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A paisagem e as cerâmicas arqueológicas na bacia Trombetas: uma discussão da Arqueologia Karaiwa e Wai Wai
Camila Jácome; Jaime Xamen Wai Wai
Camila Jácome; Jaime Xamen Wai Wai
A paisagem e as cerâmicas arqueológicas na bacia Trombetas: uma discussão da Arqueologia Karaiwa e Wai Wai
Landscape and archaeological ceramics in the Trombetas Basin: a discussion of Karaiwa and Wai Wai Archaeology
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, vol. 15, núm. 3, 2020
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi
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Resumo: Através da paisagem, dos sítios arqueológicos, das aldeias antigas, dos lugares com histórias do passado e da cerâmica arqueológica da bacia do rio Trombetas (Pará, Brasil), iniciamos uma discussão a partir de pontos de vista das arqueologias tradicional e indígena. Essa região é habitada por diversos povos indígenas, a maioria de origem Karib, tal como Wai Wai e Katxuyana. Tanto os objetos cerâmicos, em especial, os apliques zoomorfos Konduri, quanto os sítios, com grafismos rupestres e terra preta têm relação com histórias antigas, seja dos indígenas, seja de espíritos da natureza. A Arqueologia tradicional tende a lidar com a cultura material a partir de seus atributos formais e simbólicos, assim como sua referência cronológica, para reconstruir modos de vida de povos do passado. Já para os anciões indígenas, quando ouvidos, esses objetos e lugares trazem para superfície e para o presente aquilo que já foi ‘esquecido’ e ‘enterrado’ no passado.

Palavras-chave:ArqueologiaArqueologia,Arqueologia indígenaArqueologia indígena,PaisagemPaisagem,CerâmicaCerâmica,Povos indígenasPovos indígenas,Bacia do rio TrombetasBacia do rio Trombetas.

Abstract: This article addresses the archaeological landscape of the Trombetas River basin (Pará, Brazil), from the points of view of traditional and indigenous archaeologies, based on views about archaeological sites, ancient villages, places with histories of the past, as well as archeological ceramics. This region is inhabited by several indigenous peoples, most of them of Karib origin, such as Wai Wai and Katxuyana. Both the ceramic objects, especially the Konduri zoomorphic appliqués, as well as the sites, with rock art and black earth, are related to ancient histories, whether of the indigenous people or of nature spirits. Traditional archaeology tends to deal with material culture from its formal and symbolic attributes, as well as its chronological reference, to reconstruct the ways of life of peoples of the past. For indigenous elders, when heard, they say that these objects and places, bring to the surface and to the present what has already been ‘forgotten’ and ‘buried’ in the past.

Keywords: Archaeology, Indigenous Archaeology, Landscape, Ceramics, Indigenouspeoples, Trombetas River Basin.

Carátula del artículo

DOSSIÊ

A paisagem e as cerâmicas arqueológicas na bacia Trombetas: uma discussão da Arqueologia Karaiwa e Wai Wai

Landscape and archaeological ceramics in the Trombetas Basin: a discussion of Karaiwa and Wai Wai Archaeology

Camila Jácome
Universidade Federal do Oeste do Pará, Brasil
Jaime Xamen Wai Wai
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, vol. 15, núm. 3, 2020
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi

Recepção: 14 Novembro 2019

Aprovação: 25 Maio 2020

INTRODUÇÃO

O encontro epistemológico entre indígenas e ocidentais muitas vezes foi celebrado na produção de conhecimento intercultural ou na valorização dos conhecimentos e nas ciências nativas (Carneiro da Cunha, 2009). Neste artigo, apresentamos uma tentativa inicial de diálogo, através da Arqueologia, entre uma arqueóloga karaiwa (palavra que significa brasileira, branca, não indígena, em Wai Wai) e um arqueólogo indígena, discutindo a relação entre vestígios arqueológicos e suas implicações com o mundo do presente e do passado. Esse trabalho que desenvolvemos conjuntamente agora começou posteriormente ao início de nossas pesquisas. Temos consciência que este diálogo tem alguns limites, o primeiro deles é o linguístico: o português definitivamente não é a melhor língua para traduzir muitos dos conceitos e ideias que Wai Wai (2017) apresentou em sua pesquisa, apesar de falar muito bem português, enquanto que a outra autora não domina a língua Wai Wai. Outro limite que se impõe são todos os impasses entre o conhecimento acadêmico, científico e o tradicional. Carneiro da Cunha (2009), ao discutir como os indígenas se apropriaram da palavra cultura, reflete sobre como ela era distinta da cultura (ou melhor, das muitas ideias sobre cultura) debatidas pela Antropologia. Por analogia, poderíamos também analisar como seria a Arqueologia pensada por um arqueólogo indígena, assim como por outros indígenas que não são arqueólogos, quando se deparam com a questão da materialidade do passado, encontrada no presente. Este é um debate que vem sendo apresentado por Wai Wai (2017), mas também podemos dizer que um arqueólogo indígena (como veremos na discussão adiante) nunca fala somente por si, carregando as percepções e as experiências de outros membros de sua comunidade.

A universidade, após a implementação das políticas de cotas étnico-raciais e das ações afirmativas, vem se constituindo como um espaço de debates sobre a produção acadêmica e sua relação com o conhecimento tradicional, cujos grandes protagonistas são os acadêmicos indígenas (Baniwa, 2019; Luciano et al., 2010). Essa nova realidade da produção de conhecimento nas universidades brasileiras pode vir a ser uma outra virada teórico-metodológica, em especial nos campos da Antropologia, Arqueologia e História. A partir de nossa experiência na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)1, como docente e ex-aluno, notamos que os acadêmicos da Antropologia e da Arqueologia formados produziram pesquisas (via artigos, monografias etc.) relacionando temas de suas vivências em comunidade (festas, música, práticas de curas, lugares importantes e sagrados etc.) e a teoria antropológica e arqueológica. Essas pesquisas são análises situadas de dentro, que trazem outras implicações, muitas vezes teóricas e metodológicas, além de dados a que antropólogos e arqueólogos não indígenas não poderiam ter acesso. Por exemplo, em duas bancas de defesa de trabalho de conclusão de curso, de Boro (2019), da Arqueologia, e Kirixi (2019), da Antropologia, houve participação do professor Jairo Saw Munduruku2, historiador do povo Munduruku, que, com o olhar de dentro da cultura Munduruku, trouxe reflexões que nenhum outro arqueólogo ou antropólogo pariwat (não Munduruku) poderia fazer.

Esses trabalhos também têm se desenvolvido no âmbito da pós-graduação e, no caso dos Wai Wai, destaca-se a dissertação de mestrado de Souza (2018), que faz uma discussão do termo cunhado na antropologia como ‘waiwaização’ (Howard, 2001; Viveiros de Castro, 2002), sobre os processos de tornar-se Wai Wai de grupos atribuídos como ‘isolados’. Caixeta de Queiroz (2008) discute a categoria de povos isolados, demonstrando, através dos relatos de alguns Karawpayana, que esses grupos já mantinham trocas e visitas aos Wai Wai. Ainda de acordo com Souza (2018), o próprio termo ‘karawpayana’ é equivocado, pois aqueles que assim foram designados não tinham essa identidade e a consideravam negativa e não representativa. Esse trabalho é um exemplo pertinente dessa possibilidade de uma virada teórica da antropologia a partir do olhar indígena.

Este artigo está dividido conforme a seguinte apresentação: começamos por uma discussão teórica e metodológica das duas pesquisas que deram origem a este artigo (Jácome, 2017; Wai Wai, 2017), a partir das etnografias arqueológicas e de arqueologias do presente (Castañeda, 2008; Hamilakis & Anagnostopoulos, 2009; Hamilakis, 2011), assim como das Arqueologias indígenas (Anyon, 1991; Lawson, 1997; Smith & Burke, 2007; Watkins, 2005; Smith & Wobst, 2005). Em seguida, passamos a uma contextualização geral de localização e sobre aspectos geográficos da bacia do Trombetas (Figura 1), à apresentação da Arqueologia regional e de algumas referências históricas dos povos indígenas que habitam a região do Trombetas. Após isso, discutiremos os resultados acerca da relação entre as pessoas, os seres e a paisagem do Trombetas e do baixo Amazonas. Depois, nos detemos sobre apontamentos de alguns significados das cerâmicas Konduri para os povos indígenas dessa região e, por último, apresentaremos nossas conclusões.


Figura 1
Localização e identificação dos territórios indígenas atuais na região do rio Trombetas.
Fonte: Jácome (2017, p. 123).

AS ARQUEOLOGIAS DO PRESENTE: INDÍGENAS E ETNOGRAFIAS ARQUEOLÓGICAS

Neste tópico, faremos uma breve discussão de conceitos e alinhamentos teóricos que foram e são importantes para o desenvolvimento de nossos argumentos, em especial, as discussões feitas a partir de conceitos e práticas da Arqueologia do presente, da Etnografia arqueológica e na diversidade das chamadas Arqueologias indígenas.

Ao longo do desenvolvimento teórico da Arqueologia, vemos que as críticas do pós-processualismo abriram possibilidades para críticas estruturais da disciplina arqueológica. Uma delas centrava-se na desmistificação do caráter cientificista da disciplina, herança do processualismo (Hodder, 1982; Binford, 1980), que produziu muito de suas leis de médio alcance, baseado em dados etnoarqueológicos (Binford, 1980). Para Hodder (1982), a Etnoarqueologia processual era funcionalista, a-histórica e meramente produtora de analogias para comparações interpretativas do passado. Já a crítica ao pós-processualismo coloca que esta escola teórica acabou por enfatizar excessivamente questões simbólicas e sociológicas, no lugar de destacar a cultura material, de acordo com a avaliação de González-Ruibal (2006).

A Arqueologia do presente (González-Ruibal, 2006) propõe a construção de uma disciplina a partir das referências do mundo contemporâneo, incluindo as populações que antes eram objeto de estudo da Etnoarqueologia (González-Ruibal, 2006). Segundo este autor, o objetivo é tirar essas populações do “. . . status de meras provedoras de ‘dados neutros’ para arqueologia e torná-las agentes nessa transformação da própria arqueologia” (Jácome, 2017, p. 486).

Outra questão importante apontada por González-Ruibal (2006) é que, na Arqueologia do presente, não há o entendimento de uma separação drástica entre o presente e o passado, porque é através do presente que se explica o passado e, portanto, os tempos estão inextricavelmente ‘misturados’.

A pesquisa de Jácome (2017) foi uma tentativa de conciliar as diferentes perspectivas dos povos indígenas da região do Trombetas com a visão da Arqueologia. Esta busca foi tomada a partir de duas referências: a paisagem, incluindo locais que podem ou não ser sítios arqueológicos, e as cerâmicas arqueológicas. A partir disso, a autora buscou uma narrativa em que as temporalidades indígenas pudessem ser relacionadas a da longa duração arqueológica.

