RESUMO
Objetivo: Analisar a maturação da via auditiva de crianças nascidas a termo e pré-termo, ao longo de dois anos e seis meses e comparar a maturação auditiva com o desenvolvimento das habilidades linguísticas dessas crianças.
Métodos: O estudo teve como desfecho clínico a observação e análise das respostas eletrofisiológicas auditivas de crianças, durante o primeiro mês de vida e aos 2 anos e 6 meses de idade. A amostra constituiu-se de oito crianças, de ambos os gêneros, sendo cinco nascidas a termo e três nascidas pré-termo. Realizou-se o Potencial Evocado Auditivo Cortical e a avaliação de linguagem, por meio do Protocolo de Observação Comportamental.
Resultados: Tanto os bebês nascidos a termo como os prematuros passaram por um período de maturação da via auditiva. Na correlação da idade gestacional e maturação da via auditiva, observou-se que, quanto maior a idade gestacional, maior a maturação da onda P1. Não houve correlação entre os resultados da avaliação de linguagem e a maturação da via auditiva.
Conclusão: Houve maturação da via auditiva no período de dois anos e seis meses, em ambos os grupos estudados. Observou-se correlação entre Idade Gestacional e a maturação de P1, demonstrando que, quanto maior a Idade Gestacional, maior a maturação deste componente. Quanto às habilidades de linguagem, não houve correlação com a maturação da via auditiva.
Palavras chave: Audição, Potenciais evocados auditivos, Prematuro, Linguagem infantil, Idade gestacional.
ABSTRACT
Purpose: To examine the maturation of the auditory pathway of children who were born at term and preterm, during 2 years and 6 months. Moreover, we tried to compare this maturation to the development of language skills of these children.
Methods: It is a longitudinal and comparative study, which presents a clinical outcome related to the observation and analysis of auditory electrophysiological responses at the first month of life and 2 years and at 6 months old. The sample consisted of eight children, of both genders, being five born at term and three at preterm. Cortical Auditory Evoked Potential and the language evaluation were carried out through the Behavioral Observation Protocol.
Results: Both term and premature babies passed through a period of maturation of the auditory pathway. In the correlation of gestation and maturation of the auditory pathway, we observed that the higher gestational age, the higher was the maturation of P1 wave. There was no correlation between language evaluation results and the maturation of the auditory pathway.
Conclusion: Based on the results of this study, we concluded that there was maturation of the auditory pathway in the two-year period in both groups. A correlation between gestational age and maturation of P1 was observed, which shows that the higher is the gestational age, the greater is the maturity of this component. Regarding the language skills, no correlation with the maturation of this sample was noticed.
Keywords: Hearing, Evoked potentials, Auditory, Infant, Premature, Child language, Gestational age.
Artigos Originais
Audição e linguagem em crianças nascidas a termo e pré-termo
Hearing and language in term and preterm children
Recepção: 1 Março 2016
Aprovação: 6 Julho 2016
A audição é considerada um pré-requisito para a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral(1,2). A exposição às experiências auditivas nos primeiros anos de vida, permite a organização cortical necessária para garantir o desenvolvimento normal da audição e da linguagem(1).
Os limiares auditivos dentro dos padrões da normalidade e o funcionamento adequado das estruturas centrais são de fundamental importância para o desenvolvimento linguístico. Atualmente, o Potencial Evocado Auditivo Cortical (PEAC) tem sido utilizado para avaliar o início do processamento cortical, ou seja, a detecção sonora ao nível do córtex auditivo(3).
Fazem parte do PEAC as ondas positivas 1 (P1), negativo 1 (N1), positivo 2 (P2), que são chamadas de componentes exógenos do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência (PEALL), pois são influenciados pelas características físicas do estímulo, como intensidade, duração e frequência(4) e não dependem de alguma resposta do sujeito avaliado(3). Os PEAC surgiram como um procedimento capaz de medir objetivamente o grau de maturação da via auditiva central, por meio da análise de mudanças na morfologia e nos valores de latência dos componentes P1-N1-P2, ao longo do tempo(4,5).
