Resumo: Objetivo: Descrever o conhecimento produzido na literatura acerca da criação do Programa Mais Médicos e sua repercussão no Brasil. Métodos: Revisão integrativa, realizada no período de 2013 a 2016, nas bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na Coleciona SUS, utilizando-se os descritores: programa, médicos, atenção primária, atenção básica, saúde. Resultados: Foram selecionadas 21 publicações que atenderam aos critérios de inclusão, mas encontravam-se em periódicos com estratos intermediários e apresentaram baixo nível de evidência. Os principais resultados se referem à criação do Programa Mais Médicos (PMM) e sua repercussão na classe médica, na população e na mídia. O PMM foi criado tendo como objetivo ampliar o acesso e atenuar as desigualdades em saúde através da distribuição de médicos em municípios considerados prioritários, ocasionou grande repercussão no Brasil, com posicionamentos diversos entre os órgãos governamentais, usuários, mídia e, em especial, entre a classe médica brasileira. Conclusão: Diminuir as desigualdades de alocação de médicos, no entanto, é uma ação difícil e que exige ações em longo prazo. Soma-se a necessidade de implantar estratégias como melhoraria de infraestrutura, melhor distribuição de insumos e equipamentos, apoio logístico e rede de atenção à saúde resolutiva, eficiente e eficaz em todos os níveis de atenção.
Palavras-chave:Programas Nacionais de SaúdeProgramas Nacionais de Saúde,MédicosMédicos,Atenção Primária à SaúdeAtenção Primária à Saúde,Programas Nacionais de SaúdeProgramas Nacionais de Saúde,SaúdeSaúde.
Abstract: Objective: To describe the knowledge produced in the literature about the creation of the More Doctors Program and its repercussion in Brazil. Methods: Integrative review carried out from 2013 to 2016 in the databases Scientific Electronic Library Online, Latin American and Caribbean Health Sciences Literature, Virtual Health Library and Coleciona SUS using the following descriptors: program, doctors, primary health care, health. Results: The study included twenty-one publications that met the inclusion criteria but that were found in intermediate journals and presented low levels of evidence. The main results refer to the creation of the More Doctors Program (MDP) and its repercussion for doctors, the population and in the media. The MDP was created with the aim of expanding the access and minimizing health inequalities through the distribution of doctors in municipalities considered priority. The program generated great repercussion in Brazil, with different opinions among governmental institutions, users, media and, mainly, Brazilian doctors. Conclusions: Reducing inequalities in the distribution of doctors is hard task that requires long-term actions. In addition, there is the need to implement strategies to improve infrastructure, the distribution of inputs and equipment, the logistic support and to make a health care network capable of solving users’ conditions in an efficient and effective way at all levels of care.
Keywords: National Health Programs, Physicians, Primary Health Care, National Health Programs, Health.
Resumen: Objetivo: Describir el conocimiento producido en la literatura sobre la creación del Programa Más Médicos y su repercusión en Brasil. Métodos: Revisión integrativa realizada en el período entre 2013 y 2016 en las bases de datos: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana y del Caribe en Ciencias de la Salud (LILACS), Biblioteca Virtual en Salud (BVS) y en la Colecciona SUS, utilizándose los descriptores: programa, médicos, atención primaria, atención básica, salud. Resultados: Fueron elegidas 21 publicaciones que se incluyeron en los criterios de inclusión pero que eran de periódicos con estratos intermediarios y bajo nivel de evidencia. Los principales resultados fueron sobre la creación del Programa Más Médicos (PMM) y su repercusión para la clase de médicos, la población y los medios de comunicación. El PMM ha sido creado para ampliar el acceso y mejorar las desigualdades en salud a través de la distribución de médicos en los municipios considerados prioritarios lo que llevó a una gran repercusión en Brasil con distintos posicionamientos entre los órganos del gobierno, los usuarios, los medios de comunicación y, en especial, entre la clase médica brasileña. Conclusión: Disminuir las desigualdades de ubicación de médicos, sin embargo, es una acción difícil que exige acciones a largo plazo. Se soma a eso la necesidad de implementar estrategias como la mejoría de infraestructura, mejor distribución de insumos y equipos, el apoyo logístico y una red de atención a la salud resolutiva, eficiente y eficaz en todos los niveles de atención.