Outra referência metodológica que deu suporte ao trabalho de Jácome (2017) foi a Etnografia arqueológica, cujas origens também estão relacionadas à Etnoarqueologia pós-processualista (Hamilakis & Anagnostopoulos, 2009):

As etnografias arqueológicas envolvem diversas práticas como: etnografias multi-localizadas, pesquisa etno-histórica, entrevistas formais e não formais, observação participante, pesquisa de arquivos, visitas a sítios arqueológicos, diálogos com as comunidades, assim como membros da equipe de pesquisa e colegas da academia

(Jácome, 2017, p. 45).

Mas, apesar de seu caráter metodológico, para Hamilakis e Anagnostopoulos (2009), a Etnografia arqueológica vai além, pois é também um questionamento da condição moderna da Arqueologia, uma espécie de chave epistemológica. Essa chave abriria um outro lugar para a Arqueologia, o lugar da transculturalidade, um espaço para múltiplas conversações e críticas, centrado em materialidade e temporalidade (Jácome, 2017, p. 46).

Assim como a Arqueologia do presente (González-Ruibal, 2006), a Etnografia arqueológica (Hamilakis & Anagnostopoulos, 2009) também aponta para uma multiplicidade de percepções e narrativas sobre as materialidades do passado e de outras formas de temporalidade. Trabalhos que seguem essa linha (Castañeda, 2008) consideram a existência dessas outras narrativas, e não as tomam como uma ‘excentricidade etnográfica’ em contraponto à temporalidade linear ocidental. Esses trabalhos têm demonstrado que outras narrativas pensam o passado e aquilo que a Arqueologia batizou como ‘arqueológico’, inseridos em cosmologias, epistemologias e ontologias não ocidentais ou ao menos não hegemônicas.

Portanto, foram essas reflexões teóricas e metodológicas sobre as relações entre o presente e o passado e também sobre as formas distintas de entender e refletir sobre isso que guiaram reflexões e interpretações obtidas a partir da experiência de campo, entrevistas, visitas com indígenas em sítios e/ou locais importantes, conversas com indígenas e colegas sobre o tema trabalhado (Jácome, 2017).

Por outro lado, a produção de Wai Wai (2017), o primeiro arqueólogo indígena graduado no Brasil, se insere em um movimento consolidado fora do Brasil, referente às Arqueologias indígenas. No entanto, tais abordagens ainda são pouco exploradas no Brasil, uma vez que, mesmo com a política de cotas, pautada pela Lei nº 12.711, de 2012, que regulamenta o ingresso no Ensino Superior, os primeiros bacharéis em Arqueologia se formaram apenas recentemente e ainda há poucos indígenas na pós-graduação.

As Arqueologias indígenas, sem dúvida, devem muito de sua visibilidade internacional ao engajamento dos povos nativos norte-americanos, em especial aqueles que vivem nos EUA, e também aos grupos nativos da Austrália. Pode-se dizer que esta vertente da Arqueologia se inicia com a aprovação do Native American Graves Protection and Repatriation Act (NAGPRA) pelo Congresso norte-americano, demanda surgida da insatisfação dos povos originários com a ação dos arqueólogos, em especial em relação aos enterramentos funerários. O efeito geral disso é uma crescente atenção, crítica e acompanhamento das comunidades sobre as pesquisas arqueológicas.

No cenário internacional, em especial dos povos nativos dos EUA e da Austrália (Smith & Wobst, 2005), podemos relacionar o surgimento das Arqueologias indígenas ao ativismo desses povos na proteção deste patrimônio, nas discussões sobre musealização a partir de concepções nativas e no diálogo coletivo, por meio de conselhos indígenas, com instituições do Estado e a construção de leis que sejam consoantes com o que diversos povos pensam sobre o patrimônio arqueológico. A Arqueologia foi instrumentalizada por povos indígenas de forma estratégica na luta pela preservação patrimonial, assim como na luta pela comprovação da ocupação tradicional de territórios em litígio (seja como Estado, empresas e outros atores capitalistas).

As Arqueologias indígenas são marcadas por uma enorme diversidade, tanto em relação à metodologia quanto às abordagens interpretativas (Smith & Wobst, 2005). A Arqueologia, neste sentido, é apenas uma pequena parte do que poderíamos chamar de recursos culturais (Anyon, 1991). Os objetos e os sítios arqueológicos somente podem ser compreendidos dentro do contexto tradicional, seja ele espiritual ou histórico. Portanto, a maior parte dos povos indígenas que têm relação com o patrimônio arqueológico se relaciona muito mais por seus aspectos intangíveis e imateriais do que pela sua materialidade. Esse ponto é fundamental para entender que esse patrimônio não é algo estático e finito, e que pode ser alvo de políticas preservacionistas, mas deve ser considerado um patrimônio vivo (Smith & Burke, 2007; Lawson, 1997; Watkins, 2005).

A pesquisa de Wai Wai (2017) foi sobre os vestígios arqueológicos cerâmicos, denominados de Konduri pela Arqueologia não indígena (P. Hilbert, 1955), encontrados em duas aldeias atuais do rio Mapuera. Seu objetivo foi buscar entender como os diversos grupos que compõem o etnômio Wai Wai estão relacionados com esta única cerâmica. Os dados demonstraram que, além da relação de ancestralidade indígena com esses objetos, há também uma relação deles com os espíritos do mato e de animais, que são auxiliares dos pajés (yaskomo).

Para Gnecco e Ayalla (2010), o “. . . desafio atual da arqueologia é sair do seu monopólio narrativo de contadores oficiais de história pré-colonial para um papel de intermediação, agora que os indígenas demandam sua própria representação” (Jácome, 2017, p. 493). A decisão do uso da Arqueologia é dos indígenas, sendo que algumas vezes a narrativa não recorre a ela, mas sim aos seus recursos tradicionais da história oral e dos mitos. E as comunidades que têm utilizado a Arqueologia o fazem como uma forma própria de expressão política e cultural (Gnecco & Aylla, 2010).

Para finalizar, pensamos que o encontro entre a Arqueologia do presente, a Etnografia arqueológica e as Arqueologias indígenas cria um espaço para o que Gnecco e Ayalla (2010) chamam de enfrentamento de narrativas que não se excluem.

CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA, ARQUEOLÓGICA, HISTÓRICA E ETNOGRÁFICA

Neste tópico, propomos uma apresentação geral, ainda que sintética, das características geográficas da região do rio Trombetas e afluentes, assim como de sua Arqueologia regional e das populações indígenas históricas e atuais que vivem nesta área. O objetivo é contextualizar o leitor sobre essa ampla e importante região, que faz parte das ‘guianas’ brasileiras. No que tange à Etnologia, o debate já produzido para este contexto é extenso e profundo, mas não é nosso objetivo adentrar nestas discussões (Rivière 1984 [2001]; Gallois, 2005). Desta forma, focaremos em alguns dados históricos dos povos indígenas do Trombetas que podem ser relacionados com o objetivo principal deste texto, que é a relação entre paisagens e cerâmicas a partir de uma perspectiva arqueológica e indígena.

A bacia do rio Trombetas (Figura 2) localiza-se na parte sul do planalto das Guianas. O rio Trombetas é um rio de águas claras que, após a confluência com o rio Nhamundá, desemboca no baixo Amazonas, próximo a Oriximiná. É formado por rios que nascem na fronteira da Guiana com o Suriname. No Brasil, a bacia do Trombetas se encontra no estado do Pará, nos municípios de Oriximiná, Terra Santa, Óbidos e Faro (Jácome, 2017). Entre os afluentes mais importantes do Trombetas, está Mapuera, Cachorro ou Katxuru, Yaskurí, rio do Velho ou Kuhá e, na parte mais equatorial, o Turuni. Do lado esquerdo, o Trombetas recebe os rios Erepecuru, Damiana ou Kahyáhó, Katxpakuru, Imnohúmu e Ponékuru (Frikel, 1958, p. 115).


Figura 2
Localização da região do rio Trombetas.
Mapa: Laura Furquim (2019)

A topografia do rio Trombetas, acima da comunidade quilombola de cachoeira Porteira, é marcada por vários desníveis. O rio corre sobre um escudo de rocha cristalina, com cachoeiras e corredeiras que ocupam o seu leito de uma margem à outra. Para atravessar esses encachoeiramentos, é necessário navegar pelos paranás, canais formados por pequenos braços do rio, menos turbulentos, ou pelos varadouros, que são caminhos terrestres (Jácome, 2017). Já a jusante da vila de cachoeira Porteira, o Trombetas flui sobre a bacia sedimentar, com fundo arenoso, formando remansos, praias e lagos alongados, que têm acessos estreitos ao Trombetas (IBAMA, 2004 citado em Jácome, 2017). O relevo regional (Ministério das Minas e Energia, 1976) se caracteriza por áreas de planície, mas também por morros residuais, colinas e relevos dissecados por drenagens, formando colinas e interflúvios tabulares (Jácome, 2017).

ARQUEOLOGIA REGIONAL

O etnólogo Curt Nimuendaju (2004) foi quem batizou o estilo cerâmico mais emblemático do rio Trombetas, o Konduri, nome advindo de um grupo indígena histórico que teria habitado a região de Oriximiná e Óbidos. Além dele, Frikel (1970) identificou sítios arqueológicos nesta região, sendo estes compostos por rochedos, com gravuras na cachoeira de São Pedro, no rio Cachorro, e áreas de terra preta, com cerâmica Konduri ao longo do Trombetas (Jácome, 2017). No entanto, a primeira pesquisa arqueológica sistemática na região foi feita por P. Hilbert (1955), que localizou 49 sítios com cerâmica Konduri e Globular, e outro tipo de cerâmica com finas linhas incisas tipo ‘espinha de peixe’, chamada de Grupo 1 (Jácome, 2017). Nos anos 70, Hilbert retorna à região com seu filho (P. Hilbert & K. Hilbert, 1980), com o objetivo de propor uma cronologia regional, e identifica um novo estilo cerâmico, o Pocó, que apresentou datas muito mais recuadas do que o Konduri (Jácome, 2017).

