Resumo: Ensaio teórico a respeito da gestão escolar, no qual, são convidados alguns autores para teorizar e discutir sobre o tema. Chamamos, inicialmente, Agnes Heller e alguns de seus leitores, pois ela discute questões relacionadas à vida cotidiana que, podem fundamentar a discussão da gestão escolar. E, também, Licínio Carlos Lima, Andy Hargreaves e seus colaboradores, bem como Juan Casassus e professores da Universidad Javeriana, em Bogotá, Colômbia. Neste texto, a discussão acerca da gestão escolar considera, especialmente, o diretor de escola de Educação básica, aqui designado de gestor escolar. Discutimos, como a gestão democrática foi introduzida no sistema estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, assim como a importância de alargarmos a discussão de gestão democrática de forma a abranger inclusão.
Palavras chave: Gestão Escolar, Diretor Escolar, Relações de Bem-Estar na Escola Pública, Inclusão Escolar, Gestão Democrática.
Abstract: This is a theoretical essay on school management in which various authors are invited to theorize and discuss the topic. Initially, Agnes Heller and some of her readers are called upon as she discusses issues related to everyday life that can provide a basis for discussing school management. Additionally, Licínio Carlos Lima, Andy Hargreaves, and his collaborators, as well as Juan Casassus and professors from Universidad Javeriana, Bogotá, Colombia, are invited. In this text, the discussion of school management particularly considers the school principal of elementary Education, here referred to as the school manager. We discuss how democratic governance has been introduced into the state Education system of Rio Grande do Sul and the importance of broadening the discussion on democratic management to encompass inclusion.
Keywords: School Management, School Principal, Well-Being Relationships in Public Schools, School Inclusion, Democratic Management.
Resumen: Ensayo teórico acerca de la gestión escolar, en el cual invitamos algunos autores para teorizar y discutir sobre el tema. Llamamos, inicialmente, Agnes Heller y algunos de sus lectores, pues ella discute cuestiones relacionadas a la vida cotidiana que pueden fundamentar la discusión acerca de la gestión escolar. Y, también, Licínio Carlos Lima, Andy Hargreaves y sus colaboradores, así como Juan Casassus y profesores de la Universidad Javeriana, Bogotá, Colombia. En este texto, la discusión acerca de la gestión escolar considera, especialmente, el director de la escuela de Educación básica, aquí designado gestor escolar. Discutimos cómo la gestión democrática fue introducida en el sistema estadual de Enseñanza de Rio Grande do Sul, así como la importancia de ampliar la gestión democrática de forma a alcanzar la inclusión.
Palabras clave: Gestión Escolar, Relaciones de Bien-Estar en la Escuela Pública, Inclusión Escolar, Gestión Democrática.
ARTIGO
Gestão escolar: fundamentação e discussões acerca da gestão democrática
School management: foundations and discussions on democratic management
Gestión escolar: fundamentación y discusiones acerca de la gestión democrática
Recepción: 21 Junio 2024
Aprobación: 24 Febrero 2025
Para Heller1 (2000, p. 27), “a vida cotidiana é heterogênea”, pois solicita as capacidades das pessoas em várias direções, “mas nenhuma capacidade com intensidade especial”. A vida cotidiana é, também, homogeneizadora, o que significa, para Heller (2000, p. 27, grifo da autora), que “concentramos toda nossa atenção sobre uma única questão e suspenderemos qualquer outra atividade durante a execução da tarefa anterior; e, por outro lado, que empregamos nossa inteira individualidade humana na resolução dessa tarefa”. O grupo de pesquisadores da Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá, Colômbia, dirigido pelo doutor Teodoro Peréz Peréz, em 2002, na obra “Para construir una convivencia democrática”, afirma que:
La vida de toda persona transcurre [...] en un complejo tejido de interacciones que envuelven todo su estado de vigilia. [...] Este vivir y convivir rutinario, reiterativo y heterogêneo es la vida cotidiana. Y en ese vivir la cotidianidad con otros es donde se realiza la aprehensión de la cultura, en donde el individuo se socializa [...] (Peréz Peréz, Bermúdez, 2002, p. 75).
Patto (1993, p. 124) afirma que Heller resgata a pessoa, o sujeito, referindo-o centralmente ao processo histórico, e focaliza que o indivíduo comum “não é um indivíduo abstrato ou excepcional, mas sim o indivíduo da vida cotidiana, isto é, o indivíduo voltado para as atividades necessárias à sua sobrevivência”. Portanto, pode-se entender o diretor escolar, que tem um compromisso com sua sobrevivência, mas também com questões mais amplas, vinculadas à vida e ao ser de todas as pessoas humanas; assim como, com a legislação e demais normas do sistema de Ensino ao qual se vincula.
Patto (1993) discute a obra de Heller (2000) e analisa os papéis desempenhados pelas pessoas nas escolas. Aqui, interessa-nos discutir as funções do gestor escolar, sendo que essas, para Patto (1993, p. 129), com base em Heller (2000), podem constituir “relações mecânicas”. Afirma Patto (1993, p. 129) que o homem pode se fragmentar em “papéis, pode ser devorado neles e por eles viver a estereotipia dos papéis de uma forma limitadora da individualidade”. Ressalta Patto (1993, p. 129) que “as relações sociais degradam-se à medida em que os sistemas funcionais da sociedade vão se estereotipando e os comportamentos se convertem em papéis [...] [quando se aliena a interioridade humana, que é uma propriedade característica do homem]”. Pelas palavras de Heller (2000, p. 94):
Na medida em que os modos de comportamento se convertem em papéis estereotipados, as transformações se mantêm como meras aparências [...].
