RESUMO
Objetivo: Descrever o perfil dos cursos de graduação em Fonoaudiologia no Brasil.
Estratégia de pesquisa: Estudo descritivo e exploratório desenvolvido por meio de levantamento documental entre outubro/2019 e março/2020. Realizou-se acesso ao portal on-line do Ministério da Educação e busca manual, empreendida por dois pesquisadores, por todos os sites disponíveis das instituições de ensino superior. Os dados foram inseridos em tabela de contingência e analisados por estatística descritiva.
Critério de seleção: Cursos ativos e presenciais.
Resultados: Foram encontrados 134 cursos cadastrados. Após análise dos dados e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 83 instituições foram consideradas. Observou-se que mais de 1/3 dos cursos ativos localizavam-se na Região Sudeste. A maior parte destes cursos tinha duração de oito semestres e eram da rede privada. O ingresso era semestral e por vestibular institucional. Os cursos eram coordenados por fonoaudiólogos e o trabalho de conclusão de curso possuía formato de artigo científico. A carga horária dos cursos variou entre 3030 e 3360 horas, o estágio supervisionado entre 520 e 684 horas e as atividades complementares entre 100 e 450 horas. Os cursos obtiveram, em média, conceito 3 nos exames de desempenho de estudantes e curso, na última avaliação.
Conclusão: Os cursos de Fonoaudiologia no Brasil são semelhantes, no que diz respeito ao número de semestres e conceitos de desempenho, mas diferem em carga horária. Os cursos devem se esforçar para seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais e prezar pelo aprendizado completo do discente, para que o perfil do egresso seja condizente com o que consta no planejamento do curso.
Palavras-chave: Fonoaudiologia, Brasil, Educação, Educação Superior, Avaliação Educacional.
ABSTRACT
Purpose: to describe the profile of undergraduate courses in Speech, language and hearing sciences in Brazil.
Research strategy: descriptive and exploratory study developed through documental survey between October/2019 to March/2020. The researchers performed a manual search on the Ministry of Education website and on all available websites of higher education institutions. The data were inserted in a contingency table and analyzed using descriptive statistics.
Selection criteria: active and in-class courses.
Results: 134 registered courses were found. After analyzing the data and applying the inclusion and exclusion criteria, 83 institutions were considered. More than a third of the active courses are located in the Southeast. Most of these courses last eight semesters and are private. Admission is semiannual and through entrance exams. The courses are coordinated by speech therapists and Final Paper has a scientific article format. The course load varies from 3030 to 3360 hours. The supervised internship has between 520 to 684 hours; between 100 to 450 hours for complementary activities. These courses scored an average of three in the student and course performance exams in the last evaluation.
Conclusion: Speech, language and hearing sciences courses in Brazil are similar with regard to the number of semesters and performance concepts, but differ in hours. Courses should strive to follow the National Curriculum Guidelines and value the complete learning of the student, so that the profile of the graduate is consistent with what is in the course planning.
Keywords: Speech, Language and Hearing Sciences, Brazil, Education, Education, Higher, Educational Measurement.
Revisão de Literatura
Perfil dos cursos de graduação em Fonoaudiologia no Brasil
Profile of speech, language and hearing sciences undergraduate courses in Brazil
Recepção: 12 Maio 2020
Aprovação: 01 Agosto 2020
Desde a década de 1930, há relatos da atuação da Fonoaudiologia no Brasil(1). Os profissionais dessa área eram chamados de terapeutas da fala, ou logopedistas(2). Entretanto, apenas em 1981, a profissão foi regulamentada no país(3).
O curso era classificado como de nível técnico, assim como é considerado atualmente em Portugal(4). A partir de 1971, o curso passou a ter quatro anos de duração, sendo reconhecido como curso de nível superior(5). Em 1976, foi criado o primeiro currículo mínimo para graduação em Fonoaudiologia(5) e, em 1977, houve a criação do primeiro curso de bacharelado em Fonoaudiologia, devidamente autorizado(1).
A Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) n.5, de 19 de fevereiro de 2002, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos Cursos de Graduação em Fonoaudiologia. Em seu artigo 3º, determina que o perfil profissional do fonoaudiólogo deve contemplar formação generalista, humanista, crítica e reflexiva(6). Com a Resolução nº 610, de 13 de dezembro de 2018, do Conselho Nacional de Saúde, a carga horária total do curso deve ser de, no mínimo, 4000 horas e as atividades complementares não devem exceder 3% da carga horária(7). No que concerne à prática na graduação, o estágio supervisionado deve ser de, no mínimo, 25% da carga horária total e deve ser realizado e presente desde o início do curso(7).
Vieira (2017) comparou 14 cursos de graduação na área da saúde nos anos de 1995, 2004 e 2015. Na primeira análise, constatou-se a existência de 35 cursos de Fonoaudiologia no país. Na última, havia 79 formações brasileiras, ou seja, um aumento de 125%. Durante todos esses anos, foram ofertadas mais de 140 mil vagas para o curso, mas, aproximadamente, apenas 60% dos estudantes concluíram a formação(8).
Por meio da plataforma on-line do Ministério da Educação (MEC), o e-MEC, autoras brasileiras verificaram que havia 87 cursos de graduação em Fonoaudiologia no país, excluindo os dois cursos na modalidade Ensino a Distância (EAD)(9). O trabalho também concluiu que poucos discentes finalizam o curso em relação ao número de vagas ofertadas por ano(9). A evolução do número de cursos de Fonoaudiologia no Brasil é notória e a implantação de novos cursos de graduação deve ser discutida, observando o cenário de desigualdade de oferta no país.
Em face da ascensão do número de cursos de Fonoaudiologia no país e das mudanças que vêm sendo realizadas ao longo dos anos, este estudo teve como objetivo descrever o perfil dos cursos de graduação em Fonoaudiologia, no Brasil.
Estudo do tipo descritivo e exploratório, desenvolvido entre outubro de 2019 e março de 2020 por meio de levantamento documental. Por se tratar de informações públicas disponíveis on-line, foi dispensada a submissão ao comitê de ética em pesquisa, como também o uso de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para levantamento dos dados, foi realizado acesso ao portal e-MEC do Ministério da Educação(10), que disponibiliza dados referentes às instituições de ensino superior (IES), quanto ao credenciamento e recredenciamento. Para averiguação das instituições que ofertam o curso de Fonoaudiologia, a busca no site seguiu o fluxo “consulta textual – curso de graduação – nome do curso” e um arquivo PDF (portable document format) foi gerado pelo site, contendo o nome de todas as instituições brasileiras credenciadas.
Uma busca manual foi realizada por dois pesquisadores, que acessaram os sites de todas as instituições de ensino superior disponíveis na lista. O acesso tinha como objetivo extrair informações não disponíveis no portal e-MEC, a fim de melhor descrever o perfil dos cursos de graduação em Fonoaudiologia no Brasil.
Foram considerados como critérios de inclusão os cursos ativos e ofertados na modalidade presencial e, como critério de exclusão, as instituições que, apesar de registradas no portal e-MEC, os cursos não constavam na lista de oferta em seus sites, no período da coleta de dados.
As variáveis consideradas neste estudo foram: estado, categoria administrativa da instituição de ensino (pública ou privada), nota do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) das instituições avaliadas, Conceito Preliminar de Curso (CPC), número de vagas, ano de início, tempo de existência, número de semestres, período do curso, tipo de seleção (vestibular ou Exame Nacional do Ensino Médio - Enem), oferta para ingresso (anual ou semestral), tipo de trabalho de conclusão de curso (TCC), carga horária total, carga horária de estágio obrigatório, carga horária de atividades complementares, área de formação do coordenador (a) e titulação acadêmica do coordenador (a).