A cerâmica Pocó foi datada entre 65 anos AC e 205 anos DC (P. Hilbert & K. Hilbert, 1980) e caracteriza-se por ser temperada com cauixi, caraipé, ou uma mistura dos dois. As morfologias correspondem a tigelas rasas ou fundas, com bojos semiesféricos, vasos de gargalo constritos com paredes carenadas e assadores de beiju (Jácome, 2017). As decorações mais características são formadas por desenhos pintados, presença de engobo vermelho e sobreposição de faixas espessas em tons de vermelho sobre a tinta branca; além disso, são observados vários padrões geométricos feitos por incisão e excisão e apliques modelados, em geral zoomorfos (P. Hilbert & K. Hilbert, 1980; Jácome, 2017). A ocupação Konduri foi datada em um período mais recente, entre 1.000 e 1.400 anos DC, tais cerâmicas apresentam pastas com presença abundante de cauixi, vasilhas com formas globulares, tigelas, pratos de grandes dimensões, assadores e vasos com suportes trípodes (Jácome, 2017). A decoração plástica predomina sobre a pintada, caracterizada por linhas incisas e apliques modelados, sobretudo adornos de bordas, embora existam alguns raros exemplos de peças com pinturas vermelhas e/ou vermelhas com amarelo (Jácome, 2017).

A cerâmica do estilo Globular é caracterizada predominantemente por apliques decorados que, assim como a Konduri, apresentam pontos e linhas incisas. No entanto, os apêndices modelados são quase sempre globulares, ovais, e não evocam figuras animais ou humanas (Jácome, 2017). Atualmente, há uma discussão que aproxima a cerâmica Globular da Pocó (Neves et al., 2014; Jácome, 2017). A cerâmica que P. Hilbert (1955) denominou de Grupo 1, e que Guapindaia (2008) se refere como ‘espinha de peixe’, é encontrada nos níveis mais superficiais dos sítios, quase sempre em sítios com cerâmica Konduri. Esta é temperada com areia e apresenta vasilhas com formas globulares. A maioria dos fragmentos da cerâmica ‘espinha de peixe’ não apresenta decoração, a não ser por alguns fragmentos com finas linhas incisas (que os Wai Wai e os Katxuyana realmente relacionam com ‘espinha de peixe’), em geral, feitas na borda externa e na porção superior do bojo (Jácome, 2017).

Sobre o contexto arqueológico do rio Mapuera (Jácome, 2017), além de cerâmicas Konduri e Espinha de Peixe, encontradas nos sítios do baixo curso do rio, identificamos outros complexos cerâmicos, presentes em sítios do Planalto Guianense, como o Tarumã. Já nos sítios do alto curso do rio, identificamos as cerâmicas Konduri, Tarumã, Rupununi, Koriabo e Wai Wai. Aparentemente, os habitantes dos sítios do baixo Mapuera estariam mais relacionados com as áreas do baixo Trombetas e Amazonas, enquanto que os habitantes do médio Mapuera, em especial do sítio Poropu, estariam mais estreitamente conectados aos contextos da área guianense (Jácome, 2017; Glória, 2019). Pelas análises arqueológicas, essa aparente relação nas ocupações dos sítios do rio Mapuera sugere que os diferentes tipos cerâmicos identificados podem ter ocorrido simultaneamente, pois não há indicação de uma ocupação única de um só tipo cerâmico, em um mesmo nível estratigráfico. Nenhum sítio ou camada corresponde exclusivamente a uma ocupação, seja Tarumã, Koriabo, Wai Wai ou Konduri (Jácome, 2017).

Identificamos também certa fluidez nos modos de se fazer cerâmica nos sítios arqueológicos do Mapuera (Jácome, 2017; Glória, 2019, 2017). Essa variabilidade encontra apoio no que Wai Wai (2017) afirma, a partir da fala de seu pai Poricwi. Segundo ele, cada povo fala sua língua, mas a diferença linguística não define os territórios, e sim as redes de aliança e parentesco. As visitas, as festas e os casamentos fizeram com que as línguas ficassem parecidas, mas, apesar disso, as diferenças se mantêm e ‘cada povo tem um jeito, tem um costume de plantar e tratar a macaxeira, tem um jeito de fazer as coisas’. Isso poderia explicar a diversidade nas formas de se fazer a cerâmica, não somente pela presença de pessoas de grupos diferentes em uma mesma aldeia, mas também porque, ao falarem línguas parecidas, poderiam ter aprendido com certa facilidade as formas de fazer do outro (Jácome, 2017, p. 440).

REGISTROS HISTÓRICOS E ETNOGRÁFICOS

As primeiras descrições históricas e etnográficas sobre o Trombetas datam do século XVI. Carvajal e Rojas (1941 [1542]) mencionam que as populações que viviam entre Santarém e Oriximiná estavam organizadas em grandes assentamentos e guerreavam entre si (Jácome, 2017). Eles narram o embate entre os espanhóis e as mulheres guerreiras na foz do Nhamundá, mas que habitavam rio acima, sendo que sua chefe, de nome Conduri, dominava politicamente outros chefes da região, estendendo seu poder até Santarém. Acuña (1941 [1641]) também cita o nome Conduri, mas o relacionando a um povo que vivia no Nhamundá. Heriarte (1874 [1662]) detalha que os Konduri fabricavam uma louça muito fina, como a dos Tapajós, que eram levadas pelos portugueses para outras áreas coloniais. Em 1691, o padre Fritz afirma que os Konduri ocupavam uma região de colinas, entre Óbidos e o rio Trombetas. Pinto (2006, p. 36), em seu mapa, indica que a região antes habitada pelos Conduri era agora o local do forte dos Pauxi, em Óbidos (Jácome, 2017).

Um dos relatos históricos mais relevantes sobre os indígenas do Trombetas é a ‘Relação’ do missionário frei Francisco de São Manços, que percorreu e descreveu a região, entre 1725 e 1727. Ao fazer o levantamento dos indígenas do rio Mapuera (Porro, 2008), o frei nomeou e situou geograficamente 50 ‘nações’ indígenas (Jácome, 2017). Segundo Porro (2007, p. 82), de acordo com Sampaio, em 1727, existiam muitas aldeias dos Parukoto ou Parucuato no rio Urucurin (um formador do Mapuera), e também no alto Trombetas. Para Frikel (1958), o termo ‘Parukoto’ pode designar tanto uma etnia particular como também uma formação mais genérica, incluindo outros grupos que ocupavam a bacia do rio Mapuera e demais afluentes mais ao norte do rio Trombetas. Howard (2001, p. 31) sugere que, sob o termo Tarumã, se incluem também os grupos Tarumã que migraram do rio Negro (Jácome, 2017), além de outros que vieram do sul e que subiram os tributários do rio Amazonas, como o próprio Trombetas, fugindo dos europeus, africanos e seus descendentes, e de grupos rivais indígenas. Para Howard (2001) e Caixeta de Queiroz (2008), os ‘grupos Parukoto’ se fundiram com os Tarumã e formaram os ‘modernos’ Wai Wai (Jácome, 2017).

No século XIX, há menções aos Tarumã, Wai Wai e Parukoto, na região da serra do Acarai, onde nascem alguns dos rios formadores do Trombetas (Schomburgk, 1922-1923, p. 23). Henri e Olga Coudreau, em suas viagens ao Mapuera e ao Erepecuru, também registraram grandes aldeias Wai Wai, Parukotó e Pianokotó (Tiriyó) (H. Coudreau & O. Coudreau, 1900; O. Coudreau, 1903 citados em Jácome, 2017).

Hoje, os grupos que habitam as aldeias Wai Wai falam uma mesma língua, contudo, originalmente, falavam outros dialetos da família Karib, como os Parukoto, Tarumã, Xerew, Katuena, Tunayana e Karapawyana Caixeta de Queiroz, 2008). No final da década de 1940, missões proselitistas evangélicas instalaram-se na região entre as fronteiras do Brasil, Guiana e Suriname, causando grandes mudanças na organização social e cultural das comunidades indígenas na área do Trombetas e do Mapuera (Howard, 2001; Caixeta de Queiroz, 2008). Esta transformação se deu em vários aspectos: nas línguas faladas, na tradução destas línguas para a escrita, na vida diária, nos rituais, nos mitos/histórias e na introdução de objetos e produtos industrializados.

Um tema que trabalhamos em nossas pesquisas foi a relação entre os yaskomos (pajés/xamã) e os objetos arqueológicos, em especial as cerâmicas de representação zoomórfica Konduri (Jácome, 2017; Wai Wai, 2017). Atualmente, os Wai Wai relacionam as práticas de cura física espiritual, antes efetuadas pelos yaskomos, como ‘coisa do passado’ (Howard, 2001; Valentino, 2010). Na década de 1960, ainda há registro dessas práticas, conforme vemos na descrição de Fock (1963) sobre mitos e práticas dos yaskomo. Eventualmente, ao longo deste texto, os termos pajé/xamã/yaskomo serão usados como sinônimos, considerando-se principalmente as falas traduzidas dos indígenas. Conforme Carneiro da Cunha (2009, p. 341) aponta, pajé se tornou um termo pan-brasileiro adotado pelos indígenas, da mesma forma que xamã se tornou um termo corrente na língua franca antropológica.

PAISAGENS: AS HISTÓRIAS DOS YANAS E DA COBRA GRANDE

A partir de entrevistas, revisão bibliográfica e análise da arqueologia regional da região do Trombetas, apresentamos algumas reflexões sobre a paisagem, tanto em seu contexto temporal dos povos que ainda hoje habitam essa ampla área, quanto na questão de outros seres e espíritos que já moraram ou ainda moram nestas paragens.

Os indígenas da bacia do Trombetas associam certos lugares hoje habitados às margens do rio Amazonas às suas terras ancestrais. Na literatura, desde Frikel (1958) até as últimas etnografias (Girardi, 2011, 2012, 2015, 2019; Alcantara e Silva, 2015; Caixeta de Queiroz, 2015), informações sobre esta associação surgem com pequenas variações. Os indígenas do Trombetas falam que os territórios hoje ocupados pelas cidades de Oriximiná, Santarém e Óbidos eram, de fato, aldeias antigas. Eles chegam até mesmo a nomear essas aldeias, lembrando das lideranças políticas de cada uma.

Frikel (1958) considera parte dos grupos que ocupava a região do Trombetas como sendo originalmente do Amazonas. De acordo com o autor, dos cinco grandes grupos que habitam a bacia do Trombetas (Parukoto-Charuma, Warikyana, Pianokoto-Tiriyó, Urukuyana, Aparai), um deles tem origem no Amazonas. O termo Wairikyana teria vindo de Ari-Kuru, isto é, Beiju-rio ou Rio Beiju (Frikel, 1958, p. 128). Os Katxuyana e Kahiayana seriam, em parte, descendentes deste grupo do Amazonas (Frikel, 1958).

A migração dos Warikyana foi relatada a Frikel (1970, p. 20) através da história de Peuwariknomána, um grande chefe e pajé que teria trazido um grupo “de outra tribo maior (talvez fraccionada por cisões?) das paragens amazônicas colocando-o na região dos rios Cachorro/Cachorrinho. O grupo cresceu e, tornando-se uma tribo bastante grande, espalhou-se entre as duas cachoeiras principais dos rios Cachorro e Cachorrinho”.

