RESUMO
Objetivo: Investigar o efeito da cirurgia para secção completa do retalho faríngeo sobre a hipernasalidade de fala.
Métodos: Foram avaliados 26 indivíduos com fissura de palato±lábio reparada, submetidos à cirurgia de retalho faríngeo para tratamento da insuficiência velofaríngea e que, em função do aparecimento de queixas respiratórias, necessitaram nova cirurgia para secção do retalho. A hipernasalidade foi determinada por meio das avaliações perceptiva e nasométrica da fala 18 meses, em média, após a secção do retalho. Na avaliação perceptiva, a hipernasalidade foi classificada como: 1 = ausente ou 2 = presente e, na nasometria, foi determinada por meio da medida da nasalância durante a leitura de sentenças contendo, exclusivamente, sons orais, considerando-se, como limite de normalidade, o escore de 27% (p ≤ 0,05).
Resultados: A avaliação perceptiva mostrou que, antes da secção do retalho, oito (31%) indivíduos apresentavam ressonância equilibrada e 18 (69%) apresentavam hipernasalidade. Após a cirurgia, um (4%) paciente permaneceu com ressonância equilibrada e 25 (96%) apresentaram hipernasalidade. De acordo com a nasometria, antes da cirurgia, 13 (57%) indivíduos apresentaram valores de nasalância inferiores a 27%, indicando ausência de hipernasalidade (média = 15±8%) e dez (43%) pacientes apresentaram valores indicativos de hipernasalidade (média = 41±7%). Após a cirurgia, quatro (17%) pacientes permaneceram com valores indicativos de ausência de hipernasalidade (média = 19±10%) e 19 (83%) apresentaram valores de nasalância indicativos de hipernasalidade (média = 45±7%). Diferença entre as avaliações perceptiva e nasométrica da fala não foi observada.
Conclusão: A cirurgia para secção completa do retalho faríngeo causou deterioração da ressonância de fala, levando ao reaparecimento da hipernasalidade, na maioria dos pacientes estudados.
Palavras-chave: Fissura palatina, Insuficiência velofaríngea, Fala, Percepção da fala, Distúrbios da fala.
ABSTRACT
Purpose: To investigate the effect of complete section of pharyngeal flap on speech hypernasality.
Methods: The study analyzed twenty-six individuals with repaired cleft palate±lip underwent pharyngeal flap surgery to treat velopharyngeal insufficiency and posteriorly underwent complete section of the flap due to the occurrence of respiratory symptoms. Hypernasality was determined by auditory-perceptual speech assessments and nasometry at 18 months after surgery, on average. Hypernasality was perceptually classified as: 1 = absent or 2 = present and determined by nasalance measurement during reading of sentences containing exclusively oral sounds, considering a cutoff of 27% (p ≤ 0.05).
Results: Perceptual assessment before section of the flap revealed that eight (31%) individuals showed normal resonance, while 18 (69%) presented hypernasality. After surgery, one (4%) subject remained with normal resonance and 25 (96%) presented hypernasality. According to nasometry, before surgery, 13 (57%) individuals presented nasalance scores lower than 27%, indicative of absence of hypernasality (mean = 15±8%) and ten (43%) presented nasalance scores indicative of hypernasality (mean = 41±7%). After surgery, four (17%) patients remained with scores indicative of absence of hypernasality (mean = 19±10%) and for 19 (83%) the nasalance scores were indicative of hypernasality (mean = 45±7%). There was no difference between perceptual and nasometric speech evaluations.
Conclusion: Surgery for complete section of pharyngeal flap caused deterioration of speech resonance, leading to the reappearance of hypernasality in most patients in this study.
Keywords: Cleft palate, Velopharyngeal insufficiency, Speech, Speech perception, Speech disorders.
Artigo Original
A secção cirúrgica do retalho faríngeo pode comprometer a ressonância de fala de indivíduos com fissura labiopalatina?
Could the speech resonance of individuals with cleft lip and palate be affected by complete section of pharyngeal flap?