Os dados foram inseridos em uma tabela de contingência, desenvolvida no Software Microsoft Excel 2016. Para análise dos dados, foi utilizada a análise descritiva por meio de valor absoluto (n), relativo (%), média, moda, mediana, mínimo e máximo, apresentados por meio de tabelas e figuras.
Foram encontrados 134 cursos cadastrados no sistema e-MEC. Após análise dos dados e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 83 cursos foram considerados para este estudo. Dos 134 registros, 25 cursos foram extintos, com prevalência para o ano de 1999 (n = 6); 13 possuíam apenas o registro no sistema, porém não possuíam oferta disponível no site da instituição; 9 IES não ofereciam mais a graduação em Fonoaudiologia e não solicitaram o cancelamento do registro no e-MEC, e 4 instituições possuíam o registro do curso para oferta na modalidade Ensino a Distância.
O registro do primeiro curso foi em 1958, mas, somente na década de 1990, houve crescimento relevante de novos cursos no Brasil (n = 18). No início do século XXI, um número elevado de cursos foi registrado, tendo um pico de crescimento em 2002, quando 7 instituições foram cadastradas pelo MEC. A Figura 1 apresenta uma linha do tempo referente ao surgimento dos cursos de Fonoaudiologia no país.
Verificou-se que, dentre as regiões brasileiras, a Sudeste concentrava 38,6% dos cursos de graduação em Fonoaudiologia. As regiões com menor oferta eram a Região Norte, com 9,6%, e a Centro-Oeste, com 6%. Dentre as Federações, o estado de São Paulo possuía o maior número de IES que ofertam esse curso. Alguns estados, como Tocantins, Amapá e Roraima não possuíam curso de Fonoaudiologia. A Figura 2 exibe o mapa do Brasil e a distribuição do quantitativo de cursos de Fonoaudiologia pelo país.
Foi possível identificar que a categoria administrativa da IES predominante era a instituição privada, representando 71,1% (n = 59). A forma de ingresso predominante para o curso era o vestibular, com 68,7% (n = 57), com entrada semestral (83,1%) e uma pequena parcela das instituições possuía ingresso anual (n = 13); 27,7% (n = 23) dos cursos ocorriam no período noturno e 26,5% (n = 22) na modalidade integral (diurno). A Tabela 1 apresenta os dados referentes ao perfil dos cursos.
Observou-se que 80,7% (n = 67) dos cursos de graduação em Fonoaudiologia tinham duração de 8 semestres e, para um pequeno percentual, 6% (n = 5), 9 semestres (Tabela 1). O formato do TCC foi uma variável pouco identificada (66,3%) nos sites das instituições. Porém, observou-se que 19 cursos (22,9%) utilizavam o formato de artigo científico para realização dessa etapa acadêmica. Quanto à formação do coordenador/a, 89,2% eram fonoaudiólogos/as (n = 74), embora alguns cursos de Fonoaudiologia fossem coordenados por fisioterapeutas em 6% das instituições brasileiras; 51,8% dos coordenadores/as eram doutores e 7,2% possuíam apenas o título de especialista.
Referente à carga horária total dos cursos de Fonoaudiologia, observou-se que 42,2% (n = 35) das instituições possuíam entre 3030 e 3360 horas para formação do aluno. Quanto aos estágios obrigatórios, 30,12% (n = 25) possuíam carga horária entre 520 e 684 horas. Em relação às atividades complementares, não foi possível identificar a carga horária estabelecida em 27 instituições (32,5%), embora 53% (n = 44) apresentassem carga horária entre 100 e 450 horas. Quanto à nota do Enade, 30,1% dos cursos possuíam nota 3 (n = 25) e 42,2% (n = 35) também apresentaram nota 3 no CPC (Tabela 2).
