RESUMO
Introdução: Por meio da intervenção fonoaudiológica, é possível diminuir os sintomas da afasia.
Objetivos: Verificar os métodos de intervenção fonoaudiológica na afasia expressiva.
Estratégia de pesquisa: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Realizou-se a busca nas bases SciELO, PubMed e PsycINFO, no período de fevereiro a abril de 2018. Para as bases de dados PubMed e PsycINFO foram estabelecidos os descritores em inglês “non-fluent aphasia”, OR “broca” OR “transcortical motor aphasia” OR “motor aphasia” OR “amnestic aphasia” OR “semantic aphasia” OR “dymanic aphasia” OR “anomi*” AND “intervention” OR “therapy” OR “rehabilitation” OR “treatment”. Para base SciELO, apenas o descritor “aphasia”.
Critérios de seleção: Artigos publicados nos últimos dez anos (de 2009 a 2018) em português, inglês ou espanhol foram incluídos, sendo ou não de periódicos de acesso livre, além de estudos com indivíduos com idade superior a 19 anos. Foram excluídos artigos não relacionados à terapia tradicional, estudos que não apresentassem indivíduos com afasia expressiva e aqueles que tratavam de distúrbios motores de fala, como disartria e apraxia pura. Estudos de revisão de literatura e que envolvessem participantes bilíngues também foram excluídos.
Resultados: Um total de 174 artigos foram encontrados. Após análise e aplicação dos critérios de seleção estabelecidos, foram selecionados 32 artigos completos. Entre as terapias tradicionais encontradas, observaram-se: terapia de recuperação de palavras, terapia melódica e terapia conversacional.
Conclusão: A terapia de recuperação de palavras foi o método tradicional mais utilizado.
Palavras-chave: Afasia, Reabilitação, Fonoterapia, Linguagem, Revisão.
ABSTRACT
Introduction: Aphasia symptoms can be improved via speech and language therapy.
Purpose: To analyze speech-language intervention methods in expressive aphasia.
Research strategy: An integrative review of the literature was performed using SciELO, PubMed and PsycINFO databases, from February to April 2018. The following search terms: “non-fluent aphasia”, OR “broca” OR “transcortical motor aphasia” OR “motor aphasia” OR “amnestic aphasia” OR “semantic aphasia” OR “dymanic aphasia” OR “anomi*” AND “intervention” OR “therapy” OR “rehabilitation” OR “treatment” were used for PubMed and PsycINFO databases. In SciELO database, only the search term “aphasia” was used.
Selection criteria: Articles published in the last ten years (from 2009 to 2018) in Portuguese, English or Spanish, whether or not they were open access journals. Studies with participants older than 19 years were selected. Articles not related to traditional therapy were excluded, as well as those which did not present participants with expressive aphasia and those which treated speech motor disorders such as pure dysarthria and pure apraxia. Literature review studies and studies involving bilingual participants were also excluded.
Results: One hundred and seventy-four articles were found. After analysis and application of the established selection criteria, 32 complete articles were selected. Word retrieval therapy, melodic intonation therapy and conversation therapy were the traditional methods found in this study.
Conclusion: Word retrieval therapy was the method most commonly used.
Keywords: Aphasia, Rehabilitation, Speech Therapy, Language, Review.
Revisão de Literatura
Intervenção fonoaudiológica na afasia expressiva: revisão integrativa
Speech-language intervention in expressive aphasia: integrative review
Recepção: 22 Outubro 2018
Aprovação: 14 Março 2019
A afasia é um distúrbio de linguagem adquirido após lesão cerebral, que afeta algumas ou todas as modalidades de linguagem: expressão e compreensão da fala, leitura e escrita(1). Aproximadamente, um terço das pessoas que sofrem acidente vascular cerebral apresenta afasia(2).
A população afásica é heterogênea, os indivíduos podem apresentar comprometimentos de linguagem que variam em termos de gravidade e tipo de modalidade de processamento de linguagem deficitário, incluindo a expressão e compreensão da fala, leitura, escrita e gesto(3). O impacto e as implicações na vida do indivíduo, de sua família e na sociedade destacam a importância da reabilitação, uma vez que esta visa diminuir os efeitos da afasia e restaurar as funções linguísticas(4,5).
O tipo de tratamento escolhido depende de múltiplos fatores, como a extensão e localização da lesão, etiologia, dominância manual, idade do indivíduo e escolaridade(6), além de depender, também, da abordagem teórica utilizada pelos terapeutas. Ainda, as afasias podem ser classificadas em expressivas (não fluentes) e receptivas (fluentes)(7). Tais classificações auxiliam na escolha do enfoque terapêutico.