Em neonatos e crianças menores, o P1 e o N1 são os potenciais predominantes(5,6). Já o surgimento dos outros componentes estaria relacionado com a maturação progressiva da via auditiva central(5,6).
Destaca-se que a onda P1 foi estabelecida como um biomarcador para avaliar a maturação auditiva(7,8). Este componente é uma onda positiva, gerada pela atividade do circuito talamocortical na estimulação de sons, sendo uma medida capaz de refletir alterações no Sistema Nervoso Auditivo Central (SNAC), decorrentes da plasticidade neuronal(6).
Cabe ressaltar, ainda, que a presença das ondas no PEAC pode ser considerada um indicador do desenvolvimento cognitivo, principalmente em nascidos pré-termo, que são considerados de risco para as alterações do processamento auditivo e de linguagem(9).
A prematuridade constitui um dos principais fatores de risco biológico para o desenvolvimento infantil, em decorrência da imaturidade e vulnerabilidade do cérebro em desenvolvimento(10). Conceituam-se neonatos pré-termo aqueles com idade gestacional inferior a 37 semanas(11).
Os bebês nascidos pré-termo podem apresentar algum atraso no desenvolvimento, que dependerá das intercorrências e da estimulação do ambiente recebidas pelo bebê, que podem reduzir ou aumentar os efeitos resultantes da prematuridade(12).
O desenvolvimento da linguagem, em todos os seus aspectos, como vocabulário, fonologia, fluência e pragmática está relacionado às trocas sociais da criança com o meio, que se dão, principalmente, pelas experiências auditivas, em se tratando de línguas orais. Essas interações sociais tornam-se ainda mais importantes no caso de crianças nascidas pré-termo, que necessitam de acompanhamentos e estímulos para que seu desenvolvimento seja adequado à idade cronológica(13,14).
A maioria dos estudos que comparara o desenvolvimento linguístico de crianças nascidas pré-termo e a termo, identificou atraso no desenvolvimento do grupo pré-termo, em relação às crianças nascidas a termo, principalmente no que se refere ao desenvolvimento da linguagem(13,14,15).
Em relação ao PEAC nessa população, ainda há a necessidade de se conhecer mais características do potencial. Apesar de alguns estudos já o terem caracterizado, é necessário aprofundar o conhecimento na população pediátrica(5,9,16,17), pois a literatura consultada ainda carece de estudos longitudinais que analisem as mudanças na morfologia e latência das ondas com o passar do tempo.
Sendo assim, a justificativa deste estudo apoiou-se na necessidade de investigação da correlação entre a maturação da via auditiva e o desenvolvimento linguístico de crianças nascidas a termo e pré-termo, por meio de estudos longitudinais com o PEAC.
O objetivo deste estudo foi analisar a maturação da via auditiva de crianças nascidas a termo e pré-termo e compará-la ao desenvolvimento das habilidades linguísticas, ao longo de dois anos e seis meses.
Trata-se de um estudo do tipo longitudinal e comparativo, que teve como desfecho clínico a observação e análise das respostas eletrofisiológicas obtidas no PEAC, em dois momentos, durante o primeiro mês de vida de crianças e aos 2 anos e 6 meses. Além disso, estudou-se o desenvolvimento de linguagem da amostra, por meio de um protocolo específico. O estudo está inserido no projeto de pesquisa “Deficiência Auditiva Infantil: do diagnóstico à intervenção”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número 14804714.2.0000.5346. Participaram apenas sujeitos cujos pais e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para a realização deste estudo, foram utilizados os prontuários de 25 neonatos que compareceram a um hospital universitário para a realização da Triagem Auditiva Neonatal (TAN), durante o primeiro mês de vida, e que, na ocasião, também foram avaliados por meio da pesquisa e registro do PEAC, no período de agosto a novembro de 2012. Cabe ressaltar que esses neonatos compunham a totalidade da amostra de um estudo realizado em tal período, que avaliou os PEAC em neonatos com até 29 dias de vida. Para a constituição da amostra, foi feito contato com os familiares/responsáveis por 12 crianças nascidas a termo e pré-termo, de ambos os gêneros, que fizeram parte da composição amostral do estudo de 2012. Sendo assim, as crianças foram novamente chamadas aos 2 anos e 6 meses de idade, para a realização de uma nova pesquisa do PEAC. Foi possível fazer o agendamento, via telefone, de dez crianças para a participação na presente pesquisa, porém, duas não compareceram, mesmo após remarcações. A maturação da via auditiva foi uma variável do estudo, considerando-se o resultado de latência do PEAC na 1ª avaliação (no momento da TAN, realizada entre os meses de agosto e novembro de 2012 – primeiro estudo) e na 2ª avaliação (avaliação realizada entre os meses de maio e agosto de 2015).
