticas e de mensuração levantadas nessa conclusão. O esforço para compreender um fenômeno complexo, não profusamente explorado e ainda durante o seu desenrolar é desafiador, mas sem dúvidas é de fundamental importância para o campo de conhecimento e é muito estimulante

curiosidade do pesquisador. Com isso esperamos ter contribuído com resultados, insights e ferramentas teóricas e empíricas que contribuam para a execução de novas pesquisas e a construção de conhecimento sobre o tema.

Referências Bibliográficas

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Scruton, R. (2015). Como ser um conservador. Rio de Janeiro: Editora Record.

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