Resumo: O estudo que deu origem a este artigo teve como objetivo conhecer o trabalho e a saúde de docentes de universidades públicas do ponto de vista sindical. Para tal, realizou-se pesquisa de cunho qualitativo com a participação dos membros da direção regional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior do Rio de Janeiro. Realizaram-se entrevistas individuais com perguntas abertas em um roteiro semiestruturado de questões. No que tange à análise dos materiais das entrevistas, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, mais específicamente a análise temática, tendo sido identificados cinco eixos empíricos de discussão: mudanças do papel da universidade e a relação com o modelo de Estado; precarização do trabalho em universidades públicas; intensificação do trabalho docente e produtividade acadêmica; ação sindical e saúde do trabalhador; e mudanças necessárias no trabalho docente. Constatou-se uma concepção de saúde, do ponto de vista sindical, que pode ser interpretada como movimento permanente de emancipação coletiva, afastando-se das acepções centradas nos indivíduos e em abordagens estritamente biomédicas. Trata-se de uma concepção dialética de saúde que compreende a vida e o trabalho como processo, em permanente transformação na história.
Palavras-chave:condições de trabalhocondições de trabalho,educação superioreducação superior,saúde do trabalhadorsaúde do trabalhador,docentesdocentes,sindicatossindicatos.
Abstract: This article aims to meet the work and health of public universities teachers under the Trade Union point of view. To this end, qualitative oriented research was done with the participation of members of the regional direction of the National Union of Teachers of higher education institutions of Rio de Janeiro (Brazil). Individual interviews were conducted with open-ended questions through a script of semi-structured questions. Regarding the analysis of the interview's material, was used the technique of ‘content analysis’, more specifically the thematic analysis, being identified five empirical discussion axes, which are: changes in the role of the university and the relationship with the state model; precariousness work in public universities; teaching work intensification and productivity academic; trade union action and workers’ health and necessary changes at work. At the end, a health conception was set, under the trade union point of view, which is interpreted as permanent collective emancipation movement, moving away from the meanings centered on individuals and in strictly biomedical approaches. It is a dialectical conception of health which comprises the life and work as a process, in constant transformation in history.
Keywords: working conditions, education higher, occupational health, faculty, labor unions.
Resumen: El estudio que dio origen a este artículo tuvo como objetivo conocer el trabajo y la salud de docentes de universidades públicas desde el punto de vista sindical. Con esta finalidad, se realizó una investigación de carácter cualitativo con la participación de los miembros de la dirección regional del Sindicato Nacional de Docentes de Instituciones de Enseñanza Superior de Río de Janeiro (Brasil). Se realizaron entrevistas individuales con preguntas abiertas en una guía semiestructurada de preguntas. En lo que atañe al análisis de los materiales de las entrevistas, se utilizó la técnica de análisis de contenido, más específicamente el análisis temático, y se identificaron cinco ejes empíricos de discusión: cambios en el papel de la universidad y la relación con el modelo de Estado; precarización del trabajo en universidades públicas; intensificación del trabajo docente y productividad académica; acción sindical y salud del trabajador; y cambios necesarios en el trabajo docente. Se constató una concepción de salud, desde el punto de vista sindical, que puede interpretarse como movimiento permanente de emancipación colectiva, alejándose de las acepciones centradas en los individuos y en enfoques estrictamente biomédicos. Se trata de una concepción dialéctica de la salud que comprende la vida y el trabajo como proceso, en permanente transformación en la historia.
Palabras clave: condiciones de trabajo, educación superior, salud del trabajador, docentes, sindicatos.
Artigo
TRABALHO E SAÚDE DE DOCENTES DE UNIVERSIDADE PÚBLICA: O PONTO DE VISTA SINDICAL
WORK AND HEALTH OF PUBLIC UNIVERSITY TEACHERS: THE TRADE UNION PERSPECTIVE
TRABAJO Y SALUD DE DOCENTES DE LA UNIVERSIDAD PÚBLICA: EL PUNTO DE VISTA SINDICAL
Recepção: 29 Agosto 2016
Aprovação: 24 Outubro 2016
A educação superior no Brasil sofreu transformações significativas, principalmente a partir do final dos anos 1990. Essas transformações atendem a uma lógica de mercado que modifica a estrutura organizacional universitária, suas funções acadêmicas e o trabalho docente. Trata-se de um modelo de gestão pública adotado pelo Estado, no qual prevalecem uma racionalidade organizacional e a avaliação quantitativa do trabalho docente. Decerto, as atividades de trabalho do professor universitário aumentaram, enquanto o contingente de docentes regride na proporção em que se expandem as demandas (Maués, 2010; Borsoi, 2012).
Verifica-se, portanto, um cenário de transformações na organização do trabalho docente, com destaque para a intensificação do ritmo de trabalho, gerando consequências para a saúde desses profissionais. Distingue-se na literatura a respeito da saúde dos docentes universitários o tema da saúde mental. Saltam aos olhos referências a sintomas como: cansaço mental, estresse, ansiedade, esquecimento, frustração, nervosismo, angústia, insônia, depressão, distúrbios do sono, mudanças do humor e do comportamento, até a síndrome de burnout, entre outros. Com efeito, a saúde mental dos docentes é condição para que eles exerçam a sua função, já que as relações de afetividade e emocionais são características essenciais do trabalho docente (Caran et al., 2011; Lima e Lima-Filho, 2009; Gradella Júnior, 2010).
