RESUMO
Objetivo: Analisar as respostas parentais a perguntas que investigam sinais clássicos de autismo, em dois instrumentos diferentes: Questionário de Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI-questionário) e Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-Chat).
Métodos: Quarenta e uma crianças, sendo 80% meninos, com média de idade de 2 anos e 8 meses foram avaliadas com dois instrumentos de rastreamento de autismo, recomendados pelo Ministério da Saúde. Após a aplicação integral dos instrumentos, foram selecionadas sete perguntas que compõem os instrumentos e ilustram emblematicamente sinais clássicos de transtorno do espectro do autismo (TEA), respondidas pelos pais dos sujeitos, para posterior análise. As crianças avaliadas não tinham qualquer diagnóstico fechado de TEA ou outros transtornos.
Resultados: Os principais preditores de importância foram questões sobre brincar de “faz de conta”, interesse da criança por outras crianças, resposta da criança ao “manhês” e troca de olhares entre mãe e criança.
Conclusão: Nem todas as perguntas que abordam os sinais típicos de autismo mostraram-se bons preditores de importância na análise realizada. Há necessidade de analisar o conjunto de sinais e não apenas sinais isolados, quando se está diante de uma criança com suspeita de TEA.
Palavras chave: Transtorno autístico, Diagnóstico precoce, Inquéritos e questionários, Fonoaudiologia, Diagnóstico.
ABSTRACT
Purpose: To analyze the parental responses to questions investigating classic signs of autism using two different instruments (IRDI-questionnaire and M-Chat).
Methods: Forty-one children, 80% male, with a mean age of 2 years and 8 months, who were evaluated with two autism screening tools recommended by the Brazilian Ministry of Health. After administration of both tools, seven questions were selected to make up the instruments and illustrate symbolically the classic signs of the Autistic Spectrum Disorder (ASD), answered by the parents of the subjects for further analysis. The subjects did not have a formal diagnosis of ASD, or any other diagnosis.
Results: The main predictors of importance were questions about “make-believe” playing, interest of the child in other children, the child’s response to “motherese”, and exchange of glances between mother and child.
Conclusion: Not all questions referring to the typical signs of autism showed to be good predictors of importance in the conducted analysis. The data lead us to reflect on a need to analyze a set of signs and not only isolated signs when facing a child with suspected ASD.
Keywords: Autistic disorder, Early diagnosis, Surveys and questionnaires, Speech, language and hearing sciences, Diagnosis.
Artigo Original
Respostas parentais aos sinais clássicos de autismo em dois instrumentos de rastreamento
Parental responses to autism classic signs in two screening tools
Recepção: 25 Dezembro 2015
Aprovação: 17 Outubro 2016
O diagnóstico de transtorno do espectro do autismo (TEA) tem se tornado precoce, o que possibilita a intervenção mais imediata, com melhor prognóstico para as crianças(1,2,3).
Pais de crianças com TEA frequentemente relatam que as preocupações com o desenvolvimento de seus filhos começaram por volta dos 12 meses de idade(4), embora o diagnóstico de TEA seja resolutivo apenas por volta dos 3 anos(1,5). Apesar dos avanços nas pesquisas genéticas e biomédicas sobre os TEAs, nos últimos anos, ainda não há um marcador biológico que possibilite o diagnóstico(3,6). Dessa forma, a identificação e o diagnóstico devem ser baseados em características do comportamento da criança, o que, muitas vezes, torna esse processo difícil e lento(1,6,7).
A elaboração de procedimentos de rastreamento a serem utilizados em faixas etárias iniciais exigiu o estabelecimento de um conjunto mínimo de sinais que pudessem servir de referência. Para isso, foram utilizados relatos parentais, anamneses clínicas, questionários e vídeos familiares(8,9,10).
A anamnese clínica foi o primeiro espaço de identificação desses sinais. O relato parental das condutas infantis, principalmente no primeiro e segundo ano de vida, impulsionado pelo profissional clínico em sessões de anamnese e mesmo de orientações gerais, foi de grande valia para o delineamento desse conjunto(10).
Esse tipo de levantamento foi transformado em relato guiado pela entrevista clínica. Os clínicos começaram a complementar as informações de sinais de autismo fornecidas pelas entrevistas parentais com aquelas recolhidas por outros instrumentos como vídeos familiares, questionários aplicados pelos próprios clínicos e observação clínica da criança(10,11).
