Resumo: Objetivo: Caracterizar a população atendida por um programa de tratamento do tabagismo e identificar os fatores emocionais associados ao hábito de fumar. Métodos: Estudo transversal, realizado em 2016, com dados secundários extraídos dos registros do programa de tratamento do fumante do município de Água Clara, Mato Grosso do Sul, Brasil. Os dados analisados referem-se a 173 participantes que realizaram a entrevista inicial do programa, de janeiro de 2012 a setembro de 2015. Foram estudadas as variáveis: sexo, idade, história tabagística, grau de dependência da nicotina, fatores emocionais e outras condições de saúde-doença. Analisaram-se os dados por meio de estatística descritiva, e a associação do grau de dependência aos fatores emocionais foi analisada pelo teste exato de Fisher. Resultados: Verificou-se a predominância do sexo feminino (63,6%, n=110); com idade média de 45,99 anos; média de idade de início do hábito de fumar de 14,38 anos; e média de tempo de uso do cigarro de 31,62 anos. Dos sintomas apresentados, predominaram os transtornos emocionais (75,1%, n=130), com confirmação de 38,2% (66) para depressão. Com relação ao grau de dependência da nicotina, 68,2% (118) apresentaram grau “elevado ou muito elevado”, sendo observada associação entre nível “elevado e muito elevado” de dependência e fatores emocionais, como ansiedade e depressão (p<0,05). Conclusão: Os participantes do programa são mulheres em idade adulta, com tempo prolongado de uso do cigarro e decorrente presença de comprometimentos na saúde. Foi observada associação entre fatores emocionais como ansiedade e depressão e o maior grau de dependência da nicotina.
Palavras-chave: Estratégia Saúde da Família Estratégia Saúde da Família, Programa Nacional de Controle do Tabagismo Programa Nacional de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde Promoção da Saúde.
Abstract: Objective: To characterize the population enrolled in a smoking treatment program and to identify the emotional factors associated with smoking. Methods: Cross-sectional study carried out in 2016 using secondary data extracted from the records of a smoking treatment program in the municipality of Água Clara, Mato Grosso do Sul, Brazil. The data analyzed refer to 173 participants who had undergone the initial interview of the program from January 2012 to September 2015. The following variables were studied: gender, age, smoking history, degree of nicotine dependence, emotional factors and other health-disease conditions. The data were analyzed using descriptive statistics, and the association between the degree of dependence and emotional factors was analyzed using Fisher’s exact test. Results: There was a predominance of women (63.6%, n=110), with a mean age of 45.99 years, mean age of onset of smoking of 14.38 years and mean time of cigarette use of 31.62 years. Of the symptoms presented, emotional disorders were predominant (75.1%, n=130), with a 38.2% (66) rate of depression. Regarding the degree of nicotine dependence, 68.2% of the participants presented high or very high levels, with an association between high and very high levels of dependence and emotional factors such as anxiety and depression (p<0.05). Conclusion: The program participants are adult women with a long time of cigarette use and consequently compromised health. There was an association between emotional factors and a greater degree of nicotine dependence.
Keywords: Family Health Strategy, National Program of Tobacco Control, Health Promotion.
Resumen: Objetivo: Caracterizar la población asistida por un programa para tratamiento del tabaquismo e identificar los factores emocionales asociados al hábito de fumar. Métodos: Estudio transversal realizado en 2016 con los datos secundarios de registros del programa de tratamiento para fumadores del municipio de Agua Clara, Mato Grosso do Sul, Brasil. Los datos analizados son de 173 participantes que realizaron la entrevista inicial del programa entre enero de 2012 y septiembre de 2015. Se estudiaron las variables sexo, edad, historia de tabaco, grado de dependencia de nicotina, factores emocionales y otras condiciones de salud-enfermedad. Se analizaron los datos a través de la estadística descriptiva. La asociación del grado de dependencia y los factores emocionales ha sido analizada por el test exacto de Fisher. Resultados: Se verificó la predominancia del sexo femenino (63,6%, n=110) con la media de edad de 45,99 años; la media de edad del inicio del hábito de fumar de 14,38 años; y la media del tiempo de consumo de cigarro de 31,62 años. Entre los síntomas presentados hubo predominancia para los trastornos emocionales (75,1%, n=130) y la confirmación del 38,2% (66) de depresión. Respecto el grado de dependencia de nicotina el 68,2% (118) presentaron grado “elevado o muy elevado” con asociación entre el nivel “elevado y muy elevado” de dependencia y los factores emocionales como la ansiedad y la depresión (p<0,05). Conclusión: Los participantes del programa son mujeres en edad adulta con largo uso del cigarro y la presencia de problemas de salud. Se observó la asociación entre los factores emocionales y el mayor grado de dependencia de nicotina.