O ponto que queremos realçar é aquele segundo o qual a atividade docente tem sido marcada por desafios significativos, reflexos das constantes transformações relacionadas ao mundo do trabalho, sobretudo em decorrência da nova lógica de globalização da economia, da introdução de novas tecnologias da informação e das mudanças ocorridas no sistema educacional nacional e internacional (Moraes Cruz et al., 2010; Maués, 2010). O professor passou a se ressentir não apenas da sobrecarga e complexidade das numerosas atividades acadêmicas como também das tarefas técnico-administrativas adicionais, o que gerou como resultados imediatos o cansaço e o adoecimento progressivo. Para Borsoi (2012), a reestruturação universitária não suscitou mudanças sustentáveis nas condições de trabalho docente do ponto de vista da saúde.
Estudos como os de Fontana e Pinheiro (2010) mencionam aspectos de uma nova organização do trabalho docente, como pressão do tempo, metas de produtividade, precarização do ensino e ausência de autonomia decisória, entre outros, que podem funcionar como estressores e precipitar doenças ou gerar insatisfações que irão interferir na qualidade de vida e de trabalho.
Na prática, a nova organização do trabalho universitário vem causando maior competitividade entre os docentes, o que torna as relações de trabalho mais frágeis e dificulta ações coletivas de resistência do trabalhador. Sobre essa base de compreensão, afirmou-se, no estudo aqui apresentado, a tese consoante a qual a resistência organizada dos trabalhadores é condição para que se modifique o cenário de precarização e intensificação do trabalho no ensino público superior (Maués, 2010; Lacaz, 2010).
Nesse sentido, o objetivo do estudo foi conhecer o trabalho e a saúde de docentes de universidades públicas do ponto de vista sindical. Poucos estudos têm enfatizado a relação entre o trabalho e a saúde dos docentes universitários. Menciona-se que isso se deve ao fato de os professores de nível superior serem considerados como elite da educação, e assim se imagina que as condições ambientais e organizacionais de trabalho sejam melhores (Servilha e Arbach, 2011).
Como aporte teórico principal foram utilizados preceitos da vertente filosófica do materialismo histórico, como o reconhecimento do papel central do trabalho na construção da sociedade humana (Antunes, 2005; Marx, 2013) e uma breve consideração da perspectiva marxista acerca do conceito de sindicalismo. Complementarmente, apresentou-se o pressuposto capital existente no campo da saúde do trabalhador (ST), de acordo com o qual o trabalhador é sujeito essencial, portador do conhecimento sobre o seu próprio trabalho e da ação para a defesa (coletiva) da saúde.
Consoante a afirmação de Marx (2013) em O capital, o trabalho é a atividade fundamental da vida humana porque constitui-se como condição para sua existência social e material. O trabalho é eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza. É com o trabalho que o homem tem a possibilidade de se colocar como sujeito em sua relação com o mundo e com outros homens; é no trabalho que o homem se produz a si mesmo, sendo o núcleo fundamental a partir do qual podem ser compreendidas as formas da atividade criadora do sujeito (Konder, 2001; Marx, 2013; Souza, 2014).
De acordo com Marx (2013), ao mesmo tempo que o homem transforma a natureza externa modifica a sua própria natureza interna. Trata-se de uma ligação metabólica entre o homem e o seu trabalho. Nessa linha de interpretação, existe uma relação de influência mútua entre o corpo (e a subjetividade do trabalhador) e o próprio trabalho que certamente interfere, de maneira direta, na saúde e nas formas de adoecimento do trabalhador (Laurell e Noriega, 1989). Ademais, no enfoque da medicina social latino-americana, Laurell e Noriega (1989) asseguram que não é tal ou qual risco que nos faz adoecer, mas sim o conjunto dos elementos presentes ao processo de trabalho. Assim, é fundamental conhecê-lo em sua configuração local, bem como compreendê- lo, dialeticamente, no contexto da sociedade capitalista, assim como o modo pelo qual ele converte-se em mercadoria e não mais necessidade de realização humana.
Defendeu-se no estudo a tese existente no campo da saúde do trabalhador advinda dos estudos da medicina social latino-americana de que a saúde é fortemente condicionada pela capacidade organizativa e resistência coletiva dos trabalhadores (Laurell e Noriega, 1989; Lacaz, 1997). Além disso, de acordo com Souza (2009, p. 42), “No campo da ST, é impossível pensarmos as mudanças no trabalho que não seja pela participação do próprio trabalhador"; atribui-se aos trabalhadores o papel central em promover as mudanças no trabalho por meio de ações coletivas organizadas.
No tocante à concepção de sindicalismo, Hobsbawm (2015, p. 387) afirma que o sindicalismo se constitui como uma filosofia e um estilo de ação social revolucionária, exercendo importante papel na história dos movimentos de trabalhadores. De acordo com Bottomore (1983), Marx afirmava que as lutas sindicais e as associações locais suscitavam a união crescente dos trabalhadores progressivamente em bases cada vez mais abrangentes para, em última análise, engajarem-se na luta de classe revolucionária. Não obstante, o autor observa que o sindicalismo como movimento generalizado é um produto do crescimento do próprio trabalho assalariado capitalista.