A amostra final, portanto, constituiu-se de oito crianças, com 2 anos e 6 meses de idade, de ambos os gêneros, divididas em dois grupos: Grupo Termo: cinco crianças nascidas a termo, sendo três do gênero feminino e duas do masculino; Grupo Pré-termo: três crianças nascidas pré-termo, sendo duas do gênero feminino e uma do masculino. Foram considerados nascidos pré-termo os bebês com idade gestacional abaixo de 37 semanas(11).
Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: autorização da mãe e/ou responsável para a participação na pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; crianças que retornaram para reavaliação do PEAC e avaliação das habilidades linguísticas, após contato telefônico; inspeção visual do meato acústico externo sem particularidades; curva timpanométrica tipo A e presença bilateral de Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT).
Como critérios de exclusão, definiu-se: crianças que não retornaram para a reavaliação; impossibilidade de comunicação com os pais/responsáveis; crianças com alterações de orelha média, observadas por meio da timpanometria; crianças com alterações orgânicas evidentes.
Os procedimentos especificados para esta pesquisa foram: reavaliação dos Potenciais Evocados Auditivos Corticais e avaliação de linguagem expressiva e compreensiva.
Primeiramente, realizou-se a inspeção visual do meato acústico externo, para visualização da condição do conduto auditivo externo e membrana timpânica, por meio do otoscópio da marca Mikatos®.
A pesquisa das EOAT e das curvas timpanométricas tiveram como objetivo a exclusão de crianças com disfunção coclear e/ou comprometimento condutivo. Para a pesquisa da curva timpanométrica, foi utilizado o aparelho MadsenOtoflex 100, da marca Otometrics®, com tom teste de 266 Hz. Foram classificadas em tipo “A”, as curvas com um pico de máxima complacência ao redor de 0 mmH20 (milímetros), cuja variação não excedia a -100 mmH20. As EOAT foram pesquisadas em ambas as orelhas com estímulo click, nas frequências de 1000, 1500, 2000, 3000 e 4000 Hz, com intensidade de, aproximadamente, 85 dBNPS. As EOAT foram consideradas presentes quando a relação sinal/ruído foi maior ou igual a 3 dB para a frequência de 1000 Hz e 6 dB para as demais frequências, em todas as frequências pesquisadas. O registro das EOAT foi realizado com o equipamento Intelligent Hearing Systems (IHS), módulo SmartTrOAE.
Para pesquisa dos PEAC, foi utilizado o equipamento IHS, módulo SmartEP, de dois canais. Para a avaliação eletrofisiológica realizada no primeiro mês de vida, os neonatos permaneceram em sono natural, no colo do responsável. Já na avaliação realizada aos 2 anos e 6 meses, as crianças permaneceram acordadas, sentadas confortavelmente no colo dos responsáveis, assistindo a um vídeo, para não direcionar sua atenção ao estímulo sonoro. Após a limpeza da pele com pasta abrasiva, os eletrodos foram fixados com pasta condutiva eletrolítica e esparadrapo, sendo os eletrodos ativo (Fz) e terra (Fpz) colocados na fronte e os de referência na mastoide esquerda (M1) e mastoide direita (M2). Manteve-se a mesma forma de colocação dos eletrodos nos dois períodos, para preservar o padrão de avaliação. O valor da impedância dos eletrodos foi igual ou inferior a 3k ohms.