Palabras clave: Estrategia de Salud Familiar, Programa Nacional de Control del Tabaquismo, Promoción de la Salud.
Artigos Originais
FATORES EMOCIONAIS ASSOCIADOS AO HÁBITO DE FUMAR EM USUÁRIOS DE UM PROGRAMA ANTITABAGISMO
Emotional factors associated with smoking in individuals enrolled in a tobacco cessation program
Factores emocionales asociados con el hábito de fumar de usuarios de un programa de cesación de tabaquismo
Recepção: 25 Maio 2017
Revised: 20 Setembro 2017
Aprovação: 31 Outubro 2017
O tabagismo é considerado a principal causa de morte evitável no mundo, matando cerca de 6 milhões de pessoas ao ano(1), estando relacionada com vários problemas de saúde, com destaque para doenças respiratórias e cardiovasculares e câncer, o que torna os tabagistas mais propensos a morrerem prematuramente em comparação aos não fumantes ou ex-fumantes(2). No Brasil, calcula-se o número de 200 mil mortes anuais e estima-se que, se esse ritmo de expansão se mantiver, em 2030, poderá chegar a 10 milhões de mortes por ano em todo o mundo, sendo que cerca de 70% destas ocorrerão em países em desenvolvimento, como o Brasil(3,4).
As políticas de promoção da saúde têm o tabagismo como uma prioridade, já que está entre as atribuições da atenção primária desenvolver ações que visem seu combate, bem como a prevenção do seu início e auxílio na cessação do hábito de fumar. Devido à grande quantidade de doenças relacionadas ao tabaco e aos prejuízos financeiros e sociais delas decorrentes, trata-se de um tema de destaque a ser priorizado nas ações de saúde(1,5,6).
Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008, constatou que existem cerca de 25 milhões de fumantes ativos no Brasil (17,2% da população do país), com maior prevalência na região Sul (19%) e menor nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (16,6% em ambas as regiões)(7).
Dados do Ministério da Saúde apontaram que em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, Brasil, o percentual de adultos fumantes (≥18 anos) chega a atingir 10,6% de sua população(8). De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer(9), a idade em que se inicia o hábito de fumar é, predominantemente, entre os 17 e 19 anos. A região Centro-Oeste foi a que apresentou o maior índice de jovens que começaram antes dos 15 anos, além de também apresentar a maior porcentagem de pessoas que procuram tratamento para deixar de fumar (48,4%) quando comparada com outras capitais. Outro dado deve ser destacado: a maior parte dos fumantes se concentra na faixa etária dos 45 aos 64 anos. A mesma pesquisa realizada pelo Inca(9) destacou também o sexo feminino como o que mais busca o tratamento para o tabagismo, isto porque apresentam maiores preocupações com a própria saúde, além de apresentarem mais morbidades e problemas psicológicos.
Estudo realizado nos Estados Unidos e na Austrália referem que os tabagistas são mais predispostos a terem transtornos mentais, como esquizofrenia, ansiedade e depressão, e que os fumantes que possuem comprometimentos emocionais tendem a fumar um número mais elevado de cigarros por dia(10).
Os fatores psicológicos devem ser considerados no desenvolvimento de estratégias eficientes para ajudar as pessoas que desejam superar a dependência do tabaco, assim como para prevenir o início desse hábito. Esses fatores podem influenciar tanto no aumento da predisposição para o início do uso do tabaco como também podem ser um obstáculo para o sucesso do tratamento.