Seja como for, Marx acreditava no êxito da união dos trabalhadores em partidos políticos ou em sindicatos, lutas locais, nacionais e internacionais, de modo a tornar mais fortes as lutas da classe trabalhadora contra a exploração do modo de produção capitalista (Marx e Engels, 2010). No estudo aqui apresentado, adotou-se a perspectiva marxista de que os sindicatos são, acima de tudo, instrumento coletivo de luta que amplia a autoconfiança dos trabalhadores e a sua consciência de classe (Bottomore, 1983). Ademais, advogou-se a tese de que os sindicatos como movimentos de organização política dos trabalhadores são parceiros essenciais na defesa coletiva da saúde no trabalho (Souza e Brito, 2012).
Adotou-se como base de interpretação filosófica do estudo a corrente de pensamento do materialismo histórico-dialético. Segundo esse enfoque, os estudos de caráter crítico devem se afastar das formalizações metodológicas de caráter positivista e interpretar a complexidade da materialidade da vida social por meio da reflexão filosófica e do permanente contato com a classe trabalhadora (Konder, 1988). Na perspectiva marxista, o método dialético tem de ser capaz de entender e apreender processos em movimento, em contradição e em permanente transformação. Tal dialética, por ser essencialmente crítica, tem potencial para se chegar ao âmago dos problemas sociais e a sua transformação (Harvey, 2013).
Sobre essa base de compreensão, desenvolveu-se uma pesquisa de caráter qualitativo, que se caracteriza, essencialmente, pela análise da realidade por meio das interpretações que as pessoas fazem a respeito de como vivem, sentem e pensam em relação dialética com o seu contexto social (Minayo, 2013).
Quanto aos procedimentos de pesquisa, participaram do estudo cinco membros pertencentes à direção da seção regional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) do município do Rio de Janeiro, referente ao período de gestão dos anos de 2012 a 2014. A composição formal da direção do Andes-SN é constituída por seis membros, porém um deles não foi localizado. Assim, realizaram-se cinco entrevistas individuais com perguntas abertas em um roteiro semiestruturado de questões. Formulou-se a seguinte pergunta central de pesquisa: qual a perspectiva sindical e a visão dos membros diretores do Andes-RJ a respeito do trabalho e da saúde dos docentes universitários?
Para análise do material das entrevistas, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, mais específicamente a análise temática, que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem um texto comunicativo (Minayo, 2013). De acordo com essa técnica, após pré-análise, exploração e tratamento dos materiais provenientes das entrevistas, foram identificados eixos temáticos que emergiram dos registros (gravação e transcrição) das falas dos participantes. Tais eixos se constituíram por meio de classificação de excertos, por critério de similaridade e frequência e, ainda, pela sua relevância em relação ao tema estudado. Por conseguinte, chegou-se a cinco eixos empíricos e temáticos principais de análise: mudanças do papel da universidade e a relação com o modelo de Estado; precarização do trabalho em universidades públicas; intensificação do trabalho docente e produtividade acadêmica; ação sindical e saúde do trabalhador; e mudanças necessárias no trabalho docente.
No que concerne à identificação das falas dos entrevistados, foi usado o artifício da letra D que corresponde à letra inicial da palavra ‘docente’, acompanhada do número equivalente à ordem de realização das entrevistas.
Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, por meio do parecer de número CAAE 30438014.0.0000.5240.
(…) Houve um agravamento das questões relacionadas à saúde dos trabalhadores docentes no último período. Esse agravamento se deve ao fato que nós estamos sendo empurrados a mudança do papel da universidade e nós temos que nos adaptar a essa mudança ainda que haja uma enorme resistência. Essa tem sido uma ofensiva muito brutal do governo e da burguesia contra a universidade pública (D1).
As mudanças percebidas no papel da universidade surgiram com forte significado no relato dos entrevistados, apontando para o fato consoante o qual tais mudanças vêm atender a uma lógica de mercado que transforma a estrutura organizacional universitária, suas funções acadêmicas e o trabalho docente, podendo levar ao adoecimento. Para Maués (2010), essas mudanças estão de acordo com o que tem acontecido no modelo de gestão adotado pelo Estado. Trata-se de um novo ordenamento institucional que traz a marca permanente da mercantilização e da privatização.
Quando o Estado dirige suas ações ou elas passam em grande intensidade pelo mundo do capital, nós temos uma contradição fortíssima, e aí a universidade como espaço de formação técnica (…) do pensamento científico, ela passa a sofrer essa pressão, por vezes insidiosa, do modelo econômico e do modelo político (…) De um Estado que dê ao máximo ao capital financeiro e dê o mínimo ao mundo do trabalho, dê ao máximo às corporações privadas e dê o mínimo à forma de entendimento de uma coletividade pública (D2).
Ao se tomar como base de interpretação a teoria de Gramsci (2000), pode-se afirmar a coexistência de duas modalidades distintas de políticas alusivas à configuração do Estado. A primeira, segundo o autor, refere-se à ‘grande política’ ou alta política, que compreende as questões relacionadas à luta pela defesa e pela manutenção (ou mudança) de estruturas orgânicas econômico-sociais. Quanto à ‘pequena política’ ou política do dia a dia, é aquela concernente às questões parciais e cotidianas que se apresentam, no interior de uma estrutura, em decorrência de disputas entre frações de classe. De acordo com Gramsci (2000), a grande política tenta reduzir tudo à pequena política e a objeto de intrigas e de disputas. Ao contrário, se tornarmos as questões de grande interesse político (dos trabalhadores) em matéria da grande política, pode-se chegar à reorganização da estrutura do Estado. Nessa perspectiva, interpreta-se que a organização das universidades públicas e do trabalho docente deva ser incorporada como pauta dos grandes debates nacionais, pois trata-se (congruente com a visão dos entrevistados) de um modelo de Estado que adota a ideologia neoliberal, o ‘Estado mínimo’ para o trabalho e o ‘Estado máximo’ para o capital (Paulo Netto, 2012). Convém destacar ainda um importante aspecto da ideologia do capital, que diz respeito ao combate do protagonismo e da organização coletiva da classe trabalhadora. Assim, o fortalecimento das organizações dos trabalhadores e a resistência dos professores são condições para se construírem políticas públicas de ensino superior favoráveis ao trabalho e à saúde dos docentes universitários (Carvalho e Yamamoto, 2002).
