Artigo Original
Impressões auditivas da voz do professor na percepção de alunos, professores e leigos
Auditory impressions of the teacher’s voice in the perception of students, teachers and naive people
Impressões auditivas da voz do professor na percepção de alunos, professores e leigos
Audiology - Communication Research, vol. 23, e1857, 2018
Academia Brasileira de Audiologia
Recepção: 06 Março 2017
Aprovação: 26 Janeiro 2018
RESUMO
Objetivo: Comparar as impressões auditivas de estudantes, professores e leigos para a voz, na docência do ensino fundamental.
Métodos: Estudo transversal formado por três grupos: 104 alunos; 40 professores e 40 não professores. O objeto de estudo foi um banco de 14 vozes, composto pela voz de uma atriz. Os participantes assinalaram as vozes preferidas para uma professora do ensino fundamental, indicando se eram agradáveis, motivadoras e capazes de despertar atenção.
Resultados: As vozes preferidas foram de qualidade vocal neutra (95,1%), pitch grave (75%) e velocidade lenta (67,9%), consideradas agradáveis, motivadoras e capazes de despertar atenção. As vozes menos escolhidas foram soprosa moderada (98,4%) e intensa (97,3%), rugosa leve (94,6%), moderada (94,0%) e intensa (94,6%), com articulação de fala imprecisa (94,0%), todas com psicodinâmica vocal negativa. A voz grave foi, proporcionalmente, a mais escolhida pelos professores (95%). As vozes de velocidade lenta, intensidade forte e soprosa leve foram mais assinaladas pelos leigos (90%, 52,5% e 37,5%) e os alunos indicaram menos as vozes rugosas leves e moderadas (1,9%).
Conclusão: Vozes de qualidade vocal neutra, de pitch grave e com velocidade de fala lenta são as preferidas para uma professora do ensino fundamental, consideradas agradáveis, motivadoras e capazes de despertar a atenção. Vozes com articulação de fala imprecisa, rugosas e soprosas moderadas e intensas não são bem aceitas e a psicodinâmica é negativa. Professores valorizam mais o pitch grave; leigos, a velocidade de fala lenta, soprosidade leve e intensidade forte e os alunos são os que mais avaliam negativamente as vozes rugosas.
Palavras-chave: Voz+ Docentes+ Disfonia+ Qualidade da voz+ Percepção auditiva+ Fonoaudiologia.
ABSTRACT
Purpose: Compare the auditory perceptions of students, teachers and naive people regarding the voice, in elementary school teaching.
Methods: It is a cross-sectional study composed by three groups of 104 students, 40 teachers and 40 non-teachers. The object of the research was a 14-voice bank, composed by the voice of an actress. The participants pointed out which voices they would choose for an elementary school teacher, indicating if the voices were pleasant, motivating and able to arouse attention.
Results: The preferred voices were of neutral vocal quality (95.1%), bass pitch (75%) and slow speed (67.9%), considered pleasant, motivating and able to arouse attention. The less chosen voices were the moderate breathy (98.4%), intense breathy (97.3%), mild rough (94.6%), moderate rough (94.0%), intense rough (94.6%) and with imprecise speech articulation (94.0%), all of them with negative vocal psychodynamic. Proportionally, the bass voice was the most chosen by teachers (95%). The slow speed, strong intensity and mild breathy voices were more marked by naive people (90%, 52.5%, 37.5%) and the students reported less the mild rough (1.9%) and moderate rough (1.9%) ones.
Conclusion: Voices of neutral vocal quality, of bass pitch and with slow speech speed are the preferred ones for a teacher of elementary school, considered pleasant, motivating and able to arouse attention. The voices with imprecise speech articulation, moderate and intense rough and breathy are not well accepted and the psychodynamic is negative. Teachers appreciate more the bass pitch; naive people, the slow speech speed, mild breathy and strong intensity; and students evaluate negatively the rough voices.
Keywords: Voice, Teachers, Dysphonia, Voice quality, Auditory perception, Speech-language pathology.
INTRODUÇÃO
A voz é um dos instrumentos de trabalho do professor, mediadora do processo ensino-aprendizagem, em que o discurso linguístico está vinculado à informação e a vocalização extralinguística, ao impacto emocional(1,2). Assim, em sala de aula, o aluno escuta o professor e, concomitantemente, desencadeia projeções e sentimentos, envolvido pela informação e pela forma como o conteúdo é transmitido(2-4).
