ARTIGOS ORIGINAIS
EXTRATOS DE PLANTAS DE USO POPULAR CONTRA INFECÇÕES ORAIS
Plant extracts of popular use against oral infections
Extractos de plantas de uso popular contra infecciones orales
EXTRATOS DE PLANTAS DE USO POPULAR CONTRA INFECÇÕES ORAIS
Revista Brasileira em Promoção da Saúde, vol. 29, núm. 4, pp. 506-514, 2016
Universidade de Fortaleza
Recepção: 10 Junho 2016
Revised document received: 02 Agosto 2016
Aprovação: 29 Novembro 2016
Resumo: Objetivo: Avaliar o efeito antibacteriano de extratos de plantas de uso popular sobre bactérias relacionadas ao desenvolvimento da cárie e infecções endodônticas. Métodos: Estudo experimental realizado na Universidade do Extremo Sul Catarinense, em 2015, no qual tinturas de Artemisia absinthium, Laurus nobilis, Bidens pilosa, Achillea millefolium L e Foeniculum vulgare, nas concentrações hidroalcoólicas de 5%, 10%, 15%, 20% em meio de cultura ágar Mueller Hinton, tiveram sua ação antibacteriana mensurada contra cepas de S. mutans e E. faecalis. Usou-se o método de difusão em meio sólido e a sensibilidade inibitória foi analisada pela presença e tamanho de halos de inibição, sendo grupo controle a clorexidina 0,12%. Utilizou-se nível de significância p<0,05. Resultados: Não houve inibição sobre a cepa de E. faecalis em nenhuma das tinturas, entretanto, observou-se efeito inibitório das tinturas de Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa sobre as cepas de S. mutans nas concentrações testadas. Conclusão: As tinturas de plantas de uso popular investigadas não apresentaram efeitos antimicrobianos sobre E. faecalis, causadora de infecções endodônticas, porém, três delas demonstraram efeitos inibitórios contra S. mutans, principal responsável pela cárie dentária.
Palavras-chave: Enterococcus faecalis, Streptococcus mutans, Extratos Vegetais.
Abstract: Objetive: To assess the antibacterial effect of plant extracts of popular use on bacteria related to the development of caries and endodontic infections. Methods: Experimental study conducted at the University of the Extreme South of Santa Catarina in 2015 in which dyes of Artemisia absinthium, Laurus nobilis, Bidens pilosa, Achillea millefolium L and Foeniculum vulgare at hydro-alcoholic concentrations of 5%, 10%, 15% and 20% in Mueller Hinton agar growth-medium had their antibacterial activity against strains of S. mutans and E. faecalis measured. The solid medium diffusion method was used and the inhibitory activity was analyzed according to the presence and size of inhibition halos – control and chlorhexidine 0.12%. Significance level was set at α=0.05. Results: There was no inhibition on the strains of E. faecalis in any of the dyes; however, it was observed an inhibitory effect of Artemisia absinthium, Laurus nobilis and Bidens pilosa dyes on the strains of S. mutans at the concentrations tested. Conclusion: The dyes of plants of popular use assessed showed no antimicrobial effects on E. faecalis, which causes endodontic infections; however, three of them presented inhibitory effects against S. mutans, which is mainly responsible for caries.
Keywords: Enterococcus faecalis, Streptococcus mutans, Plant Extracts.
