Resumo: O presente estudo objetivou avaliar o contexto de trabalho dos profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em Fortaleza, Ceará. Foi realizada uma pesquisa transversal e descritiva, que contou com a participação de uma amostra não probabilística de 229 participantes de diferentes categorias profissionais que atuam no serviço. Os participantes responderam à Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho, composta por três fatores. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e multivariada. Os resultados evidenciaram que os fatores analisados na escala - organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho - apresentaram índices críticos, que sinalizam um alerta para o risco de adoecimento. Conclui-se que os profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência vivenciam um risco potencial que poderá desencadear danos à saúde ocupacional. Recomenda-se que sejam efetivadas medidas para melhoria na organização do trabalho, em suas condições laborais e suas relações socioprofissionais.
Palavras-chave: contexto de trabalho, saúde do trabalhador, atendimento pré-hospitalar, Samu.
Abstract : This study aimed to evaluate the work context of professionals from the Mobile Emergency Care Service in Fortaleza, Brazil. A cross-sectional and descriptive research was carried out, with the participation of a non-probabilistic sample of 229 participants from different professional categories who work in the service. Participants responded to the Work Context Assessment Scale, composed of three factors. Data were analyzed using descriptive and multivariate statistics. The results showed that the factors analyzed in the scale - Work Organization, Socio-professional Relationships and Working Conditions - presented critical indices, which signal an alert for the risk of illness. It is concluded that the professionals of the Mobile Emergency Care Service experience a potential risk that could trigger damage to occupational health. It is recommended that measures be taken to improve the organization of work, their working conditions and their socio-professional relationships.
Keywords: work context, worker’s health, pre-hospital care, Samu.
Resumen: El presente estudio tuvo como objetivo evaluar el contexto de trabajo de los profesionales del Servicio Móvil de Atención de Urgencia en Fortaleza, Brasil. Se realizó una investigación transversal y descriptiva, con la participación de una muestra no probabilística de 229 participantes de diferentes categorías profesionales que actúan en el servicio. Los participantes respondieron a la Escala de Evaluación del Contexto de Trabajo, compuesta por tres factores. Se analizaron los datos mediante estadística descriptiva y multivariada. Los resultados mostraron que los factores analizados en la escala - organización del trabajo, relaciones socioprofesionales y condiciones de trabajo - presentaron índices críticos, que señalan una alerta para el riesgo de enfermedad. Se concluye que los profesionales del Servicio Móvil de Atención de Urgencia experimentan un riesgo potencial que podrá desencadenar daños a la salud ocupacional. Se recomienda tomar medidas para mejorar la organización del trabajo, en sus condiciones laborales y sus relaciones socioprofesionales.
Palabra clave: contexto de trabajo, salud del trabajador, atención prehospitalaria, Samu.
Artigo
Avaliação do contexto de trabalho do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
Evaluation of the work context of the Mobile Emergency Care Service
Evaluación del contexto de trabajo del Servicio Móvil de Atención de Urgencias
Recepção: 13 Setembro 2021
Aprovação: 14 Fevereiro 2022
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tem a finalidade de prestar atendimento emergencial às pessoas. Trata-se de um serviço de socorro pré-hospitalar móvel, no qual o usuário, por meio do acesso telefônico gratuito pelo número 192, solicita atendimento. O programa é composto por uma central de regulação e por equipes assistenciais de suporte básico e avançado à vida. Sua operacionalização inicia-se na central de regulação, quando o técnico auxiliar de regulação médica (TARM) faz a recepção do chamado, realizando a identificação e a localização do paciente. No final, a central orienta e decide qual o tipo de ambulância que prestará o atendimento (Brasil, 2006; Padilha et al., 2018; Souza et al., 2013).
Para efetivar essa estrutura pré-hospitalar, o Samu foi incorporado como uma das portas de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2003, pela portaria n. 1.863/2003. Entretanto, somente com o decreto n. 5.055/2004 o programa foi instituído em municípios e regiões do território nacional (Padilha et al., 2018; Cogo et al., 2020).
A implantação do componente de atendimento pré-hospitalar móvel foi realizada após significativo aumento das mortes por causa externa, as quais quase dobraram entre 1977 e 1994 (Mello-Jorge, Gawryszewski e Latorre, 1997), com destaque para os causados por acidente de trânsito, que representaram 19,5% das mortes em 2002 (Queiroz, 2001). Surgiu em um contexto de grande insatisfação com o atendimento nas emergências hospitalares, caracterizadas por filas e superlotação e grande acúmulo de doentes, tanto no setor público como no privado. Foi uma resposta governamental a uma necessidade pública, com foco na adoção de conceitos ampliados de urgência e de atendimento centrado no usuário. Para tal, o serviço realiza diferentes ações antes da chegada do paciente ao ambiente hospitalar, incluindo o atendimento no cenário do acidente, no transporte e na chegada ao hospital (O’Dwyer e Mattos, 2013; O’Dwyer et al., 2017; Padilha et al., 2018).