Inicialmente, as pesquisas se debruçavam sobre vídeos de celebrações familiares (festas de aniversário e/ou religiosas, férias, etc), que são considerados, até hoje, pontos âncora na análise(9,10,11). Contudo, os estudos apontavam para a dificuldade em discriminar sinais de autismo em crianças muito pequenas(10).
Um estudo sobre análise de vídeos de crianças de 0 a 6 meses(12) referiu grande dificuldade na lida com os dados, já que os sinais são muito frágeis nessa fase. Em idades mais avançadas, as diferenças se acentuam: de 8 a 10 meses, há alguma atipicidade no olhar para pessoas e objetos, assim como algumas características das habilidades nas relações sociais e comunicativas; de 9 a 12 meses, há diferenças na psicomotricidade e sinais de aversão à interação social, ausência de sorrisos e expressões faciais, disfunção na intenção e na imitação(10,11,13).
Questionários para pais também são muito usados para se colher informações sobre o desenvolvimento de crianças com suspeita de autismo. Para fins de rastreamento/triagem, alguns dos instrumentos utilizados mundialmente estão validados para uso no Brasil: o Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-Chat)(14) e o Autism Behavior Checklist (ABC)(15).
O M-Chat é um questionário usado como triagem de TEA, composto por 23 perguntas para pais de crianças de 18 a 24 meses, com respostas “sim” ou “não”, que indicam a presença de comportamentos conhecidos como sinais precoces de TEA. Inclui itens relacionados aos interesses da criança no engajamento social, habilidade de manter o contato visual, imitação, brincadeiras repetitivas e de “faz de conta” e o uso do contato visual e gestos para direcionar atenção social do parceiro, ou pedir ajuda(7,14).
O instrumento brasileiro - Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) - foi desenvolvido por pesquisadores brasileiros e validado para uso de profissionais da saúde, para observação dos comportamentos da díade mãe-bebê, no período de 0 a 18 meses de idade. O IRDI visa detectar risco para o desenvolvimento infantil, embora não seja um instrumento específico para TEA(16).
O IRDI-questionário foi adaptado por pesquisadores brasileiros, para fins de rastreamento de casos de TEA. É um questionário para os pais, de caráter retrospectivo, indicado para ser aplicado em crianças de 18 meses a 7 anos(17,18).
O último documento do Ministério da Saúde do Brasil(19) sobre o assunto indica a utilização de dois instrumentos para rastreamento de TEA. Esses instrumentos, validados para uso no Brasil, são o IRDI e o M-Chat.
Em estudo(8) que abordou o desenvolvimento inicial da atenção compartilhada, troca de olhar e afeto durante os dois primeiros anos de vida, utilizando entrevistas retrospectivas com os pais e análise de vídeos familiares de crianças mais tarde diagnosticadas com TEA, os resultados mostraram que as entrevistas com os pais confirmaram os resultados das observações dos vídeos, indicando que problemas precoces nas habilidades sociocomunicativas são características de crianças com TEA(8).
Três são os pontos de polêmica sobre os questionários: os pais podem ser influenciados pelas informações sobre o diagnóstico; a lembrança dos fatos pode estar comprometida e os pais não têm o olhar direcionado por um conhecimento a respeito do TEA.
Os mais variados instrumentos, de uma forma ou de outra, colocam em cena alguns sinais de autismo que podem, portanto, ser considerados insistentes, ou seja, sinais com valor para a identificação de casos de risco. São eles: receptividade da criança ao “manhês”, resposta quando chamada pelo nome, troca de olhares entre criança e mãe, interesse da criança por outras crianças e brincadeira de “faz de conta”(2,5,11,20,21,22).
Partindo da hipótese de que o uso de instrumentos de rastreamento para TEA pelo fonoaudiólogo é mais efetivo do que o simples conhecimento de sinais clínicos clássicos como os descritos, o presente estudo teve como objetivo analisar as respostas parentais a perguntas que investigam exatamente esses sinais clássicos de autismo, em dois instrumentos diferentes: IRDI-questionário e M-Chat.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica, onde foi desenvolvido (parecer nº 766.311). Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a utilização dos dados para pesquisa.
A amostra foi obtida por conveniência, por seleção consecutiva. Critérios de seleção: sujeitos maiores de 18 meses, com ausência de diagnósticos genéticos, neurológicos ou metabólicos.