Palabras clave: Programas Nacionales de Salud, Médicos, Atención Primaria de Salud, Salud.
Artigos de Revisão
PROGRAMA MAIS MÉDICOS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
More doctors program: an integrative review
Programa más médicos: una revisión integrativa
Recepção: 13 Maio 2017
Aprovação: 04 Outubro 2017
O provimento de serviços de saúde em regiões remotas e periféricas constitui um sério problema enfrentado por quase todos os países. A inadequada distribuição geográfica de profissionais de saúde, especialmente de médicos, vem sendo apontada como grave e persistente ao longo do tempo, resistindo às mais variadas estratégias adotadas pelas entidades governamentais para seu enfrentamento(1). No Brasil, tal desigualdade pode estar relacionada a diversos fatores: ausência de atratividade de regiões com piores indicadores sociais; condições inadequadas de trabalho; cargas horárias excessivas e má remuneração, o que dificulta a fixação desses profissionais em áreas remotas e vulneráveis(2).
O Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes, índice menor que o da Argentina (3,2); do Uruguai (3,7); do Reino Unido (2,7); de Portugal (3,9) e da Espanha (4). Outro problema enfrentado, além da falta desses profissionais, é a distribuição desigual de médicos em algumas regiões brasileiras. Há 22 estados brasileiros nos quais o número de médicos encontra-se abaixo da média nacional, e cinco deles têm menos de um médico por mil habitantes, caso do Maranhão (0,58); Amapá (0,76); Pará (0,77); Piauí (0,92) e Acre (0,98)(3).
Como estratégia de retenção e fixação de médicos em regiões remotas, o governo brasileiro vem tentando resolver a questão com intervenções na extensão universitária e na oferta de incentivos e benefícios para os profissionais que queiram atuar nas áreas mais carentes do país. As primeiras iniciativas governamentais para o enfrentamento da carência de médicos no Brasil tiveram como foco a distribuição e interiorização desses profissionais e foram implantadas antes e após a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS)(4).
Diante da permanência dos desafios apresentados para a fixação de médicos em áreas desfavoráveis, o governo brasileiro lançou, em 2013, o Programa Mais Médicos (PMM), como forma de amenizar a carência de médicos em regiões brasileiras. O Programa tem como objetivo levar médicos para regiões onde há escassez ou ausência desses profissionais, além de prever investimentos na expansão da formação de médicos, além de para a construção, reforma e ampliação das Unidades Básicas de Saúde(5).
Entretanto, com o lançamento do Programa, criou-se uma grande polêmica entre a classe médica, a população e a mídia no Brasil. Em diversas declarações e opiniões publicadas a partir de então, a classe médica brasileira, representada por suas entidades, posicionou-se contra o programa, alegando que ele agride preceitos constitucionais, trabalhistas, tributários, humanitários e ideológicos. Sendo assim, torna-se relevante e necessário aprofundar o conhecimento a respeito do assunto. Apesar da sua importância, pouco se sabe sobre as atividades que têm sido desempenhadas no PMM, sendo essas essenciais para a resolutividade dos problemas de saúde da população. Considerando que o PMM é uma política pública constituída para enfrentar a problemática da carência de médicos em regiões prioritárias, a fim de reduzir as desigualdades na saúde pública, os esforços para compreendê-lo e avaliá-lo se revestem de notável importância(6).
Nessa perspectiva, este estudo objetivou descrever o conhecimento produzido na literatura acerca da criação do Programa Mais Médicos e sua repercussão no Brasil.
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, a qual tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um determinado tema, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento nessa temática(7).
Nesse sentido, foram estabelecidas as seguintes questões norteadoras: Como e por que ocorreu a implantação do Programa Mais Médicos no Brasil? Quais as repercussões que essa implantação causou no país? Os descritores utilizados na busca e constantes na plataforma de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) foram: programa; médicos; atenção primária; atenção básica; saúde. A seguir, procedeu-se à busca nas bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na Coleciona SUS.
Como critérios de inclusão, observaram-se: artigos completos disponíveis eletronicamente no idioma português, publicados no período de 2013 a 2016 e que apresentassem a temática proposta no título, no resumo ou no descritor. Constituíram critérios de exclusão: artigos em outros idiomas, pois o objetivo era priorizar a literatura brasileira sobre o tema; cartas ao editor; editoriais; revisões de literatura, integrativas e sistemáticas; teses; dissertações e artigos em duplicidade.
