RESUMO
Objetivo: Analisar as propriedades psicométricas do instrumento Quality of Care Scale, aplicado a usuários da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
Métodos: Trata-se de estudo observacional, analítico e transversal. Entrevistas com 869 usuários do componente especializado da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência foram realizadas por meio de instrumentos de caracterização sociodemográfica, classificação socioeconômica e Qualidade do Cuidado autorreferida. O instrumento para investigação da Qualidade do Cuidado, Quality of Care Scale, contém 19 perguntas distribuídas entre os seguintes eixos: profissionais e atendimento, acesso, necessidades sociais e informações recebidas. Foi validado no Brasil em 2014, com amostra composta por pessoas com deficiência intelectual e física. Neste estudo, as perguntas foram conduzidas pelos pesquisadores a pessoas com deficiência intelectual, física, auditiva, visual ou múltipla. Para a análise psicométrica, foram utilizadas a Teoria de Resposta ao Item e a análise fatorial, além das medidas de validade convergente e confiabilidade.
Resultados: Todos os itens foram relevantes e com discriminação aceitável para formação dos constructos de primeira ordem (eixos da Qualidade do Cuidado) e segunda ordem (indicador Qualidade do Cuidado), exceto um item de informações recebidas, que foi retirado do modelo final, por ter apresentado carga fatorial baixa. Os constructos apresentaram níveis exigidos de confiabilidade, validação convergente e ajuste adequados.
Conclusão: A análise psicométrica do instrumento Quality of Care Scale revelou que o modelo final apresentado neste trabalho pode ser ampliado para medir a Qualidade do Cuidado ofertada a pessoas com deficiência intelectual, auditiva, física, visual ou múltipla, usuários da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
Palavras-chave: Pessoas com deficiência, Qualidade dos cuidados de saúde, Avaliação em saúde, Estudos de validação, Escalas.
ABSTRACT
Purpose: To analyze the psychometric properties of the Quality of Care Scale instrument applied to Care Network users for the Person with Disabilities.
Methods: This is an observational, analytical, and cross-sectional study. Interviews with 869 users of the specialized Care Network for the Person with Disabilities component were conducted through instruments of sociodemographic characterization, socioeconomic classification, and self-reported Quality of Care. The Quality of Care Scale research instrument contains 19 questions distributed between the professional and care, access, social needs, and information received axes. It was validated in Brazil in 2014 with a sample composed of people with intellectual and physical disabilities. In this study, the questions were led by researchers to people with intellectual, physical, hearing, visual, or multiple disabilities. For psychometric analysis, we used the item of Response Theory, and factorial analysis and measures of convergent validity and reliability.
Results: All items were relevant and with acceptable discrimination for the formation of the first order (Quality of Care axes) and second-order (Quality of Care indicator) constructs, except one information received the item, which was removed from the final model for having presented low factorial load. The constructs presented the required levels of reliability, convergent validation, and proper fit.
Conclusion: The psychometric analysis of the Quality of Care Scale instrument revealed that the final model presented in this paper can be expanded to measure the Quality of Care offered to people with intellectual, hearing, physical, visual, or multiple disabilities, users of Care Network for the Person with Disabilities.
Keywords: Disabled persons, Quality of health care, Health evaluation, Validation studies, Scales.
Artigo Original
Instrumento Quality of Care Scale aplicado a usuários da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência: uma análise psicométrica
Quality of Care Scale instrument applied to Care Network users for the Person with Disabilities: a psychometric analysis
Recepção: 17 Outubro 2019
Aprovação: 03 Abril 2020
Segundo o Relatório Mundial sobre a Deficiência, há cerca de um bilhão de pessoas com deficiência no mundo, mas as informações sobre a qualidade dos serviços oferecidos a essa expressiva população são escassas(1). Assim, torna-se cada vez mais necessária a investigação quanto ao acesso e a forma como as pessoas com deficiência têm recebido a assistência de que precisam.
A avaliação de serviços de saúde deve assinalar os impactos das atividades desenvolvidas, esclarecendo o funcionamento do serviço e facilitando as tomadas de decisão, por meio de correção de falhas e alteração de condutas. É interessante, contudo, obter informações também por meio dos próprios usuários, pois a Qualidade do Cuidado pode ser melhor compreendida considerando-se as experiências e sentidos dos atores envolvidos(2-4). Dessa forma, é necessário que o instrumento utilizado esteja de acordo com a medida a que se propõe avaliar e, no caso da Qualidade do Cuidado autorreferida pelo usuário, avaliar de forma objetiva respostas subjetivas. Poucos estudos se propuseram a desenvolver instrumentos para medir a Qualidade do Cuidado(5-9).
