ARTIGOS ORIGINAIS
QUALIDADE DE VIDA, ESTADO NUTRICIONAL E CONSUMO ALIMENTAR DE MULHERES COM CÂNCER DE MAMA EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO
Quality of life, nutritional status and food consumption of women with breast cancer undergoing chemotherapy
Calidad de vida, estado nutricional y consumo alimentario de mujeres con cáncer de mama en tratamiento de quimioterapia
QUALIDADE DE VIDA, ESTADO NUTRICIONAL E CONSUMO ALIMENTAR DE MULHERES COM CÂNCER DE MAMA EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO
Revista Brasileira em Promoção da Saúde, vol. 29, núm. 4, pp. 544-553, 2016
Universidade de Fortaleza
Recepção: 19 Março 2016
Revised document received: 24 Maio 2016
Aprovação: 01 Junho 2016
Resumo: Objetivo: Avaliar a qualidade de vida, o estado nutricional e o consumo alimentar de mulheres diagnosticadas com câncer de mama em quimioterapia. Métodos: Estudo transversal e analítico envolvendo 70 mulheres, de 30 a 59 anos, em um hospital do Rio Grande do Sul, no período de maio a outubro de 2015. Aplicou-se o questionário European Organization for Research and Treatment of Câncer Quality of Life Questionnaire C30 (EORTC QLQ- C30). As variáveis antropométricas coletadas foram: peso atual, altura, circunferência braquial, circunferência da cintura, circunferência do quadril e prega cutânea tricipital. O consumo alimentar foi avaliado pelo recordatório alimentar de 24 horas. Resultados: Sobrepeso e obesidade foram encontrados respectivamente em 37,1% e 37% das mulheres de acordo com o índice de massa corporal. A média do consumo de calorias, carboidratos, lipídios, colesterol, fibras, cálcio e ferro foi significativamente inferior à recomendação, com destaque para nutrientes como fibras (91,4% dos casos), cálcio (87,7% dos casos) e ferro (mais de 90% dos casos). No entanto, o consumo médio de proteínas (72,9% dos casos > 15% do VCT) e vitamina C (mais de 50% dos casos) foi superior ao recomendado. Conclusão: A qualidade de vida das mulheres com câncer de mama em quimioterapia foi considerada baixa e elas apresentaram uma elevada prevalência de sobrepeso e obesidade. Além disso, o consumo alimentar foi superior à recomendação para proteínas e vitamina C, e inferior para calorias, carboidratos, lipídios, colesterol, fibras, cálcio e ferro. Não foi observada associação significativa entre qualidade de vida e estado nutricional.
Palavras-chave: Neoplasia de Mama, Quimioterapia, Ingestão Alimentar, Avaliação Nutricional, Qualidade de Vida.
Abstract: Objective: To assess the quality of life, nutritional status and food consumption of women diagnosed with breast cancer undergoing chemotherapy. Methods: Analytical cross-sectional study conducted with 70 women aged 30 to 59 years in a hospital in Rio Grande do Sul from May to October 2015. The European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire C30 (EORTC QLQ- C30) was applied. The anthropometric variables collected were: current weight, height, mid-upper arm circumference, waist circumference, hip circumference and triceps skinfold. Food consumption was assessed using the 24-hour dietary recall. Results: Overweight and obesity were found in 37.1% and 37% of the women, respectively, according to body mass index. The average intake of calories, carbohydrate, lipids, cholesterol, fibers, calcium and iron was significantly lower than the recommended, particularly with regard to nutrients such as fibers (91.4% of the cases), calcium (87.7% of the cases) and iron (over 90% of the cases). However, the average intake of proteins (72.9% of the cases > 15% of TC) and vitamin C (over 50% of the cases) was higher than the recommended. Conclusion: The quality of life of women with breast cancer undergoing chemotherapy was considered low and they presented a high prevalence of overweight and obesity. In addition, the intake of protein and vitamin C was higher than the recommended while the intake of calories, carbohydrates, lipids, cholesterol, fiber, calcium and iron was lower than the recommended. There was no significant association between quality of life and nutritional status.