Na terceira etapa, selecionaram-se as informações a serem extraídas das publicações: título e autoria; ano de publicação; título do periódico/ base de dados; local da publicação/ tipo de estudo; método/ nível de evidência; objetivo; principais resultados e recomendações, segundo as bases de indexação. Para tanto, utilizou-se um instrumento para coletar essas variáveis de interesse. A seleção dos textos ocorreu a partir da leitura dos resumos e da leitura integral dos artigos, quando as informações contidas no resumo não eram suficientes.
Os artigos foram classificados quanto ao Qualis na área interdisciplinar, classificação instituída pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para avaliar os periódicos científicos nas diferentes áreas de pesquisa no Brasil, com adoção de vários estratos de classificação(8). Estratos A1, A2, B1 são considerados estratos superiores, B2 a B5 são intermediários e C é um estrato inferior(9).
Adicionalmente, classificaram-se os artigos, de acordo com seu fator de impacto (FI), publicados pelo Journal Citations Reports (JCR), no ano de 2015, e pela SciELO(10), sendo que quanto maior o FI, mais destacada é sua classificação. Para as revistas brasileiras terem um FI mais elevado, devem ter pelo menos um FI de 2 de modo sustentável(11).
As publicações foram ainda classificadas segundo o nível de evidência. Para tal, utilizou-se o sistema de hierarquia em sete níveis: 1) quando as evidências eram provenientes de revisão sistemática ou meta-análise de todos os ensaios clínicos randomizados controlados relevantes ou oriundos de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados; 2) caso as evidências derivassem de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado, bem delineado; 3) quando as evidências eram obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; 4) evidências oriundas de estudos de coorte e de caso-controle bem delineado; 5) evidências provenientes de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; 6) evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; e 7) evidências originárias de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas(12).
Na quarta, quinta e sexta etapas, as publicações foram analisadas, interpretadas e sintetizadas para realizar a apresentação desta revisão. A apresentação e discussão dos resultados obtidos foram realizadas de forma descritiva, possibilitando a avaliação da aplicabilidade da revisão integrativa elaborada, de forma a atingir o objetivo deste estudo.
Obtiveram-se 36 publicações na plataforma SciELO; na LILACS, 78; e 73 no Coleciona SUS, totalizando 187 publicações a partir dos descritores: programa; médicos; atenção primária; atenção básica; saúde. Realizou-se leitura seletiva dessas publicações a partir de título e do resumo para verificar sua pertinência com a temática. Quando as informações contidas no resumo não eram suficientes, realizou-se leitura integral. Dessa leitura, selecionaram-se 57 publicações. Após análises, permaneceram 21 publicações compondo a amostra desta revisão, as quais atenderam integralmente aos critérios de inclusão (Figura 1).
O Quadro I apresenta as características das publicações, segundo: título do periódico; ano de publicação; bases de dados;local da publicação; delineamento metodológico e a classificação do nível de evidência dos artigos selecionados.
Os estudos foram publicados, em sua maioria, em 2015 (10; 47,6 %) e 2016 (6; 28,5%). Os periódicos Tempus, Actas de saúde coletiva e a Revista Eletrônica Gestão e Sociedade publicaram 5 artigos cada um deles (23,8%); seguidos da Revista Interface - Comunicação, Saúde, Educação, que publicou 3 (14,2%). A maioria dos artigos (47,6%) foi publicada em periódicos com classificação Qualis B5 (10 publicações) e 19% em revistas com Qualis B1 (4 publicações).
Quanto ao FI selecionados na base estatística JCR, estão assim classificadas: Revista Ciência e Saúde Coletiva, 1(4,7), tem FI 0,669; Revista Escola de Enfermagem da USP, 1 (4,7%), com FI 0,415. Não foi identificado o FI de 19 dos 21 periódicos selecionados (90,4%). Na biblioteca eletrônica SciELO, encontraram-se 4 dos 21 periódicos selecionados: Ciência e Saúde Coletiva (0,5564); Revista da Escola de Enfermagem da USP (0,2753); Cadernos EBAPE.BR (0,1795) e Interface - Comunicação, Saúde, Educação (0,1748).