No período entre maio de 2014 e maio de 2015, verificados os critérios de exclusão (idade inferior a 18 meses, presença de alterações genéticas, neurológicas ou metabólicas), foram avaliadas 41 crianças, sendo 33 (80,5%) meninos. A média de idade da amostra foi de 2 anos e 8 meses (DP=0,8), mediana 2 anos e 8 meses, variando entre 1 ano e meio e 4 anos e 6 meses. Dos respondentes, 92,7% foram mães e 53,7% tinham o segundo grau completo.
O estudo foi realizado no Centro Audição na Criança (CeAC) da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (DERDIC) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Trata-se de um serviço de alta complexidade, credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que oferece atendimento a crianças com suspeita ou diagnóstico de deficiência auditiva. Nesse local são oferecidos: diagnóstico audiológico, seleção e indicação de aparelhos de amplificação sonora individual, terapia fonoaudiológica, acompanhamento e orientações às famílias.
Como parte da rotina do serviço, após a primeira consulta com o otorrinolaringologista, as crianças passaram por uma entrevista inicial com fonoaudiólogo, para levantamento de dados de anamnese audiológica, antes da realização dos exames audiológicos necessários.
No momento da entrevista, após a verificação dos critérios de seleção, foram também aplicados os instrumentos IRDI-questionário e M-Chat. A mesma pesquisadora conduziu a aplicação dos instrumentos com todos os responsáveis pelas crianças.
Uma vez que as crianças avaliadas não tinham qualquer diagnóstico fechado de TEA ou outros transtornos do desenvolvimento, aquelas que apresentaram sinais de alerta para TEA, de acordo com os instrumentos utilizados, foram encaminhadas para avaliações diagnósticas mais aprofundadas aos serviços de atendimento da rede SUS, conforme as possibilidades ofertadas na região mais próxima de suas moradias.
Os exames audiológicos realizados foram: imitanciometria, emissões otoacústicas, audiometria lúdica, Visual Reinforcement Audiometry (VRA) e Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (PEATE), de acordo com a necessidade de cada caso. Aparelhos utilizados: Audiômetro modelo AC33, Imitanciômetro modelo AT235h e Eclipse Black Box – software ABRIS, todos da Interacoustics®.
Os instrumentos IRDI-questionário e M-Chat foram aplicados integralmente, seguindo os critérios de pontuação característicos de cada um. Após a pontuação dos instrumentos, verificados os critérios de risco, as crianças foram divididas em dois grupos: “risco” e “sem risco”. Ou seja, a aplicação dos instrumentos, seguindo suas instruções específicas de pontuação, definiu os grupos.
Após esse procedimento, foram selecionadas sete perguntas, sendo quatro do M-Chat e três do IRDI-questionário. Tais perguntas foram escolhidas para efeitos de pesquisa a posteriori, pois caracterizam aqueles que são considerados sinais clássicos de TEA, de acordo com dados recorrentes da literatura, que destaca, dentre os sinais de TEA, a dificuldade na manutenção do contato visual(2,20), ausência de resposta da criança ao “manhês”(22,23) e quando é chamada pelo nome(11,24), assim como a dificuldade de interação social(24) e de brincar de “faz de conta”(7,25,26). Tais sinais estão representados nas seguintes perguntas, que fazem parte dos instrumentos utilizados.
Perguntas selecionadas do M-Chat:
- “Seu filho tem interesse por outras crianças?”
- “Seu filho já brincou de ”faz de conta”, como, por exemplo, fazer de conta que está falando no telefone ou que está cuidando da boneca, ou qualquer outra brincadeira de ”faz de conta”?”
- “O seu filho olha para você no olho, por mais de um segundo ou dois?”
- “O seu filho responde quando você o chama pelo nome?”
Perguntas selecionadas do IRDI-questionário:
- “A mãe falava com a criança num estilo particularmente dirigido a ela (manhês)?”
- “A criança reagia ao manhês?”
- “Havia trocas de olhares entre a criança e a mãe?”
Vale destacar que o M-Chat define como “em risco” a criança que pontuar pelos menos dois dos seis itens críticos que compõem o instrumento. Ainda que esse não tenha sido o critério de seleção das perguntas analisadas neste estudo, duas das quatro perguntas elencadas constituem os itens críticos do instrumento.
