Resumo: Legitimadas pela Organização Mundial da Saúde, as Práticas Integrativas e Complementares apresentam demanda crescente e têm a formação profissional como um dos maiores desafios para o seu avanço no Sistema Único de Saúde. O estudo quantitativo descrito apresenta a oferta de disciplinas e cursos em Práticas Integrativas e Complementares em seis instituições de ensino superior públicas no Estado do Rio de Janeiro, em 2014, identificada em seus respectivos sites e secretarias segundo as variáveis: instituições de ensino superior, subárea de saúde, nível do ensino (graduação e pós-graduação), subtemas das Práticas Integrativas e Complementares (Homeopatia, Acupuntura, Meditação etc.), formato (obrigatório, eletivo ou optativo) e conteúdo (informativo ou formativo). Os resultados mostram uma oferta de 56 unidades de ensino, distribuída em quase todas as subáreas de saúde, com maior concentração em cursos de Medicina, Farmácia e Enfermagem. De perfil predominantemente opcional e informativo, apresenta a Homeopatia, Meditação e Práticas Corporais como temas mais frequentes. A análise desta oferta, apoiada na perspectiva do cuidado integral e referenciada em literatura nacional e internacional, aponta desafios para a ampliação e qualificação do ensino de Práticas Integrativas e Complementares, dentre eles a inserção integrada em cursos de saúde visando a interação e complementaridade entre saberes distintos.
Palavras chave: medicina complementar e alternativamedicina complementar e alternativa,práticas integrativas e complementarespráticas integrativas e complementares,formação profissional em saúdeformação profissional em saúde,racionalidades médicasracionalidades médicas,integralidadeintegralidade.
Abstract: Legitimated by the World Health Organization, Complementary and Alternative Medicine have shown an increasing demand in the Western world. Professional training is considered one of it’s biggest challenges to its advance in the Brazilian National Health System. The descriptive quantitative study presents the availability of modules of Complementary and Alternative Medicine in six public institutions of higher education at the state of Rio de Janeiro, 2014, identified on these respective websites and secretariat, and classified according to the variables: institutions of higher education, health subarea, level of education (undergraduate and graduate), subtopics of Complementary and Alternative Medicine (Homeopathy, Acupuncture, Meditation etc.); Format (mandatory, elective or optional) and content (informative or formative). The results shows an offer of 56 modules distributed in almost all sub-areas of health care, mainly in Medicine, Pharmacy and Nursing, with a predominantly optional and informative approach. The main themes are Homeopathy, Meditation and Body Practices. The analysis of this offer, based on the perspective of integral care and referenced in national and international literature, points out challenges for the expansion and qualification of the teaching of Integrative and Complementary Practices, among them the integrated insertion in health courses aiming at the interaction and complementarity between knowledge.
Keywords: complementary and alternative medicine, complementary therapies, professional education in health care, medical rationalities, integrality in health.
Resumen: Recomendada por la Organización Mundial de la Salud, la Medicina Complementaria y Alternativa tiene creciente demanda, siendo la formación profesional un gran reto para su avance en el sistema de salud brasileño. El estudio cuantitativo descriptivo presenta la oferta de enseñanza de medicinas complementares identificada en los sitios y secretarías de seis instituciones de educación superior públicas en el Estado del Río de Janeiro, Brasil, 2014, de acuerdo con las variables: subárea de salud, nivel de la enseñanza (graduación y posgrado), subtemas de las medicinas complementares, formato (obligatorio, electivo o optativo) y contenido (informativo o formativo). Los resultados muestram 56 módulos en medicina complementaria y alternativa, repartidos en casi todas saboreas de salud, concentrados en cursos de Medicina, Farmacia y Enfermería, principalmente a través de materias opcionales, con el perfil informativo. Los temas principales son Homeopatía, Meditación y Prácticas Corporales. La análisis, desde el punto de vista de la atención integral y con referencia a la literatura nacional e internacional, señala retos para su expansión y calificación: ampliar la oferta, con un enfoque transversal y integrado a lo largo de los cursos, enfatizando las posibilidades de interacción y complementariedad entre diferentes conocimientos y prácticas de salud.
Palabras clave: medicina complementaria y alternativa, terapias complementarias, educación profesional en el cuidado de la salud, racionalidades médicas, integralidad en salud.
ARTIGOS
FORMAÇÃO EM PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE: DESAFIOS PARA AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
PROFESSIONAL EDUCATION IN COMPLEMENTARY AND ALTERNATIVE MEDICINE: CHALLENGES FOR THE PUBLIC UNIVERSITIES
FORMACIÓN EN MEDICINA COMPLEMENTARIA Y ALTERNATIVA: DESAFÍOS PARA LAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Recepção: 13 Dezembro 2016
Aprovação: 21 Maio 2017
Com a expansão mundial de medicinas e práticas complementares e alternativas (MCA) e a necessidade de garantir a segurança dos pacientes, qualidade e eficácia, a discussão sobre a formação para o exercício profissional nesta área tem ganhado relevância. No Brasil, dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), as MCA são denominadas Práticas Integrativas e Complementares (PICs) e ofertadas em mais de 800 municípios, especialmente na Atenção Primária (Brasil, 2008a e 2011; Sousa et al., 2012 ).