Keywords: Breast Neoplasms, Drug Therapy, Eating, Nutrition Assessment, Quality of Life.
Resumen: Objetivo: Evaluar la calidad de vida, el estado nutricional y el consumo alimentario de mujeres diagnosticadas de cáncer de mama en quimioterapia. Métodos: Estudio transversal y analítico con 70 mujeres entre 30 y 59 años en un hospital de Rio Grande do Sul en el período entre mayo y octubre de 2015. Se aplicó el cuestionario European Organization for Research and Treatment of Câncer Quality of Life Questionnaire C30 (EORTC QLQ- C30). Las variables antropométricas recogidas fueron: el peso actual, la altura, el perímetro braquial, la circunferencia de la cintura, la circunferencia de la cadera y el pliegue cutáneo tricipital. El consumo alimentario fue evaluado a través del recordatorio de 24 horas. Resultados: El sobrepeso y la obesidad fueron encontrados respectivamente en el 37,1% y el 37% de las mujeres según el índice de masa corporal. La media del consumo de calorías, carbohidratos, lípidos, colesterol, fibras, calcio y hierro fue de manera significativa inferior a de la recomendación, en especial para los nutrientes como las fibras (91,4% de los casos), el calcio (87,7% de los casos) y el hierro (más del 90% de los casos). Sin embargo, el consumo medio de proteínas (72,9% de los casos > 15% do VCT) y vitamina C (más del 50% de los casos) fue superior al recomendado. Conclusión: La calidad de vida de las mujeres con cáncer de mama en quimioterapia fue considerada baja y hubo elevada prevalencia de sobrepeso y obesidad. Además, el consumo alimentario ha sido superior a la recomendación de las proteínas y la vitamina C e inferior para las calorías, carbohidratos, lípidos, colesterol, fibras, calcio y hierro. No ha sido observada asociación significativa entre la calidad de vida y el estado nutricional.
Palabras clave: Neoplasias de la Mama, Quimioterapia, Ingestión de Alimentos, Evaluación Nutricional, Calidad de Vida.
INTRODUÇÃO
No panorama mundial, o câncer de mama (CM) é o segundo tipo mais comum e frequente de morte por câncer em mulheres. No Brasil, as taxas de mortalidade por CM continuam elevadas, provavelmente, pelo diagnóstico tardio e em estágios avançados. Para o Brasil, em 2016, são esperados 57.960 casos novos de CM, com um risco de 56,20 casos para cada 100 mil mulheres. Desconsiderando os tumores de pele não melanoma que apresentam a maior incidência nas mulheres das regiões Sul (74,30/100 mil), Sudeste (68,08/100 mil), Centro-Oeste (55,87/ 100 mil) e Nordeste (38,74/100 mil). Na região Norte, é o segundo tumor mais incidente (22,26/ 100 mil)(1).
Neste contexto, destaca-se a Política Nacional de Atenção Oncológica, lançada pelo Ministério da Saúde, na qual é reconhecido que o câncer é um problema de saúde pública, que serve para auxiliar na determinação de ações para o seu controle através de uma Rede de Atenção Oncológica, com a participação direta e indireta do governo federal, das secretarias estaduais e municipais de saúde, das universidades, dos serviços de saúde, dos centros de pesquisa, das organizações não governamentais e da sociedade de uma forma geral(2).
Os principais fatores de risco para o CM estão ligados à idade, aspectos endócrinos e genéticos. O risco aumentado para o desenvolvimento de CM relaciona-se com história de menarca precoce, menopausa tardia, primeira gravidez após os 30 anos, nuliparidade e terapia de reposição hormonal pós-menopausa, principalmente se prolongada por mais de cinco anos. Demais fatores incluem a exposição a radiações ionizantes, ingestão regular de bebida alcoólica, obesidade, principalmente quando o aumento de peso se dá após a menopausa, e sedentarismo. Histórico familiar, principalmente em parentes de primeiro grau antes dos 50 anos, também constitui importante fator de risco para o CM. Entretanto, o CM de caráter hereditário corresponde a cerca de 5-10% do total de casos(3,4).