O tratamento fonoaudiológico envolvendo abordagens terapêuticas tradicionais refere-se às intervenções voltadas para a restauração das habilidades linguísticas do sujeito, centrando-se nos níveis de prejuízos e incapacidades. Tais abordagens priorizam a estimulação intensiva da linguagem, por meio de estímulos visuais e auditivos, repetição, em contextos linguísticos e situacionais(6,8,9).
Existem diversos métodos de intervenção fonoaudiológica aplicados no tratamento da afasia, como a estimulação pragmática, neurolinguística, cognitivo-linguística, funcional, conversacional, baseada nos prejuízos, constraint-induced, compreensão verbal, computadorizada, semântica, social, ou abordagens baseadas no resultado(5,10). No entanto, ainda não há um padrão-ouro para o tratamento da afasia(7).
A maioria dos fonoaudiólogos concorda que o tratamento é considerado efetivo se o paciente apresentar melhoras na fala, que podem ser generalizadas para estruturas de linguagem não tratadas e/ou outros contextos(7). Uma revisão sistemática brasileira(11) que buscou rever as características metodológicas dos estudos sobre a reabilitação da afasia expressiva (entre 1999 e 2011) encontrou 56 artigos envolvendo técnicas de reabilitação (22 com foco no processamento lexical, 18, na estimulação da sintaxe, sete com objetivo de desenvolver a fala e nove com múltiplos focos). Com intuito de atualizar esses dados e complementar os estudos desta área, a presente pesquisa foi proposta devido à grande demanda de quadros afásicos e à necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre o tratamento fonoaudiológico em quadros expressivos.
Esta revisão integrativa foi realizada com o objetivo de verificar os métodos de intervenção fonoaudiológica na afasia expressiva.
Este estudo empregou, como metodologia, a revisão integrativa da literatura, que possibilitasse um resumo sobre determinado assunto e as possíveis utilizações dos estudos na prática, fundamentados no conhecimento científico(12). Com o intuito de orientar a busca bibliográfica, desenvolveu-se a seguinte pergunta, que embasou a presente pesquisa: Quais os modelos terapêuticos de linguagem que vêm sendo utilizados, nos últimos dez anos, em pacientes afásicos expressivos?
Para a obtenção de dados a respeito desses estudos, realizou-se busca nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Public Medicine Library (PubMed) e American Psychological Association (PsycINFO), durante o período de fevereiro a abril de 2018. Esses canais literários foram selecionados pelas autoras devido ao fato de conterem pesquisas condizentes com o tema proposto.
Para realização da pesquisa estabeleceram-se os seguintes descritores em inglês, nas bases de dados da PubMed e PsycINFO: “non-fluent aphasia”, OR “broca” OR “transcortical motor aphasia” OR “motor aphasia” OR “amnestic aphasia” OR “semantic aphasia” OR “dymanic aphasia” OR “anomi*” (descritores buscados em title/abstract) AND “intervention” OR “therapy” OR “rehabilitation” OR “treatment” (descritores buscados em title). Na base SciELO, a busca foi realizada apenas com a palavra-chave “aphasia”, pois, ao inserir os descritores utilizados nas outras bases, não foram encontrados artigos condizentes com o tema proposto.
Para o refinamento da pesquisa, foram incluídos somente artigos publicados nos últimos dez anos (de 2009 a 2018), nos idiomas português, inglês e espanhol, sendo ou não de periódicos de acesso livre. Além disso, delimitou-se a população estudada para indivíduos com idade acima de 19 anos.
Os artigos que abordavam intervenção neurocirúrgica, medicamentosa, estimulação transcraniana e terapia de grupo foram excluídos desta revisão integrativa. Foram excluídos, também, estudos que não apresentassem indivíduos com afasia expressiva e artigos que tratavam de distúrbios motores de fala, como disartria e apraxia puras. Estudos de revisão de literatura, bem como os que envolvessem participantes bilíngues, também foram excluídos desta revisão.
Os artigos encontrados foram analisados independentemente, por duas autoras, quanto à correspondência aos critérios de inclusão, para a leitura do resumo, e, posteriormente, a leitura integral das publicações. Referências que se encontravam duplicadas nas bases de dados consultadas foram excluídas. Quando ocorreu divergência entre as duas pesquisadoras, ambas analisaram, por consenso, os artigos duvidosos.