Em alguns países, os programas de formação profissional em MCA em nível universitário estão inseridos no ensino profissional em saúde, principalmente em cursos de Medicina e Farmácia; em outros países, a formação se dá através de programas específicos que abordam um ou mais tipos de MCA ( World Health Organization, 2013 ). No Brasil, predominam largamente programas do primeiro tipo, oferecidos majoritariamente em instituições privadas por meio de cursos de especialização; no entanto, observa-se uma tendência de crescimento na oferta de disciplinas sobre PICs em diferentes graduações da área da saúde ( Azevedo e Pelicioni, 2012 ; Sousa et al., 2012 ; Teixeira e Lin, 2013 ).
De maneira geral, a formação de recursos humanos para o exercício de PICs em nosso país é considerada insuficiente e difusa, com limitações tanto na oferta quanto na qualidade do ensino profissional. Fato este reconhecido como um dos maiores desafios para a ampliação das PICs no SUS ( Azevedo e Pelicioni, 2012 ; Barros, Siegel e Otani, 2011; Brasil, 2011 ; Sousa et al., 2012 ; Teixeira e Lin, 2013 ; Tesser, 2009 ).
A orientação de pacientes na tomada de decisões em relação ao uso das PICs, com mais informação e menos preconceito ( Barros e Fiuza, 2014 ), exige profissionais sensibilizados com o cuidado ampliado e humanizado, capazes de integrar diferentes saberes e práticas em saúde ou, ao menos, interagir e colaborar com colegas que efetivamente adotem diferentes paradigmas em sua prática de cuidado (Barros; Siegel; Otani, 2011; Broom e Adams, 2013 ; Haramati et al, 2013; Nogueira, 2010 ; Teixeira e Lin, 2013 ; Wiles e Adler, 2013 ).
Muitas PICs compartilham entre si os paradigmas vitalista e holístico. Pelo vitalismo se estabelece que a vida é antes de tudo movimento, embasado em um princípio dinâmico que anima o funcionamento do organismo, visto como uma unidade viva. O adoecimento, dessa perspectiva, é fruto de um bloqueio ou alteração de ritmo nesse movimento. Pelo holismo se afirma que o microcosmo (cada ser vivo) manifesta, em sua constituição e funcionamento, o macrocosmo, isto é, “a complexa ordem presente no universo e sua harmonia”. Desse ponto de vista, adoecer significa se afastar dessa harmonia ( Luz e Wenceslau, 2012 , p.187).
Esses paradigmas são essencialmente integradores, por estarem centrados tanto na experiência de vida do indivíduo em suas dimensões psicobiológica, social e espiritual, como na sensibilidade do terapeuta em detectar sinais de desequilíbrio nessa experiência. Diferenciam-se, portanto, do biomédico, que informa a medicina hegemônica, cuja abordagem anatomopatológica identifica e relaciona a doença à lesão (Camargo Jr., 2003).
Enquanto o saber e a terapêutica da racionalidade biomédica tendem a apresentar menor teor de integralidade, por sua tendência a fragmentar e reduzir o sujeito na focalização da doença ou respectivos riscos de forma idealmente específica, nas medicinas e terapêuticas vitalistas a integralidade é um alicerce fundador e organizador do seu saber e prática, é um princípio que lhes constitui não apenas na dimensão ética, mas também na dimensão epistemológica ( Nogueira, 2010 ; Tesser, 2009 ). Dessa perspectiva, profissionais que recebem em sua formação os paradigmas que orientam as PICs podem contribuir para melhorar o relacionamento com pacientes, diminuir abordagens invasivas e insensíveis, ampliar a integralidade e tornar o trabalho em saúde mais resolutivo (Barros, Siege e Otani, 2011; Broom e Adams, 2013 ; Pearson e Chesney, 2007 ).
Para tanto, defende-se que a educação de profissionais de saúde integre conteúdos de PICs, em um contexto de ensino plural que ofereça um conjunto de perspectivas críticas de modelos terapêuticos e permita que estudantes e praticantes façam uso de diferentes paradigmas em saúde para lidar com os processos de adoecimento na sociedade contemporânea (Cahcim, 2004; Haramati et al., 2013 ; Nascimento e Nogueira, 2013 ; Otani e Barros, 2011 ; Schiff et al., 2012 ; Taylor et al., 2011 ; Wiles e Adler, 2013 ).
Diante deste cenário, a REPPICS – Rede de Pesquisa em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde –, que reúne representantes de quatro instituições de ensino superior (IES) públicas no Rio de Janeiro, desenvolveu a pesquisa “Práticas Integrativas e Complementares na Formação Profissional em Saúde”. O presente artigo apresenta os primeiros resultados dessa pesquisa: o mapeamento e a análise da oferta de cursos e disciplinas em PICs em IES públicas no Estado do Rio de Janeiro, e a identificação dos principais desafios diante da necessidade de ampliação do ensino de PICs para a formação profissional em saúde. O estudo contou com financiamento do Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde – PPSUS.
Trata-se de um estudo quantitativo descritivo da oferta de disciplinas e cursos em PICs, em nível de graduação e pós-graduação, nas 15 subáreas da saúde (Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social, Saúde Coletiva e Terapia Ocupacional) presentes em 06 IES públicas no Estado do Rio de Janeiro, inclusive em seus campi avançados: Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo).
A coleta de dados se deu entre maio e outubro de 2014, por meio do acesso aos sites oficiais dessas instituições, e foi complementada, quando necessário, por contatos com as coordenações e secretarias dos cursos. As disciplinas e cursos identificados foram classificados segundo as variáveis: IES, subárea de saúde (Medicina, Farmácia, Enfermagem etc.), nível do ensino (graduação e pós-graduação), subtemas das PICs (Homeopatia, Acupuntura, Meditação etc.); formato (obrigatório, eletivo ou optativo) e conteúdo (informativo ou formativo).