O trabalho dos profissionais do Samu ocorre em um ambiente dinâmico, com tensões constantes, providas de situações de tomada de decisão, exposição e imprevisibilidade. Tais características despertam a necessidade de realização de mais estudos sobre o trabalho dessas equipes, especialmente sobre as condições de trabalho, sua relação com a saúde do trabalhador e risco de adoecimento (De Lima et al., 2021; Campos e David, 2011; Moisés, De Medeiros e Cartaxo de Freitas, 2013). Observa-se, todavia, que apesar da reconhecida importância do Samu na sua efetiva contribuição para a melhoria do atendimento de urgência e emergência, as comunicações científicas sobre o processo de trabalho do serviço ainda são incipientes.
Compreende-se que o contexto de trabalho não resguarda apenas as dimensões físicas e ambientais do trabalho (gases tóxicos, ruídos, luminosidade, poluentes, temperatura, esforço físico). Trata-se de um conceito amplificado que abarca fatores que perpassam também pelo processo de trabalho (emprego, salários, relações interpessoais e proatividade) e, amiúde, são introduzidas nas investigações das dimensões físicas de trabalho, tempo, controle e sistema de incentivos, por exemplo, como causadores básicos da saúde psíquica (Chiavenato, 2010; Lopes, 2020; Dos Santos et al., 2018; Gregório, 2017; Lacaz, 2007; Souza et al., 2019).
As condições de trabalho dos profissionais do Samu são marcadas por uma grande quantidade de ocorrências: desafios contra o tempo para se chegar ao local solicitado; reduzido número de ambulâncias para condução e atendimento dos chamados; tentativa de salvar vidas com uso de poucos recursos materiais e tecnológicos; ação em diversos locais, na maioria deles submetidos a baixa luminosidade, calor/frio, chuva, trânsito, escadas, falta de higiene, em meio a animais, tumultos sociais ou pessoas agressivas. Tais situações geram pressão e desafios aos trabalhadores na execução de suas atividades, que podem ser fonte de prazer ou de sofrimento (De Lima et al., 2021; Campos e David, 2011; Moisés, De Medeiros e Cartaxo de Freitas, 2013).
O trabalho é vivenciado de forma saudável quando as situações nas quais o enfrentamento de adversidades e pressões do trabalho, que causam instabilidade psicológica e mal-estar, podem ser transformadas (Anchieta et al., 2011; Granadeiro et al., 2020; Robbins, 2005). Já o sofrimento surge na forma de patologia quando se rompe o equilíbrio, e a angústia não é mais contornável, ou seja, quando os investimentos intelectuais e psicoafetivos dos trabalhadores não são mais suficientes para atender às demandas e tarefas impostas pela organização (Dejours, 1994; Mendes, 2007; Prestes et al., 2011). Torna-se, portanto, importante compreender o impacto dessas alterações sobre a saúde dos colaboradores.
O estudo da saúde dos trabalhadores do Samu desperta o interesse, já que peculiaridades referentes à estrutura física desse setor e a dinâmica do processo de cuidar podem influenciar no processo saúde-doença desses profissionais. Diante desse cenário, objetivou-se na presente pesquisa avaliar o contexto de trabalho no Samu da capital cearense.
Desenvolveu-se uma pesquisa de abordagem quantitativa, do tipo descritiva e de levantamento (survey). Por meio dessa técnica de investigação, é possível fazer a “interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer” (Gil, 2008, p. 55).
Para tal, contou-se com uma amostra não probabilística por conveniência composta por 229 profissionais do Samu de Fortaleza (CE). Considerou-se como critério de inclusão: ser brasileiro, maior de 18 anos de idade, profissional de saúde ou administrativo ativo do Samu de Fortaleza.
Para a análise das respostas dos participantes, utilizou-se a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho, integrada ao Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA). Ela tem sustentação em algumas dimensões da inter-relação trabalho e processo de subjetivação, como o próprio contexto de trabalho e os efeitos que ele pode exercer no modo de o trabalhador vivenciá-lo e, consequentemente, sobre sua saúde (Mendes, 2007).
A Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho é composta no seu modelo original por três fatores: organização do trabalho (CT_OT), relações socioprofissionais (CT_RS) e condições de trabalho (CT_CT), com eigenvalues de 1,5, variância total de 38,46%, KMO de 0,93, com cargas fatoriais acima de 0,30, Alfa de Cronbach acima de 0,75. No presente estudo, foi comprovada a confiabilidade interna da escala, que possui α = 0,91 e 31 itens; com os três fatores confirmados: CT_OT (α = 0,70; 11 itens), CT_RS (α = 0,85; 10 itens) e CT_CT (α = 0,92; 10 itens).
O fator 1 - ‘organização do trabalho’ (CT_OT) - apresenta a maneira pela qual o trabalho está organizado dentro da instituição, ou seja, o ritmo de trabalho, se o número de pessoas existentes para realizar determinada tarefa é suficiente, a existência de pressão para a realização das tarefas, se há divisão de trabalho, dentre outros itens avaliados nessa dimensão.
O fator 2 - ‘relações socioprofissionais’ (CT_RS) - apresenta como está a comunicação entre os trabalhadores e a relação deles e com seus superiores, se há conflitos dentro do ambiente, se a chefia apoia, incentiva os seus subordinados para que desenvolvam o seu potencial profissional dentro da organização, como também se existe autonomia do trabalhador, auxiliando na tomada de decisão.
O fator 3 - ‘condições de trabalho’ (CT_CT) - fornece informações para a instituição, do ponto de vista do trabalhador, como as seguintes: se o ambiente físico de trabalho é favorável, se os instrumentos, equipamentos e mobiliário utilizados estão adequados à realização das tarefas, como também se o ambiente fornece risco à saúde dos trabalhadores.
Inicialmente, foram feitas visitas nos postos onde ficam as centrais de regulação para conhecer o território de trabalho no Samu de Fortaleza. Para a efetivação de coleta com os profissionais, foram feitas visitas posto a posto, em dias diferenciados, convidando aleatoriamente os que estavam disponíveis nos dias de visita. O instrumento foi preenchido de forma autoaplicável e individual, com duração média de trinta minutos.
Os resultados foram analisados com o auxílio do programa estatístico SPSS (v. 22.0), em quatro momentos. Fizeram-se análises descritivas tais como médias, desvios padrão e porcentagens nos dados sociodemográficos, para caracterizar a amostra. Em seguida, verificaram-se os Alpha de Cronbach dos fatores das escalas, para confirmar a confidencialidade interna dos itens.
Realizaram-se estatísticas descritivas para avaliação dos resultados das escalas, com análise dos dados conforme orientação dos autores, verificando-se a média e o desvio padrão de cada subescala e seus fatores. Seguem os parâmetros para a interpretação dos resultados da EACT: satisfatório (1 - 2,29); crítico (2,30 - 3,69); e grave (acima de 3,70) (Mendes, Ferreira e Cruz, 2007; Siqueira, 2008). Foram efetuadas comparações, por meio de Anova, teste não paramétrico para explorar as relações entre os escores obtidos nas escalas aplicadas e os dados sociodemográficos dos participantes de três ou mais grupos.
O estudo contou com 229 profissionais do Samu de Fortaleza. Com base na descrição dos dados sociodemográficos, constatou-se que os participantes tinham idade média de 35,87 DP = 10,52 anos. Eram 138 homens (60,30%) e 91 mulheres (39,70%). A maioria dos participantes eram casados (n= 106; 48,20%), com ensino superior completo (n= 86; 37,60%) e não realizavam atividades físicas (n = 131; 58%).
Entre os participantes, contou-se com auxiliares de enfermagem (n= 39; 17,10%), enfermeiros (n= 28; 12,30%), médicos (n= 30; 13,20%), estagiários de medicina (n= 33; 14,50%), TARM (n= 25; 11,00%), condutores (n= 54; 23,70%) e outros - administrativo, analista, farmacêutico e mecânico (n= 19; 8,30%). Eles trabalhavam no Samu há 6,40 anos (7,62), com vinte ou mais de quarenta horas semanais. A maioria não possuía vínculo empregatício (n= 106; 50,20%) e tinha outros empregos (n= 125; 55,10%).
