Resumo: Este artigo desenvolve, com base na perspectiva pós-keynesiana, a hipótese de que a deterioração da infraestrutura de um país inibe o investimento privado e reduz suas sensibilidades em relação aos seus determinantes, como a taxa de juros real, crédito, taxa de câmbio real, investimento público e infraestrutura. A hipótese é testada para o período 1985-2013 para seis economias da América Latina, empregando os estimadores dynamic fixed effects, pooled mean group e cross sectionally augmented pooled mean group em um painel dinâmico heterogêneo. Os resultados indicam o impacto positivo da infraestrutura sobre a formação de capital privado. Sugerem também que a deterioração do estoque de infraestrutura promove quedas na sensibilidade do investimento privado em relação aos seus determinantes, o que reduz a potência da política econômica em estimular o investimento privado via mudanças em seus determinantes.
Palavras-chave: Infraestrutura, Investimento privado, Sensibilidades.
Abstract: This article develops, based on the post-Keynesian perspective, the hypothesis that the deterioration of a country’s infrastructure inhibits private investment and reduces its sensibilities regarding its determinants, such as real interest rate, credit, real exchange rate, public investment, and infrastructure. The hypothesis is tested for the period of 1985-2013 for six economies of Latin America, by using the estimators dynamic fixed effects, pooled mean group and cross sectionally augmented pooled mean group in a dynamic heterogeneous panel. The results indicate the positive impact of infrastructure on the formation of private capital. They also suggest that the deterioration of the infrastructure stock causes drops in the private investment sensibility regarding its determinants, which reduces the potence of the economic policy in stimulating the private investment by changing its determinants.
Keywords: Infrastructure, Private investment, Sensibilities.
Artigos originais
Infraestrutura, expectativas e investimento: evidências empíricas para a América Latina
Infrastructure, expectations, and investment: empirical evidences to the Latin America
Recepção: 20 Março 2021
Aprovação: 20 Junho 2022
A relação entre infraestrutura e investimento privado é importante e intrigante. Para autores de distintos matizes teóricos o investimento em infraestrutura (IE) é central para o crescimento econômico. Nurkse (1953), Rosenstein-Rodan (1961) e Hirschman (1958) apontaram a relação entre infraestrutura, externalidades e crescimento. Para Lewis (1979), o crescimento requer infraestrutura e recursos humanos treinados, mesmo em países que exportam produtos primários. Barro (1990), Agénor e Canuto (2012) e Martins Neto e Lima (2017) analisaram teoricamente os efeitos positivos do gasto público em infraestrutura sobre o crescimento, e estudos empíricos apresentaram evidências desses efeitos (Aschauer, 1989a; 1989b; Greene; Villanueva, 1991; Calderón; Servén, 2004; Perrotti; Sánchez, 2011).
Aschauer (1989a,b) mostrou serem positivas as relações entre o IE, o investimento agregado, a produtividade e a lucratividade do setor privado da economia americana, além de encontrar o crowding in entre investimentos privado e público. Calderón e Servén (2004) alcançaram resultados similares para países da America Latina. Estes autores trabalharam pelo lado da oferta, focando os impactos do IE sobre o crescimento por meio de menores custos de produção e aumentos da produtividade. Para Belloc e Vertova (2004), a complementaridade entre investimento público em infraestrutura e investimento privado envolve não apenas a Produtividade Total do Fatores (oferta), mas também o aumento da demanda, via maior mercado e expectativas de lucros.
Baseando-se na corrente pós-keynesiana, este artigo investiga os efeitos do IE sobre o investimento privado agregado e suas sensibilidades. Para Keynes (1973), o investimento é a variável central da economia, sendo o estado de confiança dos agentes um de seus importantes determinantes, visto que a economia é permeada pela “incerteza fundamental”. As expectativas requeridas para a tomada de decisões de longo prazo, como as decisões de investimento, formam-se com base em convenções (Resende; Terra, 2017). De outro lado, a confiança em um futuro lucrativo é estimulada, entre outros fatores, pela estrutura apropriada de produção, particularmente em termos de infraestrutura, o que contribui para promover o investimento e o crescimento.
Postulam-se neste artigo duas hipóteses: i) a deterioração do estoque de infraestrutura do país fomenta a emergência de convenção negativa que mitiga os níveis do investimento privado; ii) a deficiência em infraestrutura reduz a sensibilidade do investimento privado em relação a cada um dos seus determinantes, como o investimento público, o crédito e as taxas reais de juros e de câmbio, além da própria infraestrutura, com implicações para a política econômica.
A deterioração da infraestrutura gera gargalos crescentes no fornecimento dos seus serviços. Este quadro afeta os custos, a produtividade e a demanda nos diversos setores da economia, com efeitos sobre os lucros esperados, podendo estimular convenções associadas a expectativas “negativas” que deprimem o investimento privado e suas sensibilidades.
Para testar estas hipóteses, utilizamos um painel dinâmico heterogêneo para examinar a causalidade de Granger e os efeitos de longo prazo da infraestrutura sobre o investimento privado entre 1985 e 2013 para seis países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. A opção por estudar a América Latina resulta da deficiência acentuada de sua infraestrutura (Carranza; Melguizo, 2014; Calderón; Servén, 2010).
A próxima seção deste artigo apresenta as relações entre IE, convenções, expectativas, investimento privado e mudanças nas sensibilidades do investimento privado em relação aos seus determinantes. Na seção 3 estão a especificação do modelo de investimento, a metodologia e fonte dos dados. Os resultados empíricos estão na seção 4 e as considerações finais na seção 5.