Em cada ciclo de ensino, o professor tende a apresentar uma voz preferida pelos alunos. Para crianças até 6 anos, a voz do docente, comumente, tem modulação expressiva, intensidade forte e qualidade vocal agudizada, que transmite segurança, afetividade e alegria. Para crianças entre 7 e 14 anos, os traços vocais preferidos são frequência média, velocidade adequada ao assunto e ressonância laringofaríngea, que transmite confiança e autoridade(5,6). Estudos mostraram que a voz preferida de um professor apresenta pitch adequado ao sexo e à idade, loudness apropriada para o assunto, articulação precisa, velocidade adequada e modulação de fala expressiva(7-9).
Se o processo comunicativo no contexto escolar envolve conteúdo e forma, faz-se necessário, portanto, compreender como a qualidade vocal do docente é percebida pelos alunos, principalmente diante do cenário epidemiológico de alta prevalência de disfonia em professores(10,11) e do grande número de crianças afetadas pelos problemas de voz do professor(1).
Ressalta-se que a percepção da qualidade vocal é subjetiva, baseada em critérios pessoais, habilidades de compreensão, experiência e impressões prévias do ouvinte(3,12), ou por demandas profissionais, o que evidencia sua importância, dentro de um processo comunicativo(13,14). Nesta vertente, observou-se que muitos estudos pesquisaram a voz do professor (10,11) e poucos exploraram os impactos e impressões da sua voz pelos ouvintes (1,2,15,16), que, conscientemente ou não, são influenciados pelas vozes que escutam.
Acredita-se que explorar o modo como a voz do professor é percebida pelos ouvintes contribuirá para a sua valorização como um instrumento de trabalho e também como um importante recurso didático em sala de aula, aperfeiçoando cada vez mais a atuação fonoaudiológica, sensibilizando os próprios professores e as políticas públicas de saúde e educação para a temática. Para tanto, o objetivo desse estudo foi comparar as impressões auditivas de estudantes, professores e leigos para a para a voz, na docência do ensino fundamental.
MÉTODO
Estudo observacional analítico, de delineamento transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – CEP – UFMG, sob no ETIC 1.138.043. O estudo foi composto por 184 indivíduos, divididos em três grupos: GA (grupo de alunos), formado por 104 alunos, sendo 67 meninas e 37 meninos, com média de idade de 12,39 anos (±1,14); GP (grupo de professores), constituído por 31 mulheres e nove homens, média de idade de 38,90 (±10,30); GL (grupo leigo), formado por 40 indivíduos não professores, sendo 31 mulheres e nove homens, com média de idade de 38,55 (±10,47). Destes, 47,50% eram profissionais da área da saúde, 35% eram profissionais administrativos e 17,50% eram funcionários que trabalhavam com serviços gerais. Os critérios de inclusão para o GA foram ser aluno do sexto ao nono ano do ensino fundamental, independente da idade ou sexo. Para o GP, foram considerados critérios de inclusão ser professor do ensino fundamental, de qualquer idade ou sexo, independente do tempo de docência. Em relação ao GL, foram incluídos na pesquisa indivíduos residentes na cidade do estudo, de qualquer sexo, entre 18 e 60 anos, exceto professores. Os grupos de alunos e professores foram recrutados em uma mesma instituição pública de ensino de Belo Horizonte (MG) e o GL foi recrutado em diferentes regiões da cidade. É importante ressaltar que, de acordo com a Lei Ordinária 11274/06 (17), atualmente o ensino fundamental no Brasil tem a duração de nove anos, sendo dividido em três ciclos: 1° ciclo (6 a 8 anos), 2° ciclo (9 a 11 anos) e 3° ciclo (12 a 14 anos).
Foram excluídos participantes com queixa ou perda auditiva autodeclarada, ou declarada pelos pais (GA) e aqueles que não compreenderam ou preencheram inadequadamente as avaliações propostas para a pesquisa.