Quanto mais se estereotipam as funções de “papel”, tanto menos pode “crescer” o homem até a altura de sua missão histórica, tanto mais infantil permanece.
Ao se generalizarem, os comportamentos de tipo “papel” modificam a função de dever-ser na vida cotidiana. No dever-ser, revela-se a relação do homem inteiro com seus “deveres”, com suas vinculações, sejam elas econômicas, políticas, morais ou de outro tipo.
O gestor escolar, como todas as outras pessoas, tem uma vida cotidiana. Destacamos, com base em Heller e, concordando com Duarte (1999, p. 32), que “as atividades diretamente voltadas à reprodução do indivíduo, através da qual, indiretamente, contribuem para a reprodução da sociedade, são consideradas cotidianas”. Assim, “atividades que estão diretamente voltadas para a sociedade, ainda que indiretamente, contribuam para a reprodução do indivíduo” (p. 32), não são consideradas cotidianas e, sim, não cotidianas.
No caso do diretor de escola, o ato de abrir as atividades de cada dia letivo, são de sua vida cotidiana, e da vida cotidiana das escolas,
en la vida cotidiana el individuo participa con todos los componentes de su personalidad. Allí se ponen de presente sus habilidades, su intelecto, sus sentidos, su saber, sus sentimientos y sus pasiones, en una compleja heterogeneidad de actividades y de acciones (Peréz Peréz, Bermúdez, 2002, p. 76).
“As objetivações genéricas em-si formam a base da vida cotidiana”, como, por exemplo, costumes, crenças, um modo de conhecer, a linguagem, os instrumentos e objetos que usamos. “As objetivações genéricas para-si formam a base dos âmbitos não-cotidianos da atividade social e são constituídas pela ciência, pela arte, pela filosofia, pela moral e pela política” (Duarte, 1999, p. 33, grifo nosso).
No caso do diretor escolar, o Parecer do Conselho Nacional de Educação no 4, aprovado em 11 de maio de 2021, que define a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar (BNC-Diretor Escolar), estabelece as competências gerais e específicas do diretor e do vice-diretor escolar, documento que os caracteriza como responsáveis pela gestão escolar, com o que concordamos. Dentre as competências gerais, observa-se a ênfase no trabalho coletivo e da equipe de profissionais da escola e a referência explícita, na oitava competência, à gestão democrática. Assim como, na décima competência, à autonomia e à tomada de decisões com base em princípios democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Quanto às competências específicas, entretanto, há, não apenas, definição de quatro dimensões: político-institucional, pedagógica, administrativo-financeira e pessoal e relacional. Essas dimensões são de responsabilidade dos gestores escolares. Mas o detalhamento de cada uma das competências específicas, bem como uma descrição e várias atribuições, também, específicas em cada uma delas, indicando o que deve ser feito pelo diretor e vice (Brasil, 2021). De nosso ponto de vista, e com base em Heller (2000), esse extremo detalhamento pode conduzir à estereotipia dos papéis.
Ora, sabemos que o diretor e o vice-diretor “não podem prescindir do plano de relações mecânicas constituído pelos papéis” (Patto, 1993, p. 129). Mas também precisam, conscientemente, fugir da estereotipia dos papéis que limitam a individualidade, para tomarem decisões e agir não como burocratas, apegados às listagens de papéis ou a definições externas que preestabelecem um papel para todos os diretores escolares. Sejam de escolas rurais ou urbanas. De escolas que atendem populações empobrecidas ou escolas que atendem grupos plenamente participantes do mundo capitalista. Escolas grandes e com matrículas numerosas e escolas pequenas, com poucas matrículas. A BNC-Diretor Escolar não pode impedir que o diretor e o vice-diretor, no exercício de seus papéis, percebam características do contexto escolar e a situação de vida dos estudantes e dos professores da escola. Bem como da comunidade a que a escola atende e, mais que isso, tomem decisões em favor do humano genérico. Com isso, queremos reforçar que a gestão escolar não pode ser empobrecida, deixando-se “engolir pelos papéis e pela imitação” (Patto, 1993, p. 129) e não buscando, conscientemente, crescer e realizar seu “compromisso humano-genérico” (Patto, 1993, p. 130).
Assim, reafirmamos que o papel do diretor e do vice, com tantas especificações, como no Parecer CNE no 4/21, tomado, como afirma Patto (1993, p. 130), “um dever-ser externamente imposto, conduz ao empobrecimento, à atrofia das possibilidades humanas”, e, tendo em vista a discussão acerca da gestão escolar, conduz ao mal-estar nas escolas (aqui nos pautamos pela mensagem do livro de Hargreaves e Shirley, “Bem-estar nas escolas”, publicado em 2023).