Para Keynes (1973a), a incerteza refere-se ao estado corrente de escassez de conhecimento sobre futuros complexos. Os indivíduos reconhecem que seu conhecimento é limitado e agem sob influência de convenções. Embora sujeitas a alterações, as convenções ancoram as expectativas à medida que aumentam a confiança dos agentes no cenário futuro conjecturado.
Na literatura pós-keynesiana, convenção é uma crença compartilhada por certo número de indivíduos que reduz a incerteza por permitir antecipar o comportamento dos demais agentes que compartilham a mesma crença1 (Carvalho, 2014). As decisões de gastos dos agentes dependem de sua incerteza e preferência pela liquidez, e determinam a trajetória da economia. Logo, a formação de expectativas visando conjecturar sobre o futuro requer de cada agente a observação sobre as decisões de gastos dos demais agentes, fazendo surgir uma crença compartilhada entre os agentes, isto é, uma convenção (Carvalho, 2014; Resende; Terra, 2017). Para Possas (1993), o comportamento médio dos agentes indica a tendência futura das variáveis relevantes para a tomada de decisão, principalmente se a dispersão em torno da média for pequena. A aceitação do comportamento médio pode ser reconhecida como forma de se tomar decisões com base em expectativas que não estão afastadas dos resultados efetivamente realizados, e pode ser entendida como estratégia de minimização de erros de previsão.
Portanto, convenção é uma crença compartilhada e o comportamento convencional influencia a formação de expectativas dos agentes. Enquanto prevalecer uma convenção, as expectativas (não ergódicas) serão ancoradas, conferindo confiança nas mesmas, afetando o animal spirits dos empresários e o investimento.
Argumentamos neste artigo que a deficiência do IE, ao levar à deterioração da infraestrutura, reduz os lucros esperados e, por isso, promove quedas consistentes do investimento privado, conforme corroborado na literatura (Aschauer, 1989a; 1989b; Calderón; Sérven, 2004, entre outros). O investimento privado e o IE são complementares porque este último contribui para reduções de custos, ganhos de produtividade e aumento da demanda agregada, impactando os lucros esperados. Portanto, na ótica pós-keynesiana, o IE é um dos canais de construção de convenções e coordenação das expectativas empresariais. Sua queda pode deprimir o investimento privado.
Elaboramos outro argumento que, até onde sabemos, não está na literatura: a infraestrutura deteriorada reduz as sensibilidades do investimento privado em relação aos seus determinantes. Por sua vez, a deterioração da infraestrutura está associada a quebras estruturais da série do IE que levam à insuficiência da oferta de infraestrutura e serviços relacionados. Esta hipótese e seu teste empírico são as principais contribuições deste artigo e, se ela estiver correta, a potência da política econômica em estimular o investimento privado via mudanças em seus determinantes fica reduzida quando a infraestrutura está deteriorada.
Nos países latino-americanos a infraestrutura deteriorou-se nos últimos 30 anos. Este processo resultou das reformas dos anos 1990, que afastaram o Estado da responsabilidade de gerar infraestrutura. Como resultado, a ineficiência de portos, produção de energia etc., em relação ao padrão internacional, prejudicou a competitividade e o retorno dos investimentos, influenciando negativamente as convenções e expectativas sobre o futuro. Pode-se aplicar as hipóteses deste trabalho aos países latino-americanos: quebras estruturais da série do IE nestes países levaram à queda do investimento privado e de suas sensibilidades nas últimas décadas.
Embora a literatura teórica e empírica contemple modelos de investimento baseados em distintas correntes econômicas, em geral, os modelos assumem como determinantes do investimento privado a taxa de juros real; o crédito; o investimento público e a taxa de câmbio real. Ainda, os modelos de investimento apresentam variações podendo incluir outros determinantes, como produto agregado e/ou grau de utilização da capacidade produtiva; grau de incerteza (em geral, representado pelas oscilações do nível de preços ou da taxa de câmbio); dívida externa/PIB e carga tributária (Briguglio et al., 2019; Kopp, 2018; Torres; Resende, 2015; Santos; Pires, 2007; Greene; Villanueva, 1991). Conforme Santos e Pires (2007, p. 9), esses modelos “permitem uma miríade de sofisticações não triviais e essencialmente inconclusivas”.
Ademais, parcela da literatura também enfatiza a importância da infraestrutura na determinação do investimento privado. Pelo lado da oferta, o IE afeta toda a economia ao reduzir custos de produção e elevar a produtividade dos fatores, o que favorece o aumento dos lucros que, por sua vez, estimula o investimento privado (Agenór; Canuto, 2012; Calderón; Servén, 2004; Aschauer, 1989a; 1989b). Pelo lado da demanda, os lucros também são estimulados à medida que o IE eleva a demanda agregada diretamente e indiretamente por meio de dois canais: o multiplicador dos gastos e melhoras na distribuição da renda e redução da pobreza (Belloc; Vertova, 2004; Rozas; Sánches, 2004).
Assumindo os determinantes do investimento privado geralmente presentes nos modelos de investimento – crédito, investimento público e taxas reais de juros e de câmbio –, e acrescentando a infraestrutura, argumentamos que a relação destas variáveis com o investimento privado, como também sua sensibilidade a cada uma destas variáveis (seus determinantes), é mediada pela infraestrutura. Esta hipótese é explicada a seguir.
Crédito, infraestrutura e investimento privado: a deterioração do estoque de infraestrutura de uma economia, ao afetar seus custos de produção, a produtividade dos fatores e a demanda agregada, fomenta convenção e expectativas pessimistas sobre os lucros esperados, levando a sua redução. A queda dos lucros esperados, por sua vez, reduz a propensão a investir do setor privado. Neste contexto, o efeito do aumento da oferta de crédito sobre o investimento privado fica mitigado, pois será parcialmente compensado pela queda da propensão a investir. Ou seja, a sensibilidade do investimento privado em relação ao crédito se reduz. Do mesmo modo, o impacto negativo da contração do crédito sobre o investimento privado será reduzido no contexto de uma infraestrutura deficiente, visto que o investimento privado já estará deprimido em decorrência da queda dos lucros esperados proporcionada pela deterioração da infraestrutura, implicando a redução da sensibilidade do investimento privado em relação ao crédito.