Procedimentos e instrumentos de coleta de dados
Construção do objeto do estudo
Um banco com 14 vozes foi construído pelos pesquisadores, para ser o objeto de estudo. Na primeira etapa, uma atriz experiente, com voz neutra, produzida pela falante sem esforço, com pitch adequado ao sexo e idade, ressonância equilibrada, loudness, modulação e velocidade de fala adequadas e com articulação precisa foi convidada para participar da pesquisa. As características da qualidade vocal foram confirmadas por meio de avaliação fonoaudiológica perceptivo-auditiva da voz e por avaliação clínica, que revelou exame laríngeo e otorrinolaringológico dentro dos padrões de normalidade. Ambos os procedimentos foram realizados por especialistas voluntários e externos à pesquisa.
Na segunda etapa, a atriz foi orientada a gravar a frase: “Olá! Venha ser meu aluno no próximo ano. Espero você!”. A frase é motivacional e faz uma menção ao início das aulas. A orientação para a tarefa foi para que ela evitasse mudanças na prosódia da frase, fosse o mais natural possível e, por meio de interpretações distintas, gravasse a mesma frase de dez formas diferentes: voz neutra, voz rugosa leve, voz rugosa moderada, voz rugosa intensa, voz soprosa leve, voz soprosa moderada, voz soprosa intensa, voz de intensidade forte, voz de intensidade fraca e com articulação de fala imprecisa.
Para esta tarefa, os pesquisadores realizaram um treinamento prévio com a voluntária, explicaram as características perceptivo-auditivas que deveriam ser produzidas e quais eram seus correlatos fisiopatológicos. Foram fornecidos estímulos âncoras, como exemplos das vozes, para que ela pudesse estudar as variações e realizar as interpretações. Após vários ensaios com as pesquisadoras, a atriz gravou 30 frases, ou seja, três exemplares para cada tipo de voz. Nas vozes de intensidade forte e fraca, os pesquisadores controlaram, para que não houvesse soprosidade ou excesso de força.
A gravação foi realizada em ambiente acusticamente tratado, utilizando-se computador Dell®, modelo Optiplex GX260, equipado com placa de som profissional Direct Sound® e microfone pedestal do tipo condensador omnidirecional, da marca Shure®. O microfone foi situado a 5 cm da boca e com ângulo de captação direcional de 90º.
Na terceira etapa, os pesquisadores selecionaram as três gravações de voz neutra da atriz e realizaram uma edição de áudio da frequência e da velocidade da voz, por meio dos programas FonoTools Lite (CTS Informática) e Audicity, versão 2.1.2® (Audacity Developer Team). A alteração da frequência foi realizada modificando-se 1,5 semitons para cima e para baixo. A taxa de elocução de 5,10 foi alterada para 7,81 e 3,27, nesta ordem. Ao fim da etapa, os pesquisadores obtiveram três exemplares de cada tipo de voz - voz com pitch grave, voz com pitch agudo, voz com velocidade rápida e voz com velocidade lenta -, totalizando 12 vozes.
A quarta etapa constou da validação do objeto de estudo, por três fonoaudiólogas voluntárias, especialistas em voz, e de forma cega. Elas foram orientadas a selecionar, entre as 42 vozes iniciais, qual, perceptivamente, era mais fiel e mais natural para as seguintes vozes: neutra, rugosidade leve, rugosidade moderada, rugosidade intensa, soprosidade leve, soprosidade moderada, soprosidade intensa, pitch agudo, pitch grave, articulação de fala imprecisa, velocidade lenta, velocidade rápida, intensidade forte e intensidade fraca - nenhuma outra informação foi repassada a elas. Desta forma, o banco inicial de 42 vozes se restringiu a 14 vozes.
Questionário para avaliação sociodemográfica e perceptivo-auditiva dos grupos
As pesquisadoras elaboraram um questionário, em que a primeira parte compreendeu perguntas sobre os dados sociodemográficos dos grupos e a segunda parte, itens para o registro das impressões dos participantes quanto à preferência vocal. Os participantes foram posicionados em uma mesa circular de 1,5 metros de raio, em local silente, com ruído inferior a 60 dB. As vozes foram apresentadas aos grupos uma a uma, duas vezes cada. Na primeira avaliação perceptivo-auditiva, os participantes assinalaram, individualmente, se escolheriam, para uma professora do ensino fundamental, cada uma das vozes apresentadas. Na segunda vez, os participantes assinalaram, numa escala numérica de 1 a 5, o quanto voz era agradável (voz harmoniosa e agradável de ouvir), motivadora (voz carismática e cativante) e capaz de despertar a atenção do aluno (voz confiante e que desperta o interesse) em sala de aula.