Patto (1993, p. 129) afirma, em seu artigo publicado em “Perspectivas”, que “a vida cotidiana é, dialeticamente, o lugar da dominação e da rebeldia ou revolução”. No que coincide com Licínio Carlos Lima, quando ele cunha a expressão “infidelidade normativa”, “referindo-a como contraponto ao normativismo burocrático [...] [afirmando, inclusive, que há] diferentes formas de infidelidade” (Lima, 1991, p. 146). Em princípio, a infidelidade normativa, na temática da gestão escolar, é uma forma de os diretores e vice-diretores, considerando as condições da escola, dos alunos, dos professores e todos os que nela atuam, responderem, autonomamente, a normas externas, se contrapondo às possíveis relações mecânicas, que pudessem ser impostas a eles, como atores das escolas.
Diz Patto (1993, p. 131, grifo nosso), referindo-se a Agnes Heller: “Além de recusar a concepção funcionalista de papel, Heller (2000) assinala a impossibilidade de manipulação sem limites dos homens. Mesmo daqueles que se identificam plenamente com seus papéis”, pois sempre existe um “ponto limite [...], no qual deixam de ser objetos e se transformam em sujeitos”. Nessa mesma direção, de impossibilidade infinita de manipular os homens, Lima (1991, p. 147) reafirma que a infidelidade normativa que referimos anteriormente, “do ponto de vista dos actores e da ação organizacional” é um contraponto à ação cega que atende explícita e totalmente a normas externamente construídas.
Voltando para as características da ação cotidiana, segundo Heller (2000, p. 30, grifo do autor): “A espontaneidade é a tendência de toda e qualquer forma de atividade cotidiana”. Ressalta Heller (2000, p. 30) que: “Na maioria das formas de atividade da vida cotidiana, as motivações do homem não chegam a se tornar típicas, ou seja, as motivações em permanente alteração estão muito longe de expressar a totalidade, a essência do indivíduo”, pois o indivíduo atua na base da possibilidade, da probabilidade, uma vez que no cotidiano não temos como calcular a consequência de todas as nossas ações. Conforme Heller (2000, p. 31, grifo da autora), “O pensamento cotidiano orienta-se para a realização de atividades cotidianas e, nessa medida, é possível falar de unidade imediata de pensamento e ação na cotidianidade”.
Podemos relacionar esse conteúdo às atividades realizadas pelo gestor escolar, e com o título de um pequeno texto publicado: “CEO ou bombeiro: como definir um gestor escolar” (2023). É bastante comum ouvir de diretores, de escolas públicas de Educação Básica, que sua ação profissional, inúmeras vezes, é assolada por um ativismo intenso, eles se sentem como bombeiros que têm muitos incêndios a apagar.
Por outro lado, afirma Heller (2000, p. 32) “a atividade prática do indivíduo só se eleva ao nível da práxis quando é atividade humano-genérica consciente [...]”. Assim, no caso do gestor escolar dos nossos dias, do século XXI, ele cumprirá sua missão histórica, quando agir voltado para objetivações genéricas em si, ou, dizendo de outra forma, realizar atividades conscientemente em direção à perspectiva humano-genérica, como, por exemplo, do que chamamos de gestão democrática, ou outra forma do gestor escolar responder às situações muito carenciadas que encontrar, entre o corpo discente ou entre outros colaboradores de sua instituição.
[...] na unidade viva e muda de particularidade e genericidade, ou seja, na cotidianidade, a atividade individual não é mais do que uma parte da práxis, da ação total da humanidade que, construindo a partir do dado, produz algo novo, sem com isso transformar em novo o já dado (Heller, 2000, p. 32).
“O pensamento cotidiano é um pensamento fixado na experiência, empírico e, ao mesmo tempo, ultrageneralizador. [...] O pensamento cotidiano implica também em comportamento” (Heller, 2000, p. 43). Assim, a vida cotidiana não é práxis e o pensamento cotidiano não é teoria. No caso do gestor escolar, a imagem do “bombeiro” bem ilustra esse pensamento cotidiano.
Heller (2000, p. 5) refere vários valores, como a liberdade, a universalidade, a consciência, a socialidade, e “tudo aquilo que, em qualquer das esferas e em relação com a situação de cada momento, contribua para o enriquecimento [...] [de tais] componentes essenciais” ou contribua para o humano-genérico, ou seja, tenha um caráter humanizador.
No caso do gestor escolar, e distanciando-se do “bombeiro”, a discussão de gestão democrática, e do Projeto Político Pedagógico, em termos de seus conteúdos e de seus processos de elaboração, precisam aproximar-se do humano genérico, e não podem ser consideradas apenas sob uma concepção mecanicista. Pois, conforme as épocas históricas, os valores dependem de dois elementos; quais sejam, realidade e possibilidade, pois o “Critério de desenvolvimento de valores não é apenas a realidade, mas também sua possibilidade”, afirma Heller (2000, p. 9).
No caso da gestão democrática, no Brasil, durante os 20 anos de ditadura militar, a gestão democrática não foi nem realidade, nem possibilidade. Com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no 9.393/1996, a gestão democrática se tornou possibilidade. Embora tenha que ser ampliada como possibilidade em várias realidades e para todos os municípios brasileiros. Considerando a possibilidade de participação dos professores no Projeto Político Pedagógico, a instituição de Colegiados e Associações Escolares e a revisão dos processos de indicação de diretores de escola. Por outro lado, a gestão democrática continua sendo um valor que, no âmbito escolar brasileiro, precisa ser desenvolvida, fortalecida e constantemente recriada; é uma demanda constante no âmbito educacional em termos de sua realidade, fortalecimento e desenvolvimento.