Recepção: 05 Fevereiro 2018
Aprovação: 07 Maio 2019
Indivíduos com fissura palatina podem apresentar sintomas que prejudicam a inteligibilidade de fala, mesmo após a cirurgia primária corretora do palato. Tais sintomas são decorrentes da disfunção velofaríngea (DVF), sendo que a hipernasalidade é o mais característico deles(1-3). O tratamento da DVF para a eliminação dos sintomas de fala requer uma cirurgia secundária de palato. Dentre as diversas técnicas descritas na literatura para este fim, está o retalho faríngeo de pedículo superior (RF)(4-8). Tal técnica consiste na união do palato mole à parede posterior da faringe, por meio da construção de uma ponte de tecido miomucoso, com base no nível do início do tecido adenoideano (pedículo superior), região considerada, na maioria dos casos, a de maior movimento de medialização das paredes laterais da faringe. O RF é delimitado por dois orifícios laterais, com diâmetro e permeabilidade que permitem a respiração nasal durante o repouso e atuam como esfíncteres durante a fala(5,9,10). Desta forma, a obstrução mecânica criada entre a orofaringe e a nasofaringe resulta na diminuição da passagem de ar para a cavidade nasal durante a produção de sons orais, levando à eliminação, ou, pelo menos, à redução dos sintomas de fala decorrentes da DVF(5-8).
A despeito dos benefícios para a fala, em alguns casos o RF está associado à obstrução das vias aéreas superiores, em função da diminuição das dimensões nasofaríngeas, podendo resultar em sintomas respiratórios, tais como respiração oral, ronco e apneia obstrutiva do sono(6,8,11,12). Um dos estudos realizados neste serviço, com o objetivo de verificar os efeitos do RF sobre a respiração, em longo prazo, constatou, por meio de avaliação aerodinâmica, significante redução das dimensões nasofaríngeas e presença de queixas respiratórias persistentes (presentes mais de um ano após a cirurgia) em 36% de indivíduos com fissura palatina(11). Mais recentemente, outro estudo investigou a frequência e gravidade da apneia obstrutiva do sono por meio de exame de polissonografia, comparando adultos submetidos à cirurgia de RF e adultos sem o retalho. Os autores verificaram que a proporção de indivíduos com o sintoma respiratório foi maior no grupo com RF (77%), comparado aos pacientes sem retalho (60%), embora diferença significante não tenha sido verificada entre os grupos estudados(12).
Ainda com o objetivo de investigar os efeitos deletérios do RF, porém, neste caso, para a fala, pesquisadores do mesmo serviço analisaram o aparecimento da hiponasalidade decorrente do RF obstrutivo. Os autores avaliaram 159 indivíduos com fissura palatina, a fim de estudar a influência da cirurgia de RF sobre a produção dos sons nasais e verificaram o aparecimento de hiponasalidade em 14% e em 25% dos pacientes após a cirurgia, de acordo com a avaliação perceptiva e nasométrica, respectivamente(13).
Nos casos em que o RF é obstrutivo e as complicações respiratórias não respondem aos tratamentos, como o uso de aparelho de pressão aérea positiva contínua, conhecido pela sigla inglesa CPAP(14), ou revisão cirúrgica do RF com alargamento dos orifícios laterais, uma cirurgia para secção completa do retalho faríngeo pode ser necessária(14-16).
Há muito se tem estudado o efeito do RF sobre a fala(7,13,17,18) e a respiração(8,11,12,17,18). Entretanto, pouco se tem investigado sobre os efeitos deletérios da secção do retalho sobre a ressonância de fala.
Em um dos primeiros relatos dos resultados de fala(19), os autores avaliaram, perceptivamente e por meio de nasoendoscopia e videofluoroscopia, nove crianças sem hipernasalidade, submetidas à cirurgia para secção total ou parcial de retalho faríngeo, em decorrência de complicações respiratórias. Os autores verificaram que duas, das nove crianças, passaram a apresentar novamente o sintoma. Os outros sete pacientes permaneceram com ressonância equilibrada. Segundo os autores, o fato de a ressonância permanecer inalterada, na maioria dos casos, pode ser justificado por fatores como a aderência do retalho à parede posterior da faringe ou, a persistência do retalho largo mesmo após a secção parcial, resultados comprovados por meio dos exames instrumentais.