Entende-se como disciplinas informativas aquelas que oferecem conteúdos introdutórios teórico-conceituais em PICs, e as formativas, aquelas que habilitam o aluno na prática de uma ou mais PICs, o que inclui necessariamente carga horária prática. Quanto ao seu formato, as disciplinas foram identificadas como obrigatórias, eletivas ou optativas, de acordo com a classificação que recebem em suas instituições proponentes.
Para a consolidação dos dados construiu-se uma planilha, com base nas variáveis da pesquisa. O processo de análise considerou a categoria racionalidades médicas ( Luz, 2005 e 2012; Luz e Barros, 2012 ; Nascimento et al, 2013) em confluência com aspectos da ‘integralidade’ ( Nogueira, 2010 ; Tesser e Luz, 2008 ) como princípio normativo do SUS. Os resultados encontrados foram discutidos à luz de achados em literatura nacional e internacional.
A pesquisa revelou um total de 46 disciplinas que contemplam as PICs em IES públicas no Estado do Rio de Janeiro. Destas, 39 (85%) estão vinculadas à graduação e 7 (15%) à pós-graduação. Além destas disciplinas, registraram-se três cursos de especialização lato sensu , cinco projetos de extensão universitária e duas ligas acadêmicas, que juntos constituem um conjunto de 56 unidades de ensino voltadas às PICs, a grande maioria com abordagem exclusiva do tema.
A Figura 1 mostra a distribuição da oferta do ensino em PICs entre as IES estudadas: a UFF reúne 46% do total, a UFRJ responde por 21%, a Unirio por 16%, a Uerj por 9%, enquanto o IFRJ e a Uezo respondem cada um por 4%.

Na graduação em saúde, os dados revelaram um expressivo crescimento na oferta deste ensino. No ano 2000, 10 disciplinas contemplavam as PICs nas IES estudadas; em 2005, esse número quase duplicou, e chegou a 19 disciplinas; e desde 2006, ano em que o Ministério da Saúde promulgou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC ( Brasil, 2008 ), foram criadas outras 20 disciplinas. Ou seja, nos últimos 15 anos o crescimento na oferta de disciplinas que contemplam as PICs na graduação em saúde das IES públicas estudadas aumentou cerca de 300%, o que contrasta com a oferta relativamente pequena na pós-graduação, iniciada principalmente em 2004.
Os cursos de PICs em nível de pós-graduação estariam concentrados em instituições privadas de ensino ( Azevedo e Pelicioni, 2012 ; Barros, Siegel e Otani, 2011; Sousa et al., 2012 ; Teixeira e Lin, 2013 ). Nesse sentido, a ampliação da especialização em PICs em nível de pós-graduação e comprometida com o SUS se destaca como um dos desafios das IES públicas no ensino destas práticas.
De acordo com Broom e Adams (2013) , a maioria dos programas internacionais que inclui conteúdos de MCA em cursos de formação em saúde está localizada em nível de pós-graduação, dirigido a residentes e especialistas, embora haja um crescimento na introdução deste ensino em cursos de graduação.
Tem-se como exemplo o curso eletivo de introdução às medicinas complementares e alternativas dirigido a residentes e especialistas do Departamento de Medicina de Família da Bruce Rappaport Faculty of Medicine, em Israel, onde são contemplados conteúdos de Fitoterapia, Medicina Tradicional Chinesa, Homeopatia e Medicina Nutricional ( Teixeira e Lin, 2013 ). Nos Estados Unidos, estudos da Society of Teachers of Family Medicine apontaram que 39,2% das escolas médicas ofereciam instrução em MCA a seus residentes (Carlston, Stuart e Jonas, 1997) e recomendaram sua ampliação em residências de médicos de família (Kliger et al, 2000).
Na graduação, há referências ao ensino de MCA em escolas médicas dos EUA, Canadá, México, Reino Unido, Alemanha, Taiwan, Japão e Coréia (Broom e Adam, 2013; Cahcim, 2004; Teixeira e Lin, 2013 ). Vale ressaltar iniciativas do National Center for Complementary and Alternative Medicine (NCCAM-NIH) no investimento em projetos de educação sobre medicina complementar e alternativa na formação de profissionais de saúde dos EUA para atender à demanda da população ( Lee et al., 2007 ; Pearson e Chesney, 2007 ).
No Brasil, ainda há pouca informação organizada sobre a oferta de ensino em PICs, seja na graduação ou pós-graduação. A maioria dos estudos envolve temas específicos das PICs em uma ou duas instituições locais, com informações mais concentradas na área médica e de enfermagem, o que não permite uma abordagem mais abrangente e demonstra a necessidade de ampliar as pesquisas nessa temática.
Programas de residência médica em Homeopatia estão disponíveis no Hospital Graffrée e Guinle, da Unirio, enquanto em Acupuntura estão presentes em nove instituições, a maioria localizada no Estado de São Paulo ( Teixeira e Lin, 2013 ). Destaca-se a reduzida presença do ensino de PICs em Programas de Residência Multiprofissional em Saúde. Essas residências têm entre seus objetivos potencializar a integração das diferentes profissões em saúde e contribuir para a integralidade do cuidado e, portanto podem em tese contribuir para ampliar a inserção das PICs no trabalho em saúde. Azevedo e Pelicioni (2012) , em um levantamento preliminar, fazem menção à presença de módulos ou disciplinas em PICs em residências multiprofissionais em Saúde da Família em Goiás e em Santa Catarina.