Frikel (1970) observa, ainda, duas rotas de migração mencionadas nos relatos indígenas. Uma é antiga e quase imemorável, por onde os Warikyana teriam se deslocado da região oeste, onde havia muitas montanhas (o que ele aventa ser uma possível lembrança dos longínquos Andes), vindo até Belém (possivelmente via litoral guianense). Em um segundo momento, a rota seguida pelos Warikyana teria sido em direção ao oeste, de Belém a Santarém, onde teriam se estabelecido. Em Santarém, teriam permanecido até os europeus chegarem, “. . . os bem antigos moravam no Arikuru que é o Armandzona (Amazonas), lá embaixo. Foi Purá quem deu o nome assim: Arikuru” (Jácome, 2017). Purá é uma figura na mitologia dos Katxuyana do herói fundador e ancestral.

Girardi (2015) também registrou esta história contada ainda atualmente na aldeia de Santidade. Assim como Frikel (1958, 1970), ela identifica que os nomes Santarém, Óbidos e Oriximiná, na língua dos Warikyana, correspondem a Werekekepïrï (ou Txurutahumu), Pawisi e Parawapotpïri (Frikel, 1970 citado em Jácome, 2017).

Por sua vez, os Kahyana do Trombetas também contam a mesma história sobre as aldeias no Amazonas (Jácome, 2017). Em viagem pelo Trombetas, em 2010, quando da identificação dos limites da Terra Katxuyna-Tunayana, Camila Jácome e Luísa Girardi acompanharam Pedro Okoy e seu genro desenharem um mapa das aldeias dos Kahiayana e seus parentes (Jácome, 2017). Neste, foram plotadas as aldeias de Oriximiná (Parawakutpïrï), Óbidos (Pawisi ou Ikutunuru) e Santarém (Weturekekepïrï) (Jácome, 2017). Uma versão similar a dos Katxuyana e Kahyana foi identificada no relato de Tikti, um velho Txikyana3 que hoje habita o rio Mapuera, mas que deseja voltar ao rio Turuni (Alcantara e Silva, 2015 citado em Jácome, 2017).

Mais uma localidade mencionada como antiga aldeia dos Warikyana estaria nas proximidades do posto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre Porto Trombetas e cachoeira Porteira. Esse lugar é uma enseada, onde aparecem longas extensões de areia na época em que as águas do rio Trombetas baixam. Até hoje, os indígenas frequentam estas praias para coletar ovos de tartaruga (Jácome, 2017). Cachoeira Porteira, junto à confluência do Mapuera com o Trombetas, é igualmente associada a um local desses antigos grupos vindos do Amazonas (Jácome, 2017).

Uma história semelhante foi encontrada no rio Mapuera (Wai Wai, 2017), onde os habitantes Wai Wai e Hixkaryana falam que Katxuyana e Tiriyó têm ancestrais fora dos rios Trombetas e Cachorro. Contudo, o autor também relata que algumas das aldeias antigas referidas como dos Kahyana e Katxuyana, tal qual a cachoeira Porteira e a enseada nas proximidades ao posto do IBAMA, foram igualmente descritas por seus entrevistados como sendo também aldeias de Wai Wai. Os Hixkaryana, de seu lado, contariam com suas aldeias ancestrais no Amazonas e na desembocadura do Nhamundá (Jácome, 2017). De acordo com o pai de Xamen Wai Wai, o limite deste antigo território dos Pahxantho seria aproximadamente onde está hoje a aldeia Mapuera. Os informantes de Xamen Wai Wai também mencionam as aldeias de Oriximiná, Óbidos e Santarém, mas não está claro se eles as consideram como sendo de seus ancestrais (Jácome, 2017).

Assim sendo, a reconstituição histórica de Frikel (1970) vai ao encontro das narrativas rememoradas ainda hoje pelos Katxuyana e Kahyana (Girardi, 2011, 2012, 2015), Tikyana (Alcantara e Silva, 2015) e Wai Wai (Wai Wai, 2017). Temporalmente, estes processos provavelmente teriam se iniciado após a entrada dos primeiros europeus, no século XVI, e continuado progressivamente até o século XIX, quando da fundação da cidade de Oriximiná. Essas dinâmicas migratórias teriam ocorrido ao longo de um período extenso. Está claro que as formas de organização social e política desses grupos foram impactadas pela instabilidade dos conflitos e dizimações populacionais causadas pelas epidemias. Contudo, as formas tradicionais das ocupações ao longo do baixo Amazonas, do Trombetas e afluentes permaneceram arraigadas na memória destes grupos até os dias de hoje. Assim sendo, antes dos grupos do Amazonas buscarem refúgio na região do Trombetas, e depois nos seus interflúvios e cabeceiras, é provável que tenha ocorrido um processo dinâmico, com reorganizações sociais e políticas. Se as antigas aldeias do Mapuera, do Cachorro, do Trombetas e de seus muitos afluentes são lembradas, não surpreende o fato de que aldeias grandes e duradouras, como as de Oriximiná, Óbidos e Santarém, também tenham permanecido nas narrativas (Jácome, 2017).

Um exemplo dos processos dinâmicos a que nos referimos são as festas, uma prática ritualística e política das mais relevantes para os Karib da região das Guianas (Gallois, 2005; Dreyfus, 1993-1984, 1993). As festas eram formas de celebração que, para além do evento em si, proporcionavam uma arena para a afirmação e reafirmação de alianças: de guerra, de comércio, de parentesco (casamento) e de conhecimentos (artesanato e outros). Com base nos relatos de seu pai, Xamen Wai Wai diz que as jovens solteiras iam com suas famílias às festas das grandes aldeias provavelmente para se casar, e lá ficavam por algum tempo. Essa é sua explicação para o fato de que encontramos cerâmica Konduri na região do rio Trombetas. As jovens iam e voltavam, e ao voltar introduziam as técnicas de se fazer cerâmica, aprendidas na grande aldeia. Contudo, na perspectiva arqueológica de Xamen, “. . . essas mulheres não estavam simplesmente trocando técnicas estilísticas e decorativas, mas estavam trocando os espíritos da cerâmica, como do urubu e do morcego” (Jácome, 2017, p. 208).

O que a Arqueologia, os registros históricos e etnográficos e o que os velhos indígenas dizem hoje nos levam a pensar que a vasta região entre o baixo Amazonas e o Trombetas não deve ser pensada como fechada e com limites precisos. Também não podemos conceber uma cultura ‘pura’, seja tapajônica, Konduri, Katxuyana, seja Wai Wai. Contudo, é possível considerar essa ampla região como

. . . um território de trânsito de pessoas, relações, objetos e poderes (físicos e espirituais). Um território de trânsito e trocas de grupos que compartilhavam línguas aparentadas (muitas delas provavelmente Karib), pessoas (casamentos, capturas de guerra), no qual saberes, estilos e poderes circulavam em todos os sentidos (leste-oeste e vice-versa). Ou também podemos pensar um território em transe, no qual para além dos corpos físicos das gentes e coisas trocadas estão também os corpos espirituais, repletos de poderes e incorporados no xamanismo guianense

(Jácome, 2017, p. 209).

Embora não exista uma continuidade total ou direta entre as ocupações arqueológicas e os grupos indígenas atuais do Mapuera, acreditamos na possibilidade de que os Wai Wai, Katxuyana, Kahyana, Tikiyana, entre outros, tenham na memória oral os lugares que, desde a colonização, eram considerados como bons locais para se construir uma aldeia, conforme padrões tradicionais, e que essa ‘memória’ de ‘um bom lugar para se viver’ permaneça relativamente persistente ao longo do tempo (Jácome, 2017).

Os habitantes do Mapuera identificam uma ewtotho (aldeia antiga), ou uma ewtotî (capoeira antiga), pelas plantas nativas, sobretudo as palmeiras (bacaba, açaí, buriti), e pelos animais que se alimentam de seus frutos, como as aves e os pequenos mamíferos. Assim sendo, uma aldeia ou capoeira antiga é um atrativo para aqueles que buscam coletar vegetais e caçar animais (Jácome, 2017).

A fundação de novas aldeias pelos grupos que regressaram do Tumucumaque e Suriname, e se instalaram nos rios Cachorro e Trombetas, é um processo ainda recente. Caixeta de Queiroz e Girardi (2012) registraram, entre os Katxuyana, como foi a volta da Missão Tiryió e como foi escolhido o local para implantar a nova aldeia. O processo de reimplantação dos Katxuyana no rio Cachorro seguiu o modelo regional: primeiro, faz-se um roçado, contíguo ou sobre um assentamento antigo, desabitado há tempos, e, quando começam os frutos maduros e a roça está pronta para a colheita, principalmente a mandioca, constroem-se, então, as casas naquele local, fixando-se moradia (Caixeta de Queiroz & Girardi, 2012).

Uma dessas aldeias, a Santidade, foi implantada no lugar onde havia uma aldeia antiga, oriunda de um período um pouco anterior à divisão dos Kaxuayana e de seu deslocamento, em 1968, para os rios Nhamundá e Paru de Oeste (Caixeta de Queiroz &Girardi, 2012). Em 2003, após a limpeza da capoeira, começaram a brotar sementes e raízes adormecidas por mais de quarenta anos, como mamão, banana, cará e abóbora (Caixeta de Queiroz & Girardi, 2012).

Portanto, reocupar roças/aldeias em locais antes ocupados mostra-se bastante vantajoso. Esta reocupação dos locais é, sem dúvida, a razão de raramente identificarmos sítios arqueológicos com a estratigrafia bem preservada, e também a razão da péssima conservação da cerâmica, constantemente fragmentada nesses processos. Os sítios, as capoeiras velhas e as roças têm seus solos constantemente revolvidos e, consequentemente, o material arqueológico é remexido e fragmentado.

Onorio Katxuyana, de 68 anos, morador da aldeia Santidade, um dos entrevistados de Wai Wai (2017, p. 40), disse que as aldeias antigas do Cachorro são sempre reocupadas,

. . . a nossa antiga história sempre fica aqui neste rio. Este não foi ocupado pelos outros grupos sempre foi pelos Katxuyana até cabeceira. O que é importante agora para nós atuais é proteger o cemitério dos nossos parentes, que no tempo da colonização morreram muitos, por causa da doença. Até hoje eu lembro tudo isso, até hoje boa parte da nossa cultura está viva.

Esse trânsito e diversidade de pessoas nas paisagens do Trombetas acontece também com outros seres, animais e espíritos.