Análise dos dados
Foi realizada análise descritiva da distribuição de frequência das variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão para variáveis contínuas. Para análise inferencial, foram realizados os seguintes testes: de proporção, Qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher. Para análise estatística, considerou-se 5% de significância
RESULTADOS
Observou-se que a voz preferida para a docência, no julgamento dos participantes, foi a voz com qualidade neutra (95,1%), seguida da voz grave (75%) e da voz de velocidade lenta (67,9%). As vozes menos preferidas foram as de soprosidade moderada (98,4%) e intensa (97,3%), rugosidade leve (94,6%), rugosidade intensa (94,6%), rugosidade moderada (94,0%) e articulação de fala imprecisa (94,0%). A preferência geral dos grupos estudados, pelas vozes apresentadas, está demonstrada na Tabela 1 .
Sim | % | Não | % | Total | |
---|---|---|---|---|---|
Voz neutra | 175 | 95,1 | 9 | 4,9 | 184 |
Voz grave | 138 | 75,0 | 46 | 25,0 | 184 |
Velocidade lenta | 125 | 67,9 | 59 | 32,1 | 184 |
Voz forte | 64 | 34,8 | 120 | 65,2 | 184 |
Velocidade rápida | 54 | 29,3 | 130 | 70,9 | 184 |
Voz soprosa leve | 45 | 24,6 | 138 | 75,4 | 183 |
Voz fraca | 27 | 14,7 | 157 | 85,3 | 184 |
Voz aguda | 13 | 7,1 | 171 | 92,9 | 184 |
Voz rugosa moderada | 11 | 6,0 | 173 | 94,0 | 184 |
Articulação imprecisa | 11 | 6,0 | 173 | 94,0 | 184 |
Voz rugosa intensa | 10 | 5,4 | 174 | 94,6 | 184 |
Voz rugosa leve | 10 | 5,4 | 174 | 94,6 | 184 |
Voz soprosa moderada | 3 | 1,6 | 181 | 98,4 | 184 |
Voz soprosa intensa | 5 | 2,7 | 179 | 97,3 | 184 |
A voz grave foi mais escolhida pelos professores (95%). As vozes de velocidade lenta, intensidade forte e soprosidade leve foram mais assinaladas pelo grupo de leigos (90%, 52,5% e 37,5%, respectivamente) e, entre os alunos, as vozes rugosa moderada e rugosa leve foram as menos escolhidas (1,9% e 1,9%). A Tabela 2 mostra que, dentre as vozes, as impressões auditivas se diferenciaram entre os grupos (p≤0,05).
Tipo de Vozes | Alunos (n=104) | Professores (n=40) | Leigos (n=40) | Valor p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
% | IC 95% | % | IC 95% | % | IC 95% | |||||
Voz neutra | 95,1 | 90,9 | 99,3 | 97,5 | 92,6 | 100,0 | 92,5 | 84,2 | 100,0 | 0,544 |
Voz grave | 66,0 | 56,8 | 75,3 | 95,0 | 88,1 | 100,0 | 77,5 | 64,3 | 90,7 | <0,001* |
Velocidade lenta | 59,2 | 49,6 | 68,8 | 67,5 | 52,7 | 82,3 | 90,0 | 80,5 | 99,5 | <0,001* |
Velocidade rápida | 26,2 | 17,6 | 34,8 | 30,0 | 15,5 | 44,5 | 35,0 | 19,9 | 50,1 | 0,296 |
Voz forte | 22,3 | 14,2 | 30,5 | 47,5 | 31,7 | 63,3 | 52,5 | 36,7 | 68,3 | 0,017* |
Voz soprosa leve | 19,4 | 11,7 | 27,1 | 25,0 | 11,3 | 38,7 | 37,5 | 22,2 | 52,8 | 0,024* |
Voz fraca | 11,7 | 5,4 | 17,9 | 15,0 | 3,7 | 26,3 | 22,5 | 9,3 | 35,7 | 0,101 |
Voz aguda | 9,7 | 3,9 | 15,5 | 2,5 | 0,0 | 7,4 | 5,0 | 0,0 | 11,9 | 0,147 |
Articulação imprecisa | 4,9 | 0,7 | 9,1 | 5,0 | 0,0 | 11,9 | 7,5 | 0,0 | 15,8 | 0,544 |
Voz soprosa intensa | 4,9 | 0,7 | 9,1 | - | - | - | - | - | - | - |
Voz rugosa intensa | 3,9 | 0,1 | 7,7 | 5,0 | 0,0 | 11,9 | 10,0 | 0,5 | 19,5 | 0,073 |
Voz rugosa leve | 1,9 | 0,0 | 4,6 | 7,5 | 0,0 | 15,8 | 12,5 | 2,1 | 22,9 | 0,008* |
Voz rugosa moderada | 1,9 | 0,0 | 4,6 | 12,5 | 2,1 | 22,9 | 10,0 | 0,5 | 19,5 | 0,029* |
Voz soprosa moderada | 1,9 | 0,0 | 4,6 | - | - | - | 2,5 | 0,0 | 7,4 | 0,821 |
As vozes neutra e grave foram consideradas agradáveis, motivadoras e capazes de despertar a atenção. A voz lenta, embora considerada agradável, não foi apreciada como motivadora ou capaz de despertar a atenção. A voz forte, embora indicada como motivadora e capaz de despertar a atenção, não foi considerada agradável. A voz de velocidade rápida não despertou a atenção, enquanto a voz soprosa leve não foi considerada motivadora e capaz de despertar a atenção.