Os três principais métodos de rastreamento do CM são o exame mamográfico, o exame clínico e o autoexame. A mamografia ainda é a forma mais eficaz de detectar precocemente alterações nos seios capazes de gerar um câncer. Mas, enquanto o fácil acesso à mamografia não se tornar uma realidade para todas as brasileiras, o autoexame somado ao exame clínico das mamas continuarão sendo métodos auxiliares importantes para o diagnóstico de diversas patologias mamárias(5). As modalidades de tratamento do CM consistem em cirurgia, radioterapia, quimioterapia e hormonioterapia(6).
Concomitantemente aos diversos tratamentos empregados, poderão ocorrer alterações no estado nutricional e modificações no padrão alimentar, com destaque para o ganho de peso excessivo como uma das alterações mais observadas neste público alvo. Essas alterações são frequentemente citadas pelas pacientes e estão presentes em todas as fases da patologia, sendo acarretadas, entre outras causas, pelos incômodos, alterações fisiológicas e efeitos colaterais do tratamento(7,8,9).
Além do impacto nutricional, outras alterações poderão ser desencadeadas durante o tratamento, dentre elas: alterações físicas, mentais, emocionais, sociais e funcionais, incluindo-se os relacionamentos, as percepções de saúde, a satisfação com a vida, o bem-estar, os resultados e a satisfação da paciente com o tratamento, o estado de saúde e as perspectivas futuras, levando a um comprometimento na qualidade de vida(10,11). As modificações nos domínios emocional, financeiro, de satisfação sexual e das perspectivas futuras em pacientes com CM já foram verificadas na literatura, assim como os sintomas mais mencionados, que foram fadiga, insônia e perda de apetite(12).
Um dos questionários sobre qualidade de vida mais utilizados na área da oncologia é o European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30)(12). Este instrumento de pesquisa da qualidade de vida é usado também como ferramenta de avaliação(13,14). Além da qualidade de vida das mulheres, a obesidade e diversas doenças crônico-degenerativas são reconhecidas como fatores de risco para CM, sendo associadas ao prognóstico de piora após o diagnóstico de câncer, afetando negativamente a terapia sistêmica, contribuindo para a morbidade do tratamento e aumentando o risco de malignidades secundárias, comorbidades e de mortalidade(15,16). Portanto, considerando-se as alterações ocasionadas pelo próprio câncer de mama e pelo tratamento quimioterápico, o presente estudo teve por objetivo avaliar a qualidade de vida, o estado nutricional e o consumo alimentar de mulheres diagnosticadas com câncer de mama em tratamento quimioterápico.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, transversal e analítico, realizado com pacientes do sexo feminino diagnosticadas com CM atendidas em um hospital da rede pública do interior do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. Os critérios de inclusão foram mulheres adultas diagnosticadas com CM e em tratamento quimioterápico exclusivo. Os critérios de exclusão foram: pacientes expostas a tratamentos radioterápicos, grávidas, lactentes e que não tinham condições de saúde para participar da avaliação antropométrica e/ou do consumo alimentar ou, ainda, incapazes de responder aos questionários requeridos pelo estudo.
O cálculo do tamanho amostral se baseou nos resultados de um estudo que avaliou a associação entre estado nutricional e qualidade de vida de mulheres com CM no Irã(17). A amostra incluiu 70 mulheres, considerando-se a diferença no escore de qualidade de vida, um poder de 80%, nível de significância de 5% e acréscimo de 10% para potenciais perdas. Todas as mulheres adultas atendidas no período de maio a outubro de 2015 receberam convite para participar do estudo, e a coleta de dados se deu com as que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Aplicou-se o questionário validado European Organization for Research and Treatment of Câncer Quality of Life Questionnaire C30 (EORTC QLQ- C30) específico para pacientes com câncer. O EORTC QLQ-C30 é um questionário multidimensional, constituído por 30 questões, que avalia o domínio físico e psicológico, o nível de independência, o aspecto social e o ambiente circundante. A pontuação das questões é dada em escalas tipo Likert, obtendo-se valor mínimo de 0 até valor máximo de 100. O valor próximo de 100 indica uma maior qualidade de vida, exceto nas escalas sintomáticas que avaliam a gravidade dos sintomas, ou seja, quanto maior o valor menor será a qualidade de vida(10).