Portanto, o canal de transmissão da deterioração da infraestrutura para a redução da sensibilidade do investimento privado em relação ao crédito é a queda do lucro esperado, provocada pela deterioração da infraestrutura. A redução do lucro esperado também atua como canal de transmissão quando se considera os demais determinantes do investimento privado, conforme apontado a seguir.
Taxa de juros, infraestrutura e investimento privado: há dois canais de transmissão entre a deterioração da infraestrutura e a queda da sensibilidade do investimento privado em relação à taxa de juros real, a saber, o canal do lucro esperado e o canal das convenções. No primeiro caso, a queda dos lucros esperados decorrente da deterioração da infraestrutura mitiga a propensão a investir, reduzindo a potência da queda da taxa de juros em estimular o investimento privado. Do mesmo modo, no contexto de infraestrutura deficiente, o aumento da taxa de juros perde potência em inibir o investimento privado visto que ele já estará deprimido em decorrência da queda dos lucros esperados. O canal das convenções é explicado a seguir.
Para pós-keynesianos, o objetivo da política monetária é afetar a curva de juros do sistema financeiro para estimular o investimento privado. Conforme Keynes (1973), a taxa de juros é um fenômeno convencional e a curva de juros depende da resposta dos agentes à política monetária, pois a taxa de juros básica afeta a demanda por moeda devido à especulação. No tocante à taxa de juros e à convencionalidade de sua formação, associada ao nível do estoque de infraestrutura, quanto maior for o nível deste estoque e do IE, ceteris paribus, mais forte será a convenção sobre um futuro promissor, devido aos ganhos de produtividade, redução de custos, elevação da demanda agregada e lucros ascendentes que o IE proporciona (Resende; Terra, 2017). O otimismo que daí emerge promove menor incerteza, aumentando a convergência das expectativas e opiniões dos agentes sobre o nível da taxa de juros (e da curva de juros) assumido convencionalmente como normal2. Assim, a curva de juros ficaria menos volátil e a política monetária se tornaria mais eficiente em rebaixá-la e inseri-la “convencionalmente” nos cálculos de retorno monetário de longo prazo, conferindo maior sensibilidade do investimento privado a variações da taxa de juros básica. Na situação inversa, um baixo nível do estoque e dos IE promoveria maior incerteza associada ao nível da demanda agregada futura, aos ganhos de produtividade, ao futuro grau de especialização produtiva, aos futuros entraves para criação e expansão de economias de escala e de aglomeração viabilizadas pela infraestrutura e, portanto, ao retorno dos investimentos. O ambiente de maior incerteza fomenta maiores discrepâncias nas expectativas dos agentes sobre qual seria a taxa normal de juros e a curva normal de juros. Essas considerações remetem à taxa de juros e à curva de rendimentos maior volatilidade e incerteza no longo prazo, tornando a política monetária menos potente para rebaixar (convencionalmente) a curva de juros, reduzindo assim a sensibilidade do investimento privado em relação à taxa de juros básica. Em suma, quanto maior for a incerteza, menos eficiente será a política monetária para rebaixar a curva de juros, e, então, menor será a sensibilidade do investimento em relação à taxa de juros básica3.
Taxa de câmbio real, infraestrutura e investimento privado: a depreciação da taxa de câmbio real implica o aumento do preço relativo e do lucro no setor de bens comerciáveis (Gala, 2008; Martins Neto; Lima, 2017). Ela estimula o investimento agregado porque, segundo Rodrik (2008), no setor de bens comerciáveis os efeitos negativos de falhas de mercado e fracas instituições sobre o investimento são maiores vis-à-vis o setor de bens não comerciáveis e podem ser compensados pela depreciação cambial, cujo impacto positivo sobre o investimento também ocorre porque, além de apresentarem maior progresso tecnológico e learning-by-doing, as firmas do setor de bens comerciáveis são mais dinâmicas e sujeitas a retornos crescentes de escala, com maior contribuição para a inovação e aumento da produtividade do que as firmas do setor de bens não comerciáveis (Gala, 2008), estimulando os lucros e o investimento agregado. Ademais, Martins Neto e Lima (2017) desenvolvem o modelo em que a desvalorização cambial estimula a mudança estrutural em direção a setores mais produtivos, cujo resultado é o aumento da produtividade da economia e do investimento agregado. Rapetti et al. (2012) também apontam o papel do câmbio competitivo para a mudança estrutural e para o relaxamento da restrição externa ao crescimento, em particular nas economias em desenvolvimento, com efeitos positivos sobre o investimento e o crescimento4.
Argumentamos que a deterioração da infraestrutura causa reduções na sensibilidade do investimento privado em relação à taxa de câmbio real através de dois canais. Conforme já foi comentado, a deterioração da infraestrutura fomenta convenção e expectativas pessimistas e reduz os lucros esperados. Em consequência, o efeito positivo da desvalorização cambial sobre o retorno dos investimentos é parcialmente compensado pela deterioração da infraestrutura, o que mitiga a sensibilidade do investimento privado à mudança cambial. Por outro lado, a apreciação cambial teria seu impacto negativo sobre o investimento reduzido, visto que o investimento privado já estaria deprimido devido à queda dos lucros esperados ensejada pela deterioração da infraestrutura. Portanto, quedas do investimento em infraestrutura e sua consequente deterioração mitigam a sensibilidade do investimento privado às mudanças cambiais.