Resumen: Objetivo: Evaluar el efecto antibacteriano de extractos de plantas de uso popular sobre bacterias relacionadas al desarrollo de caries e infecciones endodónticas. Métodos: Estudio experimental realizado en la Universidad del Extremo Sur de Santa Catarina en 2015 en el cual tinturas de Artemisia absinthium, Laurus nobilis, Bidens pilosa, Achillea millefolium L y Foeniculum vulgare, en las concentraciones hidroalcohólicas del 5%, 10%, 15%, 20% en medio de cultivo agar Mueller Hinton, tuvieron su acción antibacteriana medida contra cepas de S. mutans e E. faecalis. Se utilizó el método de difusión en medio sólido y la sensibilidad inhibitoria fue analizada por la presencia y tamaño de halos de inhibición, teniendo como el grupo control la clorhexidina 0,12%. Se utilizó el nivel de significación de p<0,05. Resultados: No hubo inhibición sobre la cepa de E. faecalis en ninguna de las tinturas, sin embargo, se observó el efecto inhibitorio de las tinturas de Artemisia absinthium, Laurus nobilis y Bidens pilosa sobre las cepas de S. mutans en las concentraciones testadas. Conclusión: Las tinturas de plantas de uso popular investigadas no presentaron efectos antimicrobianos sobre el E. faecalis, causadora de infecciones endodónticas, sin embargo, tres de ellas han demostrado efectos inhibitorios contra el S. mutans, el principal responsable de la caries dentales.
Palabras clave: Enterococcus faecalis, Streptococcus mutans, Extractos Vegetales.
INTRODUÇÃO
A cárie dentária ainda é uma das doenças de maior prevalência da cavidade oral, atingindo a grande maioria dos adultos nos países industrializados e 60% a 90% das crianças em idade escolar(1), o que representa um alto custo em países desenvolvidos, onde a saúde bucal é responsável por 5% a 10% de toda a despesa com saúde pública(2) e um custo que excede a capacidade financeira da maioria dos países em desenvolvimento(3).
Entre os principais agentes etiológicos envolvidos na fisiopatologia da cárie dentária humana destacam-se os Streptococcus do grupo mutans devido às suas características acidogênicas e acidúricas, sendo que esta bactéria Gram-positiva também pode estar associada à bacteremias e endocardites(4,5,6).
As infecções endodônticas são responsáveis por alterações pulpares e periapicais, apresentam etiologia diretamente relacionada a microrganismos, entre eles destaca-se o Enterococcus faecalis, bactéria facultativa relacionada aos casos de aparecimento de lesões refratárias na endodontia devido à sua capacidade de sobreviver à instrumentação químico-mecânica nos canais radiculares(7,8,9).
As espécies de Streptococcus mutans e Enterococcus faecalis são patógenos oportunistas e estão inseridas no grupo de microrganismos mais resistentes da cavidade oral e o aumento da prevalência de cepas multirresistentes aos antibióticos sintéticos levanta a busca de novas estratégias de combate à infecção(10). Assim, as plantas medicinais se apresentam como uma rica fonte de agentes antimicrobianos ante o aumento da resistência bacteriana devido ao uso excessivo de antibióticos(11).
A maior parte dos fármacos tem sua origem relacionada ao mundo vegetal. Tanto países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento utilizam plantas medicinais para os cuidados primários de saúde(12). Em relação ao emprego da fitoterapia, o Brasil é um país privilegiado, possuindo 25% da flora mundial. No entanto, menos de 1% das espécies possuem avaliação científica para propriedades medicinais(13). Em uma revisão realizada sobre o tema, a fitoterapia foi citada na Atenção Primária à Saúde em trezentas e cinquenta localidades brasileiras, porém, somente 24 estudos relacionados ao seu uso estavam disponíveis na literatura científica(14).
O excesso de exigências científicas quanto à qualidade, eficácia e segurança dos fitoterápicos, bem como a falta de conhecimento e experiência dos profissionais de saúde e a dificuldade de padronização das relações municipais de fitoterápicos, são apontados como fatores que prejudicam sua inserção nos serviços de saúde. Nessa perspectiva, a inserção da fitoterapia demanda abordagens educativas sobre uso das plantas medicinais como alternativa terapêutica, possibilitando a promoção da saúde através do resgate de valores culturais e de ações intersetoriais, como maior vínculo equipe-comunidade, aproximação entre profissionais e usuários, desenvolvimento local, dentre outras(14).
A avaliação de extratos de plantas para uso na Odontologia tem sido estimulada pelo crescimento mundial da fitoterapia em programas preventivos e curativos, uma vez que apresentam custo mais acessível à população e aos serviços públicos de saúde(13), menor toxicidade, maior atividade farmacológica e biocompatibilidade(12). Muitas espécies de plantas demonstraram atividade farmacológica no tratamento de afecções bucais, incluindo efeito antimicrobiano, constituindo alternativas para reduzir doenças como a cárie, pela introdução em dentifrícios ou sob outras formas de uso(13,15).