Outros pesquisadores utilizaram a técnica fluxo-pressão como instrumento para determinar o fechamento velofaríngeo de 12 indivíduos, antes e após a cirurgia para secção de retalho faríngeo. Os autores observaram que, antes da cirurgia, todos os participantes apresentavam fechamento velofaríngeo adequado, indicando ausência de hipernasalidade e que, após o procedimento cirúrgico, 80% (8) dos indivíduos permaneceram com fechamento adequado. Dois pacientes (20%) passaram a apresentar fechamento velofaríngeo inadequado, de acordo com os valores de área velofaríngea. Os autores consideraram que o bom resultado, mesmo após a remoção do retalho, pode ter ocorrido devido a mudanças anatômicas na região da nasofaringe que persistiram, mesmo após a remoção do retalho faríngeo(15).
Considerando a escassez de trabalhos que estudaram as repercussões da secção do retalho faríngeo sobre a fala, o propósito deste estudo foi investigar o efeito da cirurgia de secção completa do retalho faríngeo, realizada em função do aparecimento de queixas respiratórias após a correção da insuficiência velofaríngea, sobre a ressonância de fala. Em última análise, pretendeu-se verificar se a retirada do retalho levou à deterioração da ressonância, identificada pelo aparecimento da hipernasalidade.
Estudo restrospectivo, conduzido no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo – HRAC-USP, Bauru (SP), Brasil, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição (Ofício nº 74/98).
Foi realizada a análise dos dados de 26 pacientes com fissura de palato±lábio reparada e RF (15 operados na instituição onde o presente estudo foi realizado e nove operados em outro serviço), de ambos os sexos, com idade entre 12 e 51 anos (média de 36±13 anos), submetidos à cirurgia para secção completa do retalho faríngeo devido às dificuldades respiratórias apresentadas após a faringoplastia. A idade que os indivíduos operados na instituição realizaram a cirurgia de RF variou entre 5 e 49 anos (média de 30±18 anos). O procedimento cirúrgico para a secção do retalho ocorreu entre três e 11 anos (média de 7±3anos) após a sua realização. Os indivíduos cuja cirurgia de RF foi realizada em outra instituição, não possuíam registro quanto à data do procedimento, não tendo sido possível, portanto, estabelecer o tempo entre o RF e sua secção.
Foram incluídos neste estudo indivíduos com RF submetidos à secção do retalho miomucoso, em função do relato de queixas respiratórias significativas que passaram a ocorrer após a cirurgia de RF, tais como, ronco, pausas respiratórias durante o sono e falta de ar. Não foram incluídos, no presente estudo, indivíduos com síndromes e/ou outras anomalias craniofaciais associadas à fissura labiopalatina, ou com evidências clínicas de obstrução nasal no momento do exame, que pudessem comprometer o seu resultado.
Foram analisados os resultados das avaliações perceptiva e nasométrica da fala, realizadas antes da secção do RF (PRÉ) e, em média 18±16 meses (seis meses a seis anos) após este procedimento (PÓS), respeitando-se a rotina de atendimento da instituição. As avaliações pós-cirúrgicas são, idealmente, realizadas entre seis e 12 meses após o procedimento cirúrgico, tempo considerado suficiente para a completa cicatrização do local, na parede posterior da faringe, onde foi seccionado o pedículo do retalho faríngeo. Dos indivíduos avaliados, 15 retornaram ao atendimento ambulatorial no tempo previsto e nove retornaram após o tempo máximo estabelecido para a rotina ambulatorial da instituição.
A hipernasalidade foi classificada de modo presencial, por um único avaliador, em: 1 = hipernasalidade ausente (ressonância oronasal equilibrada), 2 = hipernasalidade presente.