Um segundo canal por meio do qual a infraestrutura afeta a sensibilidade do investimento privado em relação à taxa de câmbio real está implícito no modelo de Martins Neto e Lima (2017). Neste modelo, a desvalorização cambial resulta também em inflação, decorrente do passthrough da taxa de câmbio e de aumentos salariais envolvidos no processo de crescimento detonado pela mudança cambial, que pode anular o estímulo da desvalorização inicial da taxa de câmbio sobre o investimento. Porém, segundo Martins Neto e Lima (2017), há efeitos diferenciados da política cambial sobre o crescimento condicionados a diferentes níveis de provisão e de IE. Os ganhos de produtividade proporcionados pelo IE são a maneira por meio da qual a complementariedade entre as políticas cambial e de IE acelera o crescimento. No setor de bens comerciáveis, os ganhos de produtividade reduzem a magnitude da desvalorização cambial requerida para acelerar o crescimento econômico, reduzindo o efeito inflacionário do passthrough cambial. No setor de bens não comerciáveis, aumentos de produtividade contribuem para controlar a inflação que é estimulada no processo de crescimento. O controle da inflação reduz a erosão que ela causa nos ganhos decorrentes da mudança cambial, mantendo-se o estímulo da mudança cambial sobre o investimento. Logo, o IE pode elevar a sensibilidade do investimento privado em relação à taxa de câmbio, seja pelo canal do lucro esperado, seja pelo canal dos seus efeitos sobre a produtividade, a inflação e os salários.
Investimento público em infraestrutura e investimento privado: o investimento público em infraestrutura é aceito na literatura como complementar (crowds in) ao investimento privado, o impulsiona direta e indiretamente e contribui para a produtividade da economia (Aschauer, 1989a; 1989b; Calderón; Servén, 2004). Todavia, a deterioração da infraestrutura fomenta convenção e expectativas pessimistas e, portanto, reduz os lucros esperados. Consequentemente, o efeito positivo do investimento público em infraestrutura sobre o retorno esperado dos investimentos é parcialmente compensado pelos efeitos sobre os lucros esperados decorrentes da deterioração da infraestrutura, o que mitiga a sensibilidade do investimento privado em relação ao investimento público em infraestrutura. Do mesmo modo, em contexto de infraestrutura deficiente e deteriorada, reduções do investimento público em infraestrutura perdem potência em inibir o investimento privado, visto que este já estaria deprimido em decorrência da queda dos lucros esperados, proporcionada pela deterioração da infraestrutura. O quadro de um estoque de infraestrutura deficiente mitiga os lucos esperados e, por meio deste canal, reduz a sensibilidade do investimento privado em relação ao investimento público em infraestrutura.
A despeito da hipótese sobre uma relação de causalidade entre IE, convenções e sensibilidades do investimento privado, não há uma relação quantitativa definida entre o estoque de infraestrutura e as sensibilidades do investimento privado. Para ilustrar o argumento, assumiremos um cenário hipotético em que o estoque de infraestrutura é zero. Consequentemente, o retorno esperado do investimento é nulo ou mesmo negativo e o investimento privado não ocorrerá. Nesse cenário, o investimento privado não é afetado por seus determinantes, portanto são nulas as sensibilidades do investimento privado. Porém, se o estoque de infraestrutura se tornar positivo, o retorno esperado e as sensibilidades do investimento privado aumentarão, embora não exista relação quantitativa definida e nem curva contínua relacionando variações do estoque de infraestrutura com variações das sensibilidades do investimento privado, conforme explicado a seguir.
No capítulo 15 da sua Teoria geral, Keynes (1973) considera L2 como a função de liquidez em relação à taxa de juros (r) e M2 como a quantidade de dinheiro mantida para satisfazer o motivo especulação. Segundo Keynes (1973, p. 129, tradução nossa), “um dado M2 não terá uma relação quantitativa definida com uma dada taxa de juros de r” porque esta última é um fenômeno convencional, ou seja,
A taxa de juros de curto prazo é facilmente controlada pela autoridade monetária […] Mas a taxa de longo prazo pode ser mais recalcitrante quando cai para um nível que […] é considerado ‘inseguro’ pela opinião abalizada […] seu valor é amplamente regido pela visão prevalecente sobre o que se espera que seu valor seja
(Keynes, 1973, p. 130, tradução nossa).Ademais, “mudanças na própria função de liquidez, devido a uma […] revisão das expectativas, frequentemente serão descontínuas e, portanto, levarão a uma descontinuidade nas mudanças correspondentes da taxa de juros” (Keynes, 1973, p. 127, tradução nossa). Seguindo o autor, assim como não existe uma relação quantitativa definida entre mudanças nas expectativas e mudanças na preferência pela liquidez, não há uma relação quantitativa definida entre alterações nas expectativas e mudanças no investimento privado. Assim, não existe uma relação quantitativa definida entre as variações do estoque de infraestrutura e as variações das sensibilidades do investimento privado, à medida que estas dependem de convenções.
As sensibilidades do investimento privado provavelmente não serão afetadas por pequenas alterações no estoque de infraestrutura. No entanto, à medida que o IE aumenta continuamente, o estoque de infraestrutura atingirá um nível tal que “é considerado ‘seguro’ pela opinião abalizada para proporcionar aumentos do lucro esperado”. Ou seja, com o aumento continuado do IE, o estoque de infraestrutura atingirá um nível capaz de influenciar as expectativas sobre o retorno do investimento, afetando as sensibilidades do investimento privado. O oposto também é verdadeiro: quedas frequentes do IE levam à contínua deterioração da infraestrutura até se verificar o ponto de reversão das convenções, quando as expectativas sobre o retorno dos investimentos mudam de otimistas para pessimistas. Assim, não existe relação quantitativa definida e não há curva contínua relacionando variações do estoque de infraestrutura com variações das sensibilidades do investimento privado. Mudanças nessas sensibilidades serão frequentemente descontínuas. Quando a deterioração da infraestrutura atinge o ponto de reversão das convenções e expectativas, o investimento privado é parcialmente desconectado dos seus determinantes. Consequentemente, diminui a sensibilidade do investimento privado em relação a cada um dos seus determinantes. Essa hipótese será testada a seguir.