A pesquisa identificou a oferta de ensino em PICs em 11 das 14 subáreas de saúde presentes nas IES estudadas, com exceção apenas de Serviço Social, Nutrição e Fisioterapia.
A Medicina liderou essa oferta ao responder por 31% do total. Em seguida veio a Farmácia, com 22%. A Enfermagem apareceu em 3º lugar, com 14%, seguida da Terapia Ocupacional (7%), Educação Física, Psicologia e Saúde Coletiva (cada uma com 5% da oferta) e Medicina Veterinária (4%). O item ‘outros’ na Figura 2 inclui cursos de Fonoaudiologia, Odontologia, Biomedicina e Ciências Biológicas, que juntos somaram 7% da oferta total.

A ausência do ensino de PICs na Fisioterapia chama atenção, já que o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional foi o primeiro da área da saúde a legitimar o uso da acupuntura (Resolução Coffito n. 60/1985). As disputas que eenvolvem a legalidade do exercício desta terapêutica no Brasil por categorias não médicas ( Nascimento, 2006 ) possivelmente contribuem para o entendimento deste fato. Mas também na Nutrição a ausência se destaca, tendo em vista a propagação, por diferentes meios, de informações dietéticas baseadas nas Medicinas Chinesa ou Ayurvédica . Apesar dessas ausências, os resultados encontrados revelam que o ensino das PICs tem ganhado espaço em diferentes subáreas da saúde, o que tende a favorecer sua abordagem de forma multidisciplinar nos serviços de saúde.
Não foram localizados estudos prévios sobre a distribuição nacional do ensino das PICs entre as subáreas de saúde, apenas sobre sua concentração em subáreas específicas. Na subárea da Enfermagem, por exemplo, estudo de Salles, Homo e Silva (2014) indicou que 26,1% das IES públicas brasileiras oferecem disciplinas relacionadas às PICs. Já na Medicina, estudo preliminar de Azevedo e Pelicioni (2012) permite inferir que menos de 10% dos cursos de natureza pública e privada, oferecidos em nosso país, incluem em seus currículos, conteúdos relacionados às PICs. Na Odontologia, identificou-se apenas um estudo realizado em duas instituições no Estado de São Paulo sobre as percepções dos estudantes acerca do ensino das PICs ( Gonçalo et al., 2011 ); o que reitera a carência de dados mais abrangentes.
No cenário internacional, para se ficar com o exemplo dos cursos de Medicina, tem-se que em 1997-98, dentre 117 escolas médicas americanas pesquisadas, 64% ministravam aulas sobre MCA; em 1988, 81% das escolas médicas canadenses ofereciam esses conteúdos; e em 1999, 40% das escolas médicas da União Europeia incluíam o tema em seus currículos ( Teixeira e Lin, 2013 ). Confrontados estes números com os achados em nosso país, destaca-se o reduzido percentual relativo de inserção das PICs na formação médica brasileira.
A distribuição de subtemas de PICs em IES públicas do Estado do Rio de Janeiro indica um destaque para a Homeopatia, presente em 25 (44,6%) das 56 unidades de ensino-aprendizagem identificadas. Em ordem de maior presença, apresentaram-se ainda os subtemas Meditação, Práticas Corporais, Vitalismo/Holismo, Plantas Medicinais/Fitoterapia, Acupuntura/MTC, Medicina Antroposófica e Terapia Expressiva ( Figura 3 ).

Salientamos que cada subtema pode ter sido computado em mais de uma das 56 unidades de ensino-aprendizagem em PICs identificados nas IES estudadas, conforme a indicação nas ementas divulgadas no site ou na secretaria dos cursos, fontes consultadas para compor este mapeamento.
A Homeopatia esteve contemplada em todas as IES pesquisadas e no maior número de subáreas, principalmente em cursos de Medicina e Farmácia. A Medicina Homeopática se desenvolveu na Alemanha no início do século XIX, e em meados desse mesmo século foi trazida ao Brasil ( Luz, 1996 ), onde veio a ser reconhecida como especialidade pelo Conselho Federal de Medicina em 1980, pelo Conselho Federal de Farmácia em 1992 e pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária em 2000. No ano de 2008, o Conselho Federal de Odontologia reconheceu e regulamentou o uso de práticas integrativas e complementares à saúde bucal pelo cirurgião dentista, o que inclui igualmente a Homeopatia.
O subtema Meditação mostrou-se relacionado principalmente à filosofia Ayurveda , desenvolvida na Índia há cerca de 2 mil anos a.C. O termo Ayurveda , em sânscrito, significa conhecimento ou sabedoria da vida, da saúde e da longevidade ( Marques, 2012 ). Os fundamentos dessa filosofia deram origem à Medicina Ayurvédica , cuja propagação no Brasil é mais recente quando comparada à Homeopatia, principalmente a contar dos anos de 1970 ( Luz e Barros, 2012 ). O termo mindfulness , traduzido como atenção plena e presente em diferentes tradições culturais e filosóficas (Campayo, Demarzo e Gil, 2015; Demarzo et al., 2015 ), também compareceu em ementas de disciplinas sobre meditação.