Voltemos agora às etnografias de Caixeta de Queiroz (2015) e Frikel (1970), que mencionam os mitos/histórias sobre cobra grande nos rios Mapuera, chamada Petaru, e no Cachorro, denominada Marmaru-imó. Para este artigo, a título de exemplificação, apresentamos o mito do rio Cachorro, primeiramente mencionado em Frikel (1970) e retomado por Caixeta de Queiroz (2015, p. 119-121 citado em Jácome, 2017, pp. 217-218), aqui transcrito resumidamente:

Pura e Mura moravam nas cabeceiras do Katxuru (Cachorro) e Toxrowahó (Cachorrinho), os primeiros humanos que criaram, a partir de arcos de pau d’arco, desceram para morar na parte baixa desses rios e foram engolidos por Marmaru-imó, uma cobra grande que morava na cachoeira grande de Txôrôwahô (Luísa Girardi em comunicação pessoal afirma que nome desta cachoeira é Iremat’pïrï, comentário meu). Marmaru-imó, avisado por um japu que avistava tudo do alto de sucubeira, preparou o bote, fez um grande rebujo no rio, como de uma cachoeira, abriu a boca como um porão e alagou a canoa e engoliu a todos. Após o desaparecimento dos homens de pau d’arco, Mura percebeu que havia sido obra de Marmaru-imó e fez outros arcos de arco liso, que também ganharam vida, mas novamente o rebujo da cachoeira de Marmaru-imó levou todos os filhos de Pura, que dessa vez viu tudo com seus próprios olhos. Pura, chateado, resolveu fazer os bichos a partir da semente de palmeiras, tudo com ajuda de seu companheiro Mura. Cansado de fazer bichos, resolveu tentar fazer gente de novo, sem achar madeira boa, usou uma qualidade inferior de taxizeiro (waraharí), um pau mole que apodrece facilmente. Fez seus arcos que depois de uns dias viram gente: “gente boa, mas fraca, essa de pau mole. . .”, dizia Pura. O demiurgo não desistia da ideia de levar sua gente para a parte baixa do rio, e dessa vez traçou um plano. Chamou Mura e foram matar a cobra grande. Desceram de canoa e levaram um jamaruzinho (pequena cabaça) e uma navalha. Quando o japu cantou avisando Marmaru-imó da embarcação, os dois se esconderam na cabaça. O bicho engoliu a canoa com a cabaça. Dentro de Marmaru-imó, saíram e começaram a repartir o bicho por dentro. Dois dias depois, Marmaru-imó boiou morto, Pura disse a Mura: “Vamos tirar o couro de Marmaru-imó; vamos ver para que presta!”. Pura colocou-o nas costas, entrou bem nele e começou a dançar e cantar. O couro de Marmaru-imó estava todo pintado com desenhos. Dele aprenderam todos os desenhos. Pura tirou as pintas do couro e enfeitou peneiras, tipitis, balaios e cestinhas. Ptúmbanê (o desenho específico do tipiti) era a pinta da costela de Marmaru-imó. Depois só restava ainda um perigo para a gente de Pura, um inimigo muito forte: Yuhuru-manáo, o valente genro de Marmaru-imó. Pura e Mura foram à casa de Yuhuru-manáo para avisá-lo de que tinham morto o seu tio (sogro). Ele morava logo acima do Varadouro Grande do rio Cachorro (na cachoeira de São Pedro). Pura lhe disse para não fazer mal à gente dele (de Pura) e ameaçou-o que, se ele não atendesse, vinha matá-lo também. Yuhuru-manáo prometeu tudo, disse que não ia se incomodar com os outros e que eles podiam baixar. Pura disse: “Agora vamos voltar para mandar a tropa”. Chegando em casa, fizeram canoas, uma para cada um deles, e mandaram os filhos morar cá embaixo, onde ainda estamos morando (perto de onde hoje é a aldeia Santidade). Mas Yuhuru-manáo era traiçoeiro. Quando Pura subiu para trazer seus filhos, Yuhuru-manáo foi esperar na boca do Cachorrinho para matar o pessoal de Pura. Mas Pura desconfiou dele e viu tudo. Pulou por cima e escapou. E o pessoal baixou sempre para o Kaxúru e Kahú (os rios Cachorro e Trombetas).

Encontramos antigas aldeias Katxuyana na região de cabeceiras e interflúvio dos rios Cachorro e Cachorrinho (Frikel, 1970; Girardi, 2011) e tecemos algumas observações, a partir de mais dois outros locais mencionados na história ora relatada: a aldeia de Yuhuru-manáo, genro de Marmaru-imó, no Varadouro Grande, na cachoeira de São Pedro (SanMan Kahxi) e o local do assentamento dos filhos de Pura, na aldeia de Santidade (Jácome, 2017) (Figura 3). A aldeia do Yuhuru-manáo fica próxima à cachoeira de São Pedro, que conta com uma grande queda e paredões com gravuras rupestres (Jácome, 2017). As figuras aludem a seres antropomorfos, contudo, há também uma figura circular espiralada, semelhante a formas atualmente lidas como ‘cobras’ pelos indígenas (Jácome, 2017). Poderiam os antropomorfos serem os filhos de Pura? Seria a figura espiralada a anaconda criando o rebujo? A aldeia de Santidade também é um sítio arqueológico, apresentando ao menos duas áreas de terra preta e vários fragmentos de cerâmica e de materiais líticos polidos e lascados. Identificamos vestígios de cerâmica tanto do estilo Espinha de Peixe quanto do Konduri (Jácome, 2017).


Figura 3
A) Cachoeira de São Pedro, local mencionado no mito/história de Pura; B) Marmaru-imó, que apresenta grafismos rupestres gravados. Reprodução dos grafismos: Rogério Tobias Jr.
Fonte: Jácome (2017, pp. 64, 223)

Notamos também que as cachoeiras e a cobra grande estão relacionadas, pois esta última representa (a exemplo da emboscada de Marmaru-imó) a hidrografia do Trombetas e de seus afluentes, marcada pelas corredeiras e cachoeiras (Jácome, 2017). Marmaru-imó transformou-se em uma cachoeira com os redemoinhos das correntezas marcando perigos sérios, capazes de quebrar canoas, remos, motores e provocar o alagamento da embarcação. A cobra grande é capaz de simular, assim, a própria cachoeira. A sua morte também ocorre em uma região de Cachoeira, Marmaru-imó cria a cachoeira, segundo Frikel (1970), produzindo um rebujo4 (Jácome, 2017).

Marmaru-imó parte de um local que hoje é um sítio arqueológico, mas que no passado foi uma aldeia antiga. Da área onde aconteceu o confronto com Yuhuru-manáo até o destino dos panamos (ancestrais), filhos de Mura, dispomos de dois registros arqueológicos, são eles as gravuras e a aldeia de Santidade, o que, de fato, demonstra que a paisagem e a memória estão intrinsecamente relacionadas. Muito possivelmente aquilo que vemos como arqueológico e, desta forma, como marcas do passado também o são para os Katxuyana (Jácome, 2017).

Ainda pensando a relação da cobra grande com a paisagem antiga, recorremos a outra história do rio Mapuera a respeito dos Okoymoyana (gente cobra), que ainda são visíveis ou deixam suas marcas. Essa história foi recolhida por Fock (1963, pp. 48-52), entre os Wai Wai, e traduzida por Caixeta de Queiroz (2015, p. 122 citado em Jácome, 2017, p. 230):

Muito tempo atrás, todos os moradores de uma aldeia Wai Wai foram festejar em outra aldeia. Somente permaneceram naquela aldeia uma velha e uma menina que tinha acabado de sair da reclusão decorrente do ritual relativo à primeira menstruação. A velha pediu para a menina pegar água no rio, não sem antes adverti-la: “Vá em direção certa, não vague, não olhe para o meio do rio Mapuera, pois, se isso acontecer, Okoymoyana virá lhe pegar”. A menina não obedeceu a velha e, ao olhar para o centro do rio, ela viu emergir dali todos os homens e as mulheres do povo Anaconda (Okoymoyana). Todas essas pessoas pareciam seres humanos, mas possuíam a alma (ekatï) Anaconda, ou seja, eram pessoas Anaconda que apareciam na forma humana. A menina ficou com medo e saiu correndo em direção à sua casa. Quando lá chegou, disse para a velha: “Eu vi o povo Anaconda, ele está vindo atrás de mim. Onde posso me esconder?”. A velha ficou furiosa: “Eu disse que não era para olhar. Não posso te esconder por causa do seu cheiro!”. Mesmo assim, ela escondeu a garota debaixo de uma panela de barro. Quando chegaram, os Anaconda ficaram festejando na clareira, do lado de fora da casa. Eles dançavam e aguardavam bebida, mas, na verdade, queriam tomar a menina como esposa. Todos estavam paramentados para a festa, com plumagens e miçangas que os Wai Wai nunca tinham visto antes. Para tentar afastá-los dali, a velha jogou no fogo a pimenta que estava numa cabaça. Os Anaconda tossiram e gritaram: “O que é isso, velha, você quer nos negar a sua neta?”. A velha respondeu que somente ela estava na casa, que os Anaconda a viram e achavam que era uma jovem. Essa discussão continuou por longo tempo, enquanto os Anaconda dançavam a noite inteira na aldeia da velha. No final, desconfiados, mas resignados ao fato de que talvez a menina não estivesse ali mesmo, eles decidiram ir embora, não sem antes deixar em cima da casa todos os seus enfeites trazidos para a dança: braceletes, tubos para amarrar os longos cabelos, adereços de penas para o septo nasal e o queixo, brincos etc. Ao partirem, os Okoymoyana disseram para a velha: “Deixamos esses presentes para quando os cunhados retornarem da festa”. Os Wai Wai amaram tanto os adereços deixados pelo povo Anaconda que jamais os esqueceram e comentaram a história por gerações e gerações: “Assim eram as pessoas Anaconda, elas eram muito belas!”.

Caixeta de Queiroz (2015), em sua análise a respeito deste mito, aponta que os Okoymoyana chegam à aldeia da velha e da menina a fim de encontrar uma jovem esposa, ao modo dos visitantes ou ‘estrangeiros’ (Pawana), isto é, pintados, gritando, cantando e dançando. Os Wai Wai do Mapuera “. . . mantêm relações de casamento com povos do leste, nas cabeceiras dos rios Cachorro e Turuni, especialmente os Katuena e os Xereu, esses povos que eram chamados genericamente por eles de Okoymoyana” (Jácome, 2017, pp. 230-231). São frequentes também os relatos que descrevem estes grupos como bastante bravos.

De acordo com os Wai Wai, os Okoymoyana não têm aparência de cobra grande, mas de gente. O que diferencia as gentes da terra “. . . é que eles têm o pé virado para trás, o que vai de acordo com o mito/história narrado por Fock (1963), de que seriam humanos com espírito de cobra grande” (Jácome, 2017, p. 231). Antigamente, eram vistos pelos Wai Wai com mais frequência, mas hoje são menos vistos, devido à conversão ao cristianismo. Todavia, eles ainda estão lá, em suas casas e aldeias, assim como os Wai Wai, só que suas aldeias são embaixo da água. Do mesmo modo que na história, Xamen Wai Wai diz que, no passado, os Okoymoyana eram mais vistos pelas meninas virgens que iam ao rio sozinhas para se banhar ou buscar água, uma vez que os homens Okoymoyana gostavam muito delas (Jácome, 2017).