Há na literatura modelos de investimento com distintos substratos teóricos, por exemplo, os modelos Keynesiano e Kaleckiano; do Acelerador dos Investimentos; Acelerador Flexível; Neoclássico do Investimento; da Abordagem de Opções; do Investimento Privado nos Países em Desenvolvimento; e os modelos baseados nos Microfundamentos do Investimento. Segundo Torres e Resende (2015, p. 279) “as estimações desses modelos […] apresentam resultados muitas vezes pouco satisfatórios”. Conforme esses autores, o modelo do Acelerador do Investimento está entre aqueles que produzem o melhor ajustamento dos dados5.
O modelo empírico subjacente a este estudo é desenvolvido conforme o modelo do Acelerador Flexível, adaptado para captar o efeito do estoque de infraestrutura e reformulado para captar o efeito de outros fatores que afetam o investimento privado, como proposto por Blejer e Khan (1984), Ramirez (1994) e Erden e Holcombe (2005)6. Portanto, incluímos o estoque de infraestrutura em nossa versão do modelo do Acelerador Flexível, além das variáveis que, segundo Kopp (2018) e Briguglio et al. (2019), são frequentemente utilizadas: investimento privado defasado (ou utilização da capacidade), taxa de juros real, crédito, investimento público e taxa de câmbio real, além da infraestrutura.
Assumimos que o estoque de capital desejado pelo setor privado no período t é proporcional ao nível esperado de estoque de infraestrutura no período t. A equação da forma reduzida para o investimento privado (Equação 1) incorpora o estoque de infraestrutura e um conjunto de outras variáveis relevantes. Ao adicionar dummies de inclinação, para capturar os efeitos de interação entre o estoque de infraestrutura e os outros determinantes do investimento privado (vetor X), a Equação 1 é expandida para a Equação 2:
Onde Iit = investimento privado do país i no período t; = nível esperado do estoque de infraestrutura do país i no período t; Xt = vetor de outras variáveis relevantes; 0 ≤ α0 ≤ 1; δ = taxa de depreciação do estoque de capital privado; L = operador de defasagem; α0 e γ são coeficientes; ui,t = erro aleatório ou fatores não observados que afetam o investimento privado.
A Equação 2 é a equação estimada neste estudo. A descrição e a fonte dos dados estão no Quadro 1.

Dos parâmetros da Equação 2, α1, α2, α3, ..., α10, o coeficiente α0 representa o efeito não observado do país. ui,t = erro aleatório. DZitRit, DZitRERit, DZitCREDit, DZitIit−1, DZitZit, são as dummies de inclinação (D = 1, para o período em que há quebra estrutural na série de Z e períodos subsequentes – queda acentuada de Z confirmada pelo teste de quebra estrutural –, e D = 0, caso contrário. Se ocorrer uma quebra estrutural que leve à queda de Z no período xt, e se em xt+n, n > 0, Z alcançar seu nível anterior a xt, então a partir de xt+n, D = 0). Se as dummies forem estatisticamente diferentes de zero, terá sido colhida evidência de mudanças nas sensibilidades do investimento privado.
O exercício econométrico é realizado para o período 1985-2013, com dados anuais de seis economias da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Considerando a dificuldade de coletar dados sobre infraestrutura, seguimos a estratégia de Calderón e Servén (2009), por isso, as séries utilizadas abrangem apenas as seis maiores economias latino-americanas. Todas elas apresentam deterioração da infraestrutura no período estudado. Ademais, a literatura reconhece as variáveis explicativas dos modelos de investimento como sendo aplicáveis a qualquer país, enquanto a metodologia de dados em painel tem a vantagem de discriminar diferenças individuais e temporais da amostra. O recorte temporal considerou a disponibilidade dos dados.
Para testar a robustez dos resultados, uma segunda especificação da equação de investimento privado foi adotada, substituindo na Equação 2 a variável Z por ZP = investimento público em infraestrutura em porcentagem do PIB (Quadro 1). Ademais, a variável ZP seria uma proxy para investimento público, de modo que efeitos de crowding in (crowding out) entre investimentos púbico e privado serão testados.
Finalmente, um canal de transmissão relevante dos efeitos da infraestrutura sobre o investimento privado é o lucro esperado (Seção 2). Visto que não existe para os países em análise uma variável que corresponda à medida das oscilações nas expectativas de lucro decorrentes de variações na infraestrutura, mudanças no estoque de infraestrutura, que podem ser medidas, sintetizam oscilações no lucro esperado.
A Equação 2 será determinada por quatro estimadores: mean-group (MG) de Pesaran e Smith (1995), pooled mean group (PMG) de Pesaran et al. (1999), dynamic fixed effects (DFE) e cross sectionally augmented pooled mean group (CPMG), de Binder e Offermanns (2007). O emprego destes estimadores em um painel dinâmico heterogêneo foi adotado por Samargandi et al. (2015), Giesenow e Haan (2019) e Martin (2021).