Em relação ao desenho metodológico, 4 (19%) artigos podem ser identificados como qualitativos e 2 (9,5%) como quali- quantitativos. Quanto ao nível de evidência dos estudos analisados, verificou-se que 18 (85,7%) são de nível 6 e 3 artigos (14,2%) são de nível 7. Observou-se um número maior de estudos descritivos, qualitativos e artigos de opinião.
Os locais de publicação encontram-se, respectivamente, no Rio de Janeiro (7; 33,3%); São Paulo, Brasília, e Belo Horizonte, com 5 (23,8%) em cada local, e os demais se encontram em outras cidades do Brasil. O Sudeste é a região brasileira com maior número de publicações, com 17 (80,9%); seguida pela região Centro Oeste, com 5 (23,8%).
O Quadro II apresenta a descrição das publicações entre 2013-2016 relacionadas ao Programa Mais Médicos (PMM), segundo publicação, objetivo, principais resultados e recomendações.
Os principais objetivos das 21 publicações encontradas eram descrever o conhecimento produzido na literatura acerca da criação do PMM e a repercussão que causou no Brasil.
As principais conclusões evidenciaram que o PMM trouxe benefícios para a população ao aumentar a quantidade de médicos por mil habitantes. Observa-se que a classe médica se manifestou criticamente contra a implantação do programa, pois foi visto pela classe como medida paliativa para aumento de contingente de médicos em curto e longo prazo, sem, no entanto, garantir estratégias para problemas estruturais e de formação de competência técnica para o sistema de saúde público, tendo em vista a vinda de profissionais estrangeiros sem a revalidação do diploma. Na mídia, a divulgação do programa nem sempre ocorreu de forma clara e precisa.
Os resultados evidenciaram que a maioria das publicações, segundo Qualis, encontra-se em periódicos B5 (10; 47,6%), denotando um estrato de avaliação intermediário(9). Os critérios quantitativos de avaliação realizados pela CAPES vêm despertando preocupação da comunidade científica. A ausência da apreciação qualitativa dos periódicos e do conteúdo dos artigos, assim como a valorização ou não de uma publicação, foram retratados como um modelo de avaliação esgotado e que necessita de mudanças(33).
Entre os 21 artigos selecionados, apenas 2 periódicos apresentaram FI divulgado na base estatística JCR. Esse fato pode ser explicado, uma vez que a maioria dos pesquisadores brasileiros publica em revistas brasileiras. O número de citações recebidas por essas revistas não confere, em sua maioria, métricas para estarem no ranking das melhores revistas e melhores classificações estabelecidas pelo JCR, justificando assim o resultado encontrado(34). Na classificação do fator de impacto disponibilizado pela SciELO, os 4 periódicos identificados apresentaram FI menor que 1, o que indica também patamar baixo(11).
Para a San Francisco Declaration on Research Assessment (DORA), o uso isolado do FI na avaliação é altamente destrutivo, pois pode impedir periódicos de publicar artigos de áreas ou assuntos menos citados, além de sobrecarregar periódicos de alto impacto com submissões muitas vezes inadequadas. Pesquisas deveriam ser avaliadas pelos seus próprios méritos, e não pelo periódico em que foi publicada(35).
Quanto ao mapeamento das produções científicas, a região Sudeste apresentou o maior número de publicações, com maior concentração nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, possivelmente devido à grande quantidade de centros de pesquisa e de pós-graduação presentes nessas regiões(36). Essa região é favorecida pelo fato de ter maior disponibilidade de recursos humanos e financeiros devido a políticas implementadas por importantes agências de fomento brasileiras(37).
Na presente revisão, verificou-se que a maioria dos estudos apresentou nível de evidência fraco, pois apresentavam, em sua maioria, metodologia descritiva, qualitativa e artigos de opinião. Esse fato pode ser explicado devido à carência de pesquisas nacionais, principalmente internacionais, relacionadas a essa nova temática(38). No entanto, a ausência de evidências fortes não impossibilita a tomada de decisões baseada em evidências(39).
Os resultados do atual estudo apontam que, historicamente, os médicos brasileiros se concentram, em sua maioria, nos grandes centros urbanos e em regiões mais desenvolvidas do país, o que acarreta, nas demais regiões, em uma baixa capacidade em prover e fixar esses profissionais, comprometendo a ampliação do acesso com qualidade aos serviços básicos de saúde(18,24,40).