Apesar de menos frequente, os Okoymoyana não deixaram de aparecer nos atuais tempos. De acordo com o relato de Wai Wai (2017), há pouco tempo um dos caciques da aldeia Mapuera percebeu que a mulher Okoymoyana deitada em sua rede não era a sua esposa, quando a viu sair, no meio da noite, em direção ao rio. Xamen Wai Wai aponta que algumas aldeias dos Okoymoyana podem ser vistas em várias partes do rio Mapuera. As grandes pedras vistas nos rios são os telhados das casas, enquanto as cavernas submersas são o seu interior. Em frente à aldeia de Mapuera, por exemplo, o local chamado de Pedra do Guariba é o telhado das casas dos Okoymoyana.

Os ancestrais Hiskaryana enxergavam dois guaribas em cima das pedras que atacavam as pessoas que passavam de canoa e até mesmo matavam. Por isso, as pessoas que passavam lá perto, sempre tinham que passar com silêncio. Quando, de noite, os guaribas saíam do rio, iam na terra roubar mulher ou até mesmo fazer amor com mulher. Quando isso acontecia se tornavam os Okoymoyana homens para pegar mulher, tomavam para si imagem do namorado ou marido, se ela fosse casada. Também se transformavam em mulher para pegar os homens Hixkaryana, se descobriam que estava acontecendo algo de errado na aldeia. . . . Atualmente, outras pessoas pensam que esse povo Okoymoyana já está morto pelo desaparecimento, mas nas informações orais foram para a cabeceira do rio Mapuera, onde era aldeia antiga conhecida Arawa Weyun, segundo Masipaka esse povo Okoymoyana está vivendo neste lugar até hoje

(Wai Wai, 2017, p. 61).

Segundo Manaka, uma senhora que vive hoje na aldeia Mapuera, uma aldeia dos Okoymoyana pode ser identificada por um lugar do rio em que há pedra. As cachoeiras também constituem parte da paisagem Okoymoyana, mas para eles são montanhas (Wai Wai, 2017).

Analogamente ao que disse a avó da menina, do mito levantado por Fock (1963), olhar para um Okoymoyana incorre no perigo de que ele venha buscá-lo. O perigo maior, no entanto, é seguir um deles até sua aldeia e não olhar mais para trás, pois há o risco de se transformar em um deles definitivamente. Ainda, de acordo com Manaka, “. . . as pessoas que decidiram seguir os Okoymoyana fizeram isso em razão de alguma desilusão, por estarem tristes demais nas suas aldeias e acabaram indo embora morar com eles” (Jácome, 2017, p. 233). Ver um Okoymoyana é um ato associado tanto à tristeza quanto a algum tipo de doença. Em 2010, Manuel Gertrudes Kahewiri, da aldeia Santidade, relatou o mesmo. Em sua juventude, ele visitou e quase se casou em uma aldeia Okoymoyana. “Enquanto seu espírito estava submerso na aldeia das anacondas, seu corpo padecia em febre e delírio na aldeia dos seus parentes” (Jácome, 2017, p. 233). Foi um pajé que o trouxe de volta, ao lhe ensinar o caminho do retorno, curando também o seu corpo.

Mesmo sendo mais raros de serem vistos hoje em dia, os Okoymoyana continuam vivendo próximo às aldeias Wai Wai, pois a existência dessas duas gentes está conectada (Wai Wai, 2017).

Além da relação com a cobra grande, as aldeias antigas e/ou os sítios arqueológicos também podem ser relacionados a um lugar de perigo (Jácome, 2017). A origem dos povos do Cachorro e Trombetas está relacionada com as cabeceiras dos rios Cachorro e Cachorrinho, onde se relata a presença de serras. De acordo com Frikel (1970, p. 11), ali existe uma montanha denominada Piádzmana, em cujo topo há um buraco grande e fundo, por onde sai fumaça, fogo e pedra. Tal descrição, semelhante a uma erupção vulcânica5, é uma explicação mito-xamanística, pois

. . . os nossos antigos contaram que dentro da serra morava um pajé (piádze) muito forte. (Daí o nome: Piádzmana – lugar, morada do pajé). Quando a serra jogava fogo e pedras, diziam então que ‘piádze está mudando de casa’. Ele queimava a casa velha e jogava tudo fora. E o pessoal via o fogo da casa velha saindo do buraco em cima da pedra. E o ‘troço velho’ que ele jogava fora caiu na terra feito pedra

(Frikel, 1970, p. 11).

É comum a associação das serras dos rios Trombetas, Turuni e Katxpakuru com situações de perigo nos relatos do falecido Pedro Okoy, Kahyana do rio Trombetas (Jácome, 2017). Neste caso, o perigo está relacionado a um ser, animal ou espírito, muito grande (cujo nome é seguido pelo sufixo imó, significando grande). Em muitas das serras citadas no mapa de Pedro Okoy, é frequente ouvir estrondos altos, às vezes ouvidos de longe: “. . . esses estrondos são como barulho de bomba e são sinal ou de grande perigo ou de muita riqueza” (Jácome, 2017, p. 234). Essa mesma relação foi também identificada na Caída dos Pretos (rio Cachorro) e na serra do Galo (próxima à aldeia de Bateria, no rio Mapuera). Os animais associados a essas serras foram Meekuimó (Macaco Grande), Okoymo (cobra grande) e Pianoimó (gavião grande).

Quais seriam os perigos que as serras trazem? Okoy exemplifica com um fato associado ao Padre Nicolino (fundador da cidade Oriximiná), que teria ficado ‘encantado’ com uma das serras do rio Trombetas, passando a vê-la como igreja e tocando a pedra ao modo de um sino (Jácome, 2017). Ele teria voltado cego após esta visita e morrido logo em seguida. Na versão oficial da sua morte, consta que, em 1882, em viagens pelos rios Trombetas e Erepecuru, teria contraído malária, o que o levou a óbito (Henrique, 2015).

Ainda segundo Okoy, o nome antigo de Cachoeira Porteira era Yawaramîtî (“O nome do rapaz que foi sequestrado, no posto do IBAMA, pela tartaruga fêmea, era Yawara”) (Jácome, 2017, p. 236). Antigamente, havia muita gente vivendo ali, todos eram pajés:

Cobra grande morava na Cachoeira, o nome do poço que o pajé mexia com ela era Tanamã. Cobra grande dizia aos pajés que fazia doença porque não gostava do pessoal que estava no seu lugar. Fazia mulher ficar brava. Ela que fez a cachoeira ser brava também. Em cima da porteira tem uma enseada, onde aparece boto

(Jácome, 2017, p. 236).

Tal boto assim dizia ao pajé: “Sou Amanã, gente boa daqui. Se vocês fizerem roça eu planto no meio de vocês. Se sentirem fome, podem vir comigo que arranjo o que comer. Se tiver doença de criança, fala comigo que eu resolvo” (Jácome, 2017, p. 236). E ali os pajés iam conversar com os botos.

Parece haver uma relação de oposição entre as cachoeiras e o remanso. Nas cachoeiras, lugares associados à cobra grande, há sempre o perigo de ser engolido ou virar o barco. O remanso, por sua vez, é associado aos botos, um lugar sempre de águas calmas e também onde se pode pescar e coletar ovos. Apesar de o boto representar algum perigo entre os povos ribeirinhos e indígenas da Amazônia, é evidentemente menos perigoso se comparado à cobra grande (Jácome, 2017).

AS CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS E OS PAJÉS

As cerâmicas arqueológicas geraram grande parte das inferências, proposições e modelos explicativos da história antiga dos povos indígenas da Amazônia, mas elas trazem em si mais do que informações tecnológicas, estilísticas ou cronológicas. Para os velhos e velhas das aldeias do Trombetas, alguns fragmentos cerâmicos são indícios dos tempos em que os xamãs faziam suas curas e se comunicavam livremente com os espíritos que os auxiliavam. Em entrevistas (Wai Wai, 2017), surgem informações que também nos levam a pensar sobre a realidade arqueológica na região do rio Trombetas.

Renato Poriciwi, morador da aldeia Mapuera, que tem cerca de 76 anos, relatou algumas histórias (Wai Wai, 2017) que nos ajudam a pensar a diversidade das cerâmicas arqueológicas, conforme os resultados das análises dos sítios do Mapuera (Jácome, 2017; Glória, 2017, 2019). Antigamente, havia festas que aconteciam anualmente, algumas eram somente para as pessoas das aldeias (Maawa, festa do sapo, que sempre acontecia no começo da chuva, e festa da lua Nuuni, que acontecia na época da lua crescente) e outras eram abertas também aos convidados estrangeiros (como a Xorwiko e Yaamo). Os rapazes e as meninas iam junto com os pais, alguns se casavam e não voltavam mais para suas aldeias, assim como seus os pais, que queriam ficar perto de seus filhos, para ajudá-los. As mulheres faziam suas panelas, conforme aprenderam em seu grupo, os homens, a mesma coisa, e assim se iniciava a troca de conhecimentos para a fabricação de cerâmica. Outras coisas eram trocadas, como as formas de comer, falar e pintar o corpo. Alguns voltavam para suas aldeias depois de um tempo, já outras pessoas nunca voltavam. Aqueles que voltavam traziam várias fontes de conhecimento dos outros grupos, as mulheres imitando suas cerâmicas, e os homens, o jeito de fazer as casas e as danças também.

Em outra entrevista, aparecem indícios da relação da cerâmica com o xamanismo (Wai Wai, 2017). Yakuta, de 75 anos, da Aldeia Xaari, em Roraima, é irmão de Ewká e, assim como ele, quando jovem, foi pajé. Segundo as informações de Yakuta, pajés tinham copos próprios, feitos de cerâmica e que neles tinham várias representações de animais. Esses animais na cerâmica auxiliavam a descobrir as doenças, segundo lhe contou sua mãe. Yakuta também disse que seu irmão Ewká tinha algumas sementes (talvez Weyaci, tipo guaraná) e as colocava na boca para conseguir identificar a doença. Estas sementes ficavam depositadas nesses vasos de cerâmica especiais, com representação de animais.