São apresentados nesta seção os resultados sobre o contexto de trabalho, seguindo a sequência dos fatores da escala anteriormente descritos: 1) organização do trabalho (CT_OT); 2) relações socioprofissionais (CT_RS); e 3) condições de trabalho (CT_CT). A escala apresentou escore médio geral de 3,10 DP = 0,61, demonstrando que os trabalhadores se encontram numa ‘situação limite’ (Mendes, Ferreira e Cruz, 2007; Siqueira, 2008), que potencializa as vivências de mal-estar no trabalho e o risco de adoecimento. Esses dados sinalizam estado de alerta e requerem providências imediatas e a curto e a médio prazos.
No que diz respeito à CT_OT, tal fator é preditor das vivências de sofrimento no trabalho e será patogênico quando não houver possibilidade de adaptação do processo de trabalho e desejo dos sujeitos, quando as margens de liberdade na transformação, na gestão e no aperfeiçoamento da organização do trabalho já foram utilizadas e esgotadas (Lopes, 2020).
O CT_OT apresentou escores médios de 3,18 DP = 0,58, com pontuações que variaram entre 1,45 e 4,82, o que representa um estrato de situação limite crítico, sinal de alerta. Igualmente, todos os itens foram avaliados como críticos, sendo que os itens sobre ‘forte cobrança por resultado’ e ‘divisão entre quem planeja e quem executa’ foram mais acentuados, embora nenhum item tenha se apresentado como grave ou satisfatório (Tabela 1).

Ao existir maior pressão na realização de tarefas para obter mais resultados, pode ocorrer uma forte sobrecarga, tanto pela pressão exercida quanto pela própria atividade laboral, o que torna o trabalho nocivo e desgastante àquele que o exerce. Assim, é relevante desvendar a nocividade do processo de trabalho sob o capitalismo e suas implicações: alienação; sobrecarga ou subcarga; interação dinâmica de ‘cargas’ sobre os corpos que trabalham, conformando um nexo biopsíquico que expressa um desgaste (Lacaz, 2007).
Além disso, a cobrança por resultados pode levar a conflitos, resultando em desentendimentos. Ao se remeter ao conflito como uma situação de desconfiança, discordância e confronto de ideais ou opiniões, este pode ser visto de forma negativa dentro de um serviço de saúde, pois pode causar discórdia entre os membros da equipe, comprometendo o alinhamento nas tarefas e no socorro de vítimas (Chiavenato, 2010).
Também é necessário entender a organização das tarefas, pois o trabalho requer a convivência com colegas e superiores, a obediência a regras e políticas organizacionais, o alcance de padrões de desempenho. Por isso, os planejamentos necessitam ser experienciados por todos (Robbins, 2005).
A CT_OT no Samu apresenta-se, portanto, como um fator que necessita de cuidado, embora ainda não seja grave, como em outros setores de trabalho de profissionais de saúde - a exemplo de outros estudos que detectaram oito classificações no nível crítico em trabalhadores de enfermagem em hemodiálise, índice grave em enfermeiros de unidade de terapia intensiva (UTI) (Campos e David, 2011; Moisés, De Medeiros e Cartaxo de Freitas, 2013).
No que diz respeito à CT_RS, tal fator apresentou média de respostas de 2,65±0,75, com pontuações que variaram entre 1,00 e 4,70. Esse fator classifica-se como crítico, sinal de alerta. Igualmente, todos os itens foram avaliados como críticos. O item que avalia a exclusão dos funcionários nos processos de decisão foi o mais representativo (Tabela 2).

Os dados apresentados corroboram parcialmente a literatura, que sinaliza índice crítico nas relações socioprofissionais em enfermeiros que atuam em UTI (Campos e David, 2011), embora os demais trabalhadores da UTI apresentem níveis satisfatórios (Moises, De Medeiros e Cartaxo de Freitas, 2013). As CT_RS no Samu apresentam-se, portanto, como um fator que necessita de cuidado, já que as pessoas recebem do trabalho mais do que dinheiro ou resultados materiais. Para muitos trabalhadores, é também uma oportunidade de satisfazer sua necessidade de interação social (Robbins, 2005).
Quando os usuários solicitam o serviço, encontram-se sob forte pressão, por estarem diante de uma pessoa em situação de risco, e acabam, em determinadas situações, agredindo os trabalhadores do Samu, o que torna a relação com o usuário uma das fontes de estresse (Martins e Gonçalves, 2019). A situação é semelhante à vivenciada pelos profissionais do Samu chileno, que classificam como estressante a relação mantida com seus usuários (Parra e Paravic, 2002).