Constatou-se que as instituições públicas possuíam carga horária mínima de 3200 horas (média = 3733.24), sendo superior à carga horária mínima de 3030 horas das instituições privadas (média = 3661,88), apesar do número elevado dessas instituições que ofereciam o curso no país. Em relação à carga horária de estágios (min. = 600 horas, média = 855,9) e atividades complementares (min. = 72 horas, média = 152,1), as instituições públicas se sobressaíram. Quanto às notas do Enade, a média das IES públicas mostrou-se discretamente superior (2,85) à média das IES privadas (2,76). Quando equiparadas as médias do CPC entre as duas categorias administrativas de instituição, não houve diferença (média = 3,34), ainda que apenas instituições privadas apresentassem conceito 2 no CPC. A Tabela 3 compara, por meio da análise analítica descritiva, as cargas horárias (total, estágio e atividades complementares) e os conceitos (Enade e CPC) entre as instituições públicas e privadas.
Ao analisar o quantitativo de cursos de Fonoaudiologia cadastrados ao longo dos anos, observou-se que não houve regularidade quanto ao número de cursos criados e cadastrados. Entretanto, pôde-se analisar que no final da década de 1990 e nos anos 2000, houve aumento do número de cursos registrados. Existem hipóteses que poderiam explicar o porquê dessa ocorrência, a saber, o interesse de instituições em registrar o curso, visando suprir a quantidade de formações em Fonoaudiologia no país, ou, ainda, a situação política brasileira, com o objetivo de formar mais profissionais no ramo. Outro fator que pode ter influenciado o número de cursos considerados como ativos no e-MEC, mas que não ofereciam a graduação no website da instituição, pode estar relacionado ao não preenchimento das vagas ofertadas. Consequentemente, a instituição não inicia o curso, por não atingir o número de alunos suficientes para formar uma turma.
Os programas de concessão de bolsas, como o Prouni (Programa Universidade para Todos)(11), ou o financiamento do curso por meio do FIES (Programa de Financiamento Estudantil)(12), são estratégias do governo federal para facilitar a adesão de estudantes nas IES privadas. Essas ferramentas podem ter influenciado e possibilitado maior interesse de instituições em implantar o curso. Um estudo publicado em 2019 demonstrou que a maioria dos cursos encontrava-se em instituições privadas, o que colabora com as estratégias anteriormente citadas para adesão de estudantes às instituições particulares(9).
A Região Sudeste concentrou mais de 1/3 dos cursos no país, por ter sido a região pioneira da formação em Fonoaudiologia(13). Os fatores econômicos e tecnológicos são importantes para a explicação da concentração de tantos cursos na região(14). Três estados brasileiros, Tocantins, Amapá e Roraima, não possuíam nenhum curso de Fonoaudiologia. Logo, moradores desses estados precisam se deslocar para outra unidade da Federação, se quiserem cursar a graduação em Fonoaudiologia.
Estudantes que residem fora de sua cidade de origem podem ser beneficiados por meio do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), garantido pelo Decreto nº 7.234/2010, que tem, entre outros objetivos, minimizar as desigualdades regionais, como nos casos em que não há o curso ou uma universidade em sua cidade ou estado(15). Entretanto, há evasão e uma pesquisa brasileira, realizada em 2018, concluiu que a maior parcela dos motivos de evasão refere-se a questões de cunho pessoal, mais precisamente familiar e financeiro(16). Por isso, a importância de fornecer à população cursos e instituições de ensino superior em suas cidades de residência ou próximos a elas, o que poderia diminuir os índices de evasão universitária e, possivelmente, otimizar a economia local.
Em comparação ao número de cursos de Fonoaudiologia existentes no Brasil obtido por um estudo brasileiro(9), houve uma redução de quatro cursos. Sugere-se que essa redução pode ter sido ocasionada pelo fechamento de alguns cursos, ou até pela verificação de quais cursos estavam em situação ativa pelo sistema e-MEC e no site da IES. Como demonstrado nos resultados do presente estudo, algumas instituições não oferecem mais a formação em Fonoaudiologia, fator não demonstrado pela pesquisa referida.