O projeto Quality of Care and Quality of Life for People with Intellectual and Physical Disabilities: Integrated Living, Social Inclusion and Service User Participation (DISQOL), criado em 2005 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), reuniu o Brasil e outros 15 centros internacionais para desenvolver instrumentos e investigar três elementos de impacto na vida das pessoas com deficiência intelectual e física: qualidade de vida, qualidade do atendimento disponível e a atitude dos familiares frente a incapacidades(5). O instrumento Quality of Care Scale(6), do projeto DISQOL, foi validado no Brasil e utilizado neste estudo, com o propósito de verificar se é possível medir a Qualidade do Cuidado a pessoas de todos os tipos de deficiência, ampliando a proposta inicial.
Para tanto, a psicometria coloca-se como forma de verificar a validade e a confiabilidade da avaliação de características matemáticas em dados empíricos. Por meio da análise psicométrica é possível observar a qualidade das perguntas e sua distribuição em um instrumento (validade), contribuindo para a obtenção de dados consistentes e reprodutíveis (confiabilidade)(10,11). Também no caso de instrumentos já validados, como o Quality of Care Scale, uma nova análise psicométrica torna-se importante quando a população do novo estudo é diferente daquela do estudo de origem, porque a confiabilidade não é uma propriedade de medida fixa, ou seja, ela pode variar em diferentes contextos(11). A nova análise psicométrica pode, então, ampliar as possibilidades de aplicação do instrumento.
Sendo assim, este estudo teve como objetivo analisar as propriedades psicométricas do instrumento Quality of Care Scale(6) aplicado a usuários da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
Trata-se de estudo observacional, analítico e transversal, realizado com amostra por conglomerado, formada por 869 usuários do componente especializado da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência em Minas Gerais (RCPD-MG). Para o cálculo amostral, utilizou-se o método para estimar proporções para populações finitas(12), em três estágios: alocação proporcional da amostra pelas 13 regiões ampliadas de saúde de Minas Gerais, região de saúde e modalidade de serviço (intelectual, auditivo, físico, visual e ostomia). Foram considerados 95% de nível de confiança, 5% de margem de erro e 23,9% de prevalência de deficiência, segundo dados do Censo 2010. A amostra estimada pelo cálculo foi de 385, considerando a margem de erro adotada.
As Redes de Atenção à Saúde (RAS) constituem um conjunto de serviços a uma população, que atuam de forma cooperativa e interdependente, por meio de seus componentes(13). No caso da RCPD-MG, a atenção à saúde é coordenada pela Atenção Primária à Saúde (APS) e na Atenção Ambulatorial Especializada (AAE) são ofertados os serviços de reabilitação(13). Fazem parte desse componente especializado da RCPD-MG: Centro Especializado em Reabilitação (CER), Serviço Especializado em Reabilitação Intelectual (SERDI), Serviço de Atenção à Saúde Auditiva (SASA), Serviço de Reabilitação Física (SRF), Serviço de Atenção à Pessoa Ostomizada (SASPO) e Serviço de Reabilitação Visual (SRV).
Como critérios de inclusão, estabeleceu-se que o usuário deveria possuir vínculo com o serviço há, pelo menos, seis meses e ter comparecido em pelo menos duas consultas nesse período.
Dentre os instrumentos utilizados, o Roteiro de Entrevistas com Usuários foi elaborado pelos pesquisadores e abordou aspectos sociodemográficos (sexo, idade, escolaridade, raça, estado civil, trabalho e renda) e tipo de deficiência. A classificação econômica foi avaliada pelo Critério de Classificação Econômica Brasil(14) (CCEB), distribuído entre as classes AB (A, B1, B2), C (C1 e C2) e DE.
O instrumento Quality of Care Scale(6) avaliou a Qualidade do Cuidado autorreferida por meio de 19 perguntas, distribuídas em quatro constructos: profissionais e atendimento, acesso, necessidades sociais e informações recebidas (Quadro 1).
No estudo original(6), em seu formato autoaplicado, o questionário foi respondido por pessoas com deficiência intelectual e física, com as seguintes opções de resposta: nada, médio ou totalmente. As respostas receberam pontuação em escala tipo Likert 1, 3 ou 5, respectivamente, e, ao final os pontos foram somados em valor bruto e convertidos em escala de 0 (zero) a 100.