(…) a gente tem enfrentado no interior da universidade esse capital, que veio e que está disputando com a gente. A gente hoje, para conseguir fazer uma pesquisa, fica desesperado atrás de um edital de fomento, concorre com mil pra conseguir uma migalha, para comprar um computador ou então para ir à comunidade fazer um trabalho (D3).
Outra questão que emergiu das entrevistas foi a necessidade de os professores concorrerem por fomento para apoio às pesquisas, por meio de editais públicos. Interpretou-se que a ideia de ‘fomento’ se refere ao aporte financeiro que dá sustentação material à pesquisa. Decerto, o fomento garante o custeio e a continuidade das pesquisas, tornando-se um importante aspecto do trabalho acadêmico. Contudo, segundo os entrevistados, a competição vem se tornando cada vez mais dramática, já que faltam recursos, sobretudo para certas modalidades de estudos.
Adicionalmente, para Leher (2013), no diapasão da lógica organizacional, utilitarista e pragmática de universidade pública, os docentes passam a assumir atividades de gestores de pesquisa, o que requer especial atenção aos editais, à gestão de equipe e à valorização de habilidades para organizar financeiramente e administrativamente os projetos. Fato é que o financiamento de alguns projetos funciona como forma de compensar a falta de recursos nas universidades para o trabalho do professor, como a obtenção de equipamentos e instrumentos de trabalho.
Diante da preponderância do tema da precarização do trabalho nos materiais das entrevistas, optou-se pela organização desse eixo de análise em três partes: condições de trabalho e infraestrutura precárias; precarização do contrato coletivo de trabalho; e precarização e saúde.
Para Bosi (2007), os estudos sobre a precarização do trabalho docente nas instituições de ensino superior no Brasil não são numerosos e, geralmente, atêm-se à dimensão da flexibilização das relações contratuais, já que representam uma importante e significativa questão na configuração do trabalho em universidades. No entanto, existe uma dimensão de precarização do docente alusiva à infraestrutura das atividades laborais nas universidades que suscita insatisfação e sofrimento ao professor: “Algumas sequer possuem instalações próprias, funcionam em prédios adaptados" (Bosi, 2007, p. 1.510).
Se for pensar em termo de investimento na universidade, o que a gente tem hoje na universidade? Cada vez mais, a gente tem menos condição de trabalho, não tem um espaço para orientar seu aluno, não tem um espaço pra ter seu computador, não tem uma biblioteca que dê conta nem da metade daqueles alunos que estão ali naquele campus… Eu sou de um campo do interior, então eu vejo muito isso lá (D3).
(…) salas extremamente lotadas que viram um grande programa de auditório, isso não são condições de trabalho. Com vinte ou trinta estudantes são condições de trabalho! Mas com oitenta, noventa e por vezes quase cem alunos em uma sala de aula onde as condições não acompanham concretamente o seu processo… (D2).
De acordo com Servilha e Arbach (2011), as reformas educacionais que ocorreram no ensino superior nos últimos anos tornaram as condições de trabalho dos docentes universitários cada vez mais precárias. A expansão física das universidades públicas por meio da criação de novos prédios e novos campi não foi acompanhada da necessária expansão de investimentos públicos em educação. Em termos práticos, verificou-se que sucessivos cortes orçamentários atingiram o sistema universitário federal, provocando o sucateamento das instalações e estruturas existentes.
Observou-se ainda na fala dos entrevistados o ponto relativo à quantidade de alunos em sala de aula. Situações relativas à organização do trabalho do professor, como ter que assumir várias turmas ou lidar com turmas excessivamente numerosas, foram matéria de discussão no estudo de Arbex, Souza e Mendonça (2013) sobre readaptação de docentes de universidades públicas afastados das atividades de sala de aula por problemas de saúde. Para os autores, a readaptação é um processo complexo, em razão de condições coletivas de trabalho como a sobrecarga de aulas. Chamou a atenção, nos resultados, o fato segundo o qual os docentes entrevistados consideraram que afastar-se de sala de aula é interpretado como positivo para a sua saúde. Verificou-se, no entanto, uma ausência de crítica a respeito do processo de trabalho docente como fator de adoecimento.
Além do trabalho em sala de aula, aspectos relacionados à formação dos alunos foram considerados como importantes componentes do trabalho docente, percebido como precarizado.
(…) eu acho que um dos principais problemas que o docente enfrenta na universidade é a questão da precarização das condições de trabalho e de estudo, porque ele também tem esse discente que está envolvido nisso e que é uma grande responsabilidade pra gente. A gente tá ali na linha de frente de formação, de transformar esse indivíduo para esse mundo (D3).