Ewká tinha quatro espíritos de animais que ajudavam na cura (porco, urubu, ariranha e anaconda), que eram os espíritos mais fortes para as curas. Após ver fotos da cerâmica Santarém, Yakuta disse que os grupos que as produziu tinham também contato com esses espíritos dos Wai Wai, por isso as duas culturas são parecidas. Só existe um espírito que ensinou aos grupos indígenas, por isso as histórias e as cerâmicas são semelhantes. Hoje, esses materiais têm nomes muito diferentes, por exemplo, Konduri, Pocó, Santarém, e, para Yakuta, o nome de todos seria Nokwa, que são os objetos do pajé (que pode ser de cerâmica, pedra, sementes etc.). A representação desses animais é Orokwian, um espírito poderoso e perigoso, que hoje, depois que os Wai Wai se converteram ao cristianismo, é visto como o Diabo. Mas antigamente era diferente, eles trabalhavam junto com os pajés.

Caramca Wai Wai, antigo cacique que assumiu depois de Ewká, relatou para Poriciwi Wai Wai que os xamãs, no passado, mantinham suas práticas em segredo, mas ele sabe que tinham que fumar ou beber para começar a entrar em contato com os espíritos dos animais. Antes de se transformarem, diziam Kurumu ow aniytamko (vem me buscar urubu) e os urubus desciam. Eles eram levados voando para conversar com o chefe dos urubus, o qual lhes revelava como praticar a cura e o feitiço. Assim, as imagens de urubus, sapos, morcegos, entre outros, na cerâmica Konduri relembram a importância destes seres para os grupos indígenas antes da chegada dos missionários.

Segundo Wahciki, mãe de Xamen Wai Wai, ceramista e uma das entrevistadas (Wai Wai, 2017, p. 47), “. . . as mulheres antigas faziam esses tipos de apliques representações de urubu, para tornar a vasilha Nokwa, que era uma vasilha para o pajé”. Vários objetos ajudavam o pajé a se comunicar com os espíritos e esses objetos são Nokwa; podiam ser feitos de pedra, barro, madeira cigarro, espírito e oração, e somente o pajé poderia utilizá-los6.

Quando foi perguntado por que as vasilhas de hoje não têm mais apliques com os animais, Moyo, outra ceramista entrevistada, disse: “Eu não vi potes desse tipo sendo feitos na minha família, talvez nossos ancestrais tivessem esses tipos de vasos, pois recebiam poderes dos animais. Cada cultura e grupo tinha sua organização, e eles sempre tinham contatos somente pelo pajé” (citada em Wai Wai, 2017, p. 47). Wahciki menciona também um tipo de vasilha com aplique zoomorfo que não era de uso do pajé, mas servia para cozinhar mutum; nele, era posto um aplique de cabeça da ave na borda.

As entrevistas feitas por Wai Wai (2017) ampliam o que já conhecíamos como objetos do yaskomo (pajé). Segundo Caixeta de Queiroz (1999, p. 281), “. . . a cesta do pajé é seu estojo de pajelança, nela vão os talismãs. . . . utilizados durante os rituais de cura”. Mas nem Caixeta de Queiroz (1999), nem Fock (1963), o primeiro etnólogo a descrever o xamanismo Wai Wai no período que estavam entrando em contato com os missionários evangélicos, falam da utilização de objetos cerâmicos, a exemplo de vasilhas e fragmentos de peças arqueológicas (Jácome, 2017).

Jácome (2017) também fez alguns apontamentos para relacionar a cerâmica arqueológica ao xamanismo. Por bastante tempo essa relação parecia de oposição, já que a maior parte das pessoas das aldeias do Mapuera, Cachorro e Trombetas demonstrava pouco interesse nos objetos arqueológicos (fragmentos, vasilhas, lascas e lâminas de machado) que surgiam das valetas de casas ou em fossas sanitárias. Certa vez, o Cacique Amayta, após ver uma foto da coleção de apliques zoomorfos Konduri, disse que aqueles objetos poderiam trazer de volta os antigos xamãs (Figura 4). Essa fala nos fez pensar que talvez a relação da cerâmica arqueológica com o xamanismo não estivesse restrita apenas ao passado anterior ao período da conversão (Jácome, 2017).


Figura 4
Fragmentos Konduri da Coleção da Casa de Cultura, da Prefeitura Municipal de Oriximiná.
Foto: Camila Jácome (2012).

Segundo Valentino (comunicação pessoal), os Katuena acreditam que os fragmentos encontrados atualmente à superfície e enterrados são restos de antigas panelas cerâmicas dos Okoymoyana (Figura 5). Como já comentado, o povo Cobra Grande, com suas aldeias subaquáticas e vizinhas às dos Wai Wai, no passado, mantinha uma relação maior com os Wai Wai e, apesar de tal relação ser pouco vista hoje, ela ainda ocorre. Conforme Fock (1963) apontou, os Okoimoyana são yanas (yenna) espirituais, grupo de espíritos que auxiliam ou com os quais lutam os yaskomo. Portanto, esses objetos talvez sejam evitados justamente por ainda carregarem seu poder de Nokwa, por exemplo, para reestabelecer a relação entre pajés (ex-pajés) e os Okoimoyana (Jácome, 2017).


Figura 5
Fragmentos cerâmicos e líticos expostos próximos à casa grande na aldeia Santidade, em 2010.
Fonte: Jácome (2017, p. 224).

No rio Cachorro, essa relação da cerâmica com o xamanismo também parece ser forte e recorrente. Na aldeia de Santidade, encontramos dois fragmentos de aplique Konduri em forma de cabeça de urubu, ambos com furo na base (já original da cerâmica, mas aumentado), no qual foi transpassado um cordão (Jácome, 2017) (Figura 6). Se nos voltarmos novamente para o rio Mapuera, temos como base a descrição de um mito/história Wai Wai (Fock, 1963; Howard, 2001), sobre a gente Urubu, com habilidades de transformação corporal xamânica, assim como também a informação de que os urubus eram espíritos auxiliares de Ewká, enquanto este ainda era pajé. O mito/história, aliado ao relato de Poricwi, sobre a música cantada aos urubus, como ora apontado, demonstra que o urubu está fortemente relacionado ao xamanismo. Todos esses elementos nos dão suporte para inferir a relação dos dois pequenos fragmentos Konduri ao xamanismo atual e histórico (Jácome, 2017).


Figura 6
Cerâmicas Konduri na aldeia Santidade em 2010: A) diversos fragmentos pertencentes a um dos moradores da aldeia; B) detalhe de fragmento de cabeça de urubu, repintado e com cordão passado; C) outro fragmento Konduri também com cordão.
Fonte: Jácome (2017, pp. 470-472).

Apesar de estarmos lidando aqui com a história dos Wai Wai, de acordo com Wai Wai (2017), os espíritos são os mesmos. Talvez por isso, em todas as aldeias do rio Cachorro, Mapuera e Trombetas, alguns moradores mantêm coleções pequenas de materiais arqueológicos, constituídas, no geral, por adornos zoomorfos da cerâmica Konduri, peças inteiras e lâminas de machado. Na aldeia Santidade, Mauro Katxuyana, o atual cacique, também mantinha uma pequena coleção arqueológica, caracterizada, majoritariamente, por fragmentos de apêndices zoomorfos Konduri, além de lâminas de machado. Um destes apêndices possui um fio de colar passado pelo furo da base da cabeça do urubu. Essa peça foi recentemente pintada de preto, vermelho e amarelo para destacar os atributos que aludem à cabeça do urubu-rei, espécie ali figurada (Jácome, 2017).

O cordão transpassado nos orifícios nestes apêndices sugere que poderiam ser usados em um colar (Jácome, 2017). Fock (1963) e Yde (1965) ilustram em seus livros colares e amuletos com pingentes de dentes de onça, lontra e macaco, de nome ehdoyati. De acordo com Fock (1963), a mistura dos dentes de diferentes espécies teria como função tornar o caçador tão ágil quanto a onça, um pescador tão bom quanto a lontra e um coletor tão habilidoso quanto o macaco. Todos os meninos e homens Wai Wai portam um cordão destes, o que mostra que ele é considerado um objeto com propriedades mágicas. Deste modo, considerando a sua relação com as entidades cosmológicas importantes para os grupos dos Trombetas, tanto os Okoymoyana quanto os Kurumyana, é possível que essas peças fossem usadas como Nokwa, isto é, talismãs dos xamãs (Jácome, 2017).

Deste modo, chega-se a um entendimento da relação da materialidade/imaterialidade do xamanismo no Trombetas, relação esta que pode ser mediada pelas peças arqueológicas. É possível que o desinteresse da maior parte das pessoas pelas cerâmicas arqueológicas seja em função daquilo que representam na sua memória. “Sejam elas peças de Okoymoyana ou dos Kurumyana, eram artefatos do estojo do xamã e, portanto, representam um perigo em potencial . . .” (Jácome, 2017, p. 473), assim como determinados lugares, como as serras e suas pinturas.

Assim sendo, esse ‘esquecimento’ voluntário estaria relacionado a uma situação atual, em que os yaskomo, por não mais existirem (ou quase), significam perigo (Jácome, 2017). Hoje, na nova ordenação de mundo, os perigos são mediados pelos pastores, bíblias, remédios e outros artefatos. Mas, mesmo nessa nova ordenação do presente, coexistem os antigos perigos das doenças e mortes, causadas por espíritos e feitiços, no entanto, sem a presença dos pajés (Jácome, 2017). Retomando a fala de Amayta, os objetos arqueológicos, entre tantos outros com poder de comunicação xamânica, trazem a possiblidade real do retorno desses espíritos, inclusive do pajé. Trata-se de um perigo tanto de natureza espacial, onde entes de alhures, mundo subaquático e celeste, vêm assombrar as aldeias, como também de natureza temporal, onde os antigos retornam ao presente e os xamãs podem voltar (Jácome, 2017).

A importância e o perigo do xamã emergem de sua própria tarefa que “. . . mais do que uma simples ordenação. . . . de guardar o novo em velhas gavetas; trata-se de remanejamento mais do que de arrumação. . . . o xamã parece ser o contrário de um nomoteta” (Carneiro da Cunha, 1998, p. 13). A circularidade do tempo, oposta à da lógica cronológica, no sentido de encadeamento ordinário, não sai do campo do racional, se consideramos que a tarefa do xamã é tal qual Carneiro da Cunha (1998, p. 14) sugere, a “. . . de uma tentativa de reconstrução do sentido, de estabelecer relações, de encontrar íntimas ligações”. Deste modo, a tradução que o xamã exercita das diversas linguagens dos entes cosmológicos, assim como dos diferentes, foi resumida pela autora, da maneira mais arqueológica possível:

A tarefa do tradutor torna-se grandiosa, por ser ela a busca da verdadeira linguagem, da qual as línguas particulares seriam apenas fragmentos (Benjamin, 1968, p. 78), como os fragmentos de um vaso que, embora diferentes entre si, se ajustam perfeitamente para restituir um conjunto que os ultrapassa: o ajustamento dos fragmentos atesta a existência do vaso

(Carneiro da Cunha, 1998, p. 13).