Diante dos benefícios apresentados pela fitoterapia, tanto relacionados aos efeitos antimicrobianos sobre bactérias que compõem o biofilme quanto ao menor custo e maior acesso, fica evidente a necessidade da busca de meios alternativos e economicamente viáveis para o combate às doenças bucais que possam ser incorporados em programas preventivos e curativos.
Nesse contexto, o objetivo do estudo foi avaliar o efeito antibacteriano de extratos de plantas de uso popular sobre bactérias relacionadas ao desenvolvimento da cárie e infecções endodônticas.
MÉTODOS
Trata-se de estudo experimental in vitro realizado na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), no período de março a setembro do ano de 2015. Inicialmente (março e abril), realizou-se um levantamento sobre as plantas de uso popular com indicação antimicrobiana em apostila da Pastoral da Saúde do município de Criciúma, Santa Catarina, Brasil. Após o levantamento, as plantas que indicaram efeito antimicrobiano foram investigadas na literatura para identificação dos microrganismos para os quais mostravam efetividade. As plantas que já haviam sido testadas com metodologia equivalente para as cepas bacterianas de interesse (S. mutans e E.faecalis) foram excluídas, sendo testadas apenas aquelas sobre as quais ainda não haviam sido publicados estudos conclusivos relatando efeito antibacteriano in vitro.
As tinturas das plantas, listadas a seguir, foram obtidas em farmácia particular de manipulação: Artemisia absinthium (absinto), Laurus nobilis (louro), Bidens pilosa (picão preto), Achillea millefolium L. (mil folhas) e Foeniculum vulgare (erva-doce); nas concentrações de 5%, 10%, 15% e 20%, sendo preparadas através da maceração da planta seca e utilização do álcool 70% como líquido extrator.
Os ensaios microbiológicos foram realizados no laboratório de análises clínicas (LENAC-1) da UNESC e executados por um único pesquisador com vasta experiência na área de microbiologia para evitar variações decorrentes do fator individual. Todos os procedimentos ocorreram em capela de fluxo laminar, com uso de jaleco e luvas descartáveis.
Cepas padrões das bactérias Streptococcus mutans (ATCC 25175) e Enterococcus faecalis (NEWP 012) liofilizadas foram reativadas em caldo BHI (Brain Heart Infusion – DIFCO), obtendo-se uma suspensão das bactérias. As suspensões de S. mutans e E. faecalis foram incubadas respectivamente em microaerofilia e anaerobiose por 48 horas, a 37°C, e as culturas obtidas repicadas para placas contendo ágar BHI.
Após crescimento, as colônias bacterianas foram transferidas para solução fisiológica a 0,9% (p.v) até obter turvação equivalente ao padrão 0,5 da escala de McFarland, que corresponde aproximadamente a 1,5 x 108 UFC/mL. Posteriormente, semeou-se a suspensão bacteriana em placas de Petri contendo 15 mL do meio ágar Mueller-Hinton (BD-Becton Dickinson), com espessura de aproximadamente 4 mm, com auxílio de swab(16).
A avaliação da atividade antimicrobiana das tinturas foi realizada pela técnica da difusão por poço em meio sólido. Após semeadura da suspensão bacteriana, procedeu-se a abertura de cinco orifícios no meio de cultura, com auxílio de uma seringa estéril 5 mL com bico luer slip, formando poços com tamanhos de 6mm, sendo estes preenchidos com 50µl de cada concentração das diferentes tinturas com auxílio de pipeta automática. Uma placa de cada bactéria foi preparada para controle, tendo os poços preenchidos com 50µl de clorexidina 0,12% e 50µl de álcool 70% com auxílio de pipeta automática.
As placas foram então incubadas em estufa bacteriológica a 35 ± 1°C em microaerofilia (S. mutans) ou anaerobiose (E. faecalis). Todos os ensaios ocorreram em quadruplicata. Transcorrido o tempo de incubação, procedeu-se a leitura dos diâmetros dos halos de inibição(17).
