RESUMO: A pandemia da COVID-19 é associada com o novo tipo do coronavírus, o SARS-Cov-2, que causa síndrome respiratória aguda grave. Esse vírus afeta o trato respiratório superior e é transmitido, principalmente, por gotículas, espirros e aerossóis e, por isso, há um alto risco de transmissão durante os procedimentos do fonoaudiólogo que atua no ambiente hospitalar. O objetivo deste artigo foi descrever as iniciativas que podem ser adotadas pelo fonoaudiólogo que atende pacientes à beira do leito, com disfagia, visando diminuir o risco de contaminação cruzada na prática clínica durante a pandemia do SARS-CoV-2.
Palavras-chave: CoronavírusCoronavírus,transtorno de deglutiçãotranstorno de deglutição,Covid-19Covid-19,fonoaudiologiafonoaudiologia,infecção por coronavírusinfecção por coronavírus.
ABSTRACT: The COVID-19 pandemic is associated with a new strain of coronavirus, SARS-Cov-2, which causes severe acute respiratory syndrome. This virus affects the upper respiratory tract and is transmitted mainly by droplets, sneezes and aerosols, so there is a high risk of transmission during the procedures of the speech therapist who works in the hospital environment. This article aims to describe the steps that can be taken by the speech therapist who attends bedside patients with dysphagia, to reduce the risk of cross-contamination in clinical practice during the COVID-19 pandemic.
Keywords: Coronavirus, dysphagia, Covid-19, speech therapy, coronavirus infection.
Carta ao Editor
COVID-19 e disfagia: guia prático para atendimento hospitalar seguro - número 1
COVID-19 and dysphagia: practical guide to safe hospital care - number 1
Recepção: 13 Julho 2020
Aprovação: 24 Setembro 2020
O coronavírus é um dos principais patógenos que têm como alvo o sistema respiratório humano. Existem relatos na literatura sobre a transmissão humana do coronavírus em ambientes de saúde e domiciliares(1). Também há evidências de que o vírus se espalha, principalmente, por espirros, gotículas de saliva e aerossóis(2,3). O sintoma comum da COVID-19 em pacientes críticos é a síndrome do desconforto respiratório agudo e a maioria dos pacientes hospitalizados requer suporte respiratório(4). Estudo recente(5) sobre desempenho e segurança da deglutição em pacientes com COVID-19 encontrou, durante a primeira avaliação da deglutição, 19,8% dos pacientes nos níveis 1-3 da escala ASHA (quando o indivíduo é incapaz de engolir com segurança por via oral e uma via de alimentação alternativa é necessária) e 53,5% dos pacientes deglutiram com segurança, porém, com restrição alimentar e uso de manobras compensatórias. Por outro lado, o estudo também sugeriu menos sessões de reabilitação para retorno à alimentação oral segura, em comparação aos pacientes críticos internados em unidade de terapia intensiva (UTI), sem COVID-19, além de permanecerem intubados por mais tempo.
O ritmo da literatura emergente da COVID-19 e atualizações diárias das políticas nacionais de saúde e recomendações resultaram em uma mudança rápida sobre os temas com relevância para essa doença. Nesse contexto, considerando as evidências sobre o alto risco de transmissão do SARS-CoV-2 durante os procedimentos do fonoaudiólogo inserido em ambiente hospitalar, este artigo teve como objetivo fornecer as evidências científicas atuais do manejo seguro do fonoaudiólogo à beira do leito, durante a atual pandemia da COVID-19.
Os fonoaudiólogos devem priorizar o uso de equipamentos de proteção individual, como respirador N95 ou PFF2 (sempre verificar a vedação, ao colocar a máscara), roupa privativa do hospital, luvas de procedimento, óculos para proteção, protetor facial de acrílico, touca e aventais descartáveis. Higienizar as mãos com água e sabão, conforme as medidas de precaução padrão, ou esfregar as mãos com etanol 70% ou isopropanol a 70%(6), antes e após o contato com o paciente, bem como após a retirada do EPI e nas superfícies ambientais circundantes. Estudo demonstrou que o SARS-CoV pode ser inativado facilmente com desinfetantes comumente usados(7). Além disso, também há evidência de que esfregar as mãos com etanol ou isopropanol, ambos 70%, é, geralmente, eficaz contra vírus envelopados, incluindo SARS-CoV e MERS-CoV(8).
O atendimento fonoaudiológico em pacientes com exame negativo para COVID-19 deve ser realizado com EPIs apropriados. No caso de pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19, o atendimento fonoaudiológico não é recomendado, devido ao risco de geração de aerossol(9). No entanto, ainda existem controvérsias na literatura. Sugere-se que, durante o curso da doença, o atendimento seja indicado apenas em casos de necessidade absoluta por deficit significativo da deglutição, quando o adiamento da terapia impõe maior risco de agravo à saúde. Além disso, o atendimento, nesses casos, deve priorizar medidas que gerem o mínimo possível de aerossóis, após acordo da equipe e com utilização de todos os EPIs adequados. É necessário definir critérios para solicitação do serviço de fonoaudiologia, além de orientação de práticas seguras para a assistência fonoaudiológica hospitalar(10,11). Deve-se privilegiar medidas mínimas de manuseio (procedimentos de adaptação, compensações, orientações e monitoramento da deglutição) e analisar a relevância da avaliação fonoaudiológica diante do quadro clínico do paciente. Pacientes com história de risco de broncoaspiração são elegíveis para avaliação fonoaudiológica, como: idoso frágil, doença neurológica, câncer de cabeça e pescoço, doença pulmonar crônica, intubação orotraqueal maior que 48 horas e traqueostomia(12,13).