Foram encontrados 174 artigos, sendo 56 da base PubMed, 65 da SciELO e 53 da PsycINFO. Após análise e aplicação dos critérios de seleção citados anteriormente, 32 artigos foram selecionados para o estudo (Figura 1).
Todos os participantes dos estudos apresentavam lesão de hemisfério esquerdo, decorrente de acidente vascular cerebral. A maioria dos sujeitos investigados nos estudos apresenta anomia, prevalecendo, quanto ao tipo de afasia, a afasia anômica e a de Broca. O tempo de intervenção variou de duas a dezesseis semanas e de oito a trinta e duas sessões. Em alguns estudos, o tempo total de intervenção e o tipo de afasia não foram descritos. O Quadro 1 apresenta os estudos selecionados, contendo os dados sobre os autores, ano de publicação, número de sujeitos, tipo de afasia apresentada, metodologia, intervenção e resultados de cada um.
Pôde-se observar que a maioria dos estudos selecionados - 30 estudos (93,7%) - utilizou a terapia de recuperação de palavras. Em dois destes artigos, verificou-se a utilização da terapia de recuperação de palavras juntamente com gesto intencional. Estes estudos basearam-se no uso de substantivos e/ou verbos. Este tipo de terapia mostrou-se efetivo na maioria dos artigos encontrados, apresentando benefícios significativos, principalmente na nomeação de figuras, além de melhora no discurso e em itens não tratados.
Além dos estudos que utilizaram o método de recuperação de palavras, foi encontrado um artigo (3,13%) que se baseou na terapia de canto e um (3,13%), na terapia conversacional. Na terapia de canto, que envolveu ritmo e melodia, seguidos de nomeação de figuras, metade dos participantes obteve melhora na memória semântica após intervenção, em que foi verificado o uso do léxico da música na fala de palavras. Na terapia conversacional, também foi possível notar melhora significativa nos aspectos linguísticos, a partir da utilização de videoclipes.
Este artigo revisou estudos que abordavam métodos terapêuticos utilizados, atualmente, em casos de afasia expressiva, investigando a metodologia empregada. Conforme constatado, os métodos de tratamento tradicionais mais utilizados são: terapia de recuperação de palavras, terapia melódica e terapia conversacional.
Foi possível perceber que a maioria dos estudos teve como enfoque principal tratar as alterações linguísticas apresentadas pelos sujeitos, independente da estratégia de reabilitação escolhida para o tratamento. Esta informação concorda com um estudo de revisão sistemática, que também relatou a utilização de estratégias diversificadas para trabalhar os sintomas da afasia expressiva(11). Na presente revisão, verificou-se que a anomia foi o sintoma mais prevalente, sendo um dos sintomas mais comuns da afasia e que influencia negativamente as habilidades comunicativas do indivíduo, nos diferentes aspectos linguísticos(39). Entre os estudos analisados, notou-se expressiva similaridade entre os resultados, sendo constatada melhora das alterações linguísticas na maioria dos estudos, como mostra o Quadro 1.
Em relação ao tipo de tratamento, observou-se que a terapia de recuperação de palavras foi a mais frequente e, dentro desta abordagem, existem métodos que buscam ativar/fortalecer as conexões semântico-lexicais e outros, as conexões léxico-fonológicas(45). A nomeação de figuras e a relação entre figura/palavra foram as estratégias mais utilizadas(46). Nos artigos analisados, foi possível verificar que a maioria utilizou a nomeação de figuras, sendo frequente a utilização de tablets e computadores, principalmente como um meio para a apresentação dos estímulos(13,25,26,32,37,40,47). Notou-se, ainda, que, para melhorar a recuperação de palavras, alguns estudos envolveram sugestões e dicas facilitadoras progressivas(16,17,20,21,26,35,37,43) assim como consta na literatura, sendo um tipo da terapia de recuperação de palavras, em que as dicas são dadas de maneira hierárquica, podendo iniciar com o mínimo de facilitações e aumentando-as, ou então, de forma reversa, diminuindo-as gradualmente(45).
Na maioria dos estudos, prevaleceu o uso de estímulos léxico-fonológicos(16-18,20,22,23,26-29,33,35,40,41,43,44) e semânticos(13,15,25,30,31,36,38,39,42), encontrando-se, ainda, pesquisas utilizando verbos(19,21,24,32,37). Outro estudo também apontou a nomeação de figuras como principal tarefa utilizada durante a terapia de recuperação de palavras, porém, considerou a terapia mais eficaz quando colocada dentro de um contexto de sentença, que apresenta maior enriquecimento linguístico(46).