Em sua obra, “Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski”, Duarte (1999), considera que a Educação Escolar faz a mediação entre a vida cotidiana e os âmbitos não cotidianos da atividade social. Duarte (1999, p. 32), fundamentado em Agnes Heller, diferencia atividades cotidianas e não cotidianas, e esclarece que cotidiano não é sinônimo de dia a dia.
As atividades diretamente voltadas para a reprodução do indivíduo, através da qual, indiretamente, contribuem para a reprodução da sociedade, são consideradas atividades cotidianas. Aquelas atividades que estão diretamente voltadas para a reprodução da sociedade, ainda que indiretamente contribuam para a reprodução do indivíduo, são consideradas não-cotidianas.
As objetivações genéricas em-si, conforme afirmamos anteriormente, são produzidas por meio de processos que não exigem reflexão sobre a origem e o significado de tais objetivações; como, por exemplo, a linguagem, usos e costumes, pois as objetivações em-si são a base da vida cotidiana. “Esse significado [de tais objetivações] é dado naturalmente pelo contexto social” (Duarte, 1999, p. 33). Entretanto, como afirma Duarte (1999, p. 33), “O processo de constituição da esfera das objetivações genéricas para-si foi um grande avanço na humanização do gênero humano”. Nessa direção, figura a manutenção e ampliação da gestão democrática no âmbito da escola básica.
No caso do Rio Grande do Sul e, fazendo um parêntese na discussão teórica da gestão escolar para discutir a situação do Estado, vamos retomar historicamente a criação dos Conselhos Escolares nas escolas estaduais, os quais apontam para o valor da gestão democrática. Este parêntese é importante, pois retoma alguns acontecimentos históricos relacionados à gestão democrática do sistema de Ensino estadual do Rio Grande do Sul, além de enfatizar, ao lado de pautas de greves de caráter mais sindical, a pauta educacional e democratizante que mobilizou e ainda mobiliza os atores da rede escolar estadual.
No capítulo intitulado “Participação Popular: a escola como alvo do terceiro setor”, de Calderón e Marim, publicado na coletânea organizada por Donaldo Bello de Souza e Lia Ciomar Macedo de Faria, pela DP&A, em 2003, os autores afirmam: “A criação do Conselho de Escola é resultado de uma longa e dura luta política que se estende ao longo dos anos 80. [...] A participação popular no início dos anos 1980 esteve centrada no âmbito local” (Calderón, Marim, 2003, p. 213). Foi isso que aconteceu no Rio Grande do Sul. Nesse período, a escolha dos diretores de escolas estaduais dependia da vontade política do governante de turno na gestão estadual. Entretanto, a participação do magistério público estadual do Rio Grande do Sul (RS) foi “um elemento imprescindível e necessário [...] para a construção democrática” (Calderón, Marim, 2003, p. 213). Em outras palavras, no caso gaúcho, o magistério estadual manifestou-se por meio de greves.
No Rio Grande do Sul, durante o regime militar e, especialmente, ao longo da década de 1980, ocorreram várias reivindicações e lutas entre o magistério público estadual e o governo. Na greve de 1990, o magistério público estadual do RS reivindicava uma gestão mais democrática. A partir do acordo entre o magistério e o governo do estado, foi criada uma comissão (Bulhões, Abreu, 1992) para elaborar os anteprojetos de lei relativos à criação dos Conselhos Escolares e à eleição de diretores, que, até então, era feita por escolha do governador dentre uma lista tríplice apresentada pelas escolas. Essa comissão foi constituída por representantes da Secretaria Estadual de Educação, do Centro de Professores do RS, da União Gaúcha de Estudantes Secundaristas, da Associação de Diretores de Escolas do Rio Grande do Sul e da Federação de Círculos de Pais e Mestres (Werle, 2003). Em decorrência do trabalho dessa Comissão, foram sancionadas a Lei no 9.232/1991, sobre os Conselhos Escolares, e a Lei no 9.233/1991, relativa à eleição direta de diretores escolares. Os anteprojetos elaborados pela Comissão foram “aprovados pela Assembleia Legislativa em janeiro de 1991” (Bulhões, Abreu, 1992, p. 77).
Posteriormente, no governo de Antônio Britto (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB), foi criada a Lei no 10.576/1995, que dispõe sobre a Gestão Democrática do Ensino Público e dá outras providências. Essa lei foi alterada por vários instrumentos legais, como a Lei no 13.990, de 15 de maio de 2012, e a Portaria da Secretaria de Educação (Seduc) no 117/2022, que refere à excepcionalidade do ano de 2022 devido à pandemia de covid-19, entre outros documentos legais. A Lei no 10.576/95 consolida e confirma o valor da gestão democrática da escola pública.
No final da década de 1980, a Constituição Federal de 1988 explicita que o Ensino será ministrado com base em princípios que, seguindo a discussão inicial deste artigo e, com base em Heller (2000), designamos como valores, dentre os quais o da gestão democrática do Ensino público, o que é reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/1996), bem como na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 1989 e na Lei no 10.576/1995.