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de Saúde Paulo, há profunda desigualdade na distribuição de médicos no país, visto que os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste contam com a metade dos médicos, que estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Os habitantes que vivem em qualquer capital têm, em média, duas vezes mais médicos que os que moram em outras regiões do mesmo estado(41).
Vários fatores são determinantes e sistematicamente influenciam a recorrência do problema da disparidade e da falta de médicos em algumas regiões brasileiras, a saber: ausência de atratividade de regiões com piores indicadores sociais; condições inadequadas de trabalho; precarização do vínculo trabalhista; contratos temporários de trabalho; insuficiência de vagas na graduação em medicina nas universidades públicas e o alto custo desses cursos, oferecidos pelas Instituições de Ensino Superior Privadas, impedem a formação de número de profissionais necessários para atender à demanda. Acrescenta-se que é comum médicos que se dedicaram, no mínimo, seis anos para sua formação inicial e fizeram alto investimento em pós-graduação, não abrirem mão do conforto dos grandes centros urbanos para irem trabalhar em uma comunidade no interior do país(2,26,32).
Segundo dois estudos(4,42), houve várias iniciativas governamentais para o enfrentamento da carência de médicos no Brasil, que foram implantadas antes da implantação do SUS, como o Projeto Rondon e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), e após, como o Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS); o Programa Saúde da Família (PSF); o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS); o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB).
Outros movimentos emergiram no cenário nacional em decorrência dos problemas enfrentados pela população em função da falta de médicos na rede pública de saúde, a exemplo da Frente Nacional de Prefeitos, que, em março de 2013, lançou a campanha “Cadê o Médico” com o propósito de reivindicar a presença desses profissionais nos locais não atendidos(32). Em junho de 2013, ocorreram no Brasil diversas manifestações que representavam o descontentamento da população frente à vida social e política do país, e foi nesse contexto político intenso e como resposta às tentativas fracassadas e a essas manifestações que o PMM foi instituído pelo governo federal no dia 8 de julho de 2013, objetivando diminuir a carência de médicos e reduzir as desigualdades regionais em saúde; fortalecer a prestação de serviços de atenção básica; aprimorar a formação médica e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do país e na organização e no funcionamento do SUS; e estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS(5).
Esse fato levou o PMM a uma associação forte com uma conotação político-partidária-eleitoral, sendo construído um discurso de que o PMM foi criado com fim eleitoreiro e baseado numa campanha da mídia para sustentá-lo(18) .
O programa envolve três frentes estratégicas para atingir tais objetivos: 1) Infraestrura. ampliar e qualificar as instalações das Unidades Básicas de Saúde, tornando-as adequadas aos parâmetros previstos na Política Nacional de Atenção Básica, bem como os demais estabelecimentos da Rede de Atenção à Saúde (RAS), que servem de ambiente para o processo de ensino- serviço durante a práxis acadêmica. Sendo que foram investidos mais de R$ 5 bilhões para o financiamento de 26 mil obras em quase 5 mil municípios, das quais aproximadamente 10,5 mil estão prontas e outras 10 mil encontram-se em fase de execução. Esses investimentos, no entanto, ainda são insuficientes, persistindo a falta de infraestrutura adequada, falta de equipamentos e insumos; 2) Formação profissional. ampliar o quantitativo de cursos e vagas na graduação e na residência médica, com ênfase para as regiões com menor relação de vagas e médicos por habitante, além de promover mudanças e reorientação na formação médica. A meta do Governo Federal era criar 11,5 mil novas vagas de graduação e 12,4 mil vagas de residência até 2017. Destas, foram autorizadas mais de 5 mil vagas de graduação e quase 5 mil de residência. Deve-se destacar, contudo, que há uma crítica por parte da categoria médica sobre a qualidade de ensino diante da ampliação da formação profissional sem o incremento de recursos para universidade federais; 3) Provimento emergencial através do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMM), para prover – ou provisionar – médicos para as áreas e municípios prioritários através de chamamento imediato, tanto para médicos brasileiros quanto estrangeiros. Na atuação do eixo de provimento emergência de médicos, o PMMB conta com um total 18.240 médicos participantes em 4.058 municípios de todo o país, cobrindo 73% das cidades brasileiras e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), atingindo 63 milhões de pessoas que não tinham atendimento médico de APS. No total, agora são 134 milhões de brasileiros atendidos pela ESF(30). Dos municípios que aderiram ao PMM: 2.377 atendiam aos critérios de prioridade e/ou vunerabilidade e receberam 77,7% dos médicos do PMM; já 1.408 municípios, que receberam 22,3% dos médicos, não correspondiam às prioridade estabelecidas(43).