A inspeção oral e o manuseio da boca, língua e mucosa oral devem ser evitados; caso sejam necessários, deve-se garantir a proteção adequada de toda a face e os demais cuidados; recomenda-se evitar qualquer tipo de estímulo que possa desencadear reflexos de tosse e vômito, inclusive em áreas da cavidade oral, como a base da língua, fauces, úvula, palato e parede da faringe(14). Estudo mostrou carga viral elevada na saliva de pacientes infectados, após 25 dias dos primeiros sintomas(14). Essas formas de transmissão são importantes para os devidos cuidados na prática fonoaudiológica hospitalar, uma vez que muitos procedimentos realizados pelo fonoaudiólogo requerem a proximidade com a face do paciente, além do contato com a mucosa oral e fluidos corporais, como saliva e gotículas respiratórias(15).
Sugere-se realizar a avaliação da deglutição com múltiplas consistências e utensílios descartáveis, para definição da via de nutrição mais segura e adequada, considerando a história prévia, a doença atual e o desempenho orofaríngeo, com oferta e monitoramento pela equipe de enfermagem, se for o caso, para redução de múltiplas visitas. Nos casos de extubação, a avaliação pode ser realizada após 48 horas(10). Recomenda-se descartar e não reutilizar as sobras de alimentos (com ou sem espessantes) utilizadas na avaliação da deglutição. Estudo sugeriu que o SARS-CoV pode ser transmitido indiretamente, por meio do contato da mucosa, de fonte de água e alimentos poluídos(16).
Evitar realização da ausculta cervical e, se necessário, utilizar apenas o estetoscópio disponível no leito do paciente. O estetoscópio gera a possibilidade de propagação do vírus e contaminação de dispositivos hospitalares, podendo causar o contágio de profissionais de saúde e de pacientes hospitalizados(17). É importante considerar a limpeza e desinfecção das superfícies dos equipamentos que foram utilizados no atendimento ao paciente, usando-se germicidas hospitalares. Até o momento, o que se sabe sobre a sobrevivência do SARS-CoV-2 é que ele é mais estável em superfícies de plástico e aço inoxidável(18).
Em casos de pacientes traqueostomizados e procedimentos relacionados, como aspiração endotraqueal e desinsuflação do balonete de cuff, é recomendado evitar este tipo de conduta devido à grande chance de produção de tosse e “gotículas” de fluido do trato respiratório, por serem potencialmente geradores de aerossóis(19). Em estudo de revisão sistemática, a traqueostomia foi considerada um dos procedimentos que mais gera aerossóis(20). Recomendam-se cânulas sem fenestra e com cuff, que deve permanecer insuflado, até que o teste para COVID-19 seja negativo(21). No entanto, sugere-se uma avaliação individual do paciente. A desinsuflação do cuff e procedimentos relacionados à traqueostomia devem ocorrer apenas em sistema fechado de aspiração e, em casos de absoluta necessidade, realizados após o período de quarentena e negativação da doença. As trocas e limpeza das cânulas de traqueostomias devem ser evitadas, a menos que sejam consideradas urgentes. O uso de válvulas de fala deve ser discutido com a equipe multiprofissional(22). Riscos e benefícios devem ser avaliados, levando-se em consideração os benefícios para o manejo das vias aéreas, fonação e fisiologia da deglutição. Estudos evidenciaram que, durante um espirro ou tosse, esses fluidos do trato respiratório com carga viral, geralmente maior que 5 mm de diâmetro, podem ser inalados através de partículas microscópicas de aerossol(23). Outro estudo sugeriu que o SARS-CoV-2 pode ser transmitido pelo ar, por meio de aerossóis formados durante procedimentos médicos(24). Porém, a via de transmissão do aerossol e as vias de transmissão pelas fezes e pela boca ainda precisam ser esclarecidas(24). Ainda não há evidências que sustentem a terapia fonoaudiológica em pacientes traqueostomizados infectados, além dos reais impactos desses mecanismos na transmissão do SARS-CoV-2.
Exames complementares para avaliação da deglutição e voz devem ser evitados(25). As evidências sugerem que a avaliação endoscópica flexível e, provavelmente, a videofluoroscopia da deglutição, apresentam alto risco de contaminação para pacientes, fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas, além da equipe envolvida no procedimento ou reprocessamento do equipamento(26).
No cenário atual, deve-se considerar o atendimento remoto como uma alternativa de prestação de serviços, de forma complementar, ou em substituição aos tratamentos presenciais. Estudo(27) enfatizou que a abordagem para avaliar a disfagia deve ser adaptada, com objetivo de reduzir o risco de possível exposição viral. A história clínica e a avaliação dos pacientes de forma remota, além do uso de questionários validados, podem auxiliar na triagem e seleção de pacientes que necessitam de avaliação e diagnóstico presencial. Por outro lado, ainda há uma lacuna sobre a eficácia da telerreabilitação em pacientes disfágicos, quando comparada à terapia presencial(28). A Figura 1 apresenta um fluxograma com o guia prático para cuidados seguros no hospital, durante a pandemia da COVID-19.
Por fim, as medidas de precaução padrão devem ser mantidas para todos os pacientes sem sintomas. Recomenda-se a utilização de protocolos de biossegurança e as medidas de proteção específicas devem ser rigorosamente seguidas durante os atendimentos fonoaudiológicos em ambiente hospitalar. Além disso, sugerem-se diretrizes práticas, como triagem e avaliação de pacientes disfágicos, mediante protocolos validados e adequados para atendimento fonoaudiológico hospitalar em pacientes com COVID-19.
Autor correspondente: Brenda Carla Lima Araújo. E-mail: brendaaraujo@yahoo.com.br