Resumo: Objetivo: Avaliar como ocorre o financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, refletindo sobre os avanços e entraves existentes. Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa realizada no período de junho e julho de 2016. A busca dos estudos foi realizada nas bases de dados eletrônicas Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) e na Biblioteca Virtual Scientific Eletronic Library Online (SciELO), utilizando-se como descritores de assunto “primary health care” e “financing”. Os critérios de elegibilidade do estudo foram artigos científicos brasileiros, indexados no período de 1994 a 2016, escritos nos idiomas inglês, português ou espanhol, e que estivessem disponíveis na íntegra. Foram excluídas as publicações no formato de tese, dissertação, capítulo de livro e as que não tinham relação com o tema da pesquisa, bem como as que tratavam de estudos sobre financiamento APS realizados fora do Brasil. Resultados: Foram encontradas 290 publicações. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, obteve-se 15 artigos dos quais emergiram duas categorias temáticas: “Subfinanciamento: um desafio para a APS” e “Descentralização e os entraves no financiamento da APS”. Conclusão: Os achados desta revisão identificaram diferentes entraves no financiamento e no estabelecimento de políticas de fortalecimento da atenção primária do país, evidenciando que os repasses e alocações dos recursos devem ser analisados de forma mais criteriosa e reflexiva. Os artigos avaliados apresentam como principais problemas enfrentados no financiamento: verbas insuficientes, necessidade de serem estabelecidos parâmetros mais claros para os repasses intergovernamentais, criação de uma gestão que entenda e dialogue com as dificuldades locais, e maior autonomia dos municípios na definição de prioridades em contrapartida aos financiamentos destinados ao custeio de programas específicos.
Palavras-chave:Atenção Primária à SaúdeAtenção Primária à Saúde,FinanciamentoFinanciamento,SUSSUS.
Abstract: Objective: To evaluate the way Primary Health Care financing occurs in Brazil, reflecting on the existing advances and obstacles. Methods: This is an integrative review carried out in the period of June and July 2016. The search was conducted in the electronic databases Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (BIREME) database and Scientific Electronic Library Online (SciELO), using as descriptors “primary health care” and “financing”. The eligibility criteria of the study were Brazilian scientific articles, indexed in the period from 1994 to 2016, written in English, Portuguese or Spanish, and being available in full text. Publications in the thesis, dissertation and book chapter format, those not related to the research topic, as well as those dealing with studies on PHC financing carried out outside Brazil, were excluded. Results: The search resulted in 290 publications. After applying the inclusion and exclusion criteria, 15 articles were obtained, from which two thematic categories emerged: “Underfinancing: a challenge for PHC” and “Decentralization and obstacles to PHC financing”. Conclusion: The findings of this review identified different obstacles to the financing and establishment of policies for the improvement of primary health care in the country, pointing out that transfers and allocations of resources should be analyzed in a more discerning and reflective manner. The articles examined present as the main problems faced in financing: insufficient funds, the need to establish clearer parameters for intergovernmental transfers, the development of a management that understands and interact with the local difficulties, and the greater autonomy of the municipalities in setting priorities in counterpart to financing directed at specific programs.
Keywords: Primary Health Care, Financing, Unified Health System.