Para se inscrever no PMM, o município deve preencher a condição de pertencer a um dos perfis definidos pelo Ministério da Saúde: estar localizado em áreas de difícil acesso e provimento de médicos e população em situação vulnerável. Além disso, deve se enquadrar pelo menos em um desses outros requisitos: municípios com 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza; estar entre os 100 municípios com 80.000 habitantes com menor número de renda per capita do país e alta vulnerabilidade social; áreas situadas em Distritos Sanitários Indígenas e áreas referentes aos 40% dos setores censitários de municípios com população em extrema pobreza(5).
A partir do início do PMM, pesquisas foram elaboradas a fim de descrever e analisar essa nova proposta, evidenciando que a criação do PMM proporcionou aumento no número de médicos e de consultas prestadas aos usuários. Tal resultado indica um passo importante na garantia da diminuição das distorções na distribuição de médicos no território e a oportunidade de expansão da atenção à saúde a populações antes descobertas(14,16).
Em Campos do Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, o cenário não foi diferente. A adesão do município ao PMM ampliou os atendimentos que já eram oferecidos não apenas na ESF, mas também nos domicílios e em espaços coletivos, como escolas, igrejas e associações de bairro, ampliando, assim, a cobertura da ESF(14).
Os usuários se apresentaram satisfeitos com a criação do programa, pois tem ajudado a suprir a falta de médicos, ocasionando a melhoria do serviço e do acesso à saúde(13,17,29). Relataram satisfação quanto ao tempo de espera para agendamento das consultas e em seu atendimento; que a privacidade foi respeitada; que os médicos ouviram com atenção suas queixas, deram as informações necessárias e explicaram de forma clara o tratamento, e que compreenderam as orientações dadas.
Os pontos que qualificam o atendimento dos médicos estrangeiros foram superiores aos dos médicos brasileiros, além de terem tido várias queixas quanto à forma com que esses últimos tratam seus pacientes. Em relação às divergências na formação dos médicos brasileiros e estrangeiros, os usuários citaram pontos favoráveis aos médicos estrangeiros/cubanos, como: têm mais conhecimento; demonstram mais experiência; a medicina de fora é melhor, a de Cuba é uma das melhores do mundo; atendem e examinam melhor, além do esclarecimento na consulta ser maior; são ótimos médicos; são melhores que os médicos brasileiros.
As diferenças mencionadas no atendimento principalmente em relação aos médicos cubanos podem ser explicadas pelo fato de que, em Cuba, o médico da família buscar compreender a situação de saúde de seu paciente e de sua família, de acordo com
sua realidade de vida, suas condições de moradia e sua realidade social, tentando avaliar o que pode ter influenciado o estado de doença, e prestam o primeiro atendimento, de forma integral, com qualidade, solucionando as demandas e acompanhando os pacientes(13,14,19,30).
Em outra investigação, realizada com o propósito de descrever as diferenças culturais na formação acadêmica de profissionais estrangeiros advindos do PMM e de que forma elas poderiam impactar na relação com os pacientes indígenas, identificou-se que a vinda dos médicos para a aldeia trouxe benefícios. Anterior à presença do programa, os indígenas eram obrigados a se deslocarem para outras cidades para conseguirem atendimento; tinham que enfrentar filas e, muitas vezes, era necessário voltar posteriormente para outra consulta ou realização de exames. Com a criação do programa, aumentou a presença dos indígenas nas consultas médicas e a adesão ao tratamento, pois muitos deles mostravam resistência para se deslocarem à cidade para acompanhamento(29).
Estudo com o objetivo de conhecer a percepção que usuários da ESF possuem sobre o PMM mostrou que os usuários acreditam que os médicos brasileiros apresentam indisposição para o atendimento, além de não realizarem um atendimento humanitário. Por outro lado, afirmaram que os médicos estrangeiros eram bem capacitados e tratavam a população com afeto(17).
