Este editorial traz à discussão um tema de extrema importância e atualidade no cenário académico: a saúde mental dos pós-graduandos. Em contextos exigentes, marcados pela procura por excelência e pressão por produtividade, é fundamental reconhecer os desafios enfrentados pelos estudantes de pós-graduação e a necessidade premente de promover saúde mental e bem-estar.

A pós-graduação tem um potencial transformador para diversos setores da sociedade e também pode promover oportunidades de emancipação para os estudantes de pós-graduação (Metcalfe et al., 2020). Os pós-graduandos e pós-graduados desempenham papeis profissionais com impacto relevante em diferentes contextos sociais. As pesquisas, inovações, produtos desenvolvidos na pós-graduação influenciam as políticas, práticas sociais, intervenções que se podem repercutir tanto no contexto em que foram produzidas, como em outras regiões e países.

As atividades desenvolvidas na academia requerem um amplo conjunto de competências, habilidades e atitudes e o desenvolvimento dessas competências é um processo complexo. Assim, é vital que a formação possa abranger a ética, o respeito pela vida, a sustentabilidade e valores que estejam alinhados com as necessidades da sociedade (Ignatowicz et al., 2023).

Uma experiência de formação e desenvolvimento académico de qualidade pode ser impactada positivamente ou negativamente pelas condições de vida e saúde dos estudantes, incluindo aspectos diretamente ligados à saúde mental. Após o advento da pandemia de COVID-19, diversos estudos identificaram um aumento significativo de sintomas relacionados a transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão, entre os estudantes de pós-graduação. Uma pesquisa realizada com estudantes do ensino superior de Portugal, em dois períodos diferentes, pré-pandemia e durante a pandemia, identificou um aumento significativo de transtorno de ansiedade, depressão e estresse (Maia & Dias, 2020). Estudos realizados nos Estados Unidos e na China, também evidenciaram um aumento de sintomas de ansiedade, depressão e stresse entre estudantes de pós-graduação (Anwer et al., 2021; Towns et al., 2022). Tais sintomas podem ter impactos significativos na vida pessoal, laboral e académica dos estudantes.

Ainda que as demandas ligadas ao sofrimento mental entre pós-graduandos sejam notáveis, pesquisas e intervenções abrangentes sobre o impacto da pandemia na saúde mental parecem não contemplar adequadamente as necessidades desse público. Salienta-se que durante a pandemia houve uma maior ênfase em estudos, ações e políticas que se focaram os aspectos biológicos da doença, com limitações na abordagem de aspetos psicossociais, igualmente importantes (Nabuco et al., 2020; Ornell et al., 2020).

Estudos sobre epidemias, tragédias, conflitos armados e crises anteriores são escassos, e as lições aprendidas com essas tragédias passadas indicam que as implicações para a saúde mental, incluindo transtornos mentais e do abuso de substâncias, podem perdurar por períodos mais longos e ter impacto maior do que o próprio evento crítico (Galea et al., 2020; Nabuco et al., 2020). Portanto, é crucial compreender e responder eficazmente ao contexto atual com intervenções e planeamento para evitar repercussões mais graves e duradouras da pandemia.

É fundamental que os pós-graduandos se sintam encorajados a procurar ajuda quando necessário e a priorizar o equilíbrio saudável entre a vida académica e pessoal. Um estudo desenvolvido com pós-graduandos brasileiros durante a pandemia de COVID-19 revelou que a maioria desses estudantes apresentava problemas psicológicos, incluindo sintomas de ansiedade e depressão, todavia não procuravam a ajuda de profissionais especializados e, consequentemente, não obtinham diagnóstico clínico e acompanhamento terapêutico (Corrêa et al., 2022).

A saúde mental de pós-graduandos pode ser impactada por fatores de risco ou protetores relacionados com aspetos individuais, relacionais, institucionais, culturais e histórico-sociais (Milicev et al., 2023). Considerando esses fatores de risco e proteção relacionados com a academia, é recomendável que as instituições de ensino possam planear, desenvolver e avaliar estratégias para promover a saúde mental e o bem-estar dos estudantes de pós-graduação.

No Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), entidade vinculada ao Ministério da Educação, lançou o Edital “Impactos da Pandemia” em resposta aos desafios prolongados gerados pela pandemia. Um dos projetos em desenvolvimento, financiado por este edital, centra-se na saúde mental dos estudantes de pós-graduação brasileiros, com intuito de mitigar os efeitos negativos resultantes da pandemia. Como parte deste esforço, será disponibilizado um curso no formato Massive Open Online Course (MOOC) sobre literacia em saúde mental para todos os programas de pós-graduação no Brasil, com o objetivo de promover o bem-estar dos estudantes de pós-graduação, e com potencial para ser adaptado em outros países. Um aspecto crítico identificado foi a elevada vulnerabilidade dos pós-graduandos ao risco de suicídio. Numa amostra de 5.344 estudantes, constatou-se que 31,5% apresentavam algum risco de suicídio. Os fatores de risco incluíram orientação não heterossexual, histórico de depressão e stresse pós-traumático, diagnóstico de transtorno mental comum, uso de medicamentos sem prescrição médica, uso de antipsicóticos, consumo de álcool, falta de plano de saúde e insatisfação com vida resultante do uso das redes sociais. Maior poder económico e crença religiosa foram identificadas como fatores de proteção (Molina et al., 2023).

É fundamental que políticas institucionais de saúde mental, representantes académicos e programas de pós-graduação discutam e abordem o sofrimento psíquico entre os estudantes universitários. Investimentos em sensibilização e formação profissional podem gerar resultados positivos a médio e longo prazo. Para promover a saúde dos pós-graduandos, é necessário implementar práticas inclusivas, campanhas de prevenção e o uso de tecnologias de comunicação na área da saúde mental, com enfoque na prevenção de agravos (Wünsch et al., 2022).

A atenção à saúde mental de pós-graduandos está interligada com a qualidade das condições no ambiente académico. Assim, o cuidado com a saúde mental também implica o envolvimento político e social em defesa da ciência, da academia e na resistência contra práticas que possam comprometer a educação e a valorização do conhecimento científico.

Na atenção à saúde mental dos pós-graduandos, é imperativo considerar ainda diversos aspetos relacionados com a diversidade, equidade, inclusão e condições de vida dignas. Durante o percurso na pós-graduação, algumas pessoas enfrentam barreiras ou dificuldades específicas devido a marcadores sociais ou identitários, como género, orientação sexual, raça/etnia, religião, classe social, territorialidade, idade, deficiências, neurodiversidade. Desta forma, é importante promover a equidade na pós-graduação considerando as necessidades específicas ligadas ao género, raça/cor, etnia, deficiências, entre outros (Milicev et al., 2023).

As pesquisas sobre pós-graduandos publicadas em revistas científicas de elevado impacto são predominantemente originárias de países onde existem melhores condições para a realização de estudos científicos com elevado rigor metodológico. Assim, é necessário que as investigações, intervenções e políticas possam considerar a disparidades relacionadas aos diferentes contextos culturais em que os pós-graduandos estão inseridos, os quais nem sempre são adequadamente abordados pela literatura científica.

A atenção à saúde mental dos pós-graduandos exige uma abordagem abrangente e direcionada. Para além da sensibilização e do aperfeiçoamento profissional, é crucial que as políticas institucionais e os programas de pós-graduação considerem as particularidades individuais, com especial ênfase na diversidade, equidade e condições socioeconómicas. A implementação de estratégias inclusivas e inovadoras, a promoção de equidade, ações preventivas multiníveis e longitudinais são medidas essenciais para promover o bem-estar e reduzir os riscos psicossociais entre os pós-graduandos. Assim, é fundamental que a comunidade académica se una num esforço colaborativo para estabelecer um ambiente propício ao ensino e à pesquisa, com o objetivo de promover a saúde mental e o sucesso de todos os estudantes, promovendo uma vida acadêmica mais saudável e inclusiva para todos os envolvidos.

Referências bibliográficas

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Corrêa, R. P., Castro, H. C., Ferreira, R. R., Araújo-Jorge, T., & Stephens, P. R. (2022). The perceptions of Brazilian postgraduate students about the impact of COVID-19 on their well-being and academic performance. International Journal of Educational Research Open, 3, 100185. https://doi.org/10.1016/j.ijedro.2022.100185

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Maia, B. R., & Dias, P. C. (2020). Ansiedade, depressão e estresse em estudantes universitários: O impacto da COVID-19. Estudos de Psicologia (Campinas), 37, e200067. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200067

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Towns, S. J., Breting, L. M., Butts, A. M., Brett, B. L., Leaffer, E. B., & Whiteside, D. M. (2022). Neuropsychology trainee concerns during the COVID-19 pandemic: A 2021 follow-up survey. The Clinical Neuropsychologist, 36(1), 85-104. https://doi.org/10.1080/13854046.2021.1975826

Wünsch, C. G., Silva, A. K., Apodaca, B. S., Nascimento, F. C., Cebalho, M. T., Treichel, C. A., & Oliveira, J. L. (2022). Prevalência e fatores associados ao comportamento suicida e à tentativa de suicídio identificados no acolhimento em ambulatórios de saúde mental. Revista Eletrônica de Enfermagem, 24, 72997. https://revistas.ufg.br/fen/article/view/72997

Notas

Notas de autor

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