O fator CT_CT apresentou escore médio de 3,47±0,90, com pontuações que variaram entre 1,00 e 5,00. Tal fator está no estrato de situação limite crítico, sinal de alerta. O resultado da pesquisa indicou que, dentre os dez itens desse fator, nove estão alocados no parâmetro crítico (moderado), e o item que avalia se as condições de trabalho oferecem risco à segurança das pessoas foi classificado como grave (Tabela 3).

Os trabalhadores da saúde, durante sua assistência aos pacientes, estariam expostos a inúmeros riscos ocupacionais. Como mencionado, o ambiente físico de trabalho pode ser um fator de risco para a segurança desse profissional, uma vez que envolve aspectos como exposição a ruídos sonoros por tempo prolongado, como é o caso das sirenes, dos plantões que os socorristas fazem, sendo mais graves os plantões noturnos, pois podem causar malefícios à saúde, uma vez que modificam os períodos de sono e vigília dos trabalhadores (Gregório, 2017).
As más condições e a falta de equipamentos também podem ser geradoras de insegurança, pois a precarização das condições de trabalho ocasiona adaptações e improvisações de materiais e de equipamentos, os quais são fundamentalmente criações dos trabalhadores (Dos Santos et al., 2018). Nesse sentido, o trabalho pode levar a riscos devido à falta de condições necessárias pela ausência de equipamentos ou necessidade de adaptá-los para dar continuidade ao trabalho (Dejours, 1994).
As CT_CT do Samu mostram-se, portanto, como um fator que necessita de cuidado, por apresentar índices graves que carecem de intervenção. Observou-se que, em tal dimensão, a realidade é bem diferente daquelas descritas em outros estudos com trabalhadores da UTI que apresentaram índices satisfatórios (Campos e David, 2011; Moisés, De Medeiros e Cartaxo de Freitas, 2013).
É possível verificar ainda que as pontuações de contexto do trabalho apresentaram diferenças percebidas nas comparações realizadas com base nas variáveis sociodemográficas. A seguir, são apresentadas apenas as avaliações que se destacaram pela existência de diferenças estatisticamente significativas (Tabela 4).

As diferenças estatisticamente significativas nas comparações por sexo e faixa etária corroboram o estudo realizado com policiais civis, em que os homens também apresentaram maiores índices do que as mulheres. Além disso, no referido estudo, a idade aparece como uma variável importante na avaliação desse fator, sendo que aqueles que apresentam mais idade são os que avaliam esses fatores como mais críticos (Anchieta et al., 2011).
Com base no presente estudo, conclui-se que o contexto de trabalho pesquisado não é favorável à saúde dos trabalhadores, uma vez que todos os fatores analisados - organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho - foram considerados críticos.
Recomenda-se que sejam construídos ou fortalecidos, nas instituições de saúde, espaços de atenção emocional aos profissionais da saúde, os quais proporcionem a oportunidade de investigar as causas dos impactos nocivos em suas subjetividades e de tratamento a respeito das consequências de ser profissional da saúde no contexto do serviço pré-hospitalar móvel. Assim, poderão cuidar dos pacientes com o mínimo de interferência dos aspectos subjetivos nas responsabilidades profissionais, contribuindo para que a profissão seja exercida em sua totalidade, minimizando aspectos relacionados ao sofrimento que o trabalho pode ocasionar.
Logo, faz-se necessária a atuação dos gestores dos serviços de saúde sempre ressaltando o lugar, o fazer e a prática nas diretrizes organizacionais da saúde do trabalhador, de modo a mostrar a importância desse cuidado para um bom funcionamento do trabalho.
Tratando-se de profissionais da área da saúde, redobra-se tal importância por se tratar do exercício de pessoas que lutam para garantir condições mais dignas para a vida de pacientes que já se encontram circunstancialmente em contexto de saúde emergencial. Portanto, potencializa-se a necessidade de mais estudos acerca do trabalho realizado pelo Samu para conseguir mais informações e contribuir para a diminuição de riscos psicossociais.
Como todo empreendimento científico, embora os resultados obtidos sejam consistentes teoricamente e representem uma contribuição significativa para apreender o contexto de trabalho no Samu, a presente pesquisa apresenta limitações. Uma delas refere-se à amostra e suas características, pois a amostra não probabilística e exclusiva do Samu de Fortaleza não pode ser considerada como representativa da realidade nacional do programa. Destaca-se, contudo, que não é finalidade deste estudo generalizar os resultados, e sim explorar essa realidade. Reforça-se a necessidade de outros estudos que abordem essa temática no Samu de outras cidades brasileiras e com a realização de pesquisas com desenho longitudinal, para avaliação dos significados durante e após a pandemia.