Em relação à existência, ou não, de dificuldade no processo de atendimento pelo médico não brasileiro, os discursos evidenciaram que a questão da linguagem dos médicos cubanos não interferiu na consulta, os usuários tiveram um pouco de dificuldade, que logo foi superada(13,29).
Uma pesquisa que identificou os impactos causados pela implementação do PMM evidenciou aumento do número de atendimentos prestados a pacientes portadores de tuberculose e hanseníase. Esse resultado pode ter sido elevado devido à realização de busca ativa dos pacientes e notificação dos casos realizados pela equipe. Notou-se aumento nas visitas domiciliares realizadas pelos médicos e diminuição dos pedidos de exames complementares a especialidades, o que pode ser resultado da implementação de protocolos para a solicitação de exames especializados, evitando-se gastos públicos. Indicadores do Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) mostraram impacto positivo na saúde da comunidade(16).
Em pesquisa que descreveu mudanças ocorridas na saúde da população do município de São João do Polêsine, Rio Grande do Sul, com a chegada do médico intercambista e a sua opção por saúde do idoso, constatou-se que, através das consultas médicas e da atuação qualificada da equipe, foi possível realizar o atendimento de 414 dos 767 idosos residentes no município. Identificou-se que o principal problema de saúde desse grupo era a hipertensão. A estratégia para enfrentar esse problema foi contemplada pelo agendamento de consultas para os idosos, que até então eram atendidos por demanda espontânea e necessitavam deslocar-se com antecipação à unidade para a garantia de atendimento(19).
Observou-se que poucas equipes que receberam médicos do PMM apresentavam grupos de educação em saúde, e que no estado do Pará a realidade não foi diferente. Diante desses resultados, atividades educacionais foram realizadas, contemplando primeiramente o grupo de hipertensos e diabéticos. Além de proporcionar a interação entre usuários e profissionais da saúde, a medida adotada resultou na melhoria da saúde dos pacientes e correções de possíveis falhas terapêuticas(20).
Entretanto, em algumas investigações, verificou-se que os resultados se mostraram diferentes dos apresentados anteriormente. A maioria dos usuários entrevistados não sabia o que era o programa, nem que o médico de sua unidade de referência pertencia a ele, mostrando que os usuários não relacionaram a melhoria na assistência à presença desses profissionais. Esse resultado pode estar relacionado à insuficiência e ineficácia da divulgação do programa, que contribuiu para o não conhecimento, por parte dos usuários, acerca dessas estratégias que visam garantir o seu direito a saúde, dificultando a interação entre médicos e usuários e a efetivação da atenção integral à saúde(17,24).
Quanto aos resultados relacionados às vagas de graduação e residência médica, também objetivo do PMM, estudo realizado no estado do Rio de Janeiro evidenciou que esse estado foi contemplado com a abertura de dois novos cursos de medicina. Houve aumento das vagas de residência médica, sobretudo na capital, mas seria fundamental que houvesse distribuição e abertura de vagas de residência médica no interior, elencando especialidades prioritárias de acordo com as necessidades da população e diminuindo, assim, a desigualdade na distribuição e provimento de médicos no estado(15).
Embora a maioria dos resultados tenham sido favoráveis à criação do PMM, alguns autores argumentam que a contratação de médicos não resolve os problemas da saúde do Brasil, de forma que esses foram colocados como “bode expiatório” de um problema gerado pela má administração de recursos e direcionamento equivocado das ações do sistema de saúde pública, do qual os médicos também são vítimas. Recomenda-se o investimento de recursos na prevenção das doenças, e não na espera que elas se instalem e requeiram tratamento médico. Esses autores defendem que o PMM é um programa com cunho político- partidário e destacam que as necessidades da saúde pública no país são de ordem financeira, de melhor infraestrutura, de apoio logístico e de remuneração(31). Estudos apontaram que usuários, entretanto, avaliaram como positiva a criação do PMM, visto que a medida adotada pelo governo faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do SUS, garantindo mais médicos para o Brasil e mais saúde para a população(21,29).