A terapia de recuperação de palavras tem, como objetivo, a generalização de palavras treinadas durante o tratamento para palavras não treinadas(46). Um estudo de 2002(48) referiu que os ganhos quanto a generalização são limitados, assim como observado em alguns estudos selecionados(24,36,37,39,42). No entanto, achados de alguns estudos desta revisão, mostraram que participantes submetidos a esta abordagem tiveram ganhos quanto à generalização para itens não treinados(13,15,19,28,32).
Outro objetivo da terapia de recuperação de palavras é a generalização das melhorias das habilidades de nomeação, observadas durante a terapia para um contexto não clínico(45). Este aspecto foi comentado em outro estudo, em que, muitas vezes, os testes mostraram mudanças positivas após intervenção, porém, estas não ocorreram na vida diária do sujeito(11). Na presente revisão, foi possível verificar a generalização para a conversação(15,16).
A terapia conversacional foi encontrada somente em um estudo(34), sendo que esta terapia visa à recuperação das habilidades de conversação(49,50). A terapia conversacional possui raízes no estudo de análise conversacional de Schegloff et al.(51), que mostrou que a conversa possui uma estrutura, apresentando organização de troca de turnos, temática, retificações e sequência. A terapia conversacional do estudo citado utilizou videoclipes para promover, de forma espontânea, a interação verbal entre paciente e terapeuta. Além disso, na literatura encontram-se outros métodos que podem ser utilizados, como a terapia em grupo, que facilita o uso da linguagem e a socialização de forma mais próxima às práticas do cotidiano(52,53).
Outro tipo de tratamento para a reabilitação de pacientes afásicos é o uso do canto, em que se utiliza a entonação melódica e o ritmo como forma de facilitar e melhorar a produção linguística(54). Dos artigos selecionados, somente um(14) se baseou no treinamento de canto, sendo que após o término do treinamento, foram realizadas terapias de nomeação de desenhos. Como resultado, três sujeitos melhoraram após a intervenção com o canto, dois sujeitos demonstraram melhorias somente após a terapia do canto seguida da terapia de nomeação, enquanto os outros cinco indivíduos participantes do estudo não apresentaram melhora, sendo que possuíam lesões nos gânglios da base esquerda ou no lobo temporal(14). Devido a isso, os autores do estudo consideraram como indicação de eficácia da terapia do canto para sujeitos com lobos temporais esquerdos e gânglios da base direitos intactos, assim como metabolismo preservado do hemisfério direito da glicose(14). Os benefícios apresentados pela terapia envolvendo o canto podem estar relacionados em razão do canto ativar as áreas compensatórias no lóbulo temporal direito, ou as áreas periféricas de linguagem, servindo como impulso para a fala(55).
Assim como no artigo selecionado, na literatura foi possível encontrar um estudo que visou a recuperação da linguagem, a partir da preservação da habilidade de cantar, em um paciente com afasia de Broca, utilizando um programa de reabilitação baseado na terapia de entonação melódica (TEM)(56). Como resultado, a participante obteve melhorias significativas na fluência verbal, reduzindo as anomias e aumentando o número de palavras produzidas por minuto, durante do discurso, além de melhorar as funções neuropsicolinguísticas(56). A TEM(57) é considerada o programa de reabilitação mais antigo e mais utilizado nas afasias não fluentes, sendo indicada para pacientes com preservação de hemisfério direito(58,59).
Muitos estudos podem não ter sido encontrados, pois foram utilizadas poucas bases de dados, sendo esta uma limitação do estudo.
Pôde- se observar que a terapia de recuperação de palavras é o método tradicional mais utilizado, usando, principalmente, a nomeação de figuras com auxílio de pistas facilitadoras. Pressupõe-se que a recuperação de palavras seja ainda o método mais utilizado pela facilidade da intervenção em si, pela necessidade apresentada pelos afásicos quanto a expressão verbal e pela comprovação da eficácia deste tipo de tratamento, em diversas pesquisas da área. Os métodos tradicionais de intervenção para pacientes afásicos têm sido um tema bastante estudado e divulgado na literatura internacional, mas há poucas pesquisas brasileiras, possivelmente devido à dificuldade de randomização dos casos, bem como da realização de pesquisas de segmento.
* Autor correspondente: Raira Fernanda Altmann. E-mail: raira_altmann@hotmail.com