Neste estudo, as perguntas foram conduzidas pelos pesquisadores a pessoas com deficiência intelectual, física, auditiva, visual ou múltipla, que escolheram uma entre três respostas: não, parcialmente ou sim. Essa adaptação ocorreu em função da mudança do formato autoaplicado para entrevista. Os acompanhantes (responsável, parente, cuidador ou amigo) de usuários com deficiência intelectual ou auditiva e de usuários menores de 18 anos de idade também participaram da entrevista, confirmando ou fornecendo as respostas. Posteriormente, assim como no estudo original(6), utilizou-se a pontuação 1 (não), 3 (parcialmente) ou 5 (sim) para soma do valor bruto atribuído às respostas e conversão em escala de 0 (zero) a 100.
Para a maioria das perguntas do instrumento, as respostas “não” ou “sim” indicam uma avaliação negativa ou positiva quanto à Qualidade do Cuidado, respectivamente. Porém, em algumas perguntas do constructo acesso, essa relação é contrária, ou seja, a resposta “não” é positiva e a resposta “sim” é negativa. Dessa forma, os quatro primeiros itens desse constructo foram invertidos na análise, a fim de que todos ficassem na mesma direção. Na descrição e comparação entre os itens de cada constructo, os intervalos menores que 50 evidenciaram discordância quanto ao item, ou seja, indicaram a reposta negativa dos entrevistados sobre a Qualidade do Cuidado. Os intervalos maiores que 50 evidenciaram concordância, indicando reposta positiva, e valores iguais a 50 evidenciaram parcialidade em relação às respostas.
Os dados foram obtidos entre abril e setembro de 2016, por meio de entrevistas individuais nas salas de espera de 36 serviços do componente especializado da RCPD-MG, distribuídos nas 13 regiões ampliadas de saúde. Esse cenário de realização das entrevistas foi escolhido para favorecer o encontro dos pesquisadores com os usuários. As respostas foram gravadas em áudio, registradas nos questionários e, posteriormente, categorizadas e conferidas em banco de dados, por meio do programa Excel (versão 2016).
Na análise descritiva, foram utilizadas frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas, além de medidas de posição, tendência central e dispersão para as variáveis numéricas.
Para criação do indicador Qualidade do Cuidado, não houve formação direta por itens (perguntas), mas por variáveis latentes (indicadores). Para tratar essa característica da estrutura de mensuração, foi utilizada a abordagem Two-Step(15). Assim, foram computados os escores das variáveis latentes de primeira ordem (profissionais e atendimento, acesso, necessidades sociais e informações recebidas), por meio da análise fatorial, juntamente à Teoria de Resposta ao Item (TRI)(16).
A TRI consiste em um conjunto de modelos matemáticos que se relacionam a um traço latente, ou seja, uma variável que não pode ser observada diretamente, mas que pode ser inferida por meio da análise de variáveis relacionadas a ela(10,16). Nessa etapa, utilizou-se o modelo logístico de dois parâmetros: dificuldade (β) e discriminação (α). O parâmetro de dificuldade indica o quão “difícil” é uma determinada questão, ou seja, quanto maior o parâmetro de dificuldade, maior deve ser a habilidade do indivíduo para que a resposta seja positiva(10,16). O parâmetro de discriminação caracteriza a capacidade do item de diferenciar indivíduos com distintos níveis de concordância, ou seja, indica a qualidade individual de cada item na mensuração do traço latente, tendo sido o valor maior ou igual a 0,65 considerado na análise(10,16). Para que o ajuste do modelo fosse possível, a escala dos itens dos constructos foi transformada em binária. Portanto, exclusivamente para a análise TRI, as respostas “parcialmente” e “sim” foram transformadas em uma única classe.
Após esse processo foi utilizada a análise fatorial, com as três categorias de respostas, na criação do indicador geral (Qualidade do Cuidado). A principal função da análise fatorial(17) é reduzir uma grande quantidade de variáveis a um número reduzido de fatores. A carga fatorial (CF) corresponde à correlação entre as variáveis originais e os fatores (variáveis latentes). Valores de CF abaixo de 0,50 são utilizados como critério para eliminar as variáveis que não estão contribuindo com a medição do constructo(17).
A qualidade do indicador geral (Qualidade do Cuidado) foi avaliada por meio da análise de validade convergente e confiabilidade de cada constructo. Para a validade convergente, utilizou-se o critério da variância média extraída (AVE) (percentual médio de variância compartilhada entre o constructo latente e seus itens) acima de 50%(17). Para a análise de confiabilidade, foram considerados os valores maiores que 0,60 para o coeficiente Alfa de Cronbach (AC) (proporção da variância total da escala que é atribuída ao verdadeiro escore do constructo latente)(17) e confiabilidade composta (CC) (grau em que um conjunto de itens de um constructo é internamente consistente em suas mensurações)(17). Para comprovar a adequação do modelo de análise fatorial, considerou-se o valor maior ou igual a 0,50 do coeficiente de Kayser-Meyer-Olkin (KMO) (proporção da variância dos dados que pode ser considerada comum a todas as variáveis)(17).