Entre as práticas corporais contempladas como estratégias terapêuticas no ensino das PICs, destacaram-se as derivadas da Medicina Ayurvédica ( yoga e pranayamas ) ( Barros et al., 2014 ), seguidas das vinculadas à Medicina Tradicional Chinesa – MTC ( lian gong, qi gong, tai qi chuan ) ( Luz, 2006 ). A MTC, como a Ayurvédica , tem raízes milenares e se propagou no Brasil principalmente a partir dos anos 1970 ( Luz e Barros, 2012 ; Nascimento, 2006 ).
O subtema Vitalismo/Holismo foi identificado em disciplinas que enfatizam diferenças paradigmáticas entre as PICs e as práticas hegemônicas de cuidado, sem, contudo destacar uma PIC específica.
O subtema de Plantas Medicinais/Fitoterapia também se mostrou presente em todas as IES estudadas, distribuído em três subáreas: Ciências Biológicas, Farmácia e Medicina Veterinária. Chama atenção sua ausência em cursos de Medicina, tendo em vista a presença de 12 fitoterápicos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) ( Brasil, 2013 ). Ressalta-se que o uso de plantas medicinais para aliviar ou curar enfermidades acompanha a humanidade desde os seus primórdios, e se apresenta nas mais diversas tradições culturais. Quando a planta medicinal é industrializada para se obter um medicamento, tem-se o fitoterápico ( Santos et al., 2011 ).
O ensino do subtema Acupuntura se mostrou presente nas subáreas de Enfermagem, Medicina e Saúde Coletiva. Trata-se de uma modalidade terapêutica da Medicina Tradicional Chinesa, reconhecida no Brasil a partir de 1985 por diferentes conselhos da área da saúde ( Luz, 2006 ; Nascimento, 2006 ).
O ensino do subtema Medicina Antroposófica compareceu em cursos de Medicina e Saúde Coletiva. Esta medicina teve origem na Alemanha no início do século XX, associada à filosofia Antroposófica de Rudolf Steiner (1861-1925); no Brasil é mais conhecida em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro ( Luz e Wenceslau, 2012 ).
Por fim, o subtema Terapia Expressiva compareceu apenas na Saúde Coletiva da UFF. Esta modalidade terapêutica guarda relação com a terapia ocupacional e a arteterapia, com referenciais teóricos da Psicologia Analítica proposta pelo suíço Carl Gustav Jung ( Vianna, 2014 ).
A presença de diferentes modalidades de PICs no ensino em saúde, ao considerar-se interesses de professores, alunos e usuários dos serviços, combinados aos contextos e recursos locais, permite aos futuros profissionais ampliar suas possibilidades no cuidado em saúde. Contribui também para a liberdade de escolha terapêutica, de acordo com o perfil de adoecimento de cada indivíduo, e as necessidades e possibilidades de cuidado envolvidas.
A Tabela 1 mostra as subáreas da saúde em que cada subtema de PICs compareceu.


No livro Enfermagem e as Práticas Complementares em Saúde ( Salles e Silva 2011 ), as autoras destacam também outras PICs associadas à prática da Enfermagem: Aromaterapia, Auriculoterapia, Iridologia, Massagem, Música, Reflexologia, Reiki, Terapia Floral e Toque Terapêutico.
Estudo sobre a oferta de serviços em PICs no SUS no período de 2007-2011 ( Sousa et al., 2012 ), indicou que 49% foram de Práticas Corporais, 35% de Acupuntura e outras técnicas da MTC, 8% de Homeopatia e 6% de Fitoterapia. Já no setor privado, no mesmo período, a oferta foi liderada pela Acupuntura e outras técnicas da MTC (63,5%), seguida das Práticas Corporais (22%), Homeopatia (10%) e Fitoterapia (2%).
Não foram localizadas pesquisas sobre as modalidades de PICs mais demandadas pela população no Brasil. Nos EUA, estudo do National Health Interview Survey (Barnes, Bloom e Nahin, 2008) sobre as modalidades de MCA mais utilizadas pela população adulta indicou os Produtos Naturais (17,7%), a Respiração Profunda (12,7%), a Meditação (9,4%), a Quiropraxia e a Osteopatia (8,6%), as Massagens (8,3%), o Yoga (6,1%) entre outras. Estudo de Frass et al. (2012) baseado em publicações de língua inglesa e germânica na década passada, identificou a Manipulação Quiroprática, a Fitoterapia, a Massagem e a Homeopatia como as terapias de MCA mais comumente procuradas pela população em geral.
Um levantamento sobre o ensino de MCA nos EUA em 53 escolas médicas ( Brokaw et al., 2002 ) mostrou que as modalidades mais frequentemente ensinadas eram Acupuntura (76,7%), Fitoterapia (69,9%), Meditação e Relaxamento (65,8%), Espiritualismo/Religião/Oração (64,4%), Quiroprática (60,3%), Homeopatia (57,5%) e Nutrição/Dietas (50,7%).
De maneira geral, não se observa uma correlação linear entre a demanda e oferta de serviços e a de ensino, regidas por lógicas distintas, ainda que com pontos de contato e de influência mútua. Dentro dos limites deste artigo, vale destacar a presença expressiva de práticas não tradicionalmente vinculadas à atenção médica, como a meditação e as práticas corporais, tanto no lado da demanda de cuidado quanto no da oferta de ensino e cuidado em PICs.
ontribuíram igualmente para a produção e revisão do artigo e declaram que não há conflitos de interesses.