Embora as políticas públicas utilizadas para o combate do hábito de fumar estejam se mostrando eficientes, fato demonstrado pela redução da prevalência do tabagismo no Brasil, de 32,7% em 1997 para 14,8% em 2011, o tratamento do tabagismo das pessoas com transtornos psiquiátricos é mais difícil. Estudos estimam que até 75% dos indivíduos com transtornos psiquiátricos são fumantes, e o elevado consumo do tabaco nessa população pode explicar a alta taxa de morbidade e mortalidade(11,12). Tais evidências reforçam a necessidade do olhar singular às diferentes estratégias utilizadas em programas de cessação do tabagismo, utilizando-se indicadores mais complexos do que a frequência de sucesso e insucesso.
Portanto, acredita-se que, para operacionalizar a política de promoção da saúde, é necessária a consolidação de práticas voltadas para os indivíduos e coletividades, considerando-se as necessidades em saúde da população de um determinado território e priorizando-se a singularidade dos sujeitos e grupos, já que o contexto social, cultural, econômico e político em que vivem podem influenciar o modo de viver desta comunidade(13).
Assim, compreender a magnitude do problema, conhecendo as comorbidades associadas ao tabagismo, torna-se preponderante para que as equipes de planejamento em saúde desenvolvam políticas públicas mais adequadas para esses indivíduos(14). Dessa forma, este estudo teve como objetivo caracterizar a população atendida por um programa de tratamento do tabagismo e identificar os fatores emocionais associados ao hábito de fumar.
Trata-se de estudo transversal, realizado em 2016, utilizando-se de dados secundários provenientes dos registros do Programa de Abordagem e Tratamento do Fumante (PATF) do município de Água Clara, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Os dados analisados referem-se a 173 participantes que realizaram a entrevista inicial do programa desde o início de suas atividades, em janeiro de 2012, a setembro de 2015. As informações utilizadas neste estudo são provenientes dos prontuários dos participantes, que eram entrevistados no inicio do programa pela profissional psicóloga para fins de avaliação e seguimento durante o programa. Tais entrevistas eram sugeridas pelo Ministério da Saúde para os municípios que implantassem o Programa de Cessação do Tabagismo.
Entre os dados secundários disponíveis, este estudo investigou, para a caracterização dos participantes, as variáveis: sexo, idade, história patológica pregressa, história tabagística, uso de prótese dentária e sintomas de depressão, que foram registradas de acordo com as respostas da entrevista, realizada a partir de um questionário que continha 58 perguntas fechadas, sendo que, em algumas perguntas, o participante poderia escolher uma ou mais alternativas. Para a avaliação do grau de dependência à nicotina, utilizaram-se as respostas da escala Fagerstrom, incluída na mesma entrevista. Para avaliação do grau de depressão, consideraram-se apenas as pessoas que haviam inicialmente respondido que tinham crises de depressão com frequência, sendo posteriormente confirmado, ou não, o quadro depressivo e o grau em que se encontravam por meio dos critérios para o diagnóstico, que também constavam na entrevista.
A caracterização dos pacientes se deu por meio da estatística descritiva, representada por tabelas. A análise da associação entre o grau de dependência da nicotina e fatores como ansiedade e depressão foi realizada pelo teste exato de Fisher utilizando-se o programa estatístico SPSS, versão 22.0, considerando um nível de significância de 5%(15).
O presente estudo atendeu a todas as recomendações previstas na Resolução CNS 466/12 e recebeu parecer favorável pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMS em 18/11/2015, Parecer nº 1.328.150.
Entre os 173 participantes incluídos no presente estudo, identificou-se a idade média de 45,99±0,96 anos (média± erro padrão da média), a maioria era do sexo feminino (63,6%, n=110) e a média de idade de início do hábito de fumar foi de 14,38±0,36.
Entre os participantes, observou-se maior frequência de transtornos emocionais (depressão e ansiedade), presentes em 75,1% (n=130), sendo que apenas 35,8% (n=62) relataram realização atual ou anterior de tratamento psicológico ou psiquiátrico. Segundo os registros, houve confirmação de presença de depressão em 38,2% (n=66) dos participantes, e a maior parte, 22% (n=38) destes, apresentou a condição em grau moderado.
A frequência de sintomas atuais e outras condições, como utilização de bebidas alcoólicas e medicamentos, estão detalhadas na Tabela I.
