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CÂNULA NASAL DE ALTO FLUXO PÓS-EXTUBAÇÃO TRAQUEAL EM CRIANÇA COM OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS SUPERIORES: RELATO DE CASO

HIGH-FLOW NASAL CANNULA POST-TRACHEAL EXTUBATION IN A CHILD WITH UPPER AIRWAY OBSTRUCTION: CASE REPORT

José Colleti Junior *
Hospital Santa Catarina, Brazil
Tâmara Eleamen Longui
Hospital Municipal Menino Jesus, Brasil
Werther Brunow de Carvalho
Universidade de São Paulo, Brazil

CÂNULA NASAL DE ALTO FLUXO PÓS-EXTUBAÇÃO TRAQUEAL EM CRIANÇA COM OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS SUPERIORES: RELATO DE CASO

Revista Paulista de Pediatria, vol. 36, núm. 3, pp. 372-375, 2018

Sociedade de Pediatria de São Paulo

Recepção: 14 Março 2017

Aprovação: 18 Junho 2017

RESUMO

Objetivo: Relatar o caso de um lactente que necessitou de intubação traqueal no setor de emergência pediátrica por conta de laringite aguda grave e que, após a extubação traqueal programada, fez uso, com sucesso, da cânula nasal de alto fluxo, a qual, possivelmente, evitou a falha da extubação traqueal.

Descrição do caso: Paciente masculino, 8 meses de idade, admitido no pronto atendimento de pediatria com desconforto respiratório agudo por causa de obstrução alta de vias aéreas secundária à laringite aguda grave. Foi imediatamente intubado e encaminhado para a unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica. Apresentou falha de extubação em função de edema importante de laringe evidenciado por broncoscopia, o que contraindicou a extubação. Na segunda tentativa de extubação, o paciente apresentou desconforto respiratório, melhorando após uso da cânula nasal de alto fluxo, com redução da frequência cardíaca e respiratória, possibilitando a extubação com sucesso.

Comentários: O uso da cânula nasal de alto fluxo foi eficaz e apresentou boa resposta nesse paciente com laringite aguda, sugerindo ser um possível adjuvante para o tratamento, evitando-se a piora do quadro respiratório e da necessidade de reintubação.

Palavras-chave: Laringite aguda+ Cânula nasal de alto fluxo+ Extubação traqueal.

ABSTRACT

Objective: To report a case of a patient who required tracheal intubation in a pediatric emergency department due to acute laryngitis and that, after the planned extubation, has successfully used the high-flow nasal cannula, which possibly prevented extubation failure.

Case description: A male 8-month-old child was admitted to the pediatric emergency room with acute respiratory distress due to a high airway obstruction secondary to severe acute laryngitis. He was immediately intubated and referred to the pediatric intensive care unit. He presented extubation failure due to a significant laryngeal edema evidenced by bronchoscopy. In the second attempt to extubate, he presented respiratory distress, but, after the use of the high-flow nasal cannula, he became stable, reducing the heart and respiratory frequencies, and the extubation was successful.

Comments: The use of the high-flow nasal cannula was effective and presented good response in this patient with acute laryngitis, suggesting that it is a possible adjuvant for the treatment, avoiding worsening respiratory conditions and the need for reintubation.

Keywords: Acute laryngitis, High flow nasal cannula, Tracheal extubation.

INTRODUÇÃO

A laringite aguda, em geral, é causada por infecção viral de vias aéreas superiores. Acomete predominantemente crianças de 6 meses aos 3 anos de idade, com pico de incidência aos 2 anos, principalmente no sexo masculino.1 Os agentes etiológicos mais comuns são os vírus parainfluenza, influenza, metapneumovírus, adenovírus, coronavírus e o vírus sincicial respiratório.1,2 A infecção tem início na nasofaringe e dissemina-se pelo epitélio respiratório, causando inflamação da porção subglótica da laringe. A congestão e o edema dessa região acarretam grau variável de obstrução da via aérea, restringindo a entrada do fluxo de ar e ocasionando dificuldade respiratória.1,2,3 Em 24 a 48 horas, acentua-se o quadro com obstrução leve a grave, com presença de tosse ladrante, disfonia, afonia ou choro rouco e estridor inspiratório. Nos casos extremos, além de intensa dispneia e agitação, surgem palidez, cianose, torpor, convulsões, apneia e morte.2