As variáveis antropométricas coletadas foram: peso atual (PA), altura, circunferência braquial (CB), circunferência da cintura (CC), circunferência do quadril (CQ) e prega cutânea tricipital (PCT). A partir dessas medidas, calculou-se: o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência muscular do braço (CMB). Aferiu-se o peso atual em balança digital de chão, da marca Cadence, com capacidade de 150 kg e graduação de 100g, e também a estatura utilizando um estadiômetro móvel da marca Sanny, com limite de 2,10 metros e graduação de 1mm. Definiu-se o IMC pela seguinte fórmula: IMC = peso (kg) /estatura2 (m2), e classificou-se o IMC conforme os critérios propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, baixo peso (IMC <18,5 kg/m2), eutrofia (IMC 18,5-24,99 kg/m2), sobrepeso (IMC 25-29,99 kg/m2) e obesidade (IMC ≥ 30,00 kg/m2)(18).
Para a obtenção da CB, localizou-se o ponto médio entre o acrômio e olécrano, com o braço flexionado em direção ao tórax(19). Em seguida, solicitou-se que o voluntário estendesse o braço ao longo do corpo, com a palma da mão voltada para a coxa. No ponto médio, contornou-se o braço com a fita métrica inelástica de forma ajustada, da marca Sanny, com comprimento de 150 centímetros. Utilizou-se o mesmo ponto médio utilizado para a medida da CB para a obtenção da PCT. A partir destas medidas, calculou-se a CMB e o percentual de adequação da CB e da CMB, os quais foram considerados para classificação do estado nutricional considerando-se os pontos de corte dos percentis propostos por NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey), quais sejam: desnutrição grave (< 70%), desnutrição moderada (70-80%), desnutrição leve (80-90%), eutrofia (90-100%), sobrepeso (110-120%) e obesidade (>120%)(20). Para medição da prega cutânea tricipital, utilizou-se adipômetro da marca Neo com escala de 0 a 80 mm.
Aferiu-se a CC na altura da cintura natural do indivíduo, que é a parte mais estreita do tronco, e a CQ na extensão máxima das nádegas(21). Pacientes com CC igual ou acima de 80 cm foram classificadas com risco aumentado para doenças cardiovasculares enquanto que aquelas com CC igual ou acima de 88 foram classificadas com risco muito aumentado para doenças cardiovasculares(18).
Para melhor identificar os pacientes em risco nutricional, utilizou-se a Avaliação Subjetiva Global específica para pacientes oncológicos (ASG-PPP). Essa avaliação é um instrumento prático que obtém informações sobre sintomatologia considerando aspectos da história clínica e capacidade funcional, classificando o indivíduo em: a) bem nutrido, b) moderamente desnutrido ou com suspeita de desnutrição e c) gravemente desnutrido(22).
A avaliação do consumo alimentar se deu através da aplicação de um recordatório alimentar de 24 horas pela pesquisadora, através do qual se investigou os alimentos e as bebidas consumidos no dia anterior da avaliação. Esses dados foram computados no software DietWin Profissional (2008) para determinação da composição nutricional da dieta e da ingestão calórica das pacientes. A ingestão dos macronutrientes foi comparada às recomendações da OMS/FAO (Food and Agricultural Organization)(23), enquanto que a ingestão de micronutrientes foi comparada às recomendações diárias de ingestão (DRIs)(24). Calculou-se a frequência relativa de pacientes com consumo de macro e micronutrientes de acordo com a recomendação e, para o cálculo e análise da adequação do número de porções diárias dos diferentes grupos alimentares, utilizou-se as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira(25). Além disso, aplicou-se um questionário estruturado desenvolvido pelas pesquisadoras para investigar a presença de potenciais fatores de risco no desenvolvimento do CM, tais como idade, escolaridade, idade da menarca, presença ou ausência de menopausa, número de filhos, amamentação, tempo de uso de anticoncepcional, tabagismo atual ou pregresso, ingestão de bebidas alcoólicas, histórico familiar de câncer e prática atual de atividade física.