Pareceu acertada a afirmação de que os alunos podem sofrer influências do processo de precarização em sua formação. Para Chauí (2003), na perspectiva operacional, o trabalho docente distancia-se, cada vez mais, da necessidade de transmitir aos estudantes suas histórias e o conhecimento de seus clássicos. “Em outras palavras: a absorção do espaço e do tempo do capital financeiro e do mercado conduz ao abandono do núcleo fundamental do trabalho universitário, qual seja, a formação" (Chauí, 2003, p. 11).
(…) a carreira está cada vez mais precarizada. Hoje você entra na universidade com muito menos direitos que você entrou antes de 2003 (…). Isso também faz com que esses professores já entrem na universidade olhando só para o umbigo deles e não se envolvendo na universidade, e isso acaba precarizando cada vez mais a qualidade do ensino, da extensão, da pesquisa, da graduação e da pós-graduação (D3).
Outra questão que se tornou evidente nas entrevistas foi aquela referente à precarização da carreira docente ante a deterioração dos direitos trabalhistas. Com a reforma da educação superior, proveniente do modelo privativista, foram criadas diferenciadas formas de contratação dos docentes em universidades públicas, com jornada de trabalho e salários diferenciados. Conforme assevera Oliveira (2013), esse fato aconteceu porque os professores substitutos e temporários foram contratados pelo Ministério da Educação na tarefa de expansão, porém estão fora do Regime Jurídico Único (RJU) e da carreira de magistério superior. Esses docentes são contratados por tempo determinado, no máximo dois anos, e com um salário sempre menor, apesar de a carga horária e a titulação serem iguais às dos efetivos, o que pode ser considerado como exploração do trabalho. Além disso, esses docentes estão excluídos das atividades de pesquisa e de extensão e são contratados apenas para dar aulas.
Salta aos olhos a ponderação do entrevistado de que o professor entra na universidade não se envolvendo com os grandes temas coletivos. Para Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010), a fragilização da organização coletiva dos trabalhadores é um tipo de precarização que pode ser identificado nas dificuldades da organização sindical e nas formas de luta e representação dos trabalhadores, decorrentes da violenta concorrência, da heterogeneidade e das divisões, o que indica mudanças e redefinições que precisam ser mais bem explicadas nos diversos segmentos de trabalhadores.
(…) O sindicato não trabalha as condições de saúde, mas sim as condições de trabalho reivindicando as condições de trabalho, mas o que a gente realmente vê é que os professores estão exaustos (D4).
A nossa condição de trabalho hoje, a precarização do nosso trabalho, a questão da expansão do ensino superior, a questão do investimento que se tem feito na universidade pública, é claro que isso vai interferir na minha história de vida e vai ser um dos principais problemas que vão estar me comprometendo diretamente na questão da minha saúde (D3).
Percebeu-se nos relatos que o tema referente à saúde dos docentes, na visão sindical, parecia estar subordinado ao tema das condições de trabalho, embora os entrevistados tenham reconhecido a importância da temática em questão, ou seja, a saúde. A precarização das condições de trabalho, segundo os entrevistados, é um aspecto que causa interferência na vida pessoal do professor, podendo impactar a saúde dos docentes. Esse fato corrobora as considerações de Servilha e Arbach (2012), que apontam que as mudanças ocorridas durante os últimos vinte anos na organização do trabalho das universidades trouxeram como consequência maior a carga psicológica para os docentes devido às exigências laborais diversas.
(…) entrando no campo clínico, se diria que o docente teria agravos na saúde somente no espaço clínico, ligado a sua condição de fono, da fala, no entanto, tem-se visto quadros de hipertensão arterial, que não são apenas de natureza, digamos, fisiológica, mas têm uma origem também no campo somático. Quadros de disfunção gástrica, mas uma vez que não estão apenas no campo objetivo da gastroenterologia, mas também no campo somático, docentes apresentando problemas de natureza articular, muscular, ósseo e assim consecutivamente (D2).
Observaram-se, no decurso das entrevistas, referências a possíveis morbidades relacionadas ao trabalho docente. De acordo com os participantes, constatou-se, no plano empírico, aspectos preocupantes, pois o professor tem ficado vulnerável ao aparecimento de doenças e sintomas associados à atividade de trabalho. O estudo de Silva e Carvalho (2011) apontou para o fato de que o adoecimento dos docentes só adquire sentido quando analisado no contexto do seu processo de trabalho e que as questões relacionadas à saúde do docente não podem ser avaliadas e tratadas de forma isolada, devendo-se, portanto, levar em consideração o caráter multifacetado dos processos de trabalho do professor. Os autores também destacaram que a prevenção de doenças dessa categoria profissional não é tarefa solitária, mas uma ação conjunta entre professores, alunos, instituição de ensino e sociedade, porquanto essas doenças são oriundas principalmente das condições impostas pelo atual cenário de trabalho docente. Cabe ressaltar que a “condição de fono, da fala", relatada pelo entrevistado, referia-se aos agravos relacionados à voz dos docentes. Conforme apontam Servilha e Pereira (2008), existem múltiplos fatores presentes no ambiente físico que podem contribuir para que o professor utilize sua voz de forma inapropriada, e os aspectos ligados à organização do trabalho devem ser considerados.
Em seus estudos a respeito dos processos de precarização relacionados ao trabalho, Druck (2011) define uma ‘psicopatologia da precarização’, produto da violência dos ambientes de trabalho, gerada por imposição da busca de excelência como ideologia das organizações, que pressiona os trabalhadores ignorando seus limites e dificuldades. Essa condição se aprofunda por outros imperativos comuns da chamada racionalidade moderna de organização empresarial, sobretudo a hipercompetitividade, o que tem gerado um cenário de adoecimento mental com expressões diversas, inclusive de suicídios (Druck, 2011; Franco, Druck e Seligmann-Silva, 2010). De fato, quando o tema é saúde de docentes universitários, ganham destaque referências no campo da saúde mental (Lacaz, 2010; Mancebo, 2007; Gradella Júnior, 2010).
