RESUMO
Introdução: A audição binaural é a condição adequada que permite ao ouvinte a dimensão de profundidade e sonoridade necessárias à percepção do mundo sonoro.
Objetivo: Determinar, por meio de uma revisão sistemática, quais os benefícios que as próteses auditivas implantáveis trazem para indivíduos adultos que possuem perda auditiva unilateral, no que se refere às habilidades de localização da fonte sonora e do reconhecimento de fala na presença do ruído.
Estratégia de pesquisa: Foram utilizadas combinações de sete descritores em português, indexados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), e em inglês, indexados no Medical Subject Headings (MeSH), sendo eles: Adulto, Perda Auditiva Unilateral, Auxiliares de Audição, Condução Óssea, Implante Coclear, Idoso, Reabilitação Adult, Hearing Loss Unilateral, Bone Conduction, Cochlear Implantation, Rehabilitation, Elderly e Hearing Aid . Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed , Cochrane , LILACS e Science Direct de artigos publicados entre janeiro de 2005 e setembro de 2015.
Critérios de seleção: Participantes da pesquisa com mais de 18 anos de idade, com perda auditiva unilateral, que utilizavam prótese auditiva implantável (prótese auditiva ancorada no osso ou implante coclear) e que tivessem sido submetidos à avaliação de localização da fonte sonora ou desempenho de reconhecimento de fala na presença de ruído, antes e depois da implantação.
Resultados: Dos 21 artigos analisados, sete foram experimentais, seis prospectivos, três descritivos, quatro séries de casos e um estudo de caso.
Conclusão: Apesar da grande heterogeneidade clínica observada entre os estudos que avaliaram a reabilitação auditiva de pacientes com perda auditiva unilateral, é possível concluir que o implante coclear fornece melhores resultados, tanto para a habilidade de localização da fonte sonora, como do reconhecimento de fala na presença de ruído.
Palavras chave: Perda auditiva unilateral, Implante coclear, Condução óssea, Auxiliares de audição.
Revisão de Literatura
Reabilitação de perdas auditivas unilaterais por próteses auditivas implantáveis: revisão sistemática
Rehabilitation of unilateral hearing loss by implantable hearing aids: systematic review
Recepção: 1 Fevereiro 2017
Aprovação: 3 Julho 2017
Indivíduos com perda auditiva unilateral representam um desafio para médicos e fonoaudiólogos que atuam com reabilitação auditiva. Antigamente, pessoas com este tipo de perda se conformavam com a ausência de recursos e não investiam em reabilitação, acreditando que uma orelha funcionante era suficiente e que garantia boa audibilidade e compreensão.
Atualmente, com o avanço da tecnologia de avaliação auditiva e a miniaturização dos dispositivos eletrônicos, esta realidade está mudando. Sabe-se que as dificuldades de comunicação relacionadas à perda auditiva unilateral são grandes e envolvem problemas com a localização da fonte sonora, com o processamento temporal da informação e com as dificuldades de compreensão em ambientes degradados, na presença de ruído competitivo, ou na interlocução com mais de duas pessoas (1,2,3) .
Escutar com as duas orelhas, portanto, é condição ideal, que confere ao ouvinte a dimensão de profundidade e sonoridade necessárias à percepção do mundo sonoro (4,5,6) .
Como opções de tratamento para as perdas auditivas unilaterais, cita-se o antigo sistema CROS ( Contralateral Routing Signal ) (7) que, ainda hoje, é utilizado e pode facilmente ser adaptado em próteses auditivas retroauriculares; as próteses auditivas ancoradas no osso (8) e o implante coclear (9) .
O sistema CROS consiste em um par de aparelhos auditivos retroauriculares, adaptados nas duas orelhas. O aparelho colocado atrás da orelha ruim capta o som e o envia, por sistema bluetooth, para a outra orelha, que vai tratar o sinal naturalmente. Como o usuário deste sistema precisa, necessariamente, de uma prótese com microfone adaptada na orelha ruim e outra com o receptor, na melhor orelha, muitos pacientes não aderem ao tratamento, até mesmo por questões estéticas e de praticidade (7) .