Os dados foram tabulados em uma planilha no software Microsoft Office Excel (2003) e calcularam-se as estatísticas descritivas, média e desvio padrão para as variáveis quantitativas paramétricas; mediana e amplitude interquartil para as variáveis quantitativas não paramétricas; e frequência absoluta e relativa para as variáveis qualitativas. Para comparação entre o consumo alimentar e as recomendações nutricionais, utilizou-se o teste t-Student para uma amostra. A correlação entre as variáveis antropométricas e de qualidade de vida foi analisada através do coeficiente de correlação de Pearson. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do software SPSS versão 18.0, sendo considerados significativos valores de p<0,05.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Univates, conforme Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sob o número do parecer 1.004.585/2015 e pelo conselho do hospital, código 001 de 24/02/2015.
RESULTADOS
A amostra de pacientes com câncer de mama incluída no presente estudo apresentou idade média igual a 55,73 ± 11,38 anos e escolaridade igual a 7,66 ± 3,22 anos de estudo. A tabela 1 apresenta a análise estatística descritiva referente às características clínicas e hábitos de vida das participantes. Cerca de 22,9% (n=16) das participantes haviam apresentado câncer de mama prévio, 44,3% (n=31) apresentavam história familiar da doença, 70,4% (n=50) relataram ter iniciado a menopausa antes dos 55 anos de idade, 71,4% (n=50) relataram uso de anticoncepcional oral por mais de cinco anos, 10% (n=7) relataram ser fumante pregressa e nenhuma delas relatou consumo atual de bebida alcoólica.
A tabela II apresenta as estatísticas descritivas referentes ao estado nutricional das participantes do presente estudo. De acordo com o IMC, a maioria das participantes apresentou sobrepeso (37,1%; n=26) e obesidade (37,1%; n=26). A avaliação do estado nutricional a partir da ASG-PPP demonstrou que a maioria das participantes era bem nutrida (98,6%; n=69). Observou-se que a média da CC das pacientes foi elevada. De fato, apenas 10,8% (n=8) das pacientes apresentaram valores de CC dentro da faixa de normalidade, enquanto que 20,3% (n=15) apresentaram valores de CC aumentados. A maioria das pacientes (63,5%; n=47) apresentou valores de CC indicativos de risco cardiovascular muito aumentado. Quando avaliadas quanto ao estado nutricional a partir do percentual de adequação da CB, a maioria das pacientes apresentou diagnóstico de eutrofia (47,1%; n=33), enquanto que 20,0% (n=14) demonstraram sobrepeso, 22,9% (n=16) apresentaram obesidade e menos de 10% (7) desnutrição. A partir do percentual de adequação da CMB, 84,3% (n=59) foram classificadas como eutróficas, e as demais foram classificadas como desnutridas.
A tabela III, por sua vez, apresenta a composição nutricional da dieta das participantes do presente estudo em comparação com as recomendações. A média do consumo de calorias, carboidratos, lipídios, colesterol, fibras, cálcio e ferro foi significativamente inferior à recomendação, enquanto que o consumo médio de proteínas e vitamina C foi significativamente superior à recomendação. Apenas 21,4% (n=15) das pacientes apresentaram consumo calórico superior a 25 calorias/kg/dia, conforme proposto pelo Consenso Brasileiro de Oncologia. Mais da metade das pacientes apresentaram consumo de carboidratos inferior a 55% do total de calorias diárias (55,7%; n=39). O consumo de proteínas foi superior a 15% do VCT em 72,9% (n=51) das participantes, enquanto que o consumo de lipídios foi inferior a 30% do VCT em 61,5% (n=43) delas. Em relação ao consumo de fibras, apenas 9,6% (n=7) das pacientes apresentaram consumo igual ou maior à recomendação, enquanto que 12,3% (n=9) das pacientes apresentaram consumo de cálcio dentro da recomendação para a faixa etária e apenas cinco (6,8%) pacientes apresentaram consumo adequado de ferro. Por outro lado, mais da metade das pacientes apresentaram consumo adequado de vitamina C (53,4%; n=39) e de colesterol (69,9%; n=51).