Para a identificação da relevância das questões, foi realizada a análise de Cluster Two-Step, tendo para medida da distância a função de log-verossimilhança e o critério Schwarz’s Bayesian (BIC). Para identificar a contribuição de cada variável nos clusters, utilizaram-se os preditores de importância, em probabilidade, variando de 0 a 1, sendo mais perto de 1 maior a relevância dentro do agrupamento. O teste Qui-quadrado foi utilizado para observar as associações entre os clusters e a presença de risco verificada pelos instrumentos. Assumiu-se o nível descritivo de 5% (p<0,05) para significância estatística.
Os dados foram analisados no programa SPSS, versão 22.0 para Windows.
Dos 41 sujeitos avaliados, 7 (17,9%) apresentaram perda auditiva. Das perdas auditivas, 71,4% eram severas, sendo o tipo de perda neurossensorial o mais frequente (85,7%) (Tabela 1).
Dos 7 sujeitos com perda auditiva, 4 (57%) apresentaram risco para TEA nos instrumentos utilizados. Desses 4, 1 com perda leve e 1 com perda moderada apresentaram risco de TEA pelo IRDI-questionário e pelo M-Chat. Dois sujeitos com perda severa apresentaram risco de TEA pelo IRDI-questionário.
Dos 41 sujeitos avaliados, 22 (53,7%) apresentaram risco para TEA pelo M-Chat e 24 (58,5%) pelo IRDI-questionário, com bom nível de concordância entre os instrumentos (Kappa=0,41; p=0,009).
Os clusters, o M-Chat e o IRDI-questionário apresentaram boa qualidade. Para o M-Chat, dentre as questões analisadas, os principais preditores de importância foram a questão 5 (seu filho já brincou de ”faz de conta”, como, por exemplo, fazer de conta que está falando no telefone ou que está cuidando da boneca, ou qualquer outra brincadeira de ”faz de conta”?) e questão 2 (seu filho tem interesse por outras crianças?), respectivamente. As questões 10 (o seu filho olha para você no olho por mais de um segundo ou dois?) e 14 (o seu filho responde quando você chama ele pelo nome?) não se mostraram significativas (Figura 1).
Ao analisar os agrupamentos, verificou-se que no cluster 1, para as variáveis estatisticamente significativas – questões 5 e 2 – 100% dos registros tiveram a presença da resposta “sim”, enquanto que, no cluster 2, a maioria das respostas foi para a categoria “não”. Destaca-se que a negativa para a questão 5 foi de 89,5% e, para a questão 2, 78,9%.
Assim, observou-se que as crianças que estavam no cluster 2 apresentaram maior probabilidade de risco, conforme o M-Chat, quando comparadas às crianças que estavam no cluster 1 (89,5% versus 31,8%; p<0,001) (Tabela 2).
Para o IRDI-questionário, as três questões analisadas mostraram-se relevantes, respectivamente: 3 (a criança reagia ao “manhês”?); 5 (havia trocas de olhares entre a criança e a mãe?) e 2 (a mãe falava com a criança num estilo particularmente dirigido a ela “manhês”?) (Figura 2).
Em relação aos agrupamentos, identificou-se que no cluster 1, a presença da resposta “sempre” foi de 100% na questão 3. Para as questões 5 e 2, o “sempre” apareceu em 86,7% das respostas. Por outro lado, no cluster 2, 45,5% das respostas foram para a opção “nunca” na questão 3. Quanto às questões 5 e 2, a resposta “sempre” se destacou, porém, em proporções inferiores à resposta do cluster 1, respectivamente, 36,4% e 54,5%.
Verificou-se que as crianças que estavam no cluster 2 apresentaram maior probabilidade de risco, de acordo com o instrumento IRDI-questionário, quando comparadas às crianças que estavam no cluster 1 (100,0% versus 36,7%; p<0,001) (Tabela 3).
Estudar a percepção dos pais sobre os sinais iniciais de autismo pode trazer informações importantes sobre a forma como o clínico pode acessar tais sinais. Esta pesquisa baseia-se na suposição de que, além de conhecer os principais traços de autismo, o clínico precisa lançar mão de instrumentos de identificação padronizados para tal.
Observou-se que existe um longo período entre as primeiras preocupações manifestadas pelos pais e a idade do diagnóstico, propriamente dito(4,27). Maior conscientização e informação sobre as manifestações iniciais de TEA, assim como a utilização de ferramentas específicas, poderiam ajudar a diminuir esse tempo(2,28).
