RESUMO
Introdução: A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo, com predomínio de sintomas motores e não motores. Dentre estes, destaca-se a disfagia.
Objetivo: Realizar a revisão sistemática da literatura que trata das avaliações clínicas não instrumentais disponíveis para rastreio e avaliação da disfagia em indivíduos com DP.
Estratégia de pesquisa: Para a seleção dos estudos, foram utilizados os descritores Parkinson disease, swallowing, dysphagia, deglutition disorders, questionnaire, health surveys, evaluation, screening e assessment, em combinações variadas, nas seguintes bases de dados: PubMed, Biblioteca Cochrane e SciELO.
Critérios de seleção: Artigos em inglês, português e espanhol, publicados no período de janeiro de 2006 a julho de 2016, cuja abordagem metodológica atendesse ao objetivo desta revisão. Dois revisores independentes analisaram os artigos, a fim de verificar a elegibilidade. Quando houve discordância, o consenso foi alcançado pela avaliação de um juiz que não conhecia as avaliações anteriores.
Resultados: Foram encontrados 846 artigos. Após consideração dos critérios de inclusão/exclusão e análise do juíz, apenas 4 estudos foram analisados, nos quais foram utilizados 4 instrumentos diferentes, todos eles questionários de autopercepção da disfagia. Não houve nenhum instrumento que tivesse realizado avaliação clínica da disfagia com oferta de alimentos.
Conclusão: Verificou-se que não existem instrumentos de rastreio e de avaliação clínica da disfagia em paciente com DP que utilizem oferta de alimento e não somente auto-percepção do paciente, no período que compreendeu o levantamento bibliográfico deste estudo.
Palavras chave: Doença de Parkinson, Transtornos de deglutição, Avaliação, Inquéritos e questionários.
ABSTRACT
Introduction: Parkinson’s disease (PD) is the second most prevalent neurodegenerative disease in the world, with a predominance of motor and non-motor symptoms. Among these, dysphagia stands out.
Purpose: Systematically review the non-instrumental clinical evaluations available for the screening and assessment of dysphagia in individuals with PD.
Research strategy: For the selection of the studies, we used the descriptors: Parkinson disease, swallowing, dysphagia, deglutition disorders, questionnaire, health surveys, evaluation, screening, and evaluation, in a variety of combinations, aiming at a greater number of studies. The databases were PubMed, Cochrane Library, and SciELO.
Selection criteria: Articles published in English, Portuguese, and Spanish that were published between January 2006 and July 2016 were selected, whose methodological approach met the objective of this review. A descriptive analysis was performed. Two independent reviewers reviewed the articles in order to verify the eligibility. When there was disagreement, a consensus was reached by the evaluation of a judge who did not know the previous evaluations.
Results: Eight hundred forty-six articles were founded. After considering the inclusion/exclusion criteria and the judge’s analysis, only four studies were analyzed, which were four different instruments, and all of the instruments were self-perception questionnaires of dysphagia. There was no instrument that performed a clinical evaluation of dysphagia with the food supply.
Conclusion: It has been verified there are no instruments for the screening and clinical evaluation of dysphagia in patients with PD who use a food supply and not only the self-perception of the patient in the period that included the bibliographic survey of this study.
Keywords: Parkinson disease, Deglutition disorders, Evaluation, Surveys and questionnaires.
Revisão de Literatura
Instrumentos de avaliação clínica para disfagia orofaríngea na doença de Parkinson: revisão sistemática
Non-instrumental clinical evaluation for oropharyngeal dysphagia in Parkinson’s disease: systematic review
Recepção: 13 Dezembro 2016
Aprovação: 25 Abril 2017
A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo, com uma incidência mundial entre 1 e 20, a cada 1000 indivíduos/ano(1). Estudos brasileiros apontaram uma estimativa de incidência de 36 mil novos casos por ano, com prevalência de 0,7% indivíduos com DP na faixa etária de 60 a 69 anos e de 1,5%, entre 70 a 79 anos(2). Em um estudo populacional brasileiro, verificou-se prevalência de 3,3% em indivíduos acima de 64 anos de idade(3).