As vozes fraca, aguda, de articulação de fala imprecisa, soprosidade intensa, rugosidade intensa, rugosidade leve, rugosidade moderada e soprosidade moderada não foram consideradas agradáveis, motivadoras ou capazes de despertar a atenção. A Tabela 3 apresenta a análise entre o tipo de voz e as características de agradabilidade, motivação e capacidade de despertar a atenção.
Tipos de vozes | Percepção | Não (%) | Sim | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|
% | IC 95% | ||||
Voz neutra | Agradável | 7,61 | 92,39 | 88,56-96,26 | <0,001 * |
Motivação | 9,29 | 90,71 | 86,50-94,92 | <0,001 * | |
Atenção | 14,21 | 85,79 | 80,73-90,85 | <0,001 * | |
Voz grave | Agradável | 28,02 | 71,98 | 65,45-78,50 | <0,001 * |
Motivação | 31,32 | 68,68 | 61,94-75,42 | <0,001 * | |
Atenção | 33,88 | 66,12 | 59,26-72,98 | <0,001 * | |
Velocidade lenta | Agradável | 18,48 | 81,52 | 75,91-87,13 | <0,001 * |
Motivação | 43,72 | 56,28 | 49,10-63,47 | 0,089 | |
Atenção | 48,09 | 51,91 | 44,67-59,15 | 0,605 | |
Velocidade rápida | Agradável | 50,55 | 49,45 | 42,19-56,71 | 0,882 |
Motivação | 56,59 | 43,41 | 36,21-50,61 | 0,075 | |
Atenção | 57,38 | 42,62 | 35,46-49,79 | 0,046 * | |
Voz forte | Agradável | 66,12 | 33,88 | 27,02-40,74 | <0,001 * |
Motivação | 41,76 | 58,24 | 51,08-65,41 | 0,026 * | |
Atenção | 35,52 | 64,48 | 57,55-71,41 | <0,001 * | |
Voz soprosa leve | Agradável | 52,75 | 47,25 | 40,00-54,51 | 0,459 |
Motivação | 73,91 | 26,09 | 11,53-30,80 | <0,001 * | |
Atenção | 72,68 | 27,32 | 20,87-33,78 | <0,001 * | |
Voz fraca | Agradável | 64,67 | 35,33 | 28,42-42,23 | <0,001 * |
Motivação | 85,25 | 14,75 | 9,62-19,89 | <0,001 * | |
Atenção | 83,06 | 16,94 | 11,51-22,37 | <0,001 * | |
Voz aguda | Agradável | 90,16 | 9,84 | 5,52-14,15 | <0,001 * |
Motivação | 86,96 | 13,04 | 8,18-17,91 | <0,001 * | |
Atenção | 76,50 | 23,50 | 17,35-29,64 | <0,001 * | |
Articulação imprecisa | Agradável | 90,11 | 9,89 | 5,55-14,23 | <0,001 * |
Motivação | 91,80 | 8,20 | 4,22-12,17 | <0,001 * | |
Atenção | 85,33 | 14,67 | 9,56-19,79 | <0,001 * | |
Voz soprosa intensa | Agradável | 94,51 | 5,49 | 2,18-8,81 | <0,001 * |
Motivação | 97,28 | 2,72 | 0,37-5,07 | <0,001 * | |
Atenção | 93,44 | 6,56 | 2,97-10,14 | <0,001 * | |
Voz rugosa intensa | Agradável | 96,72 | 3,28 | 0,70-5,86 | <0,001 * |
Motivação | 94,51 | 5,49 | 2,18-8,81 | <0,001 * | |
Atenção | 81,52 | 18,48 | 12,87-24,09 | <0,001 * | |
Voz rugosa leve | Agradável | 91,80 | 8,20 | 4,22-12,17 | <0,001 * |
Motivação | 87,98 | 12,02 | 7,31-16,73 | <0,001 * | |
Atenção | 76,63 | 23,37 | 17,26-29,48 | <0,001 * | |
Voz rugosa moderada | Agradável | 93,44 | 6,56 | 2,97-10,14 | <0,001 * |
Motivação | 90,71 | 9,29 | 5,08-13,50 | <0,001 * | |
Atenção | 76,09 | 23,91 | 17,75-30,08 | <0,001 * | |
Voz soprosa moderada | Agradável | 96,72 | 3,28 | 0,70-5,86 | <0,001 * |