O processamento e análise dos dados foram realizados por meio do programa R (versão 3.4.4). Com base no modelo inicial, o modelo final foi formado pelos itens que apresentaram os parâmetros descritos anteriormente.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, sob o parecer ETIC 913612. Todos os participantes de 18 anos ou mais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os de 7 a 17 anos, o Termo de Assentimento.
Dentre os usuários participantes do estudo, mais da metade era do sexo masculino (56%), apenas 10% tinha, pelo menos, o ensino médio completo, mais da metade declarou ser de raça parda ou preta (55%) e a maioria era solteira (70%). A média da idade dos usuários foi de 29 anos (DP=28), sendo que metade deles tinha até 14 anos. Os valores mínimos e máximos de idade foram 1 mês e 97 anos.
Apenas 6% dos usuários trabalhavam, sendo o motivo mais frequente ser menor de idade (59%). A maioria dos usuários apresentou classificação econômica C (58%), sendo que 33% não tinham renda pessoal e 58% tinham até um salário mínimo de renda pessoal informada. A maioria tinha renda domiciliar informada inferior ou igual a dois salários mínimos (71%).
Quanto aos tipos de deficiência, 31% tinham deficiência intelectual, 26% física, 22% múltipla (dois tipos ou mais de deficiência), 19% auditiva e 2% visual. Em 35% dos casos existia outra comorbidade associada.
Em relação à descrição dos itens de cada constructo de primeira ordem, houve discordância quanto ao item AC4i “A falta de serviços onde você mora limita o atendimento e o apoio que você recebe?”, pois os entrevistados tenderam a responder “sim”. Houve parcialidade quanto ao item IR3 “Você tem conhecimento sobre o dinheiro e outros benefícios que você pode receber como auxílio?”, pois os entrevistados tenderam a responder “parcialmente” (Tabela 1).
Quanto à análise fatorial dos constructos de primeira ordem, apesar de o item NS1 “Você tem a ajuda de que necessita para viver em sua casa?” ter apresentado carga fatorial menor que 0,50, foi mantido por não impedir a validação do constructo. Já o item IR3, “Você tem conhecimento sobre o dinheiro e outros benefícios que você pode receber como auxílio?” foi retirado da análise por ter apresentado carga fatorial muito baixa (CF=0,36). Além disso, os itens NS4 “Você recebe cuidado/atendimento e apoio suficientes?” (α=0,50) e NS5 “O cuidado/atendimento que você recebe faz com que você se sinta seguro(a)?” (α=0,42), apresentaram baixa discriminação. Analisando-se o modelo final, todos os itens foram relevantes para a formação da variável latente (CF>0,50), além de terem apresentado discriminação aceitável (α>0,65) (Tabela 2).
Na análise fatorial para o constructo de segunda ordem, Qualidade do Cuidado, todos os itens apresentaram carga fatorial superior a 0,50, exceto o indicador necessidades sociais (CF=0,49) que, entretanto, foi mantido por ser próximo de 0,50 e não prejudicar a validação do constructo (Tabela 3).
Nas medidas de verificação de validade e qualidade, todos os constructos, tanto os de primeira ordem, quanto o de segunda ordem, apresentaram níveis exigidos de confiabilidade (AC ou CC>0,60), validação convergente (AVE>0,40) e ajuste adequados (KMO>0,50) (Tabela 4).
As políticas públicas relacionadas às pessoas com deficiência foram ampliadas no Brasil nos últimos anos, porém, essa população ainda enfrenta inúmeras barreiras, dentre elas arquitetônicas, atitudinais e organizacionais, inclusive na área da saúde(18). Com uma crescente exigência da sociedade quanto à qualidade dos serviços públicos prestados, estudos investigaram a Qualidade do Cuidado pela perspectiva do usuário(19-24), mas poucos abordaram de forma específica os serviços destinados às pessoas com deficiência. Nesse sentido, a recente implantação do cenário deste estudo, a RCPD-MG, demanda avaliações que possam revelar como os serviços estão sendo prestados e indicar os ajustes necessários.