Grande parcela das IES que ofertavam o curso era de caráter administrativo privado, confirmando outras pesquisas que analisaram os cursos de Fonoaudiologia(9) e outros(8). O curso de Fonoaudiologia em instituições privadas cresceu 96,4%, saltando de 28 para 55 IES(8). Em menor escala, as instituições públicas de ensino, minoria na oferta do curso no Brasil, também aumentaram a oferta do curso(8). Sugere-se que esse aumento teve influência de diversos fatores, como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que tem o objetivo de ampliar o acesso e a permanência na educação superior(17). Em geral, de 2003 a 2010, o programa implantou 14 universidades federais, ampliando o acesso aos brasileiros(17).
O acesso às IES demonstrou ser feito por meio de vestibular, semestralmente. Tamanho índice de ingresso por vestibular pode ser devido ao fato de grande parcela das instituições que ofertavam o curso ser de caráter privado. Para as IES públicas, as formas de ingresso constatadas foram via vestibular ou Sistema de Seleção Unificada (SiSU)(18). Desde 2010, as universidades decidem a adesão ou não ao SiSU. Trata-se de uma decisão complexa e influenciada por fatores econômicos e políticos(19). Entretanto, em 2020, foram ofertadas 545 vagas em Fonoaudiologia, divididas em 12 estados(20).
Após o ingresso na IES, o aluno deve frequentar o curso nos turnos determinados. Os turnos mais propostos pelas instituições, conforme verificado neste estudo, foram: o noturno e o integral. A preferência pelos estudos à noite pode ter relação com a necessidade de o aluno trabalhar durante o dia para conseguir pagar a mensalidade do curso, principalmente quando a IES é privada. Entretanto, acredita-se que os estágios supervisionados aconteçam em contraturno ao horário de aula, como ocorre em alguns cursos noturnos de graduação em Enfermagem(21), o que pode sobrecarregar a dupla jornada dos discentes, interferindo no processo de aprendizagem durante a graduação.
Por outro lado, cursos integrais não proporcionam tempo disponível para outras atividades laborais para aqueles estudantes que precisam de renda para se manter. Por isso, é de suma importância a investigação das taxas e causas de evasão de estudantes do curso de Fonoaudiologia. Um estudo demonstrou que, aproximadamente, 1200 estudantes não concluíam o curso(8). A desistência do curso pode ser ocasionada por diversos aspectos, como, a vontade própria do estudante; a ausência de suporte financeiro para arcar com o financiamento do curso, para os casos de instituições privadas; a falta de apoio financeiro que viabilize a estadia na cidade de moradia, tendo em vista que muitos residem longe da cidade natal. A investigação dos fatores socioeconômicos e outros que contribuem para a evasão dos estudantes no curso é necessária e precisa ser realizada para conhecer o público presente na instituição, bem como proporcionar estratégias que minimizem esses problemas recorrentes.
A conclusão dos cursos ocorre, normalmente, em oito semestres (quatro anos), o que pode apresentar aspectos bons e ruins para a formação. A formação em quatro anos é relativamente rápida e, por isso, benéfica aos estudantes que desejam ingressar no mercado de trabalho de forma célere. Entretanto, deve-se investigar se a carga horária do curso, incluindo a carga horária de estágio e atividades complementares, fornece boa formação ao discente, o que pode ser prejudicial para o processo ensino-aprendizagem, caso ocorra de forma suprimida.
Ao final da graduação, os estudantes devem realizar o TCC. Muitas instituições não disponibilizavam nos sites e apresentações do curso a caracterização do formato de TCC, ou seja, se deve ser em formato de artigo científico ou monografia. Contudo, o artigo 12 da DCN prevê que para conclusão do curso de graduação em Fonoaudiologia, o aluno deverá elaborar um trabalho, sob orientação docente, mas a forma de apresentação pode ser estabelecida pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso(6), o que não se encontrava explicitado nos dados virtuais analisados.