Um número expressivo de participantes faz uso de algum tipo de medicação contínua (62,4%, n=108), geralmente para problemas de saúde associados ao tabagismo. Além disso, a maioria faz uso de prótese dentária (52,6%, n=91), apesar da idade média dos participantes ser de 45,9 anos.
Os participantes deste estudo fizeram uso de cigarro por, em média, 31,62±0,97 anos. Além disso, identificaram como situações mais associadas ao uso do cigarro a ansiedade (82,7%, n=143) e a tristeza (77,5%, n=134). Para 78% (n=135) dos entrevistados o ato de fumar produz efeito calmante, conforme descrito na Tabela II.
Observou-se associação entre ansiedade e maior grau de dependência ao fumo, conforme teste de Fisher (Figura 1).
Os resultados da Figura 1 demonstram que existe associação entre ansiedade e maior grau de dependência ao fumo, já que 72,7% (n=104) (p=0,006) de quem fuma uma quantidade de cigarros maior quando se sente ansioso apresenta graus de dependência elevado ou muito elevado, enquanto apenas 46,7% (n=14) (p=0,006) das pessoas que não associam momentos de ansiedade ao uso do cigarro apresentavam os mesmos graus de dependência.
Com relação a tentativas anteriores para deixar de fumar, identificou-se que 79,7% (n=138) dos pacientes já fizeram outras tentativas, permanecendo pelo menos um dia sem fumar, porém 75,7% (n=131) desses não utilizaram nenhum recurso, como medicamentos ou apoio de algum profissional da saúde (Tabela III).
O motivo frequentemente relacionado à busca por tratamento para cessação do fumo é a preocupação com a própria saúde, já que 82,7% (n=143) relataram estar preocupados com ela no futuro, e 79,8% (n=138) já sentem os prejuízos devido ao uso do cigarro. A maioria (62,4%, n=108) dos participantes negou convívio com outros fumantes em casa. Na avaliação do grau de dependência da nicotina em que se encontravam os pacientes ao iniciarem o tratamento, 68,2% (n=118) enquadravam-se nos graus elevado ou muito elevado (Tabela III).
Indivíduos que se declararam com sintomas de depressão ou ansiedade apresentaram graus de dependência mais altos (elevado ou muito elevado). Foram 72,3% (n=94) (p=0,036) com relação aos que não apresentavam nenhum transtorno emocional (55,8%, n=24) (p=0,036). Apenas 27,7% (n=36) (p=0,036) das pessoas que possuíam algum transtorno mental se enquadravam nos graus de dependência mais baixos (muito baixo, baixo ou médio), dados detalhados na Figura 2.
Embora, no Brasil, a incidência do tabagismo no sexo masculino (22%) seja bem mais elevada que na população feminina (13,3%)(7), há uma procura maior das mulheres do que dos homens para o tratamento do tabagismo(9), o que indica a necessidade de maior aprofundamento nas questões que explicam esse fenômeno, a fim de desenvolver estratégias para captar a população masculina e potencializar os programas pensando na singularidade do sexo feminino.
Um estudo afirma que as mulheres possuem mais acesso às informações e, por isso, percebem melhor os riscos à sua saúde. Possuem também uma percepção negativa sobre a própria saúde, fazendo com que busquem mais esses serviços, ao contrário do que acontece com os homens, que só buscam tratamento quando as doenças já estão em estado grave ou mesmo letais(16). Isto pode indicar uma lacuna dos níveis primários, uma vez que a população masculina, no caso do tabagismo, está a margem das ações oferecidas de cuidado(9), o que os coloca em grupos de maior risco para doenças cerebrovasculares e câncer, por exemplo, gerando incapacidade física e custos maiores para o sistema de saúde, já que para os homens o acesso à rede se dá, com maior frequência, na atenção especializada(17).
O Ministério da Saúde elaborou um documento relacionado à saúde do homem, e pontua que os principais motivos para não procurarem os serviços de saúde em níveis primários estão ligados à sua posição de provedor da família, já que os horários de funcionamento dos serviços de saúde coincidem com seu horário de trabalho, e a dificuldade de acesso aos serviços assistenciais, tanto para marcação de consultas quanto as filas para atendimento, que fazem com que percam o dia todo de trabalho(17), o que pode, entre outras coisas, justificar a menor busca dos homens pelo tratamento identificado no presente estudo.