A prótese auditiva ancorada no osso (PAAO) é um implante osteointegrado, que transmite o som diretamente à orelha interna, transpondo a impedância da pele e tecido subcutâneo. É indicado para perda auditiva mista e/ou condutiva e também para perda auditiva unilateral (8) . Neste último caso, a PAAO é adaptada cirurgicamente atrás da orelha com perda auditiva e estimula a orelha contralateral, por via óssea.
O implante coclear (IC) é um dispositivo que proporciona acessibilidade aos sons ambientais e de fala. Trata-se de uma prótese computadorizada, constituída por um componente interno e outro externo, capaz de substituir parcialmente o órgão sensorial da audição, fornecendo impulsos elétricos para estimular as fibras neurais remanescentes da cóclea lesionada (10) .
A utilização de próteses implantáveis, seja o IC ou a PAAO, é recente na reabilitação de perdas auditivas unilaterais e vem suscitando discussões no meio acadêmico e científico da classe médica e fonoaudiológica.
O objetivo deste estudo foi determinar, por meio de uma revisão sistemática (RS), quais os benefícios que as próteses auditivas implantáveis trazem para indivíduos adultos que possuem perda auditiva unilateral, no que se refere às habilidades de localização da fonte sonora e do reconhecimento de fala na presença do ruído.
A pergunta norteadora desta RS foi: As próteses auditivas implantáveis são eficazes para melhoria da percepção auditiva?
A estratégia de busca se baseou em combinações de sete descritores em português indexados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e em inglês, indexados no Medical Subject Headings (MeSH) ( Quadro 1 ).
Os bancos de dados selecionados para a pesquisa foram: PubMed , Cochrane, LILACS e Science Direct. Os artigos considerados para o estudo foram os publicados entre janeiro de 2005 e setembro de 2015, em qualquer idioma. O protocolo de análise dos artigos incluídos no estudo foi o seguinte:
Sujeitos: indivíduos com mais de 18 anos, com perda auditiva unilateral.
Tipo de intervenção: utilização de prótese auditiva implantável (PAAO ou IC).
Comparação: avaliação de resultados de localização da fonte sonora ou desempenho de reconhecimento de fala na presença de ruído, antes e depois da implantação.
Tipo de desfecho: melhora da audição na presença de ruído, ou melhora da habilidade de localização da fonte sonora.
Tipo de estudo: ensaio clínico, estudo experimental, prospectivo, descritivo, série de casos e coorte.
O tempo de privação auditiva e etiologia da perda auditiva também foram analisados.
Critérios de inclusão: estudos com participantes da pesquisa com idade mínima de 18 anos, que utilizassem prótese auditiva implantável, PAAO ou IC, que tenham sido submetidos aos testes de localização da fonte sonora e/ou de reconhecimento de fala na presença de ruído, pré-implantação e pós-implantação, sendo os estudos dos tipos ensaio clínico, experimental, prospectivo, descritivo, série de casos e coorte.
Critérios de exclusão: estudos sem intervenções, estudos com indivíduos com perdas auditivas bilaterais, mesmo assimétricas, e estudos com grupos especiais com outros comprometimentos, tais como paralisia cerebral ou síndromes.
A seleção dos estudos foi realizada em etapas, conforme demonstrado na Figura 1 .
Primeiramente, duas julgadoras analisaram os títulos dos artigos encontrados nas bases de dados com as combinações anteriormente mencionadas e selecionaram os artigos que reuniam os critérios de elegibilidade da RS. Para verificar o grau de concordância das avaliações, foi utilizado o teste Kappa, em que o valor foi de 0,628 com valor de p<0,001, existindo, portanto, concordância significativa entre as avaliadoras. Nesta etapa, foram identificados 4394 artigos no total, sendo que 4368 não atenderam os critérios de seleção e foram excluídos.