Na figura 1 está a comparação entre o número médio de porções consumidas pelas participantes do presente estudo e o número de porções preconizado pelo Guia Alimentar para a população Brasileira para cada grupo alimentar, ajustado para 1000 kcal. O consumo de frutas, óleos e doces não diferiu significativamente do número de porções recomendado, enquanto que o consumo de cereais, vegetais, laticínios e leguminosas foi significativamente inferior ao preconizado. No que se refere ao grupo das carnes, o número de porções consumidas pelas participantes do presente estudo foi significativamente superior à recomendação.
Valores de p<0,05 considerados estatisticamente significativos: teste t-Student para uma amostra.
A média do escore de qualidade de vida referente ao questionário de qualidade de vida multidimensional QLQ-C30 apresentou escore médio igual a 38,04 ± 11,37 pontos.
Não foi observada correlação significativa entre qualidade de vida e os indicadores antropométricos de peso corporal, IMC, CC, CQ, CB, PCT e CMB. A associação entre qualidade de vida e estado nutricional, segundo a ASG-PPP, não pôde ser avaliada, pois apenas uma paciente foi classificada como ASG-C e as demais foram classificadas como ASG-A. Para a análise da associação entre IMC e o escore de qualidade de vida, as participantes foram reagrupadas em três categorias (baixo peso, eutrofia e excesso de peso) e não foi observada diferença significativa nos escores do QLQ-C30 (p = 0,954), reforçando a ausência de associação entre estado nutricional e qualidade de vida na amostra de pacientes com câncer de mama estudada (dados não apresentados).
DISCUSSÃO
O presente estudo demonstrou elevada prevalência de excesso de peso entre as participantes, consumo alimentar divergente das recomendações preconizadas para uma alimentação saudável, escores relativamente baixos de qualidade de vida e nenhuma associação significativa entre os indicadores antropométricos e de qualidade de vida. Entende-se que esses fatores são de fundamental importância no prognóstico de pacientes oncológicos e na promoção da saúde desta população.
A maioria das participantes apresentou algum grau de excesso de peso e obesidade, assim como um estudo transversal realizado em Juiz de Fora, Minas Gerais, envolvendo 65 mulheres, que observou que 64,60% das pacientes tinham sobrepeso ou obesidade de acordo com o IMC(26). Outra pesquisa, essa realizada no Centro Regional Integrado de Oncologia (CRIO), em Fortaleza, Ceará, com 114 pacientes portadoras de CM, revelou que 46,15% apresentavam sobrepeso e 23% obesidade(27). Além disso, em estudo com dois hospitais na costa leste da península da Malásia, mais da metade das pacientes eram obesas ou apresentavam sobrepeso(28). Em outro estudo, analisaram-se os dados de pacientes em estágio inicial de CM admitidos no Instituto do Câncer da Universidade Hacettepe na Turquia, e, dos 2.455 pacientes participantes, 898 (36,2%) apresentaram sobrepeso e 704 (29,2%) eram obesos(29).
A avaliação do estado nutricional a partir da ASG-PPP demonstrou que a maioria das participantes estava bem nutrida no presente estudo, resultados semelhantes aos do estudo realizado no Ambulatório Borges da Costa, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no qual 78 mulheres foram acompanhadas e a maioria (80,8%) foi considerada bem nutrida(30).