Na presente pesquisa, encontrou-se que as pessoas que procuram o PATF, em maioria, possuem idade igual ou superior a 40 anos. Aparentemente, há pouca adesão de adultos jovens, o que pode representar a dificuldade do programa local em sensibilizar essa faixa etária para o tratamento e, mais que isso, este dado pode indicar a necessidade de revisão e adequação das políticas desenvolvidas para o controle do tabaco, para que sejam inclusivas a todos os públicos, um desafio a ser superado(9).
Considerando-se essa temática como crítica e a busca por estratégias de enfrentamento para a falta de jovens em programas de cessação de tabagismo, nos Estados Unidos da América, realizou-se um estudo piloto que avaliou o impacto de mensagens de SMS (short message service) para promover a cessação do tabagismo para jovens adultos, havendo resultado positivo, demonstrando que adequar as intervenções ao perfil dos seus usuários pode ser um fator de maior sucesso no tratamento(18). Relacionando o estudo americano ao atual estudo, a identificação de populações vulneráveis e com baixa adesão a programas de saúde propostos torna-se necessária para redefinição de metas e condutas, especialmente aquelas de sensibilização para a adesão ao programa, entendendo-se que quanto mais jovem o início do tratamento com sucesso, menores serão os riscos à saúde das pessoas.
Chama atenção a presença de uma série de sintomas e doenças autorreferidas pelos participantes do presente estudo, na medida em que várias podem ser decorrentes do hábito de fumar, ou mesmo agravadas por ele, bem como a alta frequência do uso de medicações, geralmente relacionadas a problemas causados pelo fumo, mesmo entre os participantes mais jovens. Estes achados coincidem com outra pesquisa, que identificou um aumento significativo de aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis na faixa etária de 35-59 anos, e com maior prevalência entre as mulheres(19).
Outro destaque do atual estudo é o número elevado de pessoas que já fazem uso de próteses dentárias, o que não condiz com a idade média dos participantes, trazendo reflexão sobre o impacto do cigarro sobre a saúde bucal das pessoas. Um estudo realizado em Fortaleza, Ceará, identificou forte associação entre o hábito de fumar e a qualidade de saúde bucal dos pacientes, sendo o tabagismo o principal fator das perdas dos dentes, seguido pelo fator idade(20).
Em relação ao alcoolismo, o presente estudo também identificou que um número expressivo dos participantes faz uso frequente de bebida alcoólica associada ao fumo, fator que dificulta o processo de cessação de fumar. Outros estudos relatam relação entre fumar e ingerir bebidas alcoólicas, de forma que o tabagismo aumenta as chances de desenvolver o alcoolismo e vice-versa(21,22). No estudo em questão, foi verificada baixa procura para o tratamento do tabagismo por pessoas que já apresentavam o alcoolismo ou tendência a ele, indicando resistência do paciente alcoolista em buscar tratamento tanto para o tabagismo quanto para a dependência do álcool. O forte vínculo entre álcool e tabaco faz com que o paciente se sinta menos confiante para o sucesso do tratamento, e a pouca resolutividade e a falta de programas específicos para esse fim podem contribuir para esse cenário(23).
Ao se considerar a influência de fatores emocionais sobre o hábito de fumar, identificou-se, no presente estudo, que a maioria dos fumantes que chega ao serviço de tratamento do tabagismo apresenta problemas emocionais, como ansiedade e depressão, e esses fatores também se relacionam com o maior grau de dependência do fumante. A maioria dos participantes estudados possuía transtornos emocionais e também grau de dependência elevado ou muito elevado. Os participantes classificados pela escala Fagerstron com grau de dependência elevado ou muito elevado correspondem aos fumantes “pesados”, que geralmente fumam mais de 20 cigarros por dia ou que apresentam baixa tolerância para a abstinência por muito tempo(9). Tais resultados são condizentes com outros estudos, que demonstram a maior frequência de problemas emocionais, como depressão e ansiedade, em fumantes com dependência do que na população geral(24,25).