A nasalância (correlato acústico da nasalidade) foi determinada utilizando-se um nasômetro modelo 6200-3 IBM (software versão 30-02-3.22), composto por dois microfones separados por uma placa metálica, que captam os sinais dos componentes nasal e oral da fala. O exame é realizado durante a leitura de um conjunto de cinco frases contendo sons exclusivamente orais do Português Brasileiro. Na medida em que o texto, apresentado na tela do microcomputador conectado ao sistema, é lido, os sinais são captados pelos microfones e a nasalância é calculada pela razão numérica entre a energia acústica nasal e a energia acústica total (soma da energia acústica nasal e oral), multiplicada por 100. O valor de 27% é considerado como o limite superior de normalidade. Assim, valores superiores a 27% são considerados como indicativos de hipernasalidade. A Figura 1 mostra, de forma esquemática, a configuração do sistema.
A hipernasalidade foi expressa em escores e a nasalância, em percentuais. Os escores de hipernasalidade pré-secção e pós-secção do RF foram comparados por meio do teste estatístico de Wilcoxon. Os valores médios de nasalância, nas duas situações, foram comparados por meio do teste t de Student para amostras pareadas. A comparação entre os dois tipos de avaliação foi feita por meio do teste estatístico McNemar. Foram aceitos como significantes os valores de p < 0,05.
De acordo com a avaliação perceptiva da fala, na situação PRÉ, 31% (8/26) dos pacientes apresentavam ressonância equilibrada, enquanto que 69% (18/26) apresentavam hipernasalidade. Na situação PÓS, 4% (1/26) permaneceram com ressonância equilibrada e 96% (25/26) apresentaram hipernasalidade. A análise individual dos dados mostrou que 7 indivíduos passaram a apresentar hipernasalidade após a secção do RF. A comparação estatística mostrou que houve diferença entre as porcentagens de indivíduos nas condições PRE e PÓS (p < 0,001). A proporção de pacientes que apresentava ressonância equilibrada e hipernasalidade antes e após a secção do RF está demonstrada na Tabela 1.
Os dados da nasometria foram analisados a partir de um total de 23 pacientes, tendo em vista que 3 indivíduos não realizaram esta avaliação pós-cirúrgica. De acordo com a avaliação nasométrica, na situação PRÉ, 57% (13/23) dos pacientes apresentavam valores de nasalância indicativos de normalidade (ausência de hipernasalidade), com média de nasalância de 15±8% e 43% (10/23), valores indicativos de hipernasalidade (média de nasalância de 41±7%). Na situação PÓS, 17% (4/23) dos pacientes permaneceram com valores indicativos de normalidade (média = 19±10%) e 83% (19/23) apresentaram hipernasalidade (média = 45±7%). Isto significa que, de acordo com a nasometria, 9 indivíduos sofreram deterioração da ressonância de fala, com o aparecimento da hipernasalidade após a secção do RF. A análise estatística mostrou que, após a secção do retalho faríngeo, os pacientes apresentaram valores médios de nasalância significativamente maiores, quando comparados àqueles obtidos antes da cirurgia (p < 0,001), conforme demonstrado na Tabela 2.
A comparação entre as duas modalidades de avaliação, perceptiva e nasométrica da fala, no que se refere à proporção de indivíduos com e sem hipernasalidade após a secção do retalho faríngeo, mostrou que não houve diferença significante entre os resultados de ambas (p = 1,000).
Dentre as técnicas cirúrgicas descritas na literatura para tratamento da disfunção velofaríngea, a cirurgia de retalho faríngeo de pedículo superior ainda apresenta elevados índices de sucesso, no que se refere à eliminação dos sintomas de fala(7,21-24).
Por ser uma técnica que modifica a anatomia da região velofaríngea, criando uma obstrução entre a orofaringe e a nasofaringe, o retalho faríngeo pode levar ao aparecimento de sintomas respiratórios que, muitas vezes, são permanentes(11). Quando os sintomas respiratórios comprometem a qualidade de vida dos indivíduos, torna-se necessária uma cirurgia para secção completa do retalho faríngeo.
O presente estudo analisou o efeito da cirurgia para secção do retalho faríngeo sobre a ressonância da fala, a fim de investigar se a remoção do retalho faríngeo levou à deterioração da ressonância. Em outras palavras, pretendeu-se investigar se aqueles indivíduos com retalho faríngeo e ressonância equilibrada, passaram a apresentar hipernasalidade como consequência da secção do retalho. Utilizou-se, para tanto, duas modalidades de avaliação, já consagradas na literatura: a avaliação perceptiva da fala e a nasometria.