De acordo com os Critérios do Banco de Cérebros de Londres(4), a DP é uma doença de predomínio de sintomas motores, caracterizados por rigidez, tremor postural e bradicinesia, porém, a prevalência de sintomas não motores é alta. Dentre estes, observa-se a disfagia, que, mesmo sendo uma alteração que envolve a musculatura dos órgãos fonoarticulatórios, é classificada como um sintoma não motor, segundo a Movement Disorders Society(5). A disfagia é um sintoma agravante na DP, que não está diretamente associado à gravidade da doença e pode ter impacto negativo na qualidade de vida, prejudicar a ingestão de alimentos e medicamentos, podendo levar, com frequência, à aspiração laringotraqueal. De acordo com a literatura, verifica-se que as taxas de prevalência de disfagia na DP variam de 70% a 100%. Além disso, observa-se um risco relativo de 3,2% da presença desse sintoma em indivíduos com DP, quando comparados com grupos controle saudáveis(6,7,8,9,10).
Quando a mecânica de proteção das vias aéreas está deficiente, o sintoma de disfagia tende a resultar em complicações, tais como pneumonia aspirativa, desnutrição e desidratação, estas duas últimas decorrentes da menor ingestão de alimentos ou mudança de consistências, de acordo com a gravidade da disfagia. Dados da literatura apontaram que a infecção respiratória é a principal causa direta de óbito nos pacientes com DP e está muito associada com imobilidade e disfagia. Verifica-se uma prevalência de 30% a 45% de pneumonia dentre as causas de óbito em pacientes com DP(7,8,9,10). No Brasil, dados recentes indicam a pneumonia como a principal causa de morte nessa população(11).
A disfagia na DP pode afetar todas as fases da deglutição, tendo como sinais e sintomas mais prevalentes: aumento do tempo de trânsito oral; dificuldade na formação do bolo alimentar; resíduo em cavidade oral; pobre ejeção do bolo alimentar; múltiplas deglutições; escape posterior do bolo alimentar; reflexo de deglutição diminuído; bradicinesia orofaríngea; alteração no fechamento de pregas vocais; redução no movimento anterior do osso hioide; redução na motilidade faríngea e esofágica; estase de alimento em faringe; disfunção do esfíncter esofágico; refluxo gastroesofágico; penetração laríngea e aspiração traqueal(12,13,14,15).
Tendo em vista a alta prevalência da disfagia na DP e o seu impacto significativo no curso da doença, o objetivo do presente artigo foi realizar a revisão na literatura, de maneira sistemática, das avaliações clínicas não instrumentais disponíveis para rastreio e avaliação da disfagia em indivíduos com doença de Parkinson.
A revisão da literatura foi realizada com delimitação das seguintes etapas: identificação do problema com formulação da pergunta de investigação; estabelecimento de palavras-chave; determinação dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos; seleção dos artigos; análise dos artigos por juiz cego; definição das informações a serem extraídas. A pergunta que subsidiou esta revisão foi: “Quais são as avaliações não instrumentais disponíveis para rastreio e avaliação clínica da deglutição na doença de Parkinson?”.
Foi conduzido um levantamento da literatura nacional e internacional, nas bases de dados online: PubMed, Biblioteca Cochrane e SciELO. Os descritores baseados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e termos livres utilizados para a pesquisa foram: Parkinson disease, swallowing, dysphagia, deglutition disorders, questionnaire, health surveys, evaluation, screening e assessment, em combinações variadas, visando maior número de estudos.
Foram incluídos artigos cuja abordagem metodológica referisse instrumentos de rastreio e avaliação clínica de disfagia orofaríngea, elaborados para pacientes com DP; as publicações de janeiro de 2006 até julho de 2016, nos idiomas inglês, português e espanhol, com textos disponíveis na íntegra, que descrevessem o uso de avaliações não instrumentais; artigos que referissem deglutição, alteração de deglutição ou disfagia. Foram excluídas as publicações que não possuíam o resumo ou texto completo, os artigos de revisão, as dissertações e teses, as que não eram compatíveis com o tema abordado e aquelas que se repetiram nas bases de dados.
Dois revisores independentes analisaram os resumos e publicações originais selecionadas, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, a fim de verificar a elegibilidade. Nos artigos em que houve discordância entre os dois revisores, o consenso foi alcançado por avaliação de um terceiro juiz que não conhecia as avaliações anteriores.
Após análise dos juízes, os artigos incluídos foram analisados em seus textos completos e extraídos os seguintes dados: autores, ano de publicação, país onde a pesquisa foi desenvolvida, instrumento de rastreio utilizado, caracterização do instrumento, método de avaliação, número de sujeitos, resultados da pesquisa, valor de α de Cronbach e sensibilidade e especificidade do instrumento. Foi realizada a análise descritiva.
Inicialmente, foram encontrados 846 artigos. Após consideração dos critérios de inclusão/exclusão e análise do juíz, apenas 4 estudos foram analisados, sendo que, nestes artigos, foram encontrados 4 instrumentos diferentes (Figura 1).