Após a coleta de dados, utilizou-se o software SPSS versão 22 para a análise estatística. Avaliou-se a normalidade do tamanho do halo de inibição pelo teste de Shapiro Wilk, que revelou distribuição não gaussiana, sendo assim calculada a mediana e o intervalo interquartil.
Aplicou-se o teste de Kruskal Wallis para comparar o tamanho do halo de inibição em relação às tinturas de Artemisia absinthium (absinto), Laurus nobilis (louro), Bidens pilosa (picão preto), Achillea millefolium L. (mil folhas) e Foeniculum vulgare (erva-doce) em cada concentração (5%, 10%, 15% e 20%), sucedido pelo teste post hoc de Dunn no caso de significância estatística. Realizou-se também a correlação entre a concentração (5%, 10%, 15% e 20%) e o tamanho do halo de inibição por meio do Teste de Spearman, sendo considerada fraca se <= 0,3; média se >= 0,40 e <= 0,6; e forte se >= 0,7. Para todos os testes supracitados utilizou-se um nível de significância α=0,05 e intervalo de confiança de 95%.
RESULTADOS
Nenhuma das tinturas apresentou formação de halo de inibição diante da cepa de E. faecalis. Em relação aos controles, houve formação de halo de inibição apenas para clorexidina 0,12%.
Diante da cepa de S. mutans, observou-se formação de halo de inibição para as tinturas das seguintes plantas em todas as concentrações: Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa. Portanto, não apresentando a formação de halo de inibição para Achillea millefolium L. e Foeniculum vulgare. No grupo controle, observou-se halo de inibição para clorexidina 0,12%.
A mediana do tamanho do halo de inibição, apesar de ser significativamente maior no grupo controle com clorexidina (p<0,05 em todas as concentrações) se comparada aos valores apresentados nas diferentes concentrações das plantas analisadas (Tabela I), foi considerada semelhante entre todas as tinturas (Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa) quando comparada individualmente por concentração (5%, 10%, 15% e 20%).
Na concentração de 5%, os halos de inibição das tinturas não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre si (Figura 1), mesmo quando comparados à clorexidina 0,12% (controle), o que demonstra que as tinturas obtiveram efeitos inibitórios sobre S. mutans estatisticamente semelhantes à clorexidina 0,12%.
Na concentração de 10%, no geral, os halos de inibição das tinturas não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre si (Figura 2). Entretanto, observou-se diferença estatisticamente significativa entre a tintura de Bidens pilosa e a clorexidina 0,12% (p=0,035).
Na concentração de 15%, os halos de inibição das tinturas Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa não apresentaram diferença estatisticamente significativa (Figura 3) nem quando comparadas à clorexidina 0,12% (controle), revelando que as tinturas obtiveram efeitos inibitórios sobre S. mutans semelhante à clorexidina 0,12%.
Na concentração de 20%, os halos de inibição das tinturas de Artemisia absinthium e Bidens pilosa apresentaram diferença estatisticamente significativa quando comparados à clorexidina 0,12% (p=0,016 e p=0,046, respectivamente), o que demonstra que, nessa concentração, as tinturas de Artemisia absinthium e Bidens pilosa obtiveram significativamente menor halo de inibição em relação à clorexidina 0,12%. Ressalta-se ainda que a tintura Laurus nobilis não apresentou diferença estatisticamente significativa quando comparada a clorexidina 0,12%, demonstrando efeito inibitório semelhante.
Observou-se correlação positiva alta (tabela II) entre a concentração (%) e o tamanho do halo (mm) das tinturas Artemisia absinthium (rs=0,901) e Laurus nobilis (rs=0,872), considerada estatisticamente significativa (p<0,001) em ambas, ou seja, à medida que aumenta a concentração, aumenta o tamanho do halo de inibição. No entanto, para Bidens pilosa (rs=0,505) obteve-se uma correlação positiva média, considerada também significativa estatisticamente (p=0,046).