A avaliação perceptiva, embora subjetiva, é considerada padrão-ouro na avaliação da fala de indivíduos com fissura palatina e principal indicador da significância clínica deste sintoma(1,25,26). Há que se considerar, neste caso, como limitação do presente estudo, o fato de que a presença ou a ausência da hipernasalidade foi definida com base na avaliação presencial realizada por um único avaliador, durante os atendimentos de rotina desses pacientes, cujos dados foram documentados. Sabe-se que, em estudos dessa natureza, o ideal é que o julgamento perceptivo seja o resultado do consenso entre diferentes avaliadores, utilizando-se, para tanto, registros de amostras de fala em áudio e/ou vídeo, o que não ocorreu nos casos analisados no presente estudo. Ressalte-se, entretanto, que todas as avaliações perceptivas foram realizadas por profissionais (avaliadores) da instituição, com vasta experiência em fissura labiopalatina.
A nasometria é, dentre os métodos instrumentais, um dos que apresenta maior correlação com o julgamento perceptivo da nasalidade(3,27) e, portanto, é parte dos exames de rotina realizados para acompanhamento do tratamento de indivíduos com fissura palatina.
Embora tenha sido observada pequena variação entre os resultados da nasometria e da avaliação perceptiva, a comparação estatística mostrou que não houve diferença entre ambas, confirmando a boa correlação entre as duas modalidades de avaliação. Contudo, há que se considerar que, por ser um exame que analisa, inclusive, desvios sutis de ressonância(28), a presença de eventual congestão nasal resultante de processos respiratórios alérgicos, agudos ou crônicos, não identificada durante o exame, pode levar a resultados não fidedignos da avaliação nasométrica. Ou seja, embora a hipernasalidade seja perceptível ao ouvido humano, a obstrução das vias aéreas superiores, mesmo que sem sintomas evidentes, impede que o instrumento capte, ainda que parcialmente, a energia acústica nasal necessária para o cálculo da nasalância, podendo indicar ausência do sintoma de fala.
Ainda que não tenha sido objetivo do presente estudo, uma análise dos registros dos sintomas respiratórios relatados pelos pacientes, durante atendimento de rotina, identificou que três, dos quatro indivíduos que permaneceram com valores normais de nasalância após a remoção do retalho, relataram apresentar, eventualmente, obstrução nasal, respiração oral e processos alérgicos. Assim, a diferença na porcentagem de indivíduos com ressonância equilibrada após a cirurgia, verificada entre os métodos de avaliação, pode ser justificada, em parte, pela presença de sintomas respiratórios não detectados no momento da avaliação desses pacientes.
A análise dos dados mostrou que, de acordo com o julgamento perceptivo da nasalidade, dos oito pacientes com ressonância equilibrada antes da secção do retalho faríngeo, somente um permaneceu com a ressonância inalterada. Os demais sete passaram a apresentar hipernasalidade, ou seja, a remoção do retalho faríngeo levou os pacientes novamente à condição de DVF.
No que se refere aos resultados da nasometria, os valores médios de nasalância obtidos antes da secção do retalho faríngeo foram de 26%, indicando que, em média, os indivíduos analisados apresentavam valor normal de nasalância, embora este valor seja considerado muito próximo do valor limite de normalidade (27%). A análise individual dos dados, entretanto, revelou que, dos 23 indivíduos, 13 apresentavam valores de normalidade que variaram de 5% a 14%. Destes, apenas quatro permaneceram na mesma condição, ou seja, sem o sintoma de fala após a secção do retalho faríngeo. Para os outros nove indivíduos os valores de nasalância passaram a ser indicativos de hipernasalidade, com a retirada do retalho. O valor médio de nasalância, após a cirurgia, passou a ser de 40% e, portanto, indicativo de hipernasalidade. O aumento significante da nasalância média após a cirurgia comprova que a remoção do retalho faríngeo levou ao aparecimento da hipernasalidade, na maioria dos pacientes.