Motivação | 94,54 | 5,46 | 2,17-8,76 | <0,001 * | |
Atenção | 88,59 | 11,41 | 6,82-16,01 | <0,001 * |
DISCUSSÃO
De acordo com a percepção de alunos, professores e leigos, as vozes preferidas para um professor do ensino fundamental foram aquelas com qualidade vocal neutra, pitch grave e velocidade de fala lenta ( Tabela 1 ). Acredita-se que esta preferência está diretamente ligada ao trabalho docente, que demanda uma comunicação eficiente e atenta às demandas emocionais e sociais dos alunos(18), bem como ao fato de transmitir credibilidade e conhecimento do assunto desenvolvido (19).
Sob o referencial da psicodinâmica vocal, a qualidade vocal neutra se relaciona à ideia de clareza, agradabilidade e facilidade para uma comunicação efetiva com os alunos, o que concorda com a literatura(5,6). A modulação do pitch indica a intenção do discurso(20) e alguns autores associam a voz grave com carisma vocal, energia, maturidade e segurança(21,22), atributos valorizados para a docência. A velocidade de fala está ligada à organização mental do falante(20) e, sendo lenta por parte do professor, influencia positivamente a recepção e o processamento da mensagem pelos alunos, no contexto da sala de aula(23).
Observou-se que as vozes rugosas, de soprosidade moderada e intensa e de articulação imprecisa foram as menos escolhidas pelos grupos. As vozes rugosas intensas são percebidas como vozes estressadas, difíceis de serem ouvidas, quebradas, doentes e repetitivas (2,15,16). A imprecisão articulatória é vista como negativa para a boa expressividade do professor(7,8), o que afeta, também, os alunos, uma vez que eles escutam a voz do professor em torno de 50% a 90% do tempo em que permanecem na sala de aula(24).
Quando comparada a escolha vocal entre os grupos ( Tabela 2 ), observou-se que os professores assinalaram mais a voz grave. Acredita-se que esta preferência se relaciona à psicodinâmica da voz grave, que transmite autoridade, energia e maturidade. Uma pesquisa mostrou que os professores acreditam que a voz adequada para o docente deve apresentar um pitch grave com loudness aumentada, para garantir a autoridade e o respeito dos alunos no cumprimento das atividades(22).
Os leigos assinalaram mais as vozes de velocidade lenta, intensidade forte e soprosidade leve, que supõe-se, vão ao encontro da ideia de que a voz do professor deve transmitir clareza, autoridade e vitalidade, características relacionadas à psicodinâmica dessas vozes(20). Estudos apontaram que a velocidade lenta pode favorecer o processamento da mensagem em sala de aula(4,23) e que a intensidade forte é um dos aspectos de manutenção da atenção do aluno(4,8). Em relação à soprosidade leve, acredita-se que essa aceitação se relaciona ao grau leve da soprosidade, que não gera desconforto ao ouvinte e está culturalmente associado ao aspecto da sensualidade feminina (20).