Resumen: Objetivo: Evaluar cómo se da la financiación de la Atención Primaria de Salud (APS) en Brasil con una reflexión sobre los avances y las trabas existentes. Métodos: Se trata de una revisión integrativa realizada entre junio y julio de 2016. La búsqueda de los estudios fue realizada en las bases de datos electrónicas: Centro Latino-Americano y del Caribe de Información e Ciencias de la Salud (BIREME) y en la Biblioteca Virtual Scientific Eletronic Library Online (SciELO) utilizándose los descriptores de asunto “primary health care” y “financing”. Los criterios de elegibilidad del estudio fueron artículos científicos brasileños indexados en el periodo de 1994-2016 escritos en los idiomas inglés, portugués o español y que estuvieran disponibles en texto completo. Fueron excluidas las publicaciones en el formato de tesis, los trabajos de fin de grado, los capítulos de libros y las que no tenían relación con el tema investigado así como los estudios sobre la financiación del APS realizados fuera de Brasil. Resultados: Se encontraron 290 publicaciones. Después de la aplicación de los criterios de inclusión y exclusión se quedaron 15 artículos de los cuales emergieron dos categorías de temas: “Subfinanciación: un desafío para la APS” y “Descentralización y las trabas para la financiación de la APS”. Conclusión: Los hallazgos de esa revisión identificaron distintas trabas para la financiación y el establecimiento de políticas de fortalecimiento de la atención primaria del país evidenciando que los repases y los destinos de los recursos deben ser analizados con más criterios y reflexiones. Los artículos evaluados presentan los siguientes problemas principales afrontados para la financiación: las verbas insuficientes, la necesidad de parámetros más claros para los repases intergubernamentales, la creación de una gestión que comprenda y dialogue con las dificultades locales, una mayor autonomía de los municipios para la definición de prioridades en contrapartida para las financiaciones para el costeo de programas específicos.
Palabras clave: Atención Primaria de Salud, Financiación del Capital, Sistema Único de Salud.
Artigos de Revisão
DESAFIOS DO FINANCIAMENTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: REVISÃO INTEGRATIVA
Challenges of primary health care financing: integrative review
Desafíos de la financiación de la atención primaria de salud: revisión integrativa
Recepção: 17 Novembro 2016
Aprovação: 22 Fevereiro 2017
O Sistema Único de Saúde (SUS) criado em 1988, fruto da reforma sanitária, foi homologado pela Constituição de 1988, trazendo como princípios a universalidade, a equidade e a integralidade. Além disso, preconizou a participação popular e a descentralização. Para regulamentar seus princípios e diretrizes, foram sancionadas, em 1990, as Leis nº 8080/90 e nº 8182/90(1).
A descentralização promoveu maior participação política dos municípios na tomada de decisão sobre as prioridades da saúde local e favoreceu novos mecanismos de financiamento e transferência de responsabilidades pela execução direta de serviços de saúde, principalmente os da atenção primária(2). Com a descentralização e as mudanças do modelo de gestão, os municípios ganharam mais autonomia e responsabilidade sobre os atendimentos da baixa complexidade.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é vista como primeiro contato para o cuidado, sendo porta de entrada para os usuários do SUS. Com base num atendimento comunitário, em detrimento ao individual e unicausal, visa realizar ações que promovam o cuidado integral, respondendo, dessa forma, a maior parte das necessidades de saúde de uma população. Para isso, precisa ser articulada e direcionada por políticas amplas(3).
A Norma Operacional Básica de 1996 (NOB 96) estimula o processo de descentralização e estabelece o Programa Saúde da Família (PSF) como parte de um conjunto de iniciativas que fortalece a APS(4). Segundo a NOB, o Piso Assistencial Básico (PAB), para financiar procedimentos ambulatoriais e incentivar programas como PSF e Agentes Comunitários de Saúde (ACS)(5), deve ser calculado com base no tamanho da população local.
A vinculação de recursos à saúde contribui para a ampliação gradual do gasto até o percentual mínimo estabelecido. Os recursos federais são definidos pelo tamanho da população e tipo de gestão municipal, além disso, há recursos adicionais destinados a programas específicos(6). A Emenda Constitucional 29 (EC 29) estabelece que a União investirá do seu orçamento 5 % do ano anterior mais a correção do PIB nominal. Para estados e municípios, a quota seria 12% e 15% respectivamente(7), diminuindo as desigualdades no financiamento da saúde ao equalizar o percentual mínimo de cada ente federativo(6).
Em 2011, foi aprovada a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) pela Portaria nº 2.488/2011, com objetivo de reorganizar o sistema de saúde a partir da atenção primária por meio de um modelo horizontal baseado em rede de atenção à saúde. A reorientação dos setores de saúde utilizando a APS como componente fundamental cria um sistema conduzido por ações sanitárias mais eficazes e eficientes, objetivando fazer cumprir o que é preconizado pela lei(8).