A Figura 4 mostra 17 disciplinas obrigatórias em PICs nas IES estudadas no Estado do Rio de Janeiro, o que representa 37% do total ofertado; 19 disciplinas optativas (41%) e 10 eletivas (22%). Isso significa um total de 63% das disciplinas em PICs ofertadas em formato opcional. Esclarece-se que os três cursos lato sensu específicos em PICs (dois em Homeopatia oferecido na Unirio e um em Acupuntura/MTC ofertado na UFF) não foram desmembrados em disciplinas para efeito da análise, e por isto não entraram nesse item dos resultados.

Vários autores destacam a larga predominância de disciplinas opcionais (eletivas e optativas) na oferta de ensino em PICs, tanto no Brasil como no exterior ( Brokaw et al., 2002 ; Broom e Adams, 2013 ; Christensen e Barros, 2010 ; Salles, Homo e Silva, 2014). Se considerarmos que a oferta deste ensino ainda não está presente no conjunto dos cursos de saúde, pode-se inferir que a ausência de formação de egressos neste tema é ampla.
A falta do ensino em PICs prejudica a orientação segura de pacientes para a tomada de decisões em relação a seu uso, o que inclui indicações terapêuticas, mecanismos de ação, interações medicamentosas e possíveis riscos, e, dessa forma, tende a limitar que os pacientes se beneficiem adequadamente destas práticas. Se o aluno não recebe formação em PICs encontrará dificuldade também na comunicação e colaboração com profissionais que atuam com diferentes paradigmas em saúde (Barros, Siegel e Otani, 2011; Broom e Adams, 2013 ). Tal colaboração entre profissionais de saúde é desejável, tendo em vista o crescimento das PICs na demanda da população, no apoio de estudantes da área da saúde, e também na sua inserção nos serviços de saúde.
Estudos têm revelado o interesse de estudantes da área de saúde no ensino das PICs ( Azevedo e Pelicioni, 2012 ; Barros, Siegel e Otani, 2011; Broom e Adams, 2013 ; Christensen e Barros, 2010 ; Galhardi e Barros, 2008 ; Massière, 2011 ; Teixeira e Lin, 2013 ), com argumentos que apontam sua contribuição na eficácia terapêutica, no relacionamento com pacientes, na integralidade e humanização do cuidado, e na possibilidade de mudança no padrão biologizante e medicalizante com diminuição de abordagens invasivas e insensíveis no cuidado em saúde, o que inclui a medicalização abusiva e sua consequente iatrogenia ( Tesser e Barros, 2010 ).
Dessa perspectiva, a ampliação no número de estudantes da área de saúde em disciplinas e cursos que trabalhem conceitos fundamentais das PICs e sua integração no processo saúde-doença-cuidado, no contexto do SUS, também pode ser agregada aos desafios das IES públicas.
As disciplinas que contemplam as PICs nas IES estudadas no Estado do Rio de Janeiro são, em sua maioria (67%), informativas. As disciplinas formativas (33%), que habilitam o aluno para o exercício prático de uma ou mais PICs, mostraram-se concentradas nas subáreas de Farmácia, Terapia Ocupacional, Medicina, Medicina Veterinária e Enfermagem. A UFRJ oferece a maior parte das disciplinas formativas, seguida da UFF, Unirio e Uerj.
Não foram identificadas pesquisas com este recorte específico em outras IES brasileiras. Mas estudo realizado em 53 escolas médicas americanas ( Brokaw et al., 2002 ) indicou que apenas uma minoria dos cursos de graduação (17,8%) oferecia treinamento prático no uso de técnicas específicas de MCA. Assim, a formação prática tende a ser delegada a cursos de especialização, quando for de interesse do estudante.
Para melhor refletir sobre essa questão é importante sublinhar que as denominações PICs e MCA englobam tanto racionalidades médicas – Medicinas Chinesa, Ayurvédica , Homeopática e Antroposófica – como diferentes práticas terapêuticas – Fitoterapia, Yoga , Acupuntura, entre outras.
Segundo Luz (2012) , a categoria racionalidade médica pode ser resumidamente definida como um sistema médico complexo estruturado, composto de seis dimensões teóricas fundamentais: morfologia (anatomia), dinâmica vital (fisiologia), doutrina médica, sistema de diagnose, sistema terapêutico e cosmologia. Esta última embasa teórica e simbolicamente as cinco primeiras dimensões. As várias racionalidades ou sistemas médicos existentes originam-se de culturas e épocas distintas, e trabalham com concepções diferentes de saúde e adoecimento.
A formação em uma racionalidade médica exige cursos de longa duração, que no Brasil são oferecidos predominantemente em nível de pós-graduação, sobretudo por instituições privadas. Entretanto, observa-se que essa formação tem sido introduzida na graduação em saúde, segundo uma perspectiva filosófica e de opção terapêutica, de forma a inibir preconceitos do senso comum, enfatizar habilidades de comunicação, relação com pacientes e abordagem integral do cuidado, como acontece com a Homeopatia, por exemplo, nas instituições estudadas.