Na Constituinte Estadual, foram conquistados importantes dispositivos relativos à democratização da educação, como: [...]; o repasse trimestral de verbas para as escolas; [...]; a eleição direta e uninominal dos diretores das escolas estaduais pela comunidade escolar; a formação dos Conselhos Escolares [...] (Bulhões, Abreu, 1992, p. 72).
Avançando no diálogo com autores e na busca de fundamentação teórica da gestão escolar democrática, chamamos Fullan e Hargreaves (2006, p. 43), que, na obra “La escuela que queremos”, argumentam em favor de escolas totais e de um profissionalismo interativo do professor, o qual decorre da “aplicação de uma habilidade, uma experiência e um saber acumulados nas circunstâncias específicas e variáveis da classe: sua capacidade para tomar decisões autorizadas e informadas no meio rapidamente mutante da aula”. Para Fullan e Hargreaves (2006, p. 52), escolas totais são aquelas que “valorizam, desenvolvem e apoiam o critério e o saber de todos seus docentes na busca comum pela melhoria”, ou seja, escolas que acreditam e valorizam o trabalho em equipe, tomado como um valor relevante para a escola pública atual.
Em diálogo com inúmeros outros autores, Fullan e Hargreaves (2006, p. 141) afirmam que “é essencial o papel do diretor em sustentar o profissionalismo interativo e promovê-lo. Isso incluirá ajudar os docentes a compreender sua própria situação e adquirir os conhecimentos e meios para melhorar”. Dentre uma lista de “oito diretrizes” para o diretor escolar apresentadas por Fullan e Hargreaves (2006, p. 142), destacamos: “promover a colaboração, não o recrutamento; propor alternativas, não dar ordens; utilizar os recursos burocráticos para facilitar, não para obstaculizar; conectar-se com o meio externo”. Fullan e Hargreaves (2006, p. 142) destacam a capacidade de discernimento que os diretores devem ter: “Os diretores escolherão uma combinação de ações apropriadas às circunstâncias em que se encontram”, o que converge com Heller na crítica que esta autora faz aos papéis predeterminados externamente, exercidos sem criatividade e sem dar importância à percepção das necessidades do meio.
Na obra “Liderança Sustentável”, Hargreaves e Fink (2007, p. 16) discutem a sustentabilidade e a responsabilidade como uma necessidade tanto em relação ao ambiente natural, quanto no mundo corporativo, destacando a importância de “aplacar a demanda esmagadora por resultados instantâneos” por elementos que levem à padronização, à competição, à busca de um único modelo para todos e à exaustão das equipes no mundo atual. Para os sistemas e redes de Ensino, bem como para as direções de escolas, valem algumas recomendações:
A educação pública não deveria ser tratada como um negócio temporário que busca produzir resultados rápidos e lucros intermináveis, [...]. Ao contrário, como um processo quase universal que molda as gerações do futuro, a educação deveria ser tratada como um dos empreendimentos mais duradouros de todos [...]. Sustentabilidade não é apenas uma metáfora emprestada da ciência ambiental. É um princípio fundamental para se enriquecer e preservar a riqueza e a interconectividade de toda a vida, e o aprendizado encontra-se no coração da vida de alta qualidade (Hargreaves, Fink, 2007, p. 17, grifo nosso).
Algumas atitudes são indispensáveis para que se instaurem mudanças sustentáveis na Educação, como reduzir o excesso de testagem padronizada, tornar-se menos punitivo com relação ao baixo desempenho escolar e restaurar a diversidade educacional (Hargreaves, Fink, 2007, p. 21-22). Eles destacam que a sustentabilidade educacional se relaciona à “capacidade de um sistema de se engajar nas complexidades do aprimoramento contínuo consistente com valores profundos de propósito humano” (p. 23).
Aqui, podemos relacionar a mensagem de Hargreaves e Fink (2007) com o que Heller indica como missão humana, ou ações não cotidianas fundamentadas em valores (como punir menos o baixo desempenho escolar, restaurar e valorizar a diversidade na sociedade e na escola), que criam “benefícios positivos para os outros e à nossa volta, agora e no futuro” (p. 23).
Hargreaves e Fink (2007) apresentam sete princípios da sustentabilidade, cada um deles desenvolvido nos diversos capítulos da obra, os quais citaremos a seguir: “Princípio 1: A liderança sustentável é importante. Ela preserva, protege e promove o aprendizado amplo e profundo para tudo o que está relacionado ao cuidado dos outros” (p. 31), o que envolve “altas expectativas para todos os estudantes, especialmente para os menos favorecidos, são essenciais” (p. 49); “Princípio 2: A liderança sustentável dura. Preserva e faz avançar os mais valiosos aspectos do aprendizado e da vida ao longo do tempo, ano após ano, de um líder para o próximo” (p. 59), pois “líderes não são ilhas no tempo [...] A melhoria sustentável que importa e dura depende da compreensão e da administração deste processo de liderar ao longo do tempo” (p. 61). Ademais, todas as empresas, [e também as escolas e sistemas de Ensino] deveriam ter um plano de sucessão (p. 62), bem como entender que “um dos melhores meios de assegurar uma sucessão bem-sucedida [...] [é] distribuir e desenvolver a liderança de forma que os sucessores surjam mais prontamente e assumam com mais facilidade” (p. 85); “Princípio 3: A liderança sustentável se difunde. Sustenta, assim como depende da liderança de outros” (p. 91). A distribuição da liderança não se confunde com delegação. Além disso, lembram Hargreaves e Fink (2007):
A liderança em escola não é limitada ao diretor ou, mesmo, aos seus professores. Ela se estende por indivíduos, comunidades e redes, verticalmente, por meio de camadas organizacionais. Ninguém precisa distribuir a liderança em uma escola [...] A liderança existe por toda parte, através do tempo e do espaço [...] (p. 120).