Restaram, portanto, 26 artigos, que, na sequência, foram lidos na íntegra pelas duas julgadoras, fonoaudiólogas. Nesta etapa, foi utilizado o Critério de Jadad (11) , como ferramenta de análise de qualidade dos artigos e que se baseia em cinco questões: 1) O estudo foi descrito como randomizado? 2) A randomização foi descrita e é adequada? 3) Houve comparações de resultados? 4) As comparações de resultados foram descritas e são adequadas? 5) Foram descritas as perdas e exclusões? Cada resposta positiva contabilizou 1 ponto e o artigo foi descartado quando a nota foi inferior a 3. Cinco artigos foram excluídos nesta fase. Por fim, 21 artigos foram analisados e passaram a compor a presente RS.
Foi realizada análise descritiva dos resultados, mas, devido à heterogeneidade dos dados, não foi possível fazer a metanálise.
Dos 21 artigos analisados ( Quadro 2 ), 7 foram experimentais, 6 prospectivos, 3 descritivos, 4 séries de casos e 1 estudo de caso. Nenhum dos estudos foi conduzido como um estudo randomizado controlado e nem testou um grupo de controle.
Dos 21 artigos selecionados, 11 avaliaram o desempenho dos sujeitos que usavam PAAO e 10 avaliaram o desempenho de sujeitos submetidos ao IC.
Em todos os estudos com sujeitos usuários de IC, houve melhora da localização da fonte sonora, enquanto a maioria dos sujeitos usuários da PAAO não apresentou melhora do desempenho desta habilidade.
Os desfechos verificados nos estudos selecionados para a habilidade de localização da fonte sonora estão apresentados na Tabela 1 , sendo que 14 artigos abordaram este tema, em um total de 201 sujeitos investigados.
Quase a metade dos estudos foi realizada nos Estados Unidos (9). A Itália realizou 3 estudos, Alemanha 2 estudos e Bélgica 2 estudos.
O tempo de privação auditiva ocorreu entre 3 meses e 64 anos, enquanto a faixa etária dos sujeitos submetidos aos implantes auditivos variou de 16 a 75 anos.
As causas da perda auditiva unilateral relatadas nos estudos foram, com maior frequência, a doença de Menière, Neurinoma do Acústico, Colesteatoma e surdez súbita.
A maioria dos testes utilizados para verificar o reconhecimento de fala e localização sonora não era padronizada. O teste mais utilizado para mensurar o reconhecimento de fala foi o Hearing in Noise Test (HINT).
Os desfechos para a habilidade de reconhecimento de fala na presença do ruído, sendo que 14 artigos abordaram este tema em um total de 185 sujeitos investigados, estão descritos na Tabela 2 . Dos 14 estudos, apenas 1, que avaliou sujeitos usuários da PAAO, não constatou melhora da habilidade de reconhecimento de fala.
A reabilitação auditiva de indivíduos com perda auditiva unilateral vem sendo objeto de estudo da classe médica e fonoaudiológica, em virtude da ampliação dos critérios de indicação de próteses auditivas implantáveis (33) , porém, ainda há controvérsias sobre que tipo de implante é mais indicado, visto que estudos sugerem a PAAO e outros, o IC.
A PAAO faz uma estimulação contralateral, ou seja, o vibrador colocado sobre a mastoide da orelha ruim estimula a via óssea da melhor orelha, auxiliando nas habilidades de localização da fonte sonora e do reconhecimento auditivo (1) . O IC, ao contrário, é implantado na orelha ruim e vai estimular as terminações nervosas desta orelha (10) .
Com base nisso, buscou-se uma revisão da literatura sobre os efeitos da PAAO e do IC, especificamente sobre dois resultados clínicos: reconhecimento de fala na presença do ruído e localização sonora.
Após rigorosa avaliação, foram analisados 14 estudos que abordaram o desfecho de melhora do reconhecimento de fala na presença do ruído. Todos os estudos com IC e com PAAO, com excessão de um, apresentaram dados estatísticos provando que o reconhecimento de fala na presença de ruído melhorou após a implantação. O artigo que não relatou alteração (17) avaliou 11 sujeitos, com idade variando de 21 a 64 anos e tempo de privação sensorial entre um ano e 13 anos. Os resultados dos testes de reconhecimento foram comparados com os dos próprios pacientes (com e sem PAAO) e com um grupo controle normo-ouvinte. Os autores concluíram que houve melhora do reconhecimento de fala no grupo implantado com PAAO, porém, quando estes mesmos indivíduos implantados foram submetidos à estimulação auditiva difusa com fala e ruído sobrepostos, os resultados de indivíduos normo-ouvintes foram melhores. Não há registro no estudo se os pacientes foram submetidos ao treinamento auditivo.