As práticas terapêuticas, por sua vez, “embora possam ser elementos de uma dimensão de uma racionalidade médica específica”, podem ser aplicadas de forma isolada, “obedecendo mais a uma lógica empírica de eficácia do que a uma coerência teórica dos sistemas” ( Nascimento et al., 2013 , p. 3.597). As diferentes formas de apropriação da Acupuntura na atualidade ilustram essa afirmação: desde a mais tradicional, alinhada ao paradigma vitalista e à racionalidade médica tradicional chinesa; até a chamada Acupuntura Neurofuncional, que se aproxima da concepção biomédica ( Dias et al., 2013 ; Massière, 2011 ). No Brasil, o ensino de práticas terapêuticas pode ser encontrado em cursos livres, técnicos, de graduação ou pós-graduação ( Azevedo e Pelicioni, 2012 ).
De acordo com Teixeira e Lin (2013) , nos EUA são reconhecidos diferentes níveis de competência em práticas e medicinas tradicionais e complementares: baixo, que inclui conhecimentos básicos para indicar e encaminhar pacientes a outros profissionais mais qualificados; médio, que envolve habilidade prática para lidar com condições e doenças específicas; e alto, que permite tratar diferentes condições ou doenças. Considerando-se a complexidade de cada modalidade terapêutica, o ensino de competências em níveis baixo a médio pode se mostrar viável em diferentes graduações em saúde e ser idealmente ilustrado com vivências de cuidado de si ou de autocuidado.
A distribuição identificada nas IES estudadas entre informação e formação em PICs, embora se aproxime de experiências internacionais, indica a necessidade de ampliação da abordagem formativa, caso se queira responder efetivamente à demanda destas práticas nos serviços e cuidados de saúde com uma oferta de qualidade, segura e eficaz.
Quanto ao conteúdo das disciplinas informativas, os dados da pesquisa revelaram uma forte tendência em destacar diferenças paradigmáticas entre as PICs e o modelo hegemônico de cuidado, focalizado no combate à doença ou aos seus riscos. O estudo adequado de diferenças paradigmáticas pode proporcionar aos futuros profissionais uma possibilidade de compreender por que e como os pacientes usam as PICs, como também encorajar o debate sobre concepções distintas acerca da natureza da doença, a importância do indivíduo no efeito terapêutico, a abrangência do cuidado etc.
Entretanto, diferenças paradigmáticas e de linguagem podem também dificultar a introdução das PICs na formação em saúde. Se as diferenças são apresentadas de forma estanque e simplista, podem limitar a compreensão de estudantes. Afinal, na prática do cuidado, há profissionais que se aproximam de uma abordagem indivíduo-centrada (subgrupos da medicina de família, clínica geral, medicina paliativa, enfermagem etc.), enquanto alguns praticantes de PICs podem trabalhar com uma abordagem mais focalizada no tratamento de doenças. A Acupuntura e a Quiropraxia, por exemplo, podem se apresentar como práticas mais holísticas em alguns contextos ou com uma abordagem relativamente biomédica em outros. Contudo, ainda que as diferenças paradigmáticas possam ser minimizadas na prática do cuidado, é fundamental que não sejam ignoradas, sob o risco de submissão de um paradigma a outro, com prejuízos em suas contribuições ( Broom e Adams, 2013 ; Nascimento, 2006 ; Massière, 2011 ).
Assim, considera-se importante enfatizar, além de diferenças, pontos de aproximação e interseção entre as PICs e o modelo de cuidado focalizado nas doenças, e principalmente as possibilidades de interação e complementaridade entre eles. Entende-se que esta abordagem integrativa pode colaborar de forma mais eficaz na formação de profissionais sensibilizados com a construção de um cuidado ampliado, uma atenção integral e um trabalho de saúde mais resolutivo (Myklebust, Pradhan e Gorenflo, 2008; Nascimento et al., 2013 ; Nogueira, 2010 ; Tesser, 2009 ).
Ao se considerar que todas as medicinas e terapêuticas apresentam limites na abordagem do processo saúde-doença-cuidado, a interação de diferentes paradigmas e modalidades terapêuticas poderá contribuir para aumentar o teor de integralidade nas práticas de saúde. Entende-se, portanto, a possibilidade de convivência e intercâmbio de caráter cooperativo entre diferentes paradigmas a serviço da saúde do indivíduo que demanda cuidado, por meio de um trabalho interprofissional, com abordagem pluridimensional da saúde e complementaridade de distintos saberes e procedimentos terapêuticos, de acordo com a especificidade de cada situação de adoecimento ( Nascimento, 2006 ; Nascimento e Nogueira, 2013 ; Nogueira, 2010 ; Tesser, 2009 ).
Há algumas décadas o ensino da MCA na formação universitária em saúde no mundo ocidental era praticamente inimaginável. Atualmente, além da presença crescente destes conteúdos em diferentes cursos, há registros de experiências de caráter integrado em que estas medicinas e práticas estão inseridas ao longo dos currículos, de maneira a diminuir as fronteiras no cuidado em saúde ( Maizes et al., 2002 ; Wetzel et al., 2003 ; Cahcim, 2004; Otani e Barros, 2011 ; Taylor et al., 2011 ; Schiff et al., 2012 ; Nascimento e Nogueira, 2013 ; Haramati et al., 2013 ; Wiles e Adler, 2013 ).
O Implementation Guide for Curriculum in Integrative Medicine , publicado pelo Consortium of Academic Health Centers for Integrative Medicine (Cahcim, 2004), defende o que chama de Medicina Integrativa como uma prática que reafirma a importância do relacionamento entre profissional e usuário do serviço, “focaliza a pessoa como um todo, faz uso de evidências científicas e utiliza, com apropriação, todas as abordagens terapêuticas e tratamentos” ( Otani e Barros, 2011 , p. 49).