“Princípio 4: A liderança sustentável não prejudica, mas ativamente melhora o ambiente à sua volta, encontrando modos de compartilhar o conhecimento e os recursos com as escolas vizinhas e com a comunidade local” (Hargreaves, Fink, 2007, p. 129), pois “a liderança sustentável é liderança socialmente justa”, “para servir e promover o bem de todos” (p. 141); “Princípio 5: A liderança sustentável promove [e requer] diversidade [que, se é] coesa, [...] evita padronização [...] Ela propicia e aprende com a diversidade e cria coesão e trabalho em rede entre seus componentes ricamente variados” (p. 145). Ela leva ao aumento da colaboração e de parcerias, tendo em vista o aprendizado e rendimento para o todo, a favor da “diversidade cultural de nossos estudantes, a diversidade profissional de nossos professores e a diversidade organizacional de nossas escolas” (p. 166); “Princípio 6: A liderança sustentável desenvolve e não esgota recursos materiais e humanos. Renova a energia das pessoas [...] é liderança prudente e engenhosa que não desperdiça nem seu dinheiro nem seu pessoal” (p. 171). Assim, engenhosidade [...] “envolve a disposição de reconhecer e de responder a ambas as visões [sustentabilidade e desenvolvimento sustentável quanto ao] nosso relacionamento com o planeta, com seu povo e com seu desenvolvimento” (p. 172); “Princípio 7: A liderança sustentável respeita e constrói sobre o passado em sua busca por criar um futuro melhor” (p. 199).
Consideramos importantes todos esses sete princípios, os quais, no quadro teórico de Heller, chamamos de valores. Hargreaves e Fink referem também que há esferas da liderança sustentável, quais sejam: esfera nacional, estadual e municipal, e lembram que “líderes sustentáveis são humanos” (2007, p. 238).
Na obra já referida anteriormente, “Bem-estar nas escolas”, de Hargreaves e Shirley (2023), os autores apresentam modelos para uma postura positiva frente à vida e à Educação, como, por exemplo, o Modelo PERMA de Seligman (Hargreaves, Shirley, 2023, p. 22), que inclui elementos como: “Engajamento; Relacionamento, o qual implica em conexões autênticas; Significado, ou existência com um propósito; Realização, envolvendo a sensação de sucesso; e, por fim, Emoções”, de forma que as pessoas possam sentir-se bem. Hargreaves e Shirley apresentam várias situações voltadas ao bem-estar nas escolas, mediante descrições detalhadas das ocorrências. Assim, por exemplo, descrevem o alcance de altos níveis de bem-estar entre estudantes cujos professores investiram neles, incluindo que os diretores de tais estabelecimentos: visitavam as salas de aula e “encorajavam os estudantes [...] [a manterem] relacionamentos saudáveis uns com os outros” (p. 23). O estudo baseia-se em diversos autores e traz exemplos de vários países, afirmando: “Com a possível exceção de Cuba, todas as sociedades – mesmo as nações escandinavas – são caracterizadas por alguma medida de desigualdade” (p. 85). “As sociedades com menos desigualdade econômica são países com fortes recordes de bem-estar entre crianças e adultos. [...]. As diferenças de rendimento e riqueza são menores [...]. A qualidade de vida é valorizada e os serviços de saúde estão disponíveis para todos” (p. 86). Ademais, “Os sistemas escolares são construídos com base na cooperação e na confiança na democracia e no profissionalismo, e não em modelos de responsabilidade de mercado de concorrência, impostos externamente” (p. 86).
Consideramos de extrema relevância esta observação para uma gestão democrática: que os sistemas escolares, como um todo, pratiquem, em seus diferentes níveis, a cooperação e a confiança entre os diferentes agentes, pois,
Se quisermos mais bem-estar para muitas famílias e estudantes nas escolas e sociedades – não apenas para alguns [...] – precisaremos criar sociedades que sejam mais iguais. Teremos que reduzir as disparidades de rendimento e riqueza e não apenas as disparidades de desempenho educacional (Hargreaves, Shirley, 2023, p. 87).
Bem sabemos o quanto a sociedade brasileira precisa trabalhar intensamente para reduzir as desigualdades e ser mais inclusiva. Hargreaves e Shirley (2023, p. 89) fazem coro com outros autores: “Combater a desigualdade significa mudar o sistema. Isso significa ter de olhar para seu próprio privilégio [de riqueza]”; podemos conseguir maior segurança na qualidade de vida de todos, afirmam Hargreaves e Shirley (2023, p. 90), se atentarmos para cinco aspectos:
investir no setor público, incluindo a educação pública, a fim de ajudar a reconstruir a economia; fornecer ajuda aos estudantes vulneráveis, aumentar a igualdade e a oportunidade, criar programas de treinamento vocacional de alto nível, e ensinar os jovens sobre a existência da ética do imposto sobre a riqueza e a evasão de impostos [bem como] a evasão fiscal. [...]. É tempo de enfrentar o privilégio da riqueza, além do privilégio dos brancos.