Em relação ao papel exercido pela mídia, notou-se que o PMM também exerceu grande repercussão. Contudo, nem sempre as informações apresentadas se mostraram positivas, relatando, em sua maioria, o contraste entre o posicionamento do governo e dos Conselhos Federal e Estadual de Medicina(32).
Notícias relacionadas ao PMM, em especial sobre os médicos estrangeiros, começaram a aparecer em maio de 2013, mesmo antes de o governo federal anunciar a criação desse programa. A primeira matéria veiculada pela mídia foi feita pelo Jornal Bom Dia Brasil e, inicialmente, relatava a precariedade da saúde no Brasil e a falta de profissionais da medicina, levantando a possibilidade da contratação de médicos estrangeiros para amenizar sua carência no país. Na maioria dessas matérias, havia a preocupação com a saúde, mas inevitavelmente apresentava uma forte influência política. O jornal entrevistava apenas o alto escalão do Ministério da Saúde, de maneira que os médicos e os usuários, peças fundamentais nesse debate, pouco foram ouvidos a respeito do programa(27).
As matérias publicadas pelo Jornal Folha de São Paulo reforçaram a contraposição e o posicionamento das entidades médicas frente ao PMM e a decisão do governo federal em instituí-lo. Verificou-se que nessas matérias não se citava o usuário como falante autorizado, de modo que a visão de como o programa afetaria a vida dos brasileiros ficou em segundo plano. Outras notícias publicadas nesse jornal retratavam que Cuba foi o país que disponibilizou maior quantidade de médicos para o programa, o que gerou “desavenças” de ordem políticas entre médicos brasileiros e o governo. Nesse sentido, surgiu uma onda de preconceito por parte dos médicos brasileiros ao questionarem a formação dos médicos cubanos e a política de remuneração destinada a esses profissionais, por considerarem que essa medida poderia desvalorizar a categoria médica(32).
Ademais, uma pesquisa que buscou analisar a participação política de usuários na página oficial no Facebook do Ministério da Saúde sobre o PMM constatou que, embora o Ministério da Saúde mantenha uma página pública e responda às mensagens enviadas pelos cidadãos acerca do tema, não demonstra abertura para um espaço com vazão à criatividade, acolhimento de novas propostas e opiniões dos usuários, restringido apenas em expor e defender a qualidade dos programas políticos em vigência(26).
Diante dos achados deste estudo, percebe-se que o PMM tem suscitado polêmicas, acirrados debates, controvérsias, resistência e conflitos ideológicos entre as classes sociais. Esse contexto motivou reações e provocou a construção de percepções e representações nos atores sociais implicados em sua trama, com interesses diversos e contraditórios. É notável que, desde a sua concepção até a sua implantação no país, o tema do trabalho profissional médico no SUS adquiriu realce e maior ressonância na agenda de governo. Ele foi arrastado do limbo de problemáticas difusas e passou a se configurar em conteúdos propositivos de estratégia governamental através do PMM. Isso promoveu, indubitavelmente, fissuras no imaginário social sedimentado acerca da classe médica, especialmente acerca de sua autoprojeção e também de como essa projeção é socialmente difundida, levando a elaboração de representações sobre o PMM dicotômicas de aceitação e reprovação pelos atores sociais envolvidos(32).
A partir desta revisão foi possível verificar que a maioria dos estudos selecionados sobre o Programa Mais Médicos encontra-se em periódicos com estratos intermediários, apresentaram baixo nível de evidência, e poucos periódicos tiveram seu fator de impacto (FI) identificado, porém observaram-se contribuições significativas sobre esse novo tema ao proporcionar pesquisas importantes, que evidenciaram os primeiros resultados gerados após a criação do Programa Mais Médicos no Brasil.
O Programa Mais Médicos foi criado tendo como principais objetivos a prerrogativa de ampliar o acesso e atenuar as desigualdades em saúde através da distribuição de profissionais médicos na atenção primária à saúde em municípios considerados prioritários. No entanto, diminuir as desigualdades de alocação de médicos é uma ação difícil e exige ações de longo prazo. Soma-se a essa situação a necessidade de implantar estratégias amplas, como melhoraria de infraestrutura, melhor distribuição de insumos e equipamentos, apoio logístico e rede de atenção à saúde resolutiva, eficiente e eficaz em todos os níveis de atenção.
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