Apesar de a PNAB ter sido aprovada apenas em 2011, desde a década de 90 o Brasil vem passando por mudanças significativas na forma de direcionar os cuidados da atenção primária. O PSF surgiu em 1994 e passou a ser encarado pelo Ministério da Saúde como a principal estratégia de organização da atenção básica à saúde no país(9).
Considerando a importância da APS para a reorganização dos serviços de saúde do país e todos os avanços e desafios inerentes a esse novo “modelo” de saúde, buscou-se, neste artigo, avaliar como ocorre o financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, refletindo sobre os avanços e entraves existentes.
Trata-se de pesquisa bibliográfica, do tipo revisão integrativa, método que promove a síntese dos resultados de pesquisa(10). Este estudo foi composto por seis etapas: identificação do tema ou questionamento da revisão integrativa; amostragem ou busca na literatura; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão; interpretação dos resultados; e síntese do conhecimento evidenciado nos artigos analisados ou apresentação da revisão integrativa(11).
O estudo ocorreu nos meses de junho e julho de 2016, tendo como pergunta de partida: Como acontece o financiamento da atenção primária no Brasil? A coleta de artigos foi realizada nas bases de dados Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) e na Biblioteca Virtual Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), utilizando-se como descritores de assunto “primary health care” e “financing”, utilizando-se o booleano “and”. Os critérios de elegibilidade do estudo compreenderam artigos científicos brasileiros, indexados no período de 1994 a 2016, escritos nos idiomas inglês, português ou espanhol, e que estivessem disponíveis na íntegra. Excluíram-se as publicações no formato de tese, dissertação, capítulo de livro e as que não tinham relação com o tema da pesquisa, bem como, as que tratavam de estudos sobre financiamento APS realizados fora do Brasil.
A análise dos trabalhos selecionados foi realizada com um instrumento que apresenta objetivos, resultados e conclusão de cada estudo. Realizou-se um fichamento das publicações selecionadas, objetivando identificar a forma de financiamento da atenção primária no Brasil, bem como os avanços e desafios. Realizaram-se leituras críticas com o objetivo de responder a questão condutora, obtendo-se a categorização temática de acordo com os conteúdos evidenciados.
Foram encontrados 290 artigos na busca inicial, entretanto, somente 15 estavam de acordo com os critérios de elegibilidade do presente estudo, sendo 5 oriundos da base de dados Scielo e 10 da Bireme.
Os principais resultados dos estudos encontrados foram apresentados em um quadro para melhor visualização das evidências (Quadro I). Quanto aos objetivos propostos pelas publicações, foram identificados trabalhos que avaliaram o financiamento APS, as leis que regulamentam a atenção primária, o impacto do financiamento ao longo do tempo e a participação dos entes federativos no financiamento.
Um estudo(12) aponta que, em 1980, o governo federal participava com 75% do financiamento público na saúde, e os estados e municípios com 25%. Em 1990, foi aprovada a Lei nº 8142, que dispõe sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros da área de saúde, estabelecendo que a União deve participar com pelo menos 70%. Entretanto, apesar da menor responsabilização da União com o financiamento da saúde, a década de 90 apresentou mudanças consideráveis na política nacional de atenção primária à saúde com o objetivo de ampliar o acesso(2). As mudanças no arranjo federativo instaurado após a Constituição de 1988 e o processo de descentralização e municipalização foram importantes para a mudança do modelo hospitalocêntrico por um modelo de saúde preventiva(13).
Uma pesquisa comparou os gastos públicos no Brasil e em outros países, sendo verificado que os gastos públicos em saúde no Brasil são muito baixos quando comparados com outros países, em dólares americanos, com paridade de poder de compra(14). Já outro estudo(15) apresentou a evolução dos valores per capita referentes às transferências federais da atenção básica, média e alta complexidade, ajustados pela inflação no período compreendido entre 1998 a 2006, e os autores destacaram que a atenção básica manteve um padrão de progressivo incremento entre 1998 e 2001 e a partir de 2003. No entanto, embora com oscilações ao longo dos anos, as transferências de média e alta complexidade apresentaram valores per capita muito superiores em todo o período, e crescimento bem ascendente entre 2002 e 2004, registrando aumento da distância entre as curvas.