De modo geral os docentes usam os feriados, os finais de semana para poder dar conta dos artigos que têm que publicar, porque ao longo da semana eles não têm condições, pois têm que dar aula, fora as bancas, os pareceres, as comissões de trabalho e as pesquisas que têm que fazer (D1).
Em todas as entrevistas, ouviu-se a afirmação de que é comum a invasão dos momentos de folga e descanso dos professores pelas atividades de trabalho. Lima e Lima-Filho (2009) ressaltam que os professores se dedicam a um número de horas além da atuação na instituição para o preparo de aulas, atendimento de alunos, correção de trabalhos, avaliação, preenchimento de diário, lançamento de notas/frequência no sistema. Segundo os autores, devido a essa sobrecarga de trabalho, os docentes acabam desenvolvendo trabalhos nos fins de semana, nos períodos de interrupção do ano letivo, isto é, nos momentos de pausa que deveriam ser destinados ao lazer e ao descanso.
Carga horária intensa, carga horária muito pesada, um cronograma também ruim não atende às necessidades do professor, e ainda tem a questão do plano dos cargos e salários (D4).
(…) uma carga de trabalho muito grande, e isso de certa forma denotaria o seguinte: se o professor não fizer essa tarefa toda ele não vai ter as ‘recompensas’ de que a carreira dele necessita para o processo de avaliação (D5).
Enfatizou-se a ideia de carga horária ‘muito intensa e pesada’. Pôde-se perceber que o acúmulo de tarefas atribuídas ao professor diante da nova realidade da organização de trabalho no ensino superior assume um papel semelhante ao mundo corporativo e empresarial, estando permanentemente submetido a um modelo de avaliação de caráter quantitativo e meritocrático, para assim poder ascender na carreira.
De acordo com Lemos (2011), na medida em que o Estado orienta a carreira para a pesquisa, por meio da concorrência de recursos e recompensas, transforma o ensino em algo menos importante. Quando estimula a competição, por meio do financiamento individual e do sistema meritocrático, pode contribuir para deteriorar os laços de solidariedade e suscitar conflitos interpessoais, criando, muitas vezes, um clima de trabalho desfavorável à integração do conhecimento e à criação coletiva. Já quando intensifica o trabalho com demandas periféricas à docência, deixa o professor sem tempo para o lazer e para a vida cultural, constituindo, assim, uma organização do trabalho que facilita o adoecimento e o isolamento.
Consoante Oliveira (2008), a avaliação da produtividade constitui peça-chave no entendimento do trabalho em universidades. Nessa linha de interpretação, o conhecimento científico funciona como mercadoria, portanto a produção precisa ser quantificada, expressa em números. Trata-se, segundo o autor, de práticas de avaliação de cunho neoliberal.
(…) chega num momento que os professores estão trabalhando sessenta horas, 62 horas por semana, porque eles têm que fazer todas as tarefas. Então, o produtivismo vem para realmente transformar o professor em um trabalhador em um regime semiescravo (D5).
Ele tem que cumprir, ele tem que produzir tantos e tantos artigos, ele tem que ter tantos e tantos alunos, tantas e tantas bancas realizadas, um conjunto lá de critérios que o professor tem que ter para ser pontuado, para poder, assim, ascender na carreira (D1).
Verifica-se que a produtividade é determinante do trabalho docente e do seu status acadêmico. Segundo Luz (2005, p. 43), a produtividade acadêmica é definida como:
o quantum de produção intelectual, sobretudo bibliográfica, desenvolvida num espaço de tempo específico, crescente de acordo com a qualificação acadêmica (‘titulação’) do professor/pesquisador. Esse quantum básico é necessário para conservar os pesquisadores na sua posição estatutária no campo acadêmico.
O professor se sente refém desse modelo de produção, pois a ascensão na carreira, a participação em editais de fomento e ainda a participação nos programas de pós-graduação dependem diretamente de sua produtividade acadêmica. Para Bosi (2007), uma das consequências desse processo é que a qualidade da produção acadêmica passa então a ser mensurada pela quantidade da própria produção, o que leva à perda da autonomia do trabalho do professor.
(…) o docente não tem liberdade, ele cumpre uma função muitas vezes uma função de aulismo dentro dessas instituições. Essa é uma questão que avança dentro dos próprios cenários do ensino superior no país (D2).
Interpretou-se o fato segundo o qual o docente, na atual configuração do trabalho em universidade, não tem liberdade para cumprir as suas funções, o que afeta a sua autonomia no trabalho. Segundo Lemos (2011), a autonomia docente se constitui como o elemento central definidor do ensino superior. Assim, pressionam-se os docentes, por meio de uma burocracia estatal e institucional, em que prepondera a produtividade, cuja função fundamental deveria ser a construção coletiva e social do conhecimento, tornando-o acessível à população, bem como a formação de pessoas que possam assumir uma postura crítica e criativa diante dos desafios da realidade.
Quanto à expressão ‘aulismo’, citada pelo entrevistado, pode ser interpretada pela quantidade de disciplinas e o elevado número de aulas a que os docentes estão sujeitos, sobretudo aqueles inseridos na graduação (Coutinho, Magro e Budde, 2011).