Assim como no estudo original, os itens de profissionais e atendimento e acesso mostraram-se importantes para formação dos seus respectivos constructos e da variável latente. A maneira como a equipe conduz o atendimento tem sido apontada como fundamental para a Qualidade do Cuidado(25) e, além disso, as dificuldades em relação ao acesso levantam questões sociais relevantes no cuidado em saúde no Brasil, principalmente no caso das pessoas com deficiência, enfatizando as desigualdades a que estão expostas(18,26). Por tais razões podem emergir desses constructos dados relevantes sobre a Qualidade do Cuidado, indicando possibilidades de aprimoramento no atendimento e no acesso à saúde para as pessoas com deficiência.
No constructo necessidades sociais, o item NS1 (Você tem a ajuda de que necessita para viver em sua casa?) foi mantido, apesar da baixa carga fatorial, e os itens NS4 (Você recebe cuidado/atendimento e apoio suficientes?) e NS5 (O cuidado/atendimento que você recebe faz com que você se sinta seguro?) apresentaram baixa discriminação, ou seja, baixa qualidade para mensurar esse traço. Esse constructo também apresentou baixa carga fatorial para formação da variável latente. Em razão de os valores terem se apresentado próximos aos estipulados, a manutenção desses itens não comprometeu a formação do modelo final do instrumento, porém, ressalta-se a necessidade de novas investigações em estudos futuros. Essa medida reforça a Qualidade do Cuidado, no sentido de favorecer a integração das pessoas com deficiência na sociedade, o que promove qualidade de vida, desenvolvimento da cidadania e apropriação do espaço físico e mental(27).
Em informações recebidas, o item IR3 (Você tem conhecimento sobre o dinheiro e outros benefícios que você pode receber como auxílio?) foi retirado do modelo final por ter apresentado carga fatorial muito baixa. Ao serem questionados sobre conhecimento de auxílios financeiros disponíveis, a maioria respondeu “parcialmente”. Os entrevistados comentaram que, apesar de terem conhecimento, a informação não foi de fácil acesso e a obtenção e manutenção de benefícios são processos difíceis. Também comentaram que, apesar de terem conhecimento, não conseguiram auxílios. Estudos confirmaram a complexidade do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e apontam que o processo de elegibilidade ao benefício necessita ser revisto para evitar retrações aos direitos sociais(28-30). A influência do grau de satisfação em relação ao acesso a auxílios financeiros pode, então, explicar a carga fatorial muito baixa do item, evocando insatisfação em lugar de conhecimento sobre o tema.
É importante destacar as diferenças entre o estudo original(6) e a presente pesquisa. No primeiro, a amostra se deu por conveniência, pois o estudo estava vinculado a outros centros internacionais coordenados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que determinou um número mínimo para a amostra em cada país. Além disso, a faixa etária foi de 18 a 65 anos e os sujeitos apresentavam deficiência intelectual e física. Os participantes frequentavam, há pelo menos dois anos, serviços de saúde diversos e escolas da cidade de Porto Alegre e região metropolitana. Os próprios participantes leram as questões e marcaram as respostas. Nesta pesquisa, a amostra foi probabilística por conglomerado, composta por usuários de uma rede temática, em escala estadual. Participaram usuários de todas as faixas etárias e de todos os tipos de deficiência. Para que isso fosse possível, o instrumento foi adaptado do seu formato autoaplicado para entrevista e parte dos acompanhantes dos usuários confirmaram ou forneceram respostas.
A aplicação do instrumento em uma população diferente do seu estudo de origem pode ser avaliada, a princípio, como uma limitação, porém, a sua utilização em outro contexto, com abrangência estadual e em uma rede em implantação, configura-se como inédita e pode contribuir como um avanço. Neste cenário, a participação dos acompanhantes pode ser compreendida ao se considerar que eles vivenciam, com os usuários, a rotina de atendimentos. Contudo, é importante que estudos futuros investiguem instrumentos que possam incluir, de forma direta, pessoas com deficiência de diferentes tipos e graus.
Níveis satisfatórios de validade e confiabilidade foram verificados no modelo final do instrumento aplicado à amostra estudada, ampliada quanto aos tipos de deficiência, em relação ao estudo original, que abordou usuários com deficiência física e intelectual, permitindo a utilização do instrumento na investigação da Qualidade do Cuidado a pessoas de todos os tipos de deficiência da RCPD-MG.
A análise das propriedades psicométricas do modelo final do instrumento Quality of Care Scale apresentado neste estudo mostrou-se adequada para a amostra, ampliando a possibilidade de aplicação para investigação da Qualidade do Cuidado a pessoas com deficiência intelectual, auditiva, física, visual ou múltipla, usuários da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
* Autor correspondente: Thalita Evaristo Couto Dias. E-mail: thalitata@hotmail.com