A cânula nasal de alto fluxo é uma modalidade alternativa de administração de gases medicinais, com fornecimento de oxigênio e ar aquecidos e umidificados em fluxos que variam, em pediatria, de 1 a 2 L/kg e que tem sido empregada para suporte ventilatório em diversas condições clínicas.4,5,6,7,8,9

Relatamos o caso de um paciente, no setor de emergência pediátrica, que necessitou de intubação traqueal em razão de laringite aguda grave e que, após a extubação traqueal programada, fez uso, com sucesso, da cânula nasal de alto fluxo, o que, possivelmente, evitou a necessidade de reintubação traqueal.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 8 meses de idade, pesando 11 kg, residente na cidade de São Paulo (São Paulo), foi admitido no pronto atendimento de pediatria com quadro de estridor inspiratório laríngeo associado à retração de fúrcula esternal e subdiafragmática, sendo classificado como grave (escore 11) na escala de Westley (Quadro 1). Evoluiu com insuficiência respiratória aguda grave, apresentando frequência respiratória (FR) de 70 incursões por minuto (icm) e frequência cardíaca (FC) maior que 200 batimentos por minuto (bpm), necessitando de intubação traqueal e sendo encaminhado para a unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica.

Escala de Westley para avaliação clínica da laringite aguda.
Quadro 1
Escala de Westley para avaliação clínica da laringite aguda.
Classificação: leve (<3); moderada (3 a 5); grave (>6).

Como antecedente pessoal, a criança nasceu de parto cesáreo, a termo, e ficou intubado por 17 dias na UTI pediátrica em função de desconforto respiratório precoce. Apresentou falha de extubação traqueal por desconforto respiratório alto naquela internação, evoluindo sem intercorrências após esse período.

Na UTI pediátrica, foi introduzida dexametasona (0,6 mg/kg/dia) no primeiro dia da internação, e o paciente permaneceu em ventilação mecânica, necessitando de suporte ventilatório: fração inspirada de oxigênio (FiO2): 0,25; tempo inspiratório: 0,79 segundos; FR: 30 ipm; pressão positiva expiratória final: 5 cmH2O; pressão de suporte: 14 cmH2O; pressão controlada: 16 cmH2O; e volume corrente: 85 mL. Continuou intubado, em uso de midazolam (0,2 mg/kg/h) e fentanil (2 mcg/kg/h), sem necessidade de medicação vasoativa e mantendo-se clinicamente estável. Seis dias após a internação, foi realizada broncoscopia flexível para avaliar as condições da mucosa antes de indicar a extubação, já que o paciente se encontrava intubado havia seis dias sem sinais de escape ventilatório pericânula traqueal. A broncoscopia revelou “edema importante de mucosa, envolvendo a cânula intratraqueal” (Figura 1), sendo optado pela manutenção da cânula traqueal, sem progressão da broncoscopia pela traqueia. Manteve-se o lactente intubado, estável, em uso de dexametasona e medicamentos para sedação e analgesia. Sete dias após a broncoscopia, ele demonstrou sinais de escape pela cânula traqueal, evidenciados pela ausculta e percebidos no monitor do aparelho de ventilação (Servo-i®, Maquet, Rastatt, Alemanha). Realizada nova broncoscopia flexível para extubação supervisionada. A broncoscopia apontou “laringe com discreto edema de parede posterior, havendo boa mobilização de pregas vocais e escape de ar entre a cânula traqueal e laringe”.

Imagem da broncoscopia evidenciando o edema de mucosa (seta) envolvendo a cânula orotraqueal e a sonda enteral.
Figura 1
Imagem da broncoscopia evidenciando o edema de mucosa (seta) envolvendo a cânula orotraqueal e a sonda enteral.