A proposta do Cahcim inclui a transformação do cuidado em saúde através de novos modelos clínicos e programas educacionais capazes de integrar a biomedicina, a complexidade do ser humano, a natureza intrínseca do cuidado e a rica diversidade de sistemas terapêuticos, e enfatiza habilidades de comunicação, a relação médico-usuário e a abordagem integral.
Entretanto, as experiências inovadoras que apresentam uma integração das MCA nos diversos módulos de ensino em saúde de maneira transversal, desde os primeiros anos de formação até a residência, são ainda localizadas, mesmo no cenário internacional. No Brasil, as experiências de ensino em PICs apresentam-se majoritariamente de forma compartimentada, como um anexo ao corpo central do conhecimento em saúde (Barros, Siegel e Otani, 2011; Broom e Adams, 2013 ; Christensen e Barros, 2010 ; Salles, Homo e Silva, 2014; Sousa et al., 2012 ; Teixeira e Lin, 2013 ). As experiências deste ensino no Estado do Rio de Janeiro confirmam esta tendência.
A integração do ensino das PICs na formação em saúde demanda apoio administrativo e institucional para a sua inclusão em currículos já formatados, com envolvimento de professores, alunos e usuários nesse processo, uso de recursos locais e respeito às leis e aos valores e símbolos culturais (Barros, Siegel e Otani, 2011). Dessa forma, há possibilidade de minimizar resistências de conteúdo ideológico, corporativo ou epistemológico, que devem ser identificadas, debatidas e entendidas ( Broom e Adams, 2013 ; Massière, 2011 ; Nascimento, 2006 ; Teixeira e Lin, 2013 ; Tesser, 2009 ).
A carência de tempo nos currículos de graduação e a necessidade de professores qualificados são também desafios importantes, que só poderão ser ultrapassados com a valorização de um modelo de cuidado que inclua experiências e saberes de interface da saúde e da vida e amplie o foco da doença para o indivíduo.
No Estado do Rio de Janeiro, o ensino das PICs se apresenta na maioria das subáreas em saúde presentes nas IES públicas, principalmente na Medicina, Farmácia e Enfermagem. Tem sido oferecido de forma predominantemente compartimentada e opcional, apoiado majoritariamente em disciplinas de abordagem teórico-conceitual e informativa. Os subtemas mais frequentes são Homeopatia, Meditação e Práticas Corporais.
A predominância de formato opcional e de conteúdos informativos nas disciplinas identificadas confirma a tendência encontrada em outros estudos sobre o ensino das PICs. Já a abordagem de sua presença e distribuição por subáreas de saúde e subtemas das PICs, em instituições públicas de ensino superior de uma unidade da federação, é uma contribuição original deste estudo que permite ampliar a reflexão sobre a colaboração destas instituições na formação em PICs, de forma a consolidar a implementação e execução da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC no SUS.
Embora se tenha constatado a grande contribuição que as IES públicas fluminenses oferecem para a formação e qualificação dos profissionais de saúde dentro da temática das PICs, o perfil desse ensino mostrou-se ainda insuficiente para promover uma inserção integrada destas práticas no cuidado e consolidar sua contribuição para a integralidade das ações de saúde. Dessa perspectiva, os desafios das IES públicas no Estado do Rio de Janeiro frente ao ensino das PICs são principalmente o de ampliá-lo, qualificá-lo e integrá-lo aos demais conteúdos relacionados ao cuidado.
Isto significa ofertá-lo de maneira integrada a um maior número de estudantes nos diversos cursos em saúde, na graduação e pós-graduação, com possibilidade de formação prática para aqueles que manifestem esse interesse. Significa também oferecer o estudo adequado de diferenças, mas também de interações e complementaridade entre diferentes saberes e práticas na perspectiva da integralidade do cuidado. Ao considerar o caráter público das IES estudadas, destaca-se ainda a importância da orientação do ensino em saúde, inclusive o das PICs, para o SUS.
Novas pesquisas poderão identificar conformações diversas da oferta de ensino em PICs em outras unidades da federação, incluir a percepção das pessoas envolvidas, permitir estudos comparativos e contribuir para a reflexão sobre estratégias de avanço na formação em PICs em IES públicas. E, dessa maneira, estimular e subsidiar mudanças curriculares na formação profissional superior em saúde com vistas ao fortalecimento das PICs no SUS.
Ao CNPq, Capes e Faperj pelo financiamento. A Leandro Rocha, Maria Inês Nogueira e Milica Noguchi, na UFF; Adriana Passos Oliveira, Fortune Homsani, Hannah Domingos, Julio Cesar Q. Magalhães, Marcia Augusta P. da Silva e Walkiria Matheus, na UFRJ; Eduardo Santiago, Francisco José de Freitas, Michel Wassersten e Rodrigo Mello, na Unirio; Camila Siqueira, no IFRJ; Ana Almeida e Ana Clara Derani, na Uerj; e Alessandra Micherla, na Uezo, pela colaboração na execução da pesquisa.
Marilene Cabral do Nascimento, Valéria Ferreira Romano, Ana Claudia Santos Chazan e Carla Holandino Quaresma contribuíram na concepção, delineamento, análise e interpretação de dados, redação, revisão e aprovação final do artigo.
Correspondência: Universidade Federal Fluminense, Centro de Ciências Médicas, Instituto de Saúde da Comunidade, Rua Marquês do Paraná, 303, 3o andar, Centro, CEP 24033-900, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.