Esse esquecimento, no entanto, encontra a lembrança dos velhos através do que os karaiwa (brancos) chamam de Arqueologia. Há uma relação xamânica com as cerâmicas arqueológicas que também expressa a identidade de seu povo (Jácome, 2017). Conforme Wai Wai (2017, pp. 35-36):

Atualmente nós jovens encontramos esse tipo de artefatos e somente percebemos aquilo como se fosse brinquedo, não significa nada. Hoje eu entendo pelos meus parentes velhos uma valorização e interpretação trazida pela oralidade, que traz realidades das suas vidas no passado, isso me ajuda com esse conhecimento, uma arqueologia dos meus grupos. Hoje este tipo de artefatos é chamado Konduri, sozinho eu não ia interpretar com meu conhecimento de olhar estes artefatos. Esses velhos, eles podem responder e eu posso escrever enquanto os conhecedores estão vivos, e eles já são uma minoria. Eu posso dizer que eles já não sabem mais de onde vieram, se desceram ou subiram o rio Mapuera, mas Yakuta afirma que este tipo de artefato mostra a identidade das pessoas que estavam ligadas com outros seres, aquilo que tem sentido. Ewká também considerava esses espíritos dos animais para fazer cura e isso acorreu antes de chegarem os missionários. Na vida dos ancestrais antigamente eu entendo que o conhecimento e os poderes sempre vieram pelos espíritos dos animais.

CONCLUSÃO

Como descrevemos, as aldeias localizadas às margens dos rios da bacia do Trombetas são somente uma porção da paisagem dos grupos que hoje ocupam essa região. Do ponto de vista arqueológico, ocorrem sítios em abrigos rochosos e a céu aberto com terra preta, e boa parte deles ocorre sob as aldeias atuais. Deste modo, podemos confirmar, pelo menos parcialmente, que o padrão de assentamento atual não é fruto de uma ruptura recente, decorrente apenas do impacto das missões evangélicas, mas segue uma tradição documentada na longa duração. Contudo, se considerarmos o que dizem os pooco, outros locais também serviriam para se abrir aldeias, nos interflúvios, mais escondidos, e estariam relacionados aos tempos de guerra (Jácome, 2017).

As atuais narrativas dos grupos que habitam o Trombetas se referem a aldeias ancestrais para além deste rio, em lugares como Óbidos, Oriximiná e mesmo em Santarém, já às margens do Amazonas. A análise das semelhanças entre as cerâmicas Inciso Ponteadas, do baixo Tapajós e do Trombetas, aponta para conjuntos cerâmicos com muitos elementos coincidentes. Recentemente, Alves (2019) apresentou dados tecnológicos que demonstram a complexidade das trocas e outras relações que podem ter sido estabelecidas entre os povos que produziram a cerâmica Konduri e Tapajônica. Isso nos sugere que havia um intenso fluxo de circulação de pessoas e fluxos de produção e circulação de ideias e potes nessa vasta região entre Santarém e o Trombetas (Jácome, 2017).

Assim, concluímos que as falas indígenas sobre as antigas aldeias de Katxuyana, Tikiyana ou Kahyana, no Amazonas, devem ser seriamente consideradas como um argumento compatível com as informações de que dispomos sobre as formações culturais dos caribe-guianenses. É possível sugerir dois mecanismos para tal: as redes de relações por guerra ou casamento (roubo ou troca de mulheres) e as festas regionais (Gallois, 2005). O deslocamento de mulheres (muito provavelmente, as produtoras das cerâmicas) entre as aldeias, e o fluxo de artefatos trocados durante as festividades e visitas entre aldeias proporcionariam uma distribuição da cerâmica compatível com o registro arqueológico. As festas regionais atuais dos grupos caribe-guianenses, com provável origem pré-colonial, são momentos que proporcionam o encontro de parentes e parceiros de troca comercial (Barbosa, 2005). Extrapolando o aspecto essencialmente ritual, são eventos nos quais são seladas as alianças, muitas vezes através de trocas materiais, e também momentos em que estas relações são projetadas para o futuro, na próxima festa (Jácome, 2017). Assim sendo, esta dispersão de traços das cerâmicas arqueológicas, aparentemente muito fluida, conforme apontado por Glória (2017, 2019) para o sítio Poropu, é totalmente consistente com essa organização social caribe das redes de relação.

Esse território de fluxos de pessoas, objetos e ideias, além do baixo Amazonas, parece envolver também o planalto das Guianas, onde vários grupos caribe se relacionavam através de comércio, guerra e parentesco (Gallois, 2005). Muito provavelmente essa ampla região não era exclusivamente Caribe, em termos linguísticos e culturais, e também arqueológicos, ocorrendo grupos Arawak e Tupi que integrariam essa rede, ao menos parcialmente. Portanto, acreditamos que, ao levar a sério o que os indígenas do Trombetas relatam, “. . . podemos propor um diálogo entre a história oral, os registros de memória e a longa duração da arqueologia” (Jácome, 2017, p. 496).

A agência dos lugares e a agência dos mitos/histórias aparecem constantemente relacionadas. Contudo, a profundidade das narrativas indígenas sobre os lugares nos leva a reflexões bem mais complexas, fornecendo pistas para reconstruirmos uma cosmopolítica de longa duração. Alguns lugares da atual paisagem indígena trombetana quase sempre estão associados a ocorrências arqueológicas, rochas com grafismos, bacias de polimento ou terra preta e fragmentos cerâmicos. São lugares de história dos antepassados e de outros seres/espíritos e que hoje pertencem ao passado mítico, mas também observamos a real potência desses lugares hoje em ativar memórias e afetos (doenças, perigos, adversidades), isto é, a agência do passado mítico agindo no presente (Jácome, 2017).

Para além dos lugares, observamos esta mesma potência nas cerâmicas. Mesmo considerando que as práticas xamânicas hoje no Trombetas se dão de forma velada, ou inexistem, devido à falta de pajés, Sztutman (2005) nos lembra que eles não são necessários, pois trata-se de uma relação que está sempre dada e presente. O xamanismo extrapola os xamãs, pois são apenas os mediadores das relações, logo, mesmo sem eles, o xamanismo permanece subjacente ou transversal nas relações (Viveiros de Castro, 2008; Sztutman, 2005). No momento, podemos considerar a cerâmica também como um elemento da relação xamânica. Isto é, tanto quanto os lugares, os objetos cerâmicos também exercem a agência de trazer à tona o xamanismo (Jácome, 2017).

Deste modo, entendemos que, a partir de paisagens, aldeias antigas, sítios arqueológicos, cachoeiras, serras, rios, cerâmicas, desenhos etc., podemos convergir as narrativas indígenas e arqueológicas. Ainda que em regimes de temporalidades distintos, refletimos sobre o tempo, sobre o passado. Ainda que se trate de uma discussão inicial, que necessitaria de mais espaço e aprofundamento na Etnologia, na teoria antropológica e arqueológica, consideramos um avanço conectar pontos entre a Arqueologia indígena e a não indígena. Para esses pontos se tornarem linhas e trançados, ainda há muito caminho, no entanto, esperamos que este seja um caminho sem volta.

Material suplementar
AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao financiamento obtido para realização da pesquisa por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A André Prous e Ruben Caixeta de Queiroz, coordenadores do Projeto Norte Amazônico. Também a Claide Moraes, Elber Glória, Marcony Alves, Igor Rodrigues, Luisa Girardi, Leonor Valentino, pelos diálogos que contribuíram para esta publicação. Por fim, agradecemos e dedicamos este trabalho à memória de Renato Poricwi, mais uma biblioteca de conhecimento tradicional perdida pela Covid-19.

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Notas
Notas
1 Até 2019, foram sete estudantes indígenas formados no curso de Antropologia e três na Arqueologia. A maioria deles está cursando mestrado ou atuando como profissionais em áreas de políticas públicas voltadas para povos indígenas.
2 Para mais informações, ver a matéria “First Munduruku anthropologist and archaeologist defend their undergraduate dissertations at the Universidade Federal do Oeste do Pará” (SALSA, 2020).
3 Esse grupo é grafado como Tikiana ou Tikyana também.
4 Nos dicionários de língua portuguesa consultados, não encontramos essa palavra, mas em espanhol rebujo significa “1. s.m. Indumentária y modo, embozo com el que se cubrían el rostro las mujeres; 2. Envoltorio de diversos objetos hechos in ningún orden y con desaliño; 3. Cualquier cosa o conjunto de cosas revueltas o desordenadas, desorden, maraña” (The free dictionary by Farlex, 2003-2020).
5 Para Frikel (1970, p. 12), a descrição de certos fenômenos como o vulcanismo seria um indício de uma tradição oral originada nos Andes.
6 O termo Nokwa aparece inicialmente descrito em Fock (1963) como correspondente a objetos em pedra e sementes. No trabalho de Wai Wai (2017), há relatos que mostram que os fragmentos e as vasilhas cerâmicas, em especial Konduri, também seriam Nokwa. Posteriormente, I. Rodrigues, R. Wai Wai, J. Wai Wai e C. Jácome (comunicação pessoal, maio 24, 2019) apontam outros objetos como Nokwa, ampliando o conceito que será trabalhado em artigo futuro.
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Autor notes
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES C. Jácome contribuiu com conceituação, curadoria de dados, análise formal, aquisição de financiamento, investigação, metodologia e escrita; J. X. Wai Wai com conceituação, curadoria de dados, análise formal, investigação e escrita.

* Autora para correspondência: Camila Jácome. Universidade Federal do Oeste do Pará. Rua Vera Paz, s/n, Salé. Santarém, PA, Brasil. CEP 68035-110 (camilajacome88@gmail.com).


Figura 1
Localização e identificação dos territórios indígenas atuais na região do rio Trombetas.
Fonte: Jácome (2017, p. 123).

Figura 2
Localização da região do rio Trombetas.
Mapa: Laura Furquim (2019)

Figura 3
A) Cachoeira de São Pedro, local mencionado no mito/história de Pura; B) Marmaru-imó, que apresenta grafismos rupestres gravados. Reprodução dos grafismos: Rogério Tobias Jr.
Fonte: Jácome (2017, pp. 64, 223)

Figura 4
Fragmentos Konduri da Coleção da Casa de Cultura, da Prefeitura Municipal de Oriximiná.
Foto: Camila Jácome (2012).

Figura 5
Fragmentos cerâmicos e líticos expostos próximos à casa grande na aldeia Santidade, em 2010.
Fonte: Jácome (2017, p. 224).

Figura 6
Cerâmicas Konduri na aldeia Santidade em 2010: A) diversos fragmentos pertencentes a um dos moradores da aldeia; B) detalhe de fragmento de cabeça de urubu, repintado e com cordão passado; C) outro fragmento Konduri também com cordão.
Fonte: Jácome (2017, pp. 470-472).
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