Juan Casassus, em seu livro “La escuela y la (des)igualdad”, publicado em 2003, destaca a importância dos processos que ocorrem no interior da escola em relação ao desempenho escolar dos alunos, no qual “los factores relativos a los docentes son bastante robustos” (Casassus, 2003, p. 148), assim como os relativos aos diretores, que “afectan positivamente la autonomía de Gestión (pero en mucho menor grado que la autonomía de los docentes en sus aulas) y su liderazgo”. Com base em pesquisa, Casassus (2003, p. 148) afirma que o mais importante “es el clima emocional que se genera en el aula” (p. 149). Ademais, e em segundo lugar, é relevante a percepção dos docentes quanto às causas do desempenho de seus alunos, e, por fim, ele atribui muita importância à gestão das práticas pedagógicas, “de manera que las aulas se organicen abiertas a la diversidad, sin ningun tipo de segregación ya sea por inteligencia, raza o género” (p. 150), o que são aspectos apontados por vários autores aqui referidos.
Casassus (2003) apresenta dez características de escolas que favorecem as aprendizagens, dentre as quais destacamos algumas: “hay autonomía en la gestión de la escuela; los docentes tienen autonomía profesional y asumen la responsabilidad por el éxito o el fracaso de sus alumnos; no hay segregación de ningún tipo; el ambiente emotivo es favorable al aprendizaje” (Casassus, 2003, p. 152). Concordando com vários autores, Casassus (2003, p. 153) destaca que é nas interações que se situa o elemento mais importante da Educação, o qual tem grande impacto no rendimento escolar.
Portanto, são questões relevantes para as quais devem estar atentos os gestores escolares, que objetivam alcançar maior qualidade na Educação. As escolas devem valorizar e promover o trabalho coletivo entre as equipes constituídas pelos diversos atores nas escolas, especialmente com o corpo docente, bem como dedicar esforços em termos de sustentabilidade, que é, como dizem Hargreaves e Fink (2007), um princípio fundamental para manter e enriquecer a vida na face da Terra. Ademais, os gestores e as equipes escolares precisarão envidar esforços para não haver nenhum tipo de segregação ou discriminação nas escolas, em prol de uma inclusão e diversidade mais intensas, tendo em vista que é um conjunto de fatores que promove uma maior democratização nas relações escolares. Acentua-se que a liderança nas escolas não se limita à ação dos gestores, pois ela também é protagonizada pelos professores. Ela ocorre por camadas organizacionais, como dizem Hargreaves e Fink (2007).
Ao discutir a gestão democrática, acompanhamos Boaventura de Sousa Santos, em 2001, que discute o paradigma dominante, o qual valoriza a quantificação, e o paradigma emergente, o qual é interpretativo e que “tende a ser um conhecimento não dualista, [...] como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa” (Santos, 2001, p. 40). Por meio do paradigma interpretativo, o diretor e o vice atuarão em prol da gestão democrática, sustentável, bem como da cultura voltada para a inclusão, demonstrando a importância das escolas se tornarem e se manterem, constantemente, um ambiente de bem-estar e de ausência de normativismo impositivo.
Da mesma forma, acompanhamos Lessard e Carpentier (2016, p. 11, grifo nosso) quando afirmam:
Os agentes, estejam eles em que nível do sistema educativo estiverem, são, em graus variáveis, ‘autores’ de políticas, na medida em que, obrigados a participarem, apropriarem-se delas e ao aplicá-las na prática, os atores procedem à retomada delas. Essa dinâmica é particularmente forte na educação, onde qualquer aplicação na prática implica uma interpretação e uma tradução.
Ou seja, a obra de Lessard e Carpentier (2016, p. 10) acentua que estamos presenciando uma “guinada da aplicação na prática”, a qual diminui o foco da elaboração e da decisão política para dar “uma maior atenção à sua aplicação em campo” e às estratégias que os diversos atores elaboram em seus contextos, bem como os efeitos e resultados das políticas mediante as práticas. Essa ideia de “guinada para a prática” não se coaduna com expressões referidas às políticas como se pudessem ser implementadas “naturalmente”.
Assim, a gestão que se propõe a ser democrática demanda uma discussão que considere, predominantemente, o paradigma emergente, que valoriza a convivência e o compartilhamento de percepções, bem como a aplicação na prática das políticas educacionais, a qual conta com a realidade dos textos legais, mas também com as possibilidades de colaboração e as limitações e dificuldades de cada um dos atores escolares e de cada instituição escolar e seu contexto, pois “La vida cotidiana se presenta como una realidad interpretada por los seres humanos, teniendo para ellos [...] [um] significado subjetivo” (Peréz Peréz, Bermudez, 2002, p. 80).