Observou-se também que o tempo de uso do cigarro é longo para a maioria dos fumantes participantes do presente estudo, e fumar é hábito presente em quase todos os momentos da vida desses indivíduos, passando a simbolizar a companhia presente em eventos bons e ruins. O fumante pode passar a atribuir ao cigarro uma função de válvula para escape das tensões do dia a dia, muitas vezes deixando de enfrentar os problemas de forma real(26).
Nesse sentido, outro estudo relacionou o tabagismo ao efeito ansiolítico que os fumantes geralmente lhe atribuem, e encontrou que o efeito calmante do tabagismo é real, principalmente para pessoas mais ansiosas diante de situações estressantes do cotidiano(27), o que fortalece os resultados encontrados no presente estudo, no qual 82,7% dos participantes fumam mais quando estão ansiosos e 78% dizem ter a sensação de que o cigarro acalma.
Foi significativa a presença de participantes com quadro de depressão moderada na presente pesquisa que, segundo o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)(28), é caracterizada quando os sintomas comprometem o desempenho de atividades cotidianas, como o trabalho e a convivência social, porém, mesmo com dificuldade, o indivíduo não interrompe suas funções e também não apresenta pensamentos suicidas. Outros estudos confirmam a associação entre o tabagismo e a depressão, demonstrando que o estado mental do indivíduo pode interferir no grau de dependência que irá estabelecer com o tabaco(29,30), o que reforça que fumantes regulares apresentam episódios depressivos mais frequentemente e com altos índices de ideação suicida e taxas de suicídio.
Esses dados são de grande relevância, visto que, para obter os resultados esperados com as políticas de controle do tabaco, devem ser abordadas as questões emocionais dos tabagistas com mais ênfase, sendo necessário, para isso, um maior preparo da equipe do programa, que terá um papel fundamental no tratamento. Um estudo descreveu os transtornos emocionais como anomalias para as equipes de ESFs, que se encontram despreparadas para o acolhimento dos pacientes que apresentam tais patologias, por estas fugirem da prática comum das equipes, que funcionam numa lógica biomédica, e por demandarem uma atenção mais individualizada e capacitada desses profissionais de saúde(31).
Outros autores identificaram as adversidades da vida como fatores determinantes para a recaída, e ainda que pessoas que tiveram traumas na infância também tinham mais chances de recair na tentativa de deixar de fumar, sendo o sexo feminino mais frágil diante dessas adversidades. Esses achados podem contribuir para uma melhor compreensão dos resultados encontrados na atual pesquisa, que apresentam as mulheres como participantes mais frequentes no tratamento do tabagismo, com grande parte apresentando transtornos emocionais, sendo o hábito de fumar reforçado pela presença dessas patologias e, consequentemente, apresentando recaídas durante o processo.
Os resultados da atual pesquisa apontam para a necessidade de se investir mais em políticas de saúde mental como forma de prevenção e redução de agravos, como a iniciação e a continuidade do tabagismo. As pessoas que buscam pelos serviços de saúde, muito mais que a queixa inicial que apresentam, trazem consigo outras questões que precisam ser observadas para que esse serviço tenha real eficiência. Fica evidenciado que os profissionais de saúde precisam estar preparados, por meio de formação adequada e permanente, para se lidar com as diferentes necessidades apresentadas no cuidado do paciente tabagista, a fim de oferecer um serviço mais integral e resolutivo(31).
As limitações identificadas no presente estudo relacionam-se ao uso de dados secundários, que, portanto, dependem do profissional que realizou o registro e a qualidade do mesmo, podendo haver alguma falha no preenchimento, embora não tenham sido identificadas lacunas importantes de informações.
O presente estudo apresenta relação com as políticas de promoção da saúde(13), já que busca conhecer melhor as características da população atendida, servindo de subsídio para o desenvolvimento de ações voltadas para as necessidades dessa população. Também busca destacar os fatores correlacionados aos problemas que são temas prioritários, como o tabagismo, no sentido de facilitar a compreensão e busca por soluções mais eficientes.
A preocupação com a saúde já comprometida é a principal motivação para que pessoas que apresentam tempo prolongado de uso do tabaco, isto é, um grau de dependência elevado, procurem um programa de cessação do tabagismo. Sugere-se o desenvolvimento de novas pesquisas relacionadas ao tema no sentido de identificar