Para programação da extubação traqueal, foi realizado raio-X de tórax, que não exibiu anormalidades nem gasometria arterial (pH: 7,50; pO2: 120 mmHg; pCO2: 32 mmHg; bicarbonato de sódio: 21 mEq/L; excesso de base: +1; SatO2: 98%). Realizada a extubação traqueal e iniciado uso de cateter nasal de oxigênio com 2 L/minuto, apresentando-se leve estridor laríngeo, com melhora após inalação com duas ampolas de adrenalina (1:1.000) e, em seguida, outra inalação com uma ampola de budesonida (0,25 mg). Após 48 horas da extubação, o paciente evoluiu com quadro de insuficiência respiratória aguda grave, com estridor laríngeo importante, batimento de asa de nariz e aumento da FC até 167 bpm e FR de 39 ipm, sendo indicada nova intubação traqueal. Optou-se por iniciar suporte com cânula nasal de alto fluxo (Optiflow Junior®, Fisher & Paykel, Auckland, Nova Zelândia) a 15 L/minuto, FiO2: 25%, com melhora significativa do quadro respiratório, bem como redução da FC e da FR (Figura 2). O lactente seguiu confortável na cânula nasal de alto fluxo, evitando-se a reintubação traqueal.

Redução da frequência cardíaca e da frequência respiratória após a utilização da cânula nasal de alto fluxo (seta pontilhada).
Figura 2
Redução da frequência cardíaca e da frequência respiratória após a utilização da cânula nasal de alto fluxo (seta pontilhada).

O paciente permaneceu em cânula nasal de alto fluxo por nove dias, evoluindo com melhora do quadro de desconforto respiratório alto. Foi feita a transição da cânula nasal de alto fluxo para a nebulização com oxigênio a 2 L/minuto por mais um dia, recebendo alta para a enfermaria de pediatria em boas condições clínicas.

Antes da alta, como o paciente apresentou quadro de estridor laríngeo persistente e em virtude da história pregressa de intubação por 17 dias e falha de extubação no período neonatal, foi realizada nova broncoscopia flexível para investigação de sequelas em vias aéreas, evidenciando “hiperemia de laringe e região subglótica com edema e superfície granulosa”.

DISCUSSÃO

Neste relato, o paciente apresentou quadro de laringite aguda grave e beneficiou-se do uso da cânula nasal de alto fluxo no período pós-extubação traqueal, em razão de sinais de obstrução de via aérea persistente após 15 dias de intubação traqueal, evitando-se possíveis sequelas de reintubação traqueal.

A obstrução das vias respiratórias é um dos problemas mais comuns em serviços de atendimento médico pediátrico e resulta em morbidade significativa.3 Na laringite aguda, o diagnóstico é clínico, e o tratamento varia de acordo com o grau de gravidade. A escala de Westley é utilizada para classificação de gravidade.2 Esse paciente foi classificado com 11 pontos, sendo considerado grave, e recebeu os cuidados necessários no setor de emergência pediátrica.

É importante notar que o lactente foi submetido à intubação traqueal no setor de emergência, o que, associado ao tempo prolongado de intubação traqueal no período neonatal, pode ter contribuído para a persistência do edema glótico e da dificuldade na extubação traqueal. Faz-se pertinente considerar a possibilidade de o paciente ter um problema latente advindo do período neonatal, resultado de uma intubação traqueal prévia, visto que, na laringite aguda, uma revisão de Gelbart et al. mostrou que o tempo médio de intubação traqueal é de 60 horas.10

Quando a intubação traqueal ocorre no setor de emergência, é importante que o médico mais experiente do plantão realize a intubação traqueal, pois o edema associado à agitação pode dificultar o procedimento. Em situações em que não há sucesso em uma pronta intubação traqueal, o edema pode se agravar, impossibilitando novas tentativas. Nesses casos, é fundamental que o serviço médico tenha um protocolo de acesso à via aérea que envolva as equipes de anestesia e/ou otorrinolaringologia e que contemple a realização de traqueostomia de urgência ou cricotireotomia.3,11,12,13