Reconhecer a fala na presença do ruído é um desafio, mesmo para ouvintes normais. A tarefa auditiva deixa de ser simples e exige tratamento especial pelo cérebro, que deve perceber os dois sons, focalizar a atenção em um (a figura ou som alvo), em detrimento do outro (o ruído ou som indesejável) (34) . Desta forma, em pacientes surdos que utilizam algum tipo de estratégia reabilitativa, esta habilidade deve ser treinada em terapia fonoaudiológica que, graças à plasticidade cerebral, tem alcançado bons resultados (10) .
No que se refere ao desfecho de melhora da habilidade de localização da fonte sonora, foram analisados 14 estudos. Todos os estudos com IC apresentaram dados estatísticos, provando que a localização do som melhorou após a implantação. Com o uso da PAAO, há divergências: em cinco estudos, as análises estatísticas sugeriram que houve melhora e, em três, não. Tal fato se explica, pois estimular o lado contralateral por vibração óssea não gera a somação binaural que ocorre com audição bilateral (35) , necessária à localização da fonte.
Para conseguir realizar a tarefa de localização da fonte, o indivíduo precisa de duas orelhas funcionantes, que farão, em nível de tronco encefálico baixo, uma análise de diferenças interaurais (4) . As pesquisas parecem demonstrar que o IC gera esta atividade auditiva.
Durante a análise dos artigos que compuseram esta RS, foi possível verificar a grande variabilidade de dados e a dificuldade de se trabalhar com grupo controle, quando o tema era reabilitação auditiva. A maioria das pesquisas era autocontrolada e a amostra, intencional, gerando análises estatísticas qualitativas, o que inviabilizou a realização da metanálise.
A doença de Menière é um conjunto de sintomas que inclui perda auditiva neurossensorial, vertigem episódica, zumbido e plenitude auricular. Sua prevalência é baixa na população geral, mas, nas faixas etárias mais avançadas, aumenta de frequência, com predomínio do sexo feminino e maior número de comprometimentos bilaterais (36) . Apesar disso, nos artigos desta RS, predominou essa doença como a principal razão da perda auditiva unilateral. As principais causas relatadas nos estudos foram ototoxidade, meningite e rubéola (37) .
Em relação ao tempo de privação auditiva, a variação foi grande nas pesquisas (12,13,14,22,23,24) , sendo que, quanto maior o tempo de privação, maior o prejuízo para o sujeito, pois a privação impede que ocorra a plasticidade cerebral, que consiste na capacidade de o sistema nervoso central se adaptar, tendo habilidade para modificar sua organização estrutural e funcional (38) . A intervenção precoce é importante nas perdas auditivas para minimizar os prejuízos da privação (26,29) .
Por fim, há que se comentar sobre dois dados que dificultaram a realização da RS: 1) a heterogeneidade das amostras investigadas, no que se refere a tempo de privação sensorial, causa da surdez e modalidade de reabilitação fonoaudiológica, fatos estes que interferiram na qualidade dos resultados audiológicos, após a protetização; 2) a diversidade de protocolos e critérios de avaliação de resultados.
Estas considerações, somadas à constante evolução tecnológica das próteses auditivas, no que se refere à tecnologia e conectividade, remetem à necessidade de realização de ensaios clínicos com maior rigor científico, envolvendo a temática (33) .
Apesar da grande heterogeneidade clínica observada entre os estudos que avaliaram a reabilitação auditiva de pacientes com perda auditiva unilateral, é possível concluir que o implante coclear fornece melhores resultados, tanto para a habilidade de localização da fonte sonora, como de reconhecimento de fala na presença de ruído.
Autor correspondente: Gleide Almeida. E-mail: fono.gleidevivi@gmail.com