A escrita científica pode ser uma surpresa para aqueles que não a praticam(22). Salienta-se que a falta de domínio da escrita científica poderia ser minimizada pela oferta obrigatória de disciplinas sobre metodologia em pesquisa e português para fins acadêmicos, logo nos primeiros semestres, podendo oportunizar, na graduação, a prática na construção de artigos acadêmicos, promovendo o fazer científico, despertando, desta feita, o interesse e envolvimento em pesquisas.
Outro fator relevante observado neste estudo esteve relacionado ao perfil dos coordenadores dos cursos de Fonoaudiologia no Brasil, pois nem todas as instituições possuíam fonoaudiólogos ocupando esse cargo. Entretanto, o artigo 6º da Resolução nº 610, do CNS de 2018, refere que a coordenação do curso deve ser exercida por um membro efetivo da instituição, com experiência na carreira de Fonoaudiologia(7). Entende-se que alguns departamentos de ensino com atividades similares, como Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Fisioterapia, são integrados e, portanto, há um coordenador para todo o departamento.
Sugere-se, no entanto, que o olhar de um coordenador com experiência na área, como o curso em questão, pode solucionar dúvidas relacionadas com mais know-how e ajudar os alunos que estejam passando por dificuldades em relação à formação. Uma pesquisa realizada com coordenadores do curso de Enfermagem concluiu que um modelo de perfil de competências, que avalia o desempenho de diferentes aspectos em tarefas exigidas para um curso, pode auxiliar coordenadores dos cursos(23), o que poderia ser executado com coordenadores de Fonoaudiologia e outras áreas.
Em relação à carga horária de formação, segundo a Resolução nº 569 de 8 de dezembro de 2017, todo curso da área da Saúde deve possuir, no mínimo, 4000 horas totais de ensino(24). Esse quantitativo de horas também é referido na Resolução nº 610 de 2018, do Conselho Nacional de Saúde(7). Entretanto, observou-se que a carga horária total média dos cursos de Fonoaudiologia no país é de 3689 horas, aproximadamente. Observa-se que, mesmo após uma década de implantação das DCN, há pouca informação das mudanças introduzidas na formação do fonoaudiólogo. Ainda há o enraizamento da formação dividida entre o modelo biomédico e o da saúde coletiva(25).
Aulas teóricas, práticas, monitorias e participação em pesquisas são aspectos importantes na formação. No entanto, em uma pesquisa realizada com estudantes e egressos de Fonoaudiologia no estado de Minas Gerais, tais componentes não estiveram associados estatisticamente à dificuldade na inserção no mercado de trabalho(21). Por isso, estudos que explorem aspectos relacionados à formação profissional são imprescindíveis, visto que podem auxiliar quanto à definição da área(26) e à fiscalização dos órgãos competentes, no que se refere à carga horária de cada curso de Fonoaudiologia no país.
No Brasil, o desempenho dos estudantes no curso superior é analisado por meio do Enade. Trata-se de um teste que gera um escore entre 1 e 5 e é realizado pelos concluintes do curso, no ano em que a formação é avaliada. Uma pesquisa brasileira identificou que as médias do conceito Enade para estudantes de Fonoaudiologia de instituições públicas e privadas são 3,33 e 2,42, respectivamente(9). Além disso, a categoria administrativa da instituição, se pública ou privada, possui associação estatística significativa (p <0,05) com o escore do Enade(9).
Neste estudo, abordou-se o quantitativo de instituições em cada conceito. Segundo o Enade 2016, 49,4% dos cursos de Fonoaudiologia foram conceituados como nível 3, o que pode ser considerado um medidor satisfatório, atendendo às expectativas do MEC. Portanto, deve-se atentar às instituições que obtiveram índices menores que 3, pois podem estar sinalizando a necessidade de mudanças na estrutura curricular, ou até mesmo na estrutura da IES. Ainda assim, estudos que abordem a associação desse índice com aspectos individuais de cada instituição são necessários, para que se conheça os pormenores que levaram a esse resultado.