Aqui também fazemos referência e um elo entre a vida cotidiana e a gestão democrática:
En la vida cotidiana se crean y recrean de manera continua y sistemática las redes de conversaciones que generan la cultura, lo que conlleva a que los seres humanos participen de forma activa en su reproducción [...] Dentro de la estructura de la vida cotidiana se establecen diversas conversaciones según la dinámica del emocionar que circule en la comunidad. [...] Por ejemplo, solo en la cotidianidad se puede vivir la dominación, [...] la competencia, la colaboración, la equidad o el respeto. [...] Es en la cotidianidad donde se forja el sistema social que se constituye cuando las personas que participan en una red de conversaciones operan en aceptación de respeto mutuo (Peréz Peréz, Bermudez, 2002, p. 81).
Falar de aplicação na prática e de redes de conversações exige processos de consulta, discussão e valorização de opiniões. Se, anteriormente, a gestão democrática voltava-se predominantemente para documentos legais referentes à eleição de diretores e à criação de colegiados no âmbito escolar, hoje entendemos que sim, mantém-se a importância da gestão democrática que vive por meio de processos de eleição de diretores e criação de Conselhos Escolares, mas acentua-se a necessidade de a escola e seus atores comprometerem-se com processos de inclusão, para que a inclusão se torne uma realidade nos sistemas de Ensino e na sociedade. A escola precisa assumir-se como inclusiva e não racista, praticando o respeito às pessoas, valorizando e escutando o que elas têm a dizer.
Para uma gestão democrática, é necessário defender a escola pública e gratuita como direito de todos. Inclui também debater a estratégia de composição das turmas nas escolas e suas consequências para a efetivação do direito à Educação pública e gratuita. Faz-se igualmente necessário visualizar o próprio papel na sociedade como ator de políticas educacionais, pois, na escola e na sala de aula, damos vida e reinventamos as políticas.
Nessa linha de defesa da escola pública, gratuita, inclusiva e democrática, dizemos NÃO à homeschooling, por considerá-la um retrocesso para os processos participativos que se voltam para a inclusão e não aceitam a exclusão. A escola precisa refletir e discernir para se posicionar frente a essas correntes, como a homeschooling.
É relevante divulgar e discutir abertamente que não são as pessoas em situação de discriminação pelo seu desempenho funcional que devem se adaptar à escola, mas a instituição escolar que precisa se adaptar, em suas metodologias, às necessidades das pessoas em situação de discriminação pelo seu desempenho funcional. Discutir que o processo de inclusão pressupõe o reconhecimento das diferenças leva à evidência de como as pessoas e as instituições se enriquecem ao conviver. Como afirmam Peréz Peréz e Bermudez (2002, p. 85), “la Educación nunca puede ocurrir en el aislamiento [...]”. Ademais, “los ambientes de relación se convierten en una estrategia fundamental para generar cultura democrática, por cuanto es en la práctica donde se realiza la finalidad educativa. Los ambientes educativos son nuevas cotidianidades [...]” (Peréz Peréz, Bermudez, 2002, p. 87).
É importante que, na defesa da escola pública, democrática e justa, lembremos que “La comunicación humana tiene dos dimensiones: hablar y escuchar” (Peréz Peréz, Bermudez, 2002, p. 95), ou seja, precisamos interagir com os outros, para o que as dimensões de escutar e falar são relevantes. Na defesa da escola pública, democrática e justa, é necessário desestabilizar hierarquias e processos de hierarquização e discriminação nos sistemas de Ensino e, especialmente, nas salas de aula.
Conclusivamente, e para fechar este ensaio, ressaltamos que precisamos enfrentar grandes desafios, dentre os quais considerar o contexto de cada escola e provocar processos de respeito à diversidade, voltados para a inclusão de todos, com qualidade, sem esquecer da importância e necessidade da gestão democrática.
Quando falamos em escolas contextualizadas, consideramos que as escolas têm raízes profundas com seu meio, com a comunidade local, com sua região, com o nacional e também com o espaço internacional. Quando falamos em escolas contextualizadas, referimo-nos àquelas que estão cientes das diferentes realidades dos sujeitos que a compõem e compõem a sociedade. Referimo-nos àquelas que buscam a igualdade de oportunidades, sem discriminação, de forma que estudantes e docentes aprendam uns com os outros. Essa escola não marginaliza, não exclui e não hierarquiza, mas percebe, apoia, considera e valoriza a diversidade.
Portanto, podemos afirmar que, na busca de uma sociedade inclusiva e democrática, a escola deixa de ser apenas um local de eficiência técnica, de planejamento racional voltado predominantemente para metas quantitativas, mas busca constantemente tornar-se um espaço de acolhimento, de respeito à diversidade, de fala e de escuta, para a inclusão de todos. Assim, os desafios das escolas hoje estão relacionados à cultura escolar, que não seja predominantemente individualista e competitiva, mas um local onde se pratica o trabalho em equipe, onde todos consideram os outros e aprendem, pelo compartilhamento de experiências; uma cultura escolar que não discrimine, não hierarquize, mas respeite as diferenças e busque constantemente a valorização de todos.
Podemos dizer que a escola democrática é dinâmica, inclusiva e de qualidade, e é um lugar onde se trabalha com empenho, dedicação, bem como com compromisso e responsabilidade coletiva. Nela, o gestor escolar tem um papel relevante, convencido de que não trabalha sozinho, buscando, continuamente, tornar cada vez mais real e presente a gestão democrática.