Os PEAC foram pesquisados de forma binaural, por meio de fones de inserção, com estímulos de fala frequente /ba/ e raro /ga/, na intensidade de 80 dBNA. Os estímulos frequentes totalizaram 80% (cerca de 200 estímulos) das apresentações e os raros, 20% (cerca de 40 estímulos). Os estímulos foram apresentados de forma randomizada, respeitando o paradigma oddball. Utilizou-se a polaridade alternada e filtro passa-banda de 1 a 30 Hz, com janela de 1020 ms. Após o surgimento do traçado, mensurou-se a latência e amplitude das ondas (P1, N1, P2 e N2). O traçado foi impresso para análise posterior por dois diferentes profissionais da área, com experiência em eletrofisiologia da audição. Cabe ressaltar que a análise dos potenciais foi realizada apenas no traçado dos estímulos frequentes.
Ressalta-se que a diferença entre as latências das ondas P1 e N1 da primeira e da segunda avaliação foi descrita aqui como maturação da via auditiva.
A avaliação de linguagem foi realizada por meio do Protocolo de Observação Comportamental (PROC)(18), que consiste em uma avaliação de linguagem e aspectos cognitivos infantis, sendo um instrumento útil na detecção precoce de alterações no desenvolvimento da linguagem em crianças. O instrumento apresenta variáveis qualitativas e quantitativas, indicando que a pontuação máxima do teste é de 60 pontos para habilidades comunicativas (expressivas); 40 pontos para compreensão da linguagem oral; 50 pontos para aspectos do desenvolvimento cognitivo e 150 pontos no escore total. As médias de pontuação da amostra de referência para 2 anos(19), em cada categoria, são: habilidades comunicativas – 51,44 pontos; compreensão da linguagem verbal – 50,70 pontos; aspectos do desenvolvimento cognitivo – 31,96 pontos e escore total – 137,11 pontos. Para a aplicação do PROC, foi observada a interação da criança com seus familiares, envolvendo brinquedos pré-selecionados, por 30 minutos, em média, registrada em vídeo e analisada, posteriormente, por duas pesquisadoras.
Vale ressaltar que, caso a criança apresentasse alterações na avaliação de linguagem ou na avaliação auditiva, eram realizados os encaminhamentos especializados.
Os dados foram dispostos em planilhas Microsoft Excel e analisados estatisticamente por um profissional da área, sendo considerados significantes resultados p<0,05, com intervalo de confiança de 95%. Para tal análise, foram utilizados testes não paramétricos (teste U de Mann-Whitney, Wilcoxon, Mann-Whitney e Correlação de Spearman), com base no programa STATA 9.0, para cruzamento das seguintes variáveis estudadas: idade gestacional versus latências das ondas P1 e N1 na primeira e na segunda avaliação; análise dos resultados do PROC entre os grupos e maturação da via auditiva versus resultados do PROC. Em relação ao teste de correlação de Spearman, conforme coeficientes e valores de correlação, foram estabelecidas as seguintes correlações: 0 a 0,25 = muito fraca; 0,25 a 0,50 = fraca; 0,5 a 0,75 = moderada; 0,75 a 0,9 = forte; 0,9 a 1 = muito forte.
Ao analisar as latências dos componentes P1 e N1 para orelha direita e esquerda, considerando-se os dois momentos de avaliação, observou-se que, em ambos os grupos, houve diminuição significativa da latência, com o passar do tempo (Tabela 1).
Após análise da maturação do PEAC, que considerou a diferença da latência dos componentes P1 e N1 nos dois momentos de avaliação, observou-se forte correlação entre Idade Gestacional e a maturação de P1 na orelha esquerda e correlação moderada na orelha direita, indicando que, quanto maior a Idade Gestacional, maior a maturação desta onda (Tabela 2).