A literatura é vasta, no que diz respeito ao sucesso da cirurgia de retalho faríngeo na eliminação dos sintomas da disfunção velofaríngea(18,23,29) e no que se refere ao aparecimento de dificuldades respiratórias decorrentes desta técnica cirúrgica(8,11,12,15). Outros estudos, ainda, advogaram a realização de uma cirurgia para aumento dos orifícios laterais do retalho, na tentativa de minimizar ou eliminar problemas respiratórios e, por vezes, da fala, como a hiponasalidade(16,30). Este estudo, no entanto, abordou resultados de fala nos casos em que a conduta para a solução de problemas respiratórios nessa população foi a secção do retalho faríngeo, tema pouco explorado na literatura.
Embora escassa, a literatura demonstra que existem resultados satisfatórios após a secção do retalho faríngeo, no que se refere à ressonância de fala(14,15). No entanto, o presente estudo mostrou, por meio de avaliação perceptiva e instrumental, que, para a maioria dos pacientes, a remoção do retalho, que garantia a ressonância de fala equilibrada, levou à retomada de padrões de funcionamento velofaríngeo prévios a esta cirurgia, causando o aparecimento da hipernasalidade. Entretanto, em pequena parcela dos pacientes (4%, de acordo com a avaliação perceptiva e 17%, de acordo com a nasometria) a remoção do retalho não alterou a ressonância.
Especula-se que mudanças das condições anatômicas e funcionais, adquiridas com a construção do retalho, persistiram após a sua remoção, favorecendo, de alguma forma, o fechamento velofaríngeo. Isto pode ser resultado de tecido cicatricial fibroso, formado pela própria remoção do retalho que se mantém na parede posterior da faringe, funcionando como um apoio (aumento da parede posterior) e auxiliando o fechamento velofaríngeo(14). Outra explicação para este resultado é que, enquanto o retalho permaneceu em posição, pode ter havido um “aprendizado” do mecanismo velofaríngeo para conseguir o fechamento velofaríngeo completo e tal comportamento foi mantido até mesmo após a remoção do retalho. Pode se pressupor que esse efeito de “aprendizado” tenha sido mais evidente naqueles indivíduos que permaneceram com o retalho faríngeo por mais tempo. No entanto, em uma análise individual dos dados, verificou-se que o indivíduo que permaneceu com o retalho faríngeo por mais tempo (11 anos) voltou a apresentar hipernasalidade após a seção do retalho, enquanto que o único indivíduo que permaneceu com a ressonância equilibrada após a secção do retalho faríngeo foi, justamente, aquele que permaneceu com a ponte de tecido miomucoso por menos tempo (três anos), até a sua completa secção. Isso mostra que um possível “aprendizado” do mecanismo velofaríngeo pode não ocorrer em todos os casos submetidos à secção do retalho. Além disso, o tempo que o indivíduo permanece com o retalho faríngeo parece não ser este um fator determinante para que esse “aprendizado” ocorra. Futuros estudos deverão ser conduzidos com a finalidade de explorar estes achados.
É importante ressaltar que todos os indivíduos foram submetidos à avaliação após a secção do retalho com a equipe multidisciplinar da instituição, a fim de definir a conduta mais adequada para o tratamento dos sintomas de fala persistentes ou decorrentes da remoção do retalho faríngeo. Dentre essas condutas, estão procedimentos cirúrgicos, tais como novo retalho faríngeo ou palatoplastia com veloplastia intravelar; adaptação de prótese de palato (bulbo faríngeo) e fonoterapia para eliminação de articulações compensatórias.
As avaliações perceptiva e nasométrica da fala mostraram que a cirurgia para secção completa do retalho faríngeo causou a deterioração da função velofaríngea, levando ao aparecimento da hipernasalidade na maioria dos indivíduos analisados. No entanto, ainda que em uma parcela reduzida, observou-se que a secção do retalho não resultou em alterações da ressonância de fala. Este achado pode ser justificado por fatores, como modificações anatômicas persistentes, formação de tecido cicatricial fibroso, que venha contribuir para o fechamento velofaríngeo durante a fala, ou, ainda, efeito de aprendizado do comportamento velofaríngeo.
* Autor correspondente: Renata Paciello Yamashita. E-mail: rezeyama@usp.br