DISCUSSÃO
As infecções bucais, como a cárie dentária e a gengivite, são problemas frequentes na população brasileira, principalmente em pré-escolares. Essas infecções têm no biofilme dental (placa bacteriana) um importante componente etiológico(18). Portanto, agentes capazes de reduzir a população bacteriana do biofilme, como os extratos vegetais, podem ser aliados na prevenção dessas infecções que podem inclusive progredir para condições mais graves.
O reconhecimento de etiologia microbiana das infecções endodônticas estimulou a busca por novas condutas terapêuticas. A seleção da cepa para o presente estudo baseou-se no fracasso da maioria dos tratamentos endodônticos direcionados ao E. faecalis(9). As infecções odontogênicas são complicações de difícil tratamento na odontologia, principalmente em países com altos índices de cárie e doença periodontal(19).
O uso da fitoterapia como alternativa para tratar tais infecções está pautada na busca por produtos que mostrem boa atividade antimicrobiana, com menos efeitos prejudiciais e com menor custo, facilitando o acesso tanto da população quanto dos serviços de saúde(12,13,15).
No presente estudo, as tinturas testadas não mostraram efeito antibacteriano sobre a cepa de E. faecalis, entretanto, observou-se efeitos das tinturas nas concentrações de 5%, 10%, 15% e 20% de Artemisia absinthium (absinto), Laurus nobilis (louro) e Bidens pilosa (picão preto) sobre as cepas de S. mutans. Constatou-se também a existência de uma correlação entre o aumento das concentrações das tinturas de Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa e o aumento do halo de inibição, mostrando a relação entre a concentração do princípio ativo e a ação antimicrobiana, feito semelhante ao observado em estudo realizado com extrato glicólico de Punica granatum, cujo halo de inibição do crescimento de S. mutans variou de 11 mm, na concentração de 1%, até 30 mm, na concentração de 10%(20).
Na Odontologia, pesquisas com produtos naturais têm sido realizadas nos últimos anos à procura por novos produtos com maior atividade farmacológica, menor toxicidade e maior biocompatibilidade, visando proporcionar acesso destes medicamentos à população(21).
Nenhuma das tinturas utilizadas no presente estudo mostrou efeito inibitório sobre o crescimento de E. faecalis nas concentrações testadas. Essa bactéria tem a característica de ser resistente, apresentando capacidade de sobreviver em condições extremas mesmo após o tratamento endodôntico realizado em condições ideais e com longos períodos de medicação intracanal(7). Variadas substâncias são utilizadas no tratamento das infecções endodônticas, até mesmo os extratos naturais têm sido investigados como soluções irrigadoras, pois auxiliam no preparo químico-mecânico, na limpeza e na desinfecção do sistema de canais radiculares(9). Nesse contexto, já se comprovou que a própolis exerce efeitos terapêuticos contra E. faecalis, podendo ser utilizada como uma alternativa eficaz no controle dessa bactéria(22).
Segundo os resultados da atual pesquisa, os extratos de Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa demonstraram serem eficientes para a inibição do crescimento bacteriano da S. mutans. Essa bactéria está associada a processos patológicos que variam desde cáries dentárias, em pacientes com pobre higienização bucal e dieta rica em açúcares fermentáveis, até bacteremias, podendo a bactéria estar associada a quadros de doença periodontal(23).
Os resultados da atual pesquisa mostraram efeito antimicrobiano da tintura de Bidens pilosa sobre S. mutans com a formação de halos de inibição in vitro, entretanto, nas concentrações de 10% e 20%, o efeito inibitório foi considerado estatisticamente menor quando comparado com a clorexidina 0,12%. Em estudo experimental realizado na Tailândia, pesquisadores avaliaram extratos da Bidens pilosa e demonstraram ação antibacteriana contra bactérias Gram-positivas e Gram-negativas(24). Corroborando com os resultados do citado estudo, um estudo francês demonstrou que o extrato de Bidens pilosa tem efeito antibacteriano moderado para S. mutans(25). A Bidens pilosa apresenta em seu óleo essencial uma substância chamada β-cariofileno, que já foi citado na literatura como tendo importante efeito antibacteriano(26).