Considerando-se a distribuição entre os grupos, a análise descritiva da presença das ondas P2 e N2 na 2º avaliação do PEAC, realizada em milissegundos e que objetivou complementar o estudo da maturação da via auditiva, evidenciou que todas as crianças apresentaram onda P2. Duas crianças do Grupo Termo e 3 do Grupo Pré-Termo apresentaram onda N2 (Tabela 3).
A análise das médias dos resultados do PROC indicou que, na amostra estudada, não houve diferença significativa em nenhum dos grupos. Sendo assim, optou-se por agrupar a amostra e analisar a correlação entre os resultados da avaliação de linguagem e a maturação da via auditiva, por meio da variação das latências (1ª e 2ª avaliação). Cabe ressaltar que também não houve diferença significativa (Tabela 4 e Tabela 5).
Comparando as latências das ondas P1 e N1 avaliadas nas crianças, em diferentes períodos, com até 1 mês de vida e aos 2 anos e 6 meses de idade, foi observada diminuição significativa das latências nos dois grupos (Tabela 1). A partir da avaliação auditiva cortical infere-se que, tanto os neonatos nascidos a termo, como os neonatos nascidos pré-termo passaram por um período de maturação da via auditiva, ao longo destes dois anos e seis meses.
A denominação utilizada para os potenciais visualizados no presente estudo foi P1, N1, P2 e N2, diferente de outros estudos em que a denominação utilizada para P1 e N1 é de P2 e N2. O autor de um estudo chama a atenção para a subjetividade na denominação dos potenciais em neonatos, relatando que é variável na literatura, uma vez que alguns autores classificam os potenciais de acordo com a latência(17). Contudo, estudos atuais têm sugerido a denominação de P1 e N1 para o pico positivo e a deflexão predominantes no traçado da população infantil. Acredita-se que a partir da maturação cortical, esses componentes originam o complexo endógeno cortical nos adultos(20).
Buscando esclarecer os efeitos da maturação dos componentes do PEAC, alguns estudos(6,21) apontam relação entre a variável idade e a diminuição das latências de P1 e N1. A redução nos valores de latência está relacionada com o processo de mielinização progressiva das estruturas centrais e maturação da via auditiva central, que são processos de organização cortical indispensáveis para o desenvolvimento adequado da audição e da linguagem(1,6). A diminuição de latência também já havia sido encontrada em estudos com outro tipo de Potencial Evocado Auditivo(22,23).
Com relação à idade gestacional e à maturação da via auditiva, foi observado que, quanto maior a idade gestacional, maior a maturação da onda P1, apontada pela diminuição da latência desta onda (Tabela 2). Tal achado concorda com o estudo que pesquisou, por meio dos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico, a maturação da via auditiva em crianças nascidas pré-termo, concluindo que, quanto maior a idade gestacional, menor a latência das ondas deste potencial(22).
Os sujeitos do presente estudo já apresentavam os componentes exógenos P1 e N1 dos potenciais corticais, quando avaliados com 1 mês de vida, resultado que concorda com outros estudos(9,16,17). No que diz respeito à avaliação realizada após dois anos e seis meses, que constatou a presença dos componentes P2 e N2 do PEAC e observando-se, na análise descritiva, a média das latências em milissegundos, sabe-se que outros autores, ao pesquisarem os PEAC na faixa etária entre 1 ano e 9 meses e 2 anos e 6 meses de idade, observaram latências de P2 em 332 milissegundos(21). Nesse mesmo estudo, crianças com 2 anos e 6 meses de idade apresentaram latências significativamente menores, quando comparadas com grupos etários mais jovens, de 12 e 18 meses. Outros estudos, realizados com crianças maiores de 3 anos, encontraram latências um pouco menores para onda P2, 204 ms(6) e 289,23 ms(24) e N2, 223,33 ms(25). Tais achados inferem que, quanto maior a idade da criança, menor a latência dos PEAC, ou seja, a maturação da via auditiva ocorre ao longo do tempo, até a idade adulta.
