EDITORIAL

Educação interprofissional e formação de professores em saúde

Interprofessional education and faculty training in health

Gilberto Tadeu Reis da Silva
Universidade Federal Da Bahia, Brasil
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA.E), vinculada a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Portugal

Educação interprofissional e formação de professores em saúde

Revista de Enfermagem Referência, vol. V, núm. 1, pp. 1-2, 2020

Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

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Editorial

A Educação Interprofissional (EIP), como criadora de espaços para a prática colaborativa, está presente em universidades de quatro continentes há mais de duas décadas e tem favorecido o agrupamento de diversos profissionais numa proposta em que todos aprendam juntos e, juntos, contribuam para melhorar as áreas em que atuam. No âmbito da saúde, em especial, apresenta conceitos robustos e pesquisas que vão ao encontro das necessidades da formação em saúde e da sociedade (Barr, 2015; D’Amour, Goulet, Labadie, Martín-Rodriguez, & Pineault, 2008; Meleis, 2015).

No trabalho em saúde fundamentado na EIP, as exigências transcendem as ações uniprofissionais e encontram-se sob a responsabilidade de equipas multiprofissionais, que valorizam o trabalho cooperativo e desenvolvem ações integradas e dirigidas à saúde dos cidadãos (Furtado, 2007).

Falar sobre EIP requer, necessariamente, enfatizar a importância do conhecimento das profissões, de um atendimento centrado no usuário nos serviços de saúde, do desenvolvimento de habilidades interprofissionais para a formação de equipas e da prestação de cuidados de saúde (D’Amour et al., 2008; Furtado, 2007). Estes princípios encontram-se alicerçados em componentes da abordagem colaborativa e da prática clínica, cujas questões mais complexas podem ser melhor trabalhadas por equipas interprofissionais.

Estamos, portanto, a explicitar a relevância das parcerias entre as equipas de saúde e o usuário num contexto colaborativo e participativo, que privilegia a tomada de decisão compartilhada em torno de questões sociais e de saúde (Furtado, 2007). Estas parcerias exigem destes profissionais um efetivo processo comunicativo, que favoreça sinergias tanto de conhecimentos como de habilidades e atitudes. Ademais, nas ações da prática, a colaboração entre os profissionais exige responsabilidade, coordenação, comunicação, cooperação, assertividade, autonomia, confiança, comprometimento e respeito mútuo.

Embora muito já tenha sido discutido sobre a EIP, é imperativo que os professores das diferentes escolas profissionais e os diversos membros das equipas de saúde se envolvam em diálogos recíprocos que abordem as barreiras fundamentais e mais prevalentes para a formação de equipas equitativas, com o objetivo de transpô-las ou, pelo menos, minimizá-las.

Segundo Barr (2015), as propostas de EIP encontram resistências por parte dos docentes, de escolas profissionais e cursos, bem como de universidades. Segundo o autor, superá-las exige novas perspetivas nos processos de ensino-aprendizagem, formação docente, suporte institucional, recursos financeiros e valorização do corpo docente.

Para Batista e Batista (2016), a possibilidade de introduzir a EIP nos currículos das instituições depende da habilidade, preparação para lidar com as adversidades e responsabilidade dos participantes. Alguns atributos são indispensáveis neste processo: experiência prévia em trabalho interprofissional, métodos interativos de aprendizagem, conhecimento de dinâmicas de grupo, confiança para trabalhar com grupos interprofissionais e uma atitude flexível.

No Brasil (Silva et al., 2019), algumas iniciativas têm propiciado o desenvolvimento de propostas e pesquisas de sucesso mediante a reorganização do modus operandi das suas equipas. Estas iniciativas encontram-se na área da Atenção Básica da Saúde Mental e em hospitais públicos, sobretudo em instituições que assumem, como finalidade e política institucional, favorecer a colaboração interprofissional.

A EIP pode representar oportunidades de formação conjunta para o desenvolvimento de aprendizagens compartilhadas, tanto para docentes como para profissionais, desde que tenham como premissa fundante a melhoria da qualidade da assistência aos usuários de serviços de saúde.

Oportuno se faz discutir este tema considerando que a mudança do perfil epidemiológico, com o aumento da expectativa de vida e das condições crónicas de saúde que requerem acompanhamento prolongado, impõe a necessidade de uma abordagem integral, que contemple as múltiplas dimensões das necessidades de saúde da população (Barr, 2015). Tal facto também denota a relevância da qualidade da comunicação e da colaboração entre os diferentes profissionais envolvidos no cuidado, uma vez que ambas são fundamentais e decisivas para a resolubilidade dos serviços e efetividade da atenção à saúde.