Pesaran e Smith (1995) e Pesaran e Shin (1999) apresentam o modelo de estimação autorregressivo com defasagens distribuídas (ARDL) como um novo teste de cointegração. O painel ARDL pode ser usado com variáveis de diferentes ordens de integração independentemente de serem I (0) ou I (1) ou uma mistura dos dois, tornando desnecessários os testes de raízes unitárias (Pesaran; Shin, 1999)7. O modelo ARDL, especialmente PMG e MG, fornece coeficientes consistentes, pois inclui defasagens de variáveis dependentes e independentes (Pesaran et al., 1999).
Para examinar a direção da causalidade de Granger entre infraestrutura e investimento privado, empregamos a especificação de dynamic panel error-correction:
Onde i = 1, ..., N representa os países e t = 1, ..., T representa o período de tempo, enquanto Iit e Zit são investimento privado e em infraestrutura em logaritmos, respectivamente. ∆ = operador de primeira diferença, αi = efeitos fixos, k = defasagens, εi,t−1= termo de correção de erro defasado, e uit = termo de erro serialmente não correlacionado com média zero. Os coeficientes = I, Z, representam a dinâmica de curto prazo, enquanto representam a velocidade de ajustamento. É aplicado o estimador PMG para determinar as equações anteriores.
Inicialmente, considerou-se a causalidade de curto prazo testando as hipóteses nulas . A causalidade de longo prazo pode ser identificada testando se o coeficiente do respectivo termo de correção de erro é igual a zero. Finalmente, testa-se para causalidade forte aplicando testes conjuntos, incluindo os coeficientes da variável explicativa e o termo de erro de cada equação.8
O conjunto de procedimentos realizados é: análise gráfica da série do investimento em infraestrutura (IE) e Teste Chow, para adicionar dummies de inclinação à estrutura de regressão; Teste de dependência cross-section (CD) de Pesaran (2004); Testes de estacionariedade (Teste de Maddala e Wu, 1999; Pesaran, 2007; Im et al. 2005), cointegração (Teste de Pedroni, 1999 e Westerlund, 2007); critério Baysiano de Schwartz para estrutura de defasagem; matriz das correlações e estatísticas Variance inflation factor (VIF); Teste heteroskedasticity-robust de Born e Breitung (2016); os estimadores de longo prazo e os testes de causalidade.
As séries da taxa de IE dos países estudados estão no Gráfico 1. A estimação da Equação 2 tomando-se o logaritmo das variáveis permite obter as elasticidades do investimento privado em relação a seus determinantes. Porém, não adotamos este procedimento devido ao grande número de parâmetros do modelo e o tamanho da amostra, que pode impor restrições à escolha de defasagens. Assim, a Equação 2 foi estimada com as variáveis em percentagem, exceto a taxa de câmbio real, utilizada em nível.9 Visto que as variáveis foram mensuradas em percentagem ou em nível, alterações nos coeficientes estimados se referem a mudanças na sensibilidade do investimento privado em reação aos seus determinantes. Executou-se o teste Chow nos anos de quebras estruturais nas séries do IE para adicionar dummies de inclinação à estrutura de regressão (Anexo, Tabela A1).
Nota-se uma quebra estrutural, quase que conjunta, no IE entre 1986 e 1989 (Gráfico 1)10. Nova quebra é observada por volta de 2001, período em que houve crise financeira na Ásia em 1997, Rússia em 1998, Brasil em 1999 e Argentina em 2002. O IE também parece ter uma quebra em 2008-2009, quando se verificou a crise do subprime.
Os resultados dos testes de dependência cross-section CD (Anexo, Tabela A2) mostram que a infraestrutura e o investimento privado são altamente dependentes em todos os países (a hipótese de ausência de correlação é rejeitada a 5% de significância). A variável taxa de câmbio real apresentou ausência de correlação, inclusive quando testada em primeira diferença, ou por meio dos resíduos da regressão geral, com parâmetros heterogêneos.

Os resultados do teste de Im et al. (1997) sugerem que todas as variáveis são integradas de ordem um I(1). Considerando o teste Im et al. (2005), aplicado apenas para , a hipótese nula de raiz unitária foi aceita com intervalo de confiança de 95%.11
A Tabela A3 (Anexo) apresenta os testes de cointegração de painel de primeira e segunda geração de Pedroni (1999) e Westerlund (2007). Os resultados dos quatro testes que compõem o procedimento proposto por Westerlund (2007) sugerem a rejeição da hipótese nula de não cointegração (10% de significância estatística). Isto é, os testes sugerem relação de longo prazo entre as séries das variáveis infraestrutura e investimento privado nos países selecionados. O teste de Cointegração de Pedroni (1999) alcança o mesmo resultado.
Em relação aos estimadores de longo prazo, com base no critério Baysiano de Schwartz, impomos a seguinte estrutura de defasagem (1,1,1,1,1,1,1,1,1,1) para , , , , , , e dummies de inclinação. A matriz das correlações e estatísticas variance inflation factor (VIF) mostra que as correlações são aceitáveis. Os testes VIF mostram que não há problema de multicolinearidade: os valores são inferiores a 1012. Apenas a dummy DZZ apresentou um VIF de 12.04 em nível, mas em primeira diferença reduz para 2.40, na especificação de curto prazo13.
A validade da restrição de homogeneidade de longo prazo entre os países e a eficiência do estimador PMG sobre os outros estimadores são examinadas pelo teste de Hausman (Tabela 1). Como esperado, este teste validou a hipótese nula de restrição de homogeneidade de longo prazo nos regressores, indicando PMG como estimador mais eficiente que MG ou DFE14. Conforme Favara (2003), para N pequeno, o estimador MG é sensível a outliers e pequenas variações, portanto, sensível ao número de dummies empregadas à estrutura de regressão neste artigo. Como a hipótese de homogeneidade da inclinação foi aceita empiricamente, discute-se e apresenta-se apenas os resultados de longo prazo.