A cânula nasal de alto fluxo apresenta um mecanismo de ação que, embora não completamente esclarecido, tem sido imputado à melhora na troca gasosa por depurar o espaço morto e provocar pressões faríngeas positivas, que podem, até certo ponto, ser transmitidas às vias aéreas distais e proporcionar baixo nível de pressão expiratória positiva.4,5,9

No caso apresentado, o paciente fez uso da cânula nasal de alto fluxo e obteve benefício com melhora do padrão respiratório, o que possivelmente evitou a reintubação traqueal e as complicações dela decorrentes. O uso da cânula nasal de alto fluxo foi eficaz e apontou boa resposta na laringite aguda, sugerindo ser um possível adjuvante para o tratamento, evitando-se a piora do quadro respiratório e da necessidade de reintubação. Há estudos em adultos que comparam o uso da cânula nasal de alto fluxo versus a ventilação não invasiva na extubação traqueal e evidenciam que a cânula nasal de alto fluxo não é inferior à ventilação não invasiva, porém esses estudos não tratam especificamente da laringite aguda.14 Desconhecemos na literatura médica relatos do uso da cânula nasal de alto fluxo para essa finalidade.

São necessárias mais investigações em pacientes com obstrução de vias aéreas superiores para avaliar o uso da ventilação não invasiva no período pós-extubação traqueal.

REFERÊNCIAS

1. Gelbart B, Parsons S, Sarpal A, Ninova P, Butt W. Intensive care management of children intubated for croup: a retrospective analysis. Anaesth Intensive Care. 2016;44:245-50.

2. Johnson DW. Croup. BMJ Clin Evid. 2009;10:0321.

3. Dawson K, Cooper D, Cooper P, Francis P, Henry R, Isles A, et al. The management of acute laryngo-tracheo-bronchitis (croup): a consensus view. J Paediatr Child Health. 1992;28:223-4. Erratum in: J Paediatr Child Health. 1992;28:342.

4. Mikalsen IB, Davis P, Oymar K. High flow nasal cannula in children: a literature review. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2016;24:93.

5. Lee JH, Rehder KJ, Williford L, Cheifetz IM, Turner DA. Use of high flow nasal cannula in critically ill infants, children, and adults: A critical review of the literature. Intensive Care Med. 2013;39:247-57.

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9. Kawaguchi A, Yasui Y, deCaen A, Garros D. The Clinical Impact of Heated Humidified High-Flow Nasal Cannula on Pediatric Respiratory Distress. Pediatr Crit Care Med. 2017;18:112-9.

10. Gelbart B, Parsons S, Sarpal A, Ninova P, Butt W. Intensive care management of children intubated for croup: a retrospective analysis. Anaesth Intensive Care. 2016;44:245-50.

11. Helm M, Hossfeld B, Jost C, Lampl L, Böckers T. Emergency cricothyroidotomy performed by inexperienced clinicians--surgical technique versus indicator-guided puncture technique. Emerg Med J. 2013;30:646-9.

12. Schibler A, Franklin D. Respiratory support for children in the emergency department. J Paediatr Child Health. 2016;52:192-6.

13. Colleti Jr J, Tannuri U, Lora FM, Benites EC, Koga W, Imamura JH, et al. Case Report: Severe acute respiratory distress by tracheal obstruction due to a congenital thyroid teratoma. F1000Res. 2015;4:159.

14. Hernández G, Vaquero C, Colinas L, Cuena R, González P, Canabal A, et al. Effect of postextubation high-flow nasal cannula vs noninvasive ventilation on reintubation and postextubation respiratory failure in high-risk patients: a randomized clinical trial. JAMA. 2016;316:1565-74.

Notas

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Autor notes

*Autor correspondente. E-mail: colleti@gmail.com (J. Colleti Junior).

Declaração de interesses

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver conflito de interesses.
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