O Ministério da Saúde, desde o início de 2000, tem priorizado municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, com o objetivo de expandir e consolidar a atenção básica, já que tem sido evidenciada nesses centros urbanos uma baixa cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF)(16).
Mesmo antes da criação do SUS, o papel decisivo de alguns municípios já existia. Um exemplo disso está na atuação dos municípios no combate à poliomielite e ao sarampo, sendo evidenciado que, apesar dos resultados efetivos da descentralização, o governo federal, nos anos 80, iniciou a retração da sua participação no financiamento da saúde perante o crescimento da participação estadual e principalmente municipal(12).
As relações fiscais e orçamentárias que se estabelecem entre os governos na federação brasileira são ineficazes do ponto de vista da redução das desigualdades entre municípios com grande porte populacional situados em distintas regiões e estados do país. As arrecadações municipais vinculadas à saúde das regiões Norte e Nordeste permanecem bem aquém das observadas na região Sul do país(16). A descentralização, regionalização e municipalização aparecem como forma de tornar a saúde mais próxima das necessidades locais, contudo nem todos os municípios brasileiros apresentam condições política e financeira para suprir suas necessidades de saúde, mesmo quando se fala de serviços que demandam baixos investimentos tecnológicos.
Uma pesquisa realizada em um município da Bahia em 2005 revelou os gastos médios para a manutenção de um PSF, sendo identificados os gastos per capita de 16 unidades do PSF estudadas, que variaram de R$ 62,30 a R$ 465,40 per capita/unidade/ano. Em 2005, o investimento federal foi de R$ 2.834/unidade/mês. Os autores concluíram que não há cofinanciamento estadual, o que faz com que o município faça um grande esforço para ampliar o acesso aos serviços de saúde através da ESF(17).
Uma pesquisa realizada no estado do Mato Grosso evidenciou que, do ponto de vista financeiro, os municípios mato-grossenses ainda dependem grandemente dos recursos vindos de outras instâncias intergovermentais, sendo essa dependência maior entre os municípios com menos de 20.000 habitantes, mas também sendo significativa nos municípios de médio e grande porte(18). As pesquisas apontam a existência de perfis variados de receitas municipais nas diversas regiões e estados do Brasil, assim como distintos graus de dependência orçamentária dos municípios das principais fontes de recursos vinculados. Essas diferenças precisam ser trabalhadas para que se consiga alcançar uma atenção primária eficiente em todo território brasileiro.
As políticas descentralizadoras representam desafios para a gestão, tanto pela assunção de novas responsabilidades como para instituição de mudanças. Um estudo(19) objetivou a criação de mecanismos organizacionais que tornem a responsabilidade sanitária dos entes federados, dos serviços e dos profissionais de saúde mais precisa e definida, visando à melhoria do serviço e à adoção de práticas humanizadas.
Os achados desta revisão identificaram diferentes entraves no financiamento e estabelecimento de políticas de fortalecimento da atenção primária do país, evidenciando que os repasses e a alocação dos recursos devem ser analisados de forma mais criteriosa e reflexiva. Os artigos avaliados apresentam como principais problemas enfrentados no financiamento: insuficiência de verba, necessidade de serem estabelecidos parâmetros mais claros para os repasses intergovernamentais, criação de uma gestão que entenda e dialogue com as dificuldades locais e maior autonomia dos municípios na definição de prioridades em contrapartida aos financiamentos destinados ao custeio de programas específicos.
Foram apontados também como dificuldades a escassez de recursos para a saúde e o modelo de assistência adotado, que transfere recursos da atenção primária à saúde para o segmento de atenção de maior complexidade. Nessa conjuntura, o financiamento da Atenção Primária à Saúde apresenta inviabilidades, como também há desafios relacionados à gestão do trabalho e à necessidade de novo aparato jurídico-institucional para a gestão regional.
Bairro: Cidade Universitária
CEP: 50670-901 - Recife - PE - Brasil