Segundo os estimadores MG e DFE, nenhum dos coeficientes é estatisticamente diferente de zero, razão pela qual analisaremos somente os resultados obtidos com os estimadores PMG e CPMG (Tabela 1)15. O parâmetro da velocidade de ajuste associado ao estoque de capital privado defasado é representado por (1 − α0). O parâmetro estimado, (1 − α0)It−1, em cada um dos modelos (PMG e CPMG), foi significativo e positivo, como esperado. A velocidade de ajuste (α0) foi estimada em 0.313 e 0.241 para PMG e CPMG, respectivamente, sugerindo longo período de ajustamento do capital investido.
O coeficiente estimado do IE foi positivo e significativo a 1%, como esperado. Um aumento em Z eleva a taxa de investimento do setor privado: os coeficientes estimados são 11,9 e 1,28, segundo os estimadores PMG e CPMG, respectivamente. O coeficiente estimado da taxa de juros apresentou sinal negativo e é significativo, segundo o estimador CPMG; entretanto, o sinal é positivo conforme o estimador PMG.16 O coeficiente estimado da taxa de câmbio real é significativo a 1%, mas seu valor é muito pequeno. Por fim, um aumento do crédito doméstico privado aumenta o investimento privado: os coeficientes estimados são 0,98 e 0,27 e significativos, segundo os estimadores PMG e CPMG, respectivamente.
Os coeficientes estimados das dummies DZIt1, DZR, DZRER, DZCRED e DZZ indicam se há alteração dos coeficientes angulares nos períodos de redução do IE associada a quebras estruturais na série de Z. Espera-se que reduções no estoque de infraestrutura promovam quedas nas sensibilidades do investimento privado em relação a seus determinantes17.
Considerando os estimadores PMG e CPMG, o sinal estimado da dummy para o investimento privado defasado não foi o esperado. Não obstante, seu valor é muito baixo, sendo 0,13 e 0,01, respectivamente. O coeficiente estimado da dummy para a taxa de juros real, DZR, é significativo nas abordagens PMG e CPMG. No primeiro caso, a soma dos coeficientes de R e DZR mostra uma relação inversa entre taxa de juros e investimento privado, conforme esperado. Na abordagem CPMG a sensibilidade do investimento privado em relação à taxa de juros eleva-se nos períodos de queda do IE, ao contrário do esperado. O coeficiente da dummy para a taxa de câmbio real permanece com valor próximo a zero, conforme os estimadores PMG e CPMG, não sendo significativo na abordagem PMG.
A variável dummy para crédito privado (DZCRED) apresentou coeficiente significativo e sinal positivo para PMG e CPMG. Esperava-se em princípio um sinal negativo. Contudo, as economias da amostra sofrem historicamente com ausência de mecanismos privados de financiamento de longo prazo, o que implica apoiar-se no “autofinanciamento” e no crédito público, sendo estas as únicas fontes para tal modalidade de funding nestas economias. Ou seja, no caso de DZCRED, a explicação para este resultado pode ser o fato de que o IE, ou o seu aumento, é financiado com crédito público subsidiado exatamente quando o estoque de infraestrutura está bastante deteriorado. Neste caso, o sinal de DZCRED deveria ser positivo, pois espera-se que a resposta do investimento privado ao aumento do crédito privado seja maior quando há estímulos ao investimento privado oriundos dos segmentos produtivos afetados direta ou indiretamente pelas obras de infraestrutura financiadas com crédito público subsidiado.
Finalmente, segundo o estimador CPMG, o coeficiente da dummy para o IE (DZZ) é significativo e apresenta sinal negativo, conforme esperado, indicando que nos períodos de queda do IE ocorre redução da sensibilidade do investimento privado em relação ao próprio IE. Visto que grande parte do IE é realizado pelo governo e que parcela significativa do investimento público corresponde a IE, pode-se considerar que este resultado sugere a queda da sensibilidade do investimento privado em relação ao investimento público nos períodos de deterioração da infraestrutura – mais de 60% dos IE realizados nas últimas décadas nos seis países em análise são investimentos públicos (Calderón; Servén, 2010).18 Nestes períodos, esta sensibilidade se reduz: o coeficiente estimado do IE cai de 1,28 para 1,019, conforme o estimador CPMG. Resultado semelhante é encontrado quando se considera o estimador PMG, porém, embora o coeficiente estimado de DZZ seja negativo e significativo, conforme esperado, o seu valor é superior em termos absolutos ao valor do coeficiente de Z. Neste caso, nos períodos de deterioração da infraestrutura, aumentos em Z implicariam reduções no investimento privado, sugerindo crowding out entre o IE e o investimento privado.
Na Tabela 1, o parâmetro estimado referente à velocidade de ajustamento é negativo em todos os casos. Cerca de 4,1 e 0,99 períodos (PMG e CPMG, respectivamente) serão requeridos para o investimento privado retornar ao equilíbrio, caso ele desvie da linha de regressão – tomando como (1/0.244) e (1/1.014).
Em suma, os resultados dão suporte à hipótese de que os IE (Z) têm impactos positivos sobre o investimento privado. Ademais, as variáveis taxa de juros real, câmbio real e crédito privado afetam o investimento privado. Quanto à hipótese de que quedas (quebras estruturais) no IE afetam as sensibilidades do investimento privado aos seus determinantes, os resultados apontam para a significância estatística das dummies de interação com o investimento privado defasado, a taxa de juros real, o crédito privado, a taxa de câmbio real e o próprio IE, segundo o estimador PMG e/ou o CPMG. Contudo, apenas para os coeficientes das dummies do crédito privado e do IE encontrou-se o sinal esperado – para a dummy da taxa de câmbio real o coeficiente estimado é praticamente zero. No caso da dummy de interação com o crédito privado, explica-se seu sinal positivo pelo aumento do financiamento público subsidiado para IE nos períodos em que o estoque de infraestrutura está deteriorado – nestes períodos, obras de infraestruura financiadas pelo governo estimulam o investimento privado nos segmentos produtivos afetados direta ou indiretamente por elas, tornando-o, então, mais sensível ao crédito privado.