No presente estudo, a média do consumo de calorias, carboidratos, lipídios e colesterol foi significativamente inferior à recomendação, porém, as pacientes apresentaram sobrepeso e obesidade, indicando que elas não possuem uma alimentação saudável. No estudo realizado em Fortaleza com pacientes com CM, o consumo alimentar foi caracterizado por uma ingestão energética insuficiente, uma deficiente contribuição de carboidratos e fibras, e excesso de consumo de proteínas, sal e sódio(31). Em outro estudo, ocorrido na Espanha e do qual participaram 112 sobreviventes de CM, o consumo de energia total, gordura e carboidrato das dietas também esteve diminuído entre as pacientes(32). Este achado deve-se, provavelmente, aos vieses comuns nos questionários alimentares, como a subestimação do consumo e/ou ingestão de determinados alimentos, e ao viés de memória, em que o individuo pode não lembrar com precisão das informações sobre ingestão ou quantidade consumida dos alimentos. Em contraponto, resultados de um estudo europeu de coorte, conduzido com 242.918 mulheres pós-menopausa, evidenciou que mulheres que tinham uma alimentação saudável possuíam menor risco de desenvolver a patologia(33).
O consumo de cereais, vegetais, laticínios e leguminosas mostrou-se significativamente inferior ao número de porções recomendadas para a amostra de mulheres com CM estudada no presente estudo. Resultados de um estudo realizado no Hospital das Clínicas da UFMG demonstraram que o consumo de alimentos do grupo dos cereais, dos vegetais e dos laticínios apresentou-se abaixo do número de porções recomendadas, enquanto que o consumo do grupo das leguminosas, das carnes, dos açúcares e doces, e dos óleos foi superior à recomendação(34). Em outro estudo, realizado com 58 mulheres com CM acompanhadas em um centro especializado de tratamento oncológico na cidade de Fortaleza, observou-se maior frequência relativa de pacientes com o consumo abaixo do recomendado para os grupos alimentares das verduras e legumes, dos cereais totais e do leite e derivados(35).
A média do escore relacionado ao questionário de qualidade de vida multidimensional QLQ-C30 no presente estudo foi de 38,04 ± 11,37, considerada baixa quando comparada aos resultados de dois estudos transversais, um realizado com 152 pacientes de São Paulo, onde a média de QV medida pelo mesmo instrumento foi de 74,91 ± 23,36(36), e outro desenvolvido em Fortaleza, envolvendo 145 mulheres com CM que estavam em tratamento quimioterápico, em que o escore de Qualidade de Vida Global encontrado foi de 76,14 ± 23,54(37).
No presente estudo, não se observou correlação significativa entre qualidade de vida e estado nutricional, resultado diferente de um estudo que examinou a qualidade de vida em pacientes de Bangladesh e constatou que a melhoria da renda familiar, do estado nutricional e do ambiente de trabalho podem ter um impacto sobre a melhoria da qualidade de vida de pacientes com CM durante as fases de tratamento(38). Um estudo transversal com 100 iranianas sobreviventes de CM demonstrou que as sobreviventes com melhor estado nutricional tiveram melhores escalas de funcionamento e menos sintomas clínicos(17). Diante desses achados, cabe salientar que as diferenças sociodemográficas, clínicas, nas modalidades de tratamento e no estado nutricional tendem a apresentar variâncias conforme a amostra avaliada. Neste sentido, torna-se factível haver diferenças nos achados de qualidade de vida nos estudos descritos acima e em nosso estudo.
Uma limitação deste estudo diz respeito à inclusão de mulheres com CM em diferentes etapas do tratamento quimioterápico, o que pode influenciar de forma variável a qualidade de vida e o estado nutricional das mesmas. Entretanto, trata-se de um estudo que apresenta como pontos fortes: a amostra representativa da população de interesse no âmbito local, a avaliação de diferentes indicadores antropométricos e um método de triagem nutricional validado e específico para pacientes com câncer.
CONCLUSÃO
A qualidade de vida das mulheres com câncer de mama em quimioterapia foi considerada baixa, e elas apresentaram uma elevada prevalência de sobrepeso e obesidade. Além disso, o consumo alimentar foi superior à recomendação para proteínas e vitamina C, e inferior para calorias, carboidratos, lipídios, colesterol, fibras, cálcio e ferro. Não foi observada associação significativa entre qualidade de vida e estado nutricional.
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