Embora diversas mudanças tenham sido implementadas ao longo dos anos, ainda estamos num cenário que aporta para a tendência dos profissionais de cada área trabalharem de forma isolada e independente das demais, o que explica a manutenção de uma longa e intensa formação também isolada e circunscrita à própria área de atuação.

Autores (Bridges, Davidson, Odegard, Maki, & Tomkowiak, 2011; Silva et al., 2019) defendem que oportunidades de EIP contribuem para a formação de profissionais de saúde mais preparados para uma atuação integrada em equipa, na qual a colaboração e o reconhecimento da interdependência das áreas predominam diante da competição e da fragmentação. Assim, torna-se evidente a importância do debate sobre EIP e a formação de professores, uma vez que é imprescindível haver um processo formativo integrado para a transformação da realidade apresentada nos serviços de saúde, bem como nos cenários universitários. Este argumento é reforçado pelas evidências de que a EIP favorece melhores resultados aos usuários por meio do desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e valores necessários para o trabalho em equipa (Peduzzi et al., 2019).

A EIP é um tema relevante e emergente no campo da saúde de âmbito global (Câmara et al., 2016). Entretanto, a formação dos professores que atuam nas carreiras da área de saúde ainda se destaca por utilizar de forma, por vezes inadequada, as referências da interdisciplinaridade ou os constructos da interprofissionalidade.

Existem, mundialmente, vários projetos pedagógicos desenvolvidos que articulam a EIP aos modelos existentes, todavia mudanças são imperativas àqueles que formam profissionais de saúde (Barr, 2015; Bridges et al., 2011; Câmara et al., 2016; D’Amour et al., 2008; Meleis, 2015; Silva et al., 2019). Neste sentido, torna-se necessário um programa de qualificação docente para a EIP que permita a quebra da hegemonia e da uniprofissionalidade existentes nas escolas que oferecem formação universitária em saúde.

Também se torna necessária a sensibilização dos professores para esta exigência contemporânea, com vista ao desenvolvimento de programas educacionais que utilizem estratégias contemporâneas no ensino, consonantes com as inovações nos sistemas de saúde, a fim de garantir investimentos em tempo, energia e recursos na educação interprofissional. No entanto, se não questionarmos a hegemonia desenvolvida e criada por meio de identidades profissionais e diferenciais de poder em saúde, os objetivos da EIP e da prática colaborativa podem não ser alcançados.

Referências bibliográficas

Barr, H. (2015). Interprofessional education: the genesis of a global movement. London: CAIPE. Recuperado de https://www.caipe.org/resources/publications/barr-h-2015-interprofessional-education-genesis-global-movement

Batista, N. A., & Batista, S. H. (2016). Educação interprofissional na formação em saúde: tecendo redes de práticas e saberes. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 20(56), 202-204. doi:10.1590/1807-57622015.0388

Bridges, D. R., Davidson, R. A., Odegard, Maki, I. V., & Tomkowiak, J. (2011). Interprofessional collaboration: three best practice models of interprofessional education, Medical Education Online, 16(1), 1-10. doi: 10.3402/meo.v16i0.6035

Câmara, A. M. C., Cyrino, A. P., Cyrino, E. G., Azevedo, G. D., Costa, M. V., Bellini, M. I. B.,... Reeves, S. (2016). Educação interprofissional no Brasil: construção de redes sinérgicas de processos educacionais e de saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(56), 5-8. doi:10.1590/1807-57622015.0700

D’Amour, D., Goulet, L., Labadie, J. F., Martín-Rodriguez, L. S., & Pineault, R. (2008). A model and typology of collaboration between professionals in healthcare organizations. BMC Health Services Research, 8(1), 1-14. doi:10.1186/1472-6963-8-18

Furtado, J. P. (2007). Equipes de referência: arranjo institucional para potencializar a colaboração entre disciplinas e profissões. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 239-255. doi:10.1590/S1414-32832007000200005

Meleis, A. I. (2015). Interprofessional Education: A Summary of Reports and Barriers to Recommendations. Journal of Nursing Scholarship, 48(1), 106–112. doi:10.1111/jnu.12184

Peduzzi, M., Norman, I. J., Germani, A. C. C., Silva, J. A. M., & Souza, G. C. (2013). Educação interprofissional: formação de profissionais de saúde para o trabalho em equipe com foco nos usuários. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 47(4), 977-983. doi:10.1590/S0080-623420130000400029

Silva, G. T. R., Batista, S. H. S., Batista, N. A,, Silva, R. M. O., Pedreira, L., Teixeira, G. A.,...Figueredo, W. N. (2019). Interprofessional education: reflections on health training in Brazil. Nursing & Care Open Access Journal, 6(5), 158-160. doi: 10.15406/ncoaj.2019.06.00201

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