Finalmente, é analisada a causalidade de Granger entre o investimento privado e o IE (Tabela 2). Constatou-se relação de causalidade de Granger bidirecional entre infraestrutura e investimento privado em todos os três casos: curto e longo prazo e causalidade forte. Na análise de curto prazo, infraestrutura Granger causa investimento privado com significância estatística de 5%. Os coeficientes defasados das respectivas variáveis indicam que a infraestrutura (12.769) tem maior impacto no investimento privado do que o contrário (-0.0249), este último com nível de significância acima dos 10% e valor próximo a zero. Quando se considera que a infraestrutura causa o investimento privado no longo prazo e que o investimento privado causa a infraestrutura no curto prazo, a significância estatística ficou acima de 10%.

O investimento privado gera efeito negativo sobre o IE no longo prazo, com valor absoluto do coeficiente muito baixo (-0.0178) e velocidade de ajuste SR (ECT) de (1/-0.4921) de aproximadamente dois anos para retornar ao equilíbrio após o choque ocorrer.
Os resultados para o teste de causalidade usando abordagem para dados em painel seemingly unrelated regression (SUR), em que as pertubações entre as equações podem ser correlacionadas e gerar estimativas eficientes, corroboram com os primeiros resultados, porém com valor do coeficiente de infraestrutura menor (1.388). Em todos os casos, a significância estatística foi de 1%. Por fim, o último procedimento indica relação de causalidade de Granger bidirecional entre infraestrutura e investimento privado19.
Para testar a robustez dos resultados encontrados, uma segunda especificação da equação de investimento privado foi adotada substituindo na Equação 2 a variável Z por ZP= investimento público em infraestrutura em porcentagem do PIB20. A variável ZP é uma proxy para investimento público. Executou-se o teste Chow nos anos de quebras estruturais nas séries da taxa de ZP para adicionar dummies de inclinação à estrutura de regressão. Constatou-se a presença de quebras nos mesmos anos verificados para a variável Z21. Os resultados da estimação estão na Tabela 322.

Os resultados são muito semelhantes aos da Tabela 1. O investimento público em infraestrutura afeta positivamente o investimento privado a 1% de significância estatística, sugerindo crowding in entre investimentos público (em infraestrutura) e privado. Conforme os resultados associados ao estimador PMG, também são significativas a 1% as variáveis investimento privado defasado, crédito e taxas de juros e de câmbio. Os resultados associados ao estimador CPMG são muito parecidos. Ademais, para ambos os estimadores, o coeficiente estimado da dummy DZp apresenta o sinal esperado, é significativo a 1% e mostra redução da sensibilidade do investimento privado em relação ao investimento público em infraestrutura nos períodos de queda desta variável associada a quebras estruturais na sua série (ZP), enquanto o crowding in entre investimentos público e privado permanece válido também nestes períodos.
A causalidade de Granger entre o investimento privado e o investimento público em infraestrutura foi analisada. Constatou-se relação de causalidade de Granger bidirecional entre estas variáveis em todos os três casos: curto e longo prazo e causalidade forte. Os resultados do teste de causalidade usando a abordagem SUR corroboram com os primeiros resultados23.
O objetivo deste artigo foi elaborar e testar as hipóteses de que a deterioração da infraestrutura de um país inibe o investimento privado e reduz suas sensibilidades aos seus determinantes. Os resultados encontrados para países latino-americanos sugerem que o estoque de infraestrutura possui impactos positivos e significativos sobre o investimento privado, indicando ser o investimento em infraestrutura condição para o crescimento de longo prazo.
A hipótese de que quedas (isto é, quebra da série) do IE reduzem as sensibilidades do investimento privado em relação aos seus determinantes foi parcialmente corroborada visto que os coeficientes das dummies do crédito privado e do IE (e de ZP) foram significativos e mostraram o sinal esperado – ou seja, os resultados devem ser vistos com cautela, mas não permitem rejeitar a hipótese citada. Para a dummy de interação com o crédito privado, seu sinal positivo é explicado pelo aumento do financiamento público subsidiado para IE nos períodos em que o estoque de infraestrutura está deteriorado. Ou seja, segmentos do setor privado que participam direta ou indiretamente das obras de infraestrutura financiam parte de seus investimentos com crédito privado a partir do estímulo dado às suas atividades pelo aumento dos investimentos em infraestrutura via crédito público subsidiado. Neste caso, há um crowding in entre crédito público para IE e crédito privado para investimento privado. Por fim, a sensibilidade do investimento privado em relação ao IE (e a ZP, proxy para investimento público) se retrai nos períodos de quebra da série do IE, confirmando a hipótese deste artigo.
Em suma, a contínua deterioração da infraestrutura de um país pode resultar em uma convenção negativa, a qual determinará, em conjunto com a criatividade e imaginação dos agentes, suas expectativas sobre o retorno dos investimentos, afetando as sensibilidades do investimento privado em relação aos seus determinantes. Neste caso, será reduzida a potência da política econômica em estimular o investimento privado via mudanças em seus determinantes – crédito, taxa de juros, investimento público etc. Gargalos crescentes no fornecimento de infraestrutura afetam a produtividade, os custos de produção, as expectativas de demanda e de lucro, com implicações deletérias sobre o investimento e o crescimento a longo prazo.