Observou-se que as cargas horárias totais do curso, estágios obrigatórios e atividades complementares eram superiores nas universidades públicas, uma vez que correspondem a um percentual calculado a partir da carga horária total do curso. O conceito Enade também foi superior nas universidades públicas, confirmando com outro estudo(9). O CPC fornece informações sobre a formação e leva em consideração o desempenho dos alunos no Enade, a percepção discente sobre o processo formativo e o corpo docente, ou seja, a proporção de mestres e doutores na IES e seus regimes de trabalho(27). Essa pontuação é amplamente divulgada, o que gera competitividade entre as instituições de ensino superior(28). Por isso, verificaram-se essas pontuações em instituições públicas e privadas neste estudo. Nos 83 cursos analisados, o conceito apresentou pouca diferença, quando comparado às categorias administrativas pública e privada. Entretanto, em uma análise de 2019, que considerou 87 cursos de Fonoaudiologia no país, a média do CPC das IES públicas foi superior à das privadas(9). Ambas as análises favorecem estudos que discutam as diferenças do CPC em modalidades diferentes de ensino.
Salienta-se a necessidade de divulgação de informações precisas sobre a Fonoaudiologia para os interessados em ingressar no curso. Autores demonstraram, em um estudo exploratório, que, aproximadamente, 80% dos estudantes de Fonoaudiologia e egressos não estavam satisfeitos com as informações obtidas sobre a Fonoaudiologia, antes de ingressar no curso(29). Por isso, sugere-se que instituições de ensino superior auxiliem, com referências precisas e reais em seus sites sobre as fontes de informações, como os guias de profissões, uma vez que são as principais fontes de acesso à informação sobre o curso, para quem o busca pela primeira vez(29).
Salienta-se que este estudo possuiu limitações, como a ausência de investigação sobre a relação entre o Enade e as características das IES. Além disso, os dados analisados são dados públicos limitados, não havendo informações suficientes e atualizadas para delinear aspectos importantes, a saber, perfil do egresso, metodologia de ensino, processo de avaliação do ensino/aprendizado, cenários de práticas clínicas e publicitação do projeto pedagógico do curso.
Acredita-se, entretanto, que o escopo deste estudo promoveu uma análise de cunho científico-educacional para os currículos dos cursos de Fonoaudiologia no país, bem como forneceu uma base para futuras pesquisas que visem investigar as lacunas que são explicitadas quando da análise dos dados deste estudo. Esta pesquisa também visou demonstrar a importância da informatização e da discussão sobre o cenário da graduação em Fonoaudiologia no Brasil, ao referir, por exemplo, os estados federativos que ainda não ofertam o curso, ou, ainda, regiões do país em que esse curso predomina, com relação ao número de formações na carreira. Os resultados alcançados, portanto, podem acrescentar dados relevantes para as discussões e resoluções de NDE, assim como podem demonstrar a atual situação dos cursos de Fonoaudiologia para futuros candidatos.
Os cursos de Fonoaudiologia no Brasil têm semelhança em aspectos relacionados às pontuações nos exames de desempenho dos alunos e dos cursos, quantidade de semestres e formato de TCC, além de serem coordenados por fonoaudiólogos doutores. Não obstante, diferem com relação à carga horária total, de estágio e de atividades complementares. Apesar do desafio, os cursos de graduação em Fonoaudiologia devem se adaptar às Diretrizes Curriculares Nacionais, modificando paradigmas na formação do novo profissional Fonoaudiólogo. Os achados do presente estudo, portanto, podem orientar revisões das propostas dos cursos de Fonoaudiologia, visando fomentar a oferta de novos cursos nos estados ainda carentes, bem como sanar as lacunas apresentadas a partir das demandas atuais.
Autor correspondente: Gabriel Trevizani Depolli. E-mail: gabrieltrevizanidepolli@gmail.com