No que diz respeito aos instrumentos para rastreio e avaliação clínica da deglutição na doença de Parkinson, os 4 estudos (100%) utilizaram questionários de autopercepção da disfagia, nos quais, maiores pontuações se relacionavam a maiores disfunções percebidas (Quadro 1).
Não houve nenhum instrumento que tivesse realizado avaliação clínica da disfagia com oferta de alimentos.
Após análise na íntegra dos artigos, foi verificada a existência de apenas questionários de autopercepção da deglutição para avaliação da disfagia em pacientes com DP(16,17,18,19), no período de levantamento bibliográfico deste estudo. Contudo, sabe-se que, nesta população, a disfagia pode ser subclínica ou assintomática (paciente não relata sintomas). Mesmo com a presença de sinais clínicos, os pacientes gradualmente se adaptam a eles, acreditando ser uma consequência natural da progressão da doença. Como principais exemplos de tais adaptações, observam-se diminuição do tamanho do bolo alimentar, mudança de consistência alimentar e exclusão de alimentos que ocasionam maior dificuldade na alimentação. Além disso, a deterioração cognitiva ou problemas sensoriais podem dificultar a autopercepção dos sintomas da disfagia. Todos estes fatores tendem a ocasionar um risco aumentado de complicações, devido à subestimação da disfagia e enfatizam a necessidade de uma abordagem clínica proativa da disfagia, principalmente devido às graves consequências clínicas deste sintoma. Dessa forma, instrumentos de autopercepção da disfagia não são sensíveis para essa população(6).
Estudos com outras doenças neurológicas, como o acidente vascular cerebral (AVC) apresentaram diversos protocolos de avaliação clínica da deglutição, com investigação de sinais clínicos de disfagia após oferta de alimentos nas mais variadas consistências (líquido, pastoso e sólido)(20). Porém, a avaliação e tratamento de pacientes com DP possui enfoque diferente daquela para pacientes pós-AVC, tendo em vista o fator degenerativo da DP, o que impossibilita a utilização dos mesmos protocolos.
Um artigo que objetivou a análise comparativa de um instrumento de avaliação clínica da deglutição com a videofluoroscopia, apresentou uma amostra de 85 pacientes, dentre os quais, apenas 24 apresentavam doenças neurológicas variadas e destes, apenas dois tinham DP(21). Embora tenha sido o único estudo encontrado sobre o tema, o autor não descreveu a relevância do protocolo para pacientes com DP, em razão do número reduzido da amostra.
Diversos estudos apontaram a infecção respiratória como principal causa direta de óbito nos pacientes com DP(7,8,9,10,22). Devido ao fato de tal comorbidade estar muito associada com imobilidade e disfagia, percebe-se a importância do tratamento fonoaudiológico para disfagia nestes indivíduos, a fim de prevenir ou retardar o aparecimento de pneumonia aspirativa.
Tendo em vista a falta de instrumentos de avaliação clínica na população com DP, em locais onde não está disponível a avaliação objetiva, é possível que os pacientes estejam sendo diagnosticados em estágios mais avançados, quando há presença de queixas ou de complicações relacionadas à presença de disfagia. Este fator reduz as possibilidades terapêuticas nos pacientes com DP e a possibilidade de um bom prognóstico.
A International Parkinson and Movement Disorder Society (MDS) preconiza a utilização de várias escalas de avaliação nas diversas alterações no distúrbio do movimento. Dentre elas, com relação aos aspectos fonoaudiológicos, encontram-se apenas duas escalas de avaliação vocal. Considerando-se a ausência de protocolos de avaliação clínica da disfagia na DP, vê-se como uma possibilidade de futuros estudos a criação de uma escala de avaliação clínica, que poderá impactar positivamente no diagnóstico precoce e na qualidade de vida dos pacientes, pois estes apresentam grande risco de mortalidade, devido à disfagia.
No período que comprendeu o levantamento bibliográfico deste estudo, não foram localizados instrumentos de rastreio e de avaliação clínica da disfagia em paciente com Doença de Parkinson que utilizem oferta de alimento e não somente auto-percepção do paciente. Desta forma, constata-se a necessidade de criação de protocolos rápidos e sensíveis para rastreio e avaliação da disfagia nesta população e que não utilizem somente a autopercepção, uma vez que a prevalência de disfagia é alta na doença de Parkinson e poucos pacientes, mesmo com a presença do sintoma, relatam queixa de deglutição.
Autor correspondente: Maira Rozenfeld Olchik. E-mail: mairarozenfeld@hotmail.com