Alguns estudos apontam diferenças nos potenciais corticais entre recém-nascidos a termo e pré-termo(26,27). Tal fato não foi observado neste estudo, já que a maturação da via auditiva ocorreu de forma semelhante nos dois grupos, o que pode ser justificado pelo fato de que o desenvolvimento depende da estimulação recebida pela criança, do ambiente em que ela está inserida e das possíveis intercorrências ao longo de seu desenvolvimento(12,13,14,15).
Alguns autores relatam que, concomitante à maturação da função auditiva, ocorre o desenvolvimento da fala e das habilidades linguísticas, uma vez que o período de recepção dos símbolos de linguagem auditiva é pré-requisito para a formulação posterior da linguagem(28). Na análise dos resultados do PROC não houve diferença significativa entre os grupos, com relação ao desenvolvimento de linguagem (Tabela 4). Apesar da similaridade nos resultados, observou-se que o Grupo Termo apresentou melhor desempenho apenas na compreensão da linguagem verbal e, no restante do protocolo, o Grupo Pré-termo evidenciou melhor pontuação. Esta relação também foi observada por outros autores, relatando que os grupos de crianças pré-termo e a termo avaliadas apresentaram comportamento semelhante no desenvolvimento da linguagem(29). Os autores acreditam que, possivelmente, isso se explica pelo fato de os pais receberem orientações quanto à estimulação adequada ao desenvolvimento da linguagem, no acompanhamento da evolução de crianças nascidas pré-termo(29). Cabe ressaltar que, neste estudo, as crianças do Grupo Pré-termo foram observadas ao longo de dois anos e seis meses, pois o programa de TAN oferece o acompanhamento da audição e linguagem das crianças com Indicadores de Risco para a Deficiência Auditiva (IRD).
Um estudo constatou, entretanto, que as crianças nascidas pré-termo apresentaram maior ocorrência de atraso na linguagem expressiva e que o vocabulário expressivo era significantemente menor que o das crianças da mesma idade, nascidas a termo(30). Outros autores estudaram a interação mãe-criança no desenvolvimento da linguagem oral de recém-nascidos pré-termo e observaram que as crianças nascidas pré-termo apresentaram desempenho linguístico abaixo do esperado para a idade cronológica, constatando, também, que, quanto maior o tempo de interação da mãe com a criança e o mais alto o nível socioeconômico da família, melhor o desempenho da criança no discurso oral(13). Assim, vale ressaltar que dois sujeitos da presente pesquisa, um do Grupo Termo e um do Grupo Pré-termo, necessitaram de encaminhamento especializado para terapia de linguagem, em virtude da baixa pontuação obtida por meio do protocolo. Além disso, durante a observação da filmagem da interação da criança com seu responsável, pôde-se verificar precariedade na qualidade desse convívio.
Embora não se tenha observado correlação entre habilidade de linguagem e maturação da via auditiva (Tabela 5), neste estudo, uma possível justificativa seria o reduzido número amostral estudo, uma vez que outros estudos demonstraram que as crianças que tiveram picos com menores latências eram mais propensas à melhor linguagem e escores cognitivos, aos 3 e 4 anos de idade(9). Entretanto, evidencia-se o fato desta pesquisa ser do tipo longitudinal, visto que se propôs a avaliar a maturação da via auditiva após dois anos e seis meses da primeira avaliação e sabe-se do risco de perda amostral neste tipo de estudo. Mesmo com o controle rigoroso do monitoramento da amostra, não foi possível concluir a pesquisa com um número maior de crianças, pois a adesão das famílias foi baixa.
Houve maturação da via auditiva no período de dois anos e seis meses, em ambos os grupos estudados. Observou-se correlação entre Idade Gestacional e a maturação de P1, demonstrando que, quanto maior a Idade Gestacional, maior a maturação deste componente. Quanto às habilidades de linguagem, não houve correlação com a maturação da via auditiva.
Fontes de auxílio à pesquisa: Programa de Iniciação Científica do Hospital Universitário de Santa Maria (PROIC-HUSM).
*Autor correspondente: Lidiéli Dalla Costa. E-mail: lidielidallacosta@hotmail.com