O sindicato já é um lugar que vem trabalhando as questões de trabalho e as questões de saúde dos docentes, portanto temos vários grupos de trabalho, temos o grupo de saúde do trabalhador dentro do Andes. Esse grupo começa a ganhar mais força ainda nessa época do produtivismo (D5).
Qual é o grande desafio do Andes hoje e qual é a maior parte da pauta do Andes hoje? É lutar contra a precarização, contra o assédio moral, contra o adoecimento, o que aponta é isso, a nossa luta tem que ficar cada vez mais forte, a luta da classe trabalhadora contra esse esquema que é o capital que determina (D3).
Destacou-se nos excertos que o Andes-SN tinha grupos de trabalho (GTs) específicos para debater as questões relacionadas às condições de saúde e de trabalho dos professores universitários, como o Grupo de Trabalho Seguridade Social/Assuntos de Aposentadoria (GTSSA). O sindicato vem promovendo espaços coletivos de discussão e propondo ações para atender às demandas da categoria.
Uma questão que sobressaiu nesses trechos foi o fortalecimento desses GTs como movimento de resistência à precarização e à intensificação do trabalho. Outro ponto que emergiu, no decurso do estudo, foi a questão do assédio moral que se constitui como tópico que tem se tornado objeto de debate para a categoria. Segundo Borges (2013), tornaram-se crescentes em todo o país as ocorrências de assédio moral e perseguição aos professores. Além disso, de acordo com o autor, prevalece um novo formato de configuração do trabalho docente, no qual sobressai o autoritarismo dos gestores para atender às exigências do mercado.
A luta em relação a essa questão da saúde do trabalhador não é uma luta que se desvincula da luta geral do sindicato. O sindicato está lutando pra negociar melhorias na carreira docente, melhorias salariais e lutando contra a política do governo, que na verdade pretende destruir a universidade pública, gratuita e de qualidade e a forma de expansão da universidade, uma expansão precarizada. Expandiu-se o número de alunos, mas não expandiu o número de docentes, em número suficiente, nem os equipamentos, nem número de técnicos. Lutando contra o conjunto dessa lógica, nós estamos lutando em favor da saúde do professor, mas especificamente em relação aos processos de saúde e doença (D1).
Acho que o sindicato a nível [sic] nacional ele tem feito um esforço muito grande para dar conta do debate nesse tema da saúde, que é caro (…) a gente tem feito uma discussão a nível nacional, a gente já fez três seminários nacionais discutindo a saúde do docente (D3).
Pode-se considerar que o sindicato tem buscado, por meio das suas ações e discussões, lutar em defesa da saúde do professor. Constatou-se um conceito de saúde ampliado de acordo com o qual o movimento de conquista pela saúde nos ambientes de trabalho deve se articular pela luta coletiva por melhores condições de trabalho. O ponto de destaque foi o reconhecimento do sindicato como um ator social importante que deve assumir papel ativo e crítico. Conforme assegura Lacaz (2010), a aliança dos atores sociais do campo da saúde do trabalhador deve estar fortalecida para intervir sobre as realidades das transformações impostas ao mundo do trabalho. Todavia, é necessário um debate mais cuidadoso a respeito de temas estratégicos sobre a relação entre o trabalho e a saúde, como a monetarização dos riscos no trabalho, porquanto a adoção do tema relativo aos riscos nos ambientes laborais pertence, na origem, à vertente da saúde ocupacional. No que concerne à perspectiva do campo da saúde do trabalhador, trata-se de travar lutas pela modificação dos ambientes de trabalho, seu processo e sua organização. Do contrário, caso se reivindiquem somente as remunerações dos riscos, mais trabalhadores continuarão adoecendo em decorrência do próprio trabalho.
(…) uma coisa que nos preocupa dentro do sindicato, e isso é uma discussão também no mundo do trabalho, e quando se pensa em saúde do trabalhador de uma forma geral (…) é a questão da monetarização dos riscos, as condições de periculosidade, de insalubridade, inclusive uma situação que me parece de uma forma invisível que é a penosidade das atividades (D2).
Não resta dúvida de que o tema da penosidade do trabalho docente se constitui como um importante debate para a categoria. A rigor, a penosidade é prevista na Constituição Federal de 1988, porém, apesar de ser prevista como direito do trabalhador, ainda não tem uma legislação específica, existindo muitos projetos (de lei) que visam a sua positivação (Albuquerque e Checon, 2010). Em um desses projetos, a atividade penosa é conceituada como “uma atividade que não apresenta riscos imediatos à saúde física ou mental, mas que, pelas suas condições adversas ao físico, ou ao psíquico, acaba minando as forças e a autoestima do trabalhador, semelhantemente ao assédio moral" (Prioste, 2008, p. 228).
Para Linhart (2011, p. 149),
As penosidades sempre fizeram parte do mundo do trabalho, pois se caracterizam pelas restrições que impõem aos indivíduos e necessariamente constituem veículo de desacordos, dificuldades que ressoam em todas as dimensões da existência (Linhart, 2011, p. 149).
Segundo a autora, a temática da penosidade ganhou força e tem relação com o sofrimento no trabalho, com as dificuldades com as quais não se consegue lidar ou que não se consegue dominar, que surgem como estranhas à profissão, em outro registro de valores, às quais esses indivíduos não conseguem mais atribuir um sentido (Linhart, 2011).