Os alunos formaram o grupo que recebeu mais negativamente as vozes rugosas leves e moderadas. Essas vozes são caracterizadas por transmitirem a sensação de cansaço, estresse, fraqueza e esgotamento(20). Estudos já mostraram que a disfonia repercute desfavoravelmente nos alunos(1,2,4,15,16) e que eles apresentam reações negativas diante da voz disfônica, caracterizando-a como áspera, difícil de ouvir, repetitiva, pobre, doente e quebrada(2,15,16).
A Tabela 3 mostra que as vozes de qualidade vocal neutra, pitch grave e velocidade lenta se associaram com uma psicodinâmica positiva, desejável para um contexto escolar, pois foram consideradas agradáveis, motivadoras e capazes de despertar a atenção, o que está de acordo com a literatura encontrada(8).
Observou-se, ainda, que a voz forte foi considerada motivadora e capaz de despertar a atenção. No referencial da psicodinâmica vocal, a loudness aumentada transmite a ideia de vitalidade e energia(20). A hipótese deste estudo é que, considerando o contexto escolar, é importante para o professor empreender uma voz forte que desperte a atenção e motive o aluno, porém, o seu uso, durante todo o período escolar, pode não ser agradável. Da mesma forma, a voz de velocidade lenta, indicada como agradável, não foi considerada capaz de despertar atenção e motivar o aluno. Interessante observar que ambas as vozes foram preferidas por leigos ( Tabela 2 ), indivíduos que não vivem o dia a dia da sala de aula. Os dados evidenciam a importância de se considerar a voz do professor como uma ferramenta de trabalho, estímulo ao aprendizado e construção do conhecimento(25).
Em contrapartida, as vozes fraca, aguda, de articulação de fala imprecisa, soprosidade intensa, rugosidade leve, moderada e intensa e soprosidade moderada foram avaliadas negativamente pelos indivíduos, em relação à agradabilidade, motivação e capacidade de despertar a atenção. A psicodinâmica dessas vozes pode transmitir cansaço, estresse, esgotamento, fraqueza, infantilidade, dificuldade na organização mental e desinteresse em se comunicar, características pouco desejáveis no contexto escolar(20). Estudos evidenciaram que a voz com rugosidade mais intensa foi avaliada negativamente pelos indivíduos(2,15,16).
As vozes rápida, forte e soprosa leve não foram bem avaliadas pela maioria dos participantes. A psicodinâmica dessas vozes, em geral, pode transmitir fraqueza, falta de educação e paciência, fragilidade, timidez ou dificuldade na organização mental(20), o que pode explicar a avaliação negativa. Acredita-se, ainda, que essas vozes, como evidenciado na literatura(2,15), podem repercutir negativamente na percepção dos alunos.
O estudo reforçou a importância da voz do professor como um instrumento de trabalho, recurso didático relevante(7,25) e ferramenta potencializadora de ensino. O tema merece atenção dos professores, dos fonoaudiólogos e das políticas públicas de saúde e educação. Vários estudos sugerem ações promotoras de saúde da voz do professor mais abrangentes(22), com propostas de promoção da saúde nas escolas e atuações norteadas pela integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade(10,22).
Pondera-se que o estudo apresentou algumas limitações, como o pequeno número de professores homens (n=9), o que dificultou a comparação entre a preferência, ou não, dos tipos de vozes em relação ao sexo, e quanto ao objeto de estudo, que, embora metodologicamente cuidado, foi construído utilizando-se uma voz humana. Acredita-se que, em um futuro próximo, estudos como este utilizarão vozes sintetizadas, com requintes de naturalidade, não obtida nesta pesquisa.
CONCLUSÃO
Na percepção de alunos, professores e leigos as vozes preferidas para a docência de crianças do ensino fundamental são aquelas de qualidade vocal neutra, pitch grave e com velocidade de fala lenta, que, sob o referencial da psicodinâmica vocal, são consideradas agradáveis, motivadoras e capazes de despertar a atenção. Vozes com articulação de fala imprecisa, rugosas e soprosas moderadas e intensas não são bem aceitas e a psicodinâmica destas vozes é negativa. Os professores valorizam o pitch grave da voz; os leigos, as vozes de velocidade de fala lenta, intensidade forte e soprosidade leve e os alunos são os que mais avaliam negativamente as vozes rugosas.
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Notas
Autor notes
Autor correspondente: Ana Luiza Vilar Rodrigues. E-mail: luizavilar@hotmail.com
Declaração de interesses