Os instrumentos utilizados neste estudo foram capazes de identificar crianças surdas com risco para TEA, indicando a presença de possível comorbidade, o que estaria de acordo com outro estudo(29), que afirmou que não há diferenças nos comportamentos autísticos exibidos por crianças surdas e ouvintes. No entanto, alguns estudos identificaram dificuldades no diagnóstico de TEA em crianças surdas, dificuldades estas ligadas à falta de instrumentos específicos para o diagnóstico e à necessidade de maior conscientização dos profissionais de saúde(29,30).
Apesar da ausência de contato visual ser um dos mais conhecidos sinais clássicos de TEA, a pergunta do M-Chat sobre esse tópico, não se mostrou tão significativa na análise realizada, assim como a pergunta do mesmo instrumento sobre a resposta da criança, quando chamada pelo próprio nome. Tais dados chamam a atenção por diferirem da literatura, que descreveu esses sinais como principais preocupações relatadas pelas famílias e observadas pelos clínicos(8,11,20). Por outro lado, a pergunta do IRDI-questionário sobre o mesmo tema – troca de olhares – mostrou-se relevante na análise realizada, indicando bom índice de predição.
A pergunta que investiga o uso do “manhês” pelas mães também não se mostrou um bom preditor de importância, o que, do mesmo modo, chama a atenção, pois diverge dos dados de estudos sobre esse tema, nos quais foi observada redução no uso do “manhês” em casos de TEA(22,23).
Vale notar que as pesquisas que abordaram o tema do “manhês” foram realizadas a partir da análise de filmes familiares, enquanto os dados deste estudo foram recolhidos a partir de questionários dirigidos aos pais. Tal diferença no levantamento das informações merece atenção e, talvez, justifique a diferença apontada.
As primeiras preocupações de pais sobre seus filhos com TEA foram avaliadas em estudo(20) com questionário aberto e verificou-se que inquietações sobre o desenvolvimento social ou comportamentos autísticos foram frequentes, mas não exclusivas. Características específicas de autismo (alterações no desenvolvimento socioemocional, atraso no desenvolvimento da linguagem, comportamentos autísticos) e sinais de alerta não específicos (dificuldades de comportamento não específicas do autismo, alterações perceptuais e nos marcos motores, problemas médicos e outros) foram representadas em equivalentes proporções. Estes achados concordam com os obtidos no presente estudo, em que não se verificou a força preditora de alguns dos sinais clássicos de autismo nas respostas parentais, utilizando-se questionários dirigidos.
Verificou-se que as perguntas sobre interesse da criança por outras crianças, assim como o brincar de ”faz de conta”, caracterizaram-se como bons preditores, o que está de acordo com o que apontaram os estudos sobre sinais de alerta e rastreamento dos TEA(2,7,11,20).
Os resultados da análise de todas essas perguntas, em separado, apesar de diferentes, indicaram a importância de se reconhecer que os instrumentos, quando integralmente utilizados, são capazes de cumprir sua função, ou seja, detectam possíveis casos de TEA(2,7,14,17,18).
Observou-se um movimento importante, no sentido de promover o aumento da informação e conscientização da população, em geral, e dos profissionais de saúde e educação a respeito dos TEAs e suas manifestações clínicas(2,28). Todavia, os resultados descritos no presente estudo apontaram a necessidade de se levar em consideração não só a forma de acesso aos sinais clássicos de autismo, mas também a importância de se analisar o conjunto de sinais e não os sinais isolados, preferencialmente utilizando instrumentos específicos para esse fim.
Nem todas as perguntas que abordam os sinais típicos de autismo mostraram-se bons preditores de importância, ainda que o resultado da aplicação dos instrumentos, como um todo, tenha sido o de rastrear possíveis casos de TEA, ou seja, embora as avaliações pelos instrumentos tenham indicado um possível risco para TEA, em alguns casos, as respostas dos pais para perguntas específicas não revelaram o mesmo dado. Há necessidade de analisar o conjunto de sinais e não apenas sinais isolados, quando se está diante de uma criança com suspeita de TEA. A utilização de instrumentos específicos e padronizados, pelo fonoaudiólogo, pode ajudá-lo a cumprir seu papel na identificação de possíveis casos de TEA e, assim, fundamentar um encaminhamento consistente para que o diagnóstico seja feito pelos profissionais competentes.
*Autor correspondente: Fernanda Prada Machado. E-mail: fernandapradamachado@gmail.com