Foram consideradas como mudanças, na perspectiva sindical, aquelas transformações que precisam ocorrer na universidade para fazer frente aos padrões da reforma de Estado que se instalou na educação superior, bem como a necessidade do fortalecimento da categoria docente para lutar contra o modelo de gestão predominante do ensino superior brasileiro.
Mudar a perspectiva da lógica privativista, que está dentro da universidade, para a gente conseguir mudar… É mudar realmente as condições de trabalho a que a gente está submetido. A gente quer uma nova carreira, e acho que isso é a nossa luta (D3).
A modificação das condições de trabalho, superando a precarização, superando a intensificação, superando os próprios modelos de estabelecimento da função docente, da função do ensino (…) aonde a solidariedade, aonde o entendimento coletivo, fossem pedras fundamentais nessa ordenação, nessa organização (D2).
Chamou a atenção o fato de se pensar em mudanças que contemplem a transformação de fatores relacionados à gestão universitária, a carga de trabalho e as condições de ensino, além do reconhecimento profissional e desempenho acadêmico do docente. O grande desafio é o fortalecimento da base de organização dos trabalhadores. Vale lembrar a experiência relatada no Modelo Operário Italiano (Oddone et al., 1986), segundo a qual a mudança nas fábricas começou no chão de fábrica, no próprio trabalhador, ou seja, no modo de ver e interpretar o próprio trabalho. Nela, os trabalhadores se reconheceram como ‘atores conscientes das conquistas reais ou potenciais’ na luta pela saúde, lançando mão do seu próprio conhecimento para mudanças da organização e do processo de trabalho. Nessa linha de interpretação, é digna de nota a observação do entrevistado a respeito da necessidade de mudança de visão dos docentes a respeito de sua identidade de classe:
(…) tem uma questão de ordem subjetiva que a categoria docente não se entende enquanto classe trabalhadora. Ela se entende como um universo à parte, de indivíduos com a prerrogativa acadêmica e que está muito além do mundo concreto (…) então existe um distanciamento, uma ordem subjetiva aí, que traz para o docente uma percepção de identidade por vezes calcada na soberba, calcada numa forma de entender o mundo de forma ‘olimpiana’, a academia fazendo parte do ‘olimpo’, e o mundo ‘mortal’, funcionando abaixo desse mundo. Isso é uma dificuldade subjetiva dentro do mundo docente (D2).
Evidentemente que mudanças dessa natureza são difíceis de serem alcançadas e apontam para a necessidade de os docentes participarem de sua organização sindical de modo a fortalecê-la e a criar mecanismos coletivos para sua autodefesa, promovendo saúde como na acepção do campo da saúde do trabalhador, por meio do avigoramento da resistência dos trabalhadores como sujeitos coletivos. Laurell (1993) afirma que a participação efetiva dos trabalhadores por meio de suas organizações pode gerar impacto relevante na realidade de saúde.
Deve-se considerar também a responsabilidade do Estado diante das possibilidades de mudanças, já que se faz urgente a valorização do trabalho do professor universitário com a construção de políticas públicas efetivas, com a participação dos trabalhadores, reconhecendo desse modo a importância do papel docente na construção de uma educação pública de qualidade.
No estudo aqui apresentado, constatou-se uma rede de transformações em curso nas universidades cuja complexidade pôde ser compreendida na perspectiva dos próprios trabalhadores e de suas organizações, mormente dos sindicatos dos trabalhadores. Conforme Oddone (2007), as situações de trabalho concretas, tão bem conhecidas pelos trabalhadores, formam parte essencial do conhecimento científico.
É inegável que se vivencia hoje, no mundo do trabalho, um claro processo de metamorfose social (Druck, 2011), e vive-se, igualmente, no âmbito das universidades uma transformação estrutural a qual se pode denominar de ‘universidade operacional’, baseada em uma racionalidade de gestão avaliada por índices de produtividade e abalizada por estratégias e programas de eficácia organizacional (Chauí, 2003).
Verificou-se que o modelo de gestão das universidades e a expansão do ensino superior têm contribuído para que os docentes desenvolvam um ritmo de trabalho mais acelerado, além de se adaptarem aos novos padrões da lógica de mercado, o que precisa ser aprofundado com estudos locais a respeito de modos de resistência e defesa da saúde.
Constatou-se que as condições de trabalho dos docentes, a infraestrutura das universidades, a intensificação do trabalho e a produtividade acadêmica despontaram como aspectos negativos que têm contribuído para a configuração do quadro de saúde dos professores de universidades públicas. Em termos propositivos, estudos como os de Souza e Brito (2012) afirmam de modo categórico que a saúde, em particular o aporte da saúde do trabalhador, amplia a concepção sindical de condições de trabalho, podendo contribuir para a superação do senso comum e da naturalização dos processos que geram adoecimento e morte pelo trabalho.
Por fim, identificou-se a necessidade do fortalecimento da ‘base’ e da organização política dos docentes para a consolidação do movimento de resistência às investidas da lógica privativista no ensino superior. É preciso reconhecer, ainda, a centralidade dos locais de trabalho para se exercer uma efetiva ação de defesa do trabalho e da saúde.
Afirmou-se uma concepção de saúde, do ponto de vista sindical, que pode ser interpretada como movimento permanente de emancipação coletiva, afastando-se das acepções centradas nos indivíduos e em abordagens estritamente biomédicas. Trata-se de uma concepção dialética de saúde que compreende a vida e o trabalho como processo, em permanente transformação na história.