Segundo resultados do presente estudo, o Laurus nobilis apresentou atividade antibacteriana ante a S. mutans com a formação do halo de inibição em todas as concentrações e, diferentemente das outras tinturas testadas, Artemisia absinthium, Bidens pilosa, Achillea millefolium e Foeniculum vulgare, quando utilizada a concentração de 20%, apresentou efeito semelhante à clorexidina 0,12%. Através do método de destilação, autores obtiveram o óleo essencial do Laurus nobilis que, ao ser inoculado em placas de Petri, levou à formação de halos de inibição para as bactérias Salmonella typhi, Salmonella typhimurium, Salmonella enteritidis, Staphylococcus aureus e Listeria monocytogenes, mostrando halos decrescentes de inibição do crescimento bacteriano de acordo com a redução da concentração do óleo essencial(27). Estes resultados podem ocorrer, pois S. mutans é uma bactéria Gram-positiva e, por isso, mais sensível à ação de antibióticos devido à falta de uma membrana externa, o que facilita a ação das tinturas(28).
Observou-se inibição do crescimento bacteriano de S. mutans através da Artemisia absinthium em todas as concentrações testadas no presente estudo. Entretanto, na concentração de 20%, o halo de inibição foi considerado estatisticamente menor quando comparado com a clorexidina 0,12%. Não foi encontrado na literatura até o presente momento estudos que relatem a influência antibacteriana da Artemisia absinthium sobre S. mutans, porém, um estudo relatou os efeitos dessa planta sobre as bactérias S. aureus, Bacillus cereus, Listeria, Salmonella e Escherichia coli observando o efeito inibitório do óleo essencial diante desses microrganismos(29). Diferentemente, outros autores observaram que os extratos secos de Artemisia absinthium apresentavam pouca ou nenhuma atividade antimicrobiana até a concentração de 200 mg/mL diante de 15 microrganismos diferentes(30). Essas discordâncias podem ocorrer, pois a metodologia empregada entre os estudos foi diferente quanto à espécie do microrganismo estudado e a forma de obtenção dos extratos.
Apesar das plantas medicinais já fazerem parte da cultura popular, nas últimas décadas, o interesse pela fitoterapia teve um aumento considerável entre usuários, serviços de saúde e pesquisadores; inclusive a OMS tem expressado a sua posição a respeito da necessidade de valorizar a utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário e na atenção básica à saúde(31).
Os resultados do presente estudo podem servir como base para a elaboração de novos protocolos para avaliar a atividade antimicrobiana de extratos vegetais e a implementação de políticas para utilização de plantas medicinais no sistema público de saúde. A institucionalização do uso dos fitoterápicos nos serviços de atenção básica tem enfrentado percalços, principalmente pela resistência e falta de conhecimento dos profissionais de saúde acerca do tema, entretanto, a promoção da saúde através das plantas medicinais pode e deve ser vivenciada dentro do serviço de saúde proporcionando, entre outras vantagens, a aproximação do usuário com o sistema e menor custo(31).
As principais limitações do presente estudo foram a utilização de método in vitro, que difere das condições encontradas na cavidade oral, e utilização de concentrações limitadas em 20%, sugerindo-se a realização de estudos com a utilização de tinturas mais concentradas para as plantas que mostraram efeitos antibacterianos e também avaliações do efeito antimicobiano dos extratos vegetais“in vivo”.
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo mostraram que os extratos vegetais de Artemisia absinthium, Laurus nobilis e Bidens pilosa, na forma de solução hidroalcoólica, nas concentrações de 5%, 10%, 15% e 20%, revelaram potenciais efeitos inibitórios in vitro diante do S. mutans (ATCC 25175), principal microrganismo envolvido na gênese da cárie, constituindo possíveis alternativas para utilização de plantas medicinais na clínica odontológica. Os extratos não mostraram atividade antimicrobiana in vitro sobre E. faecalis (NEWP 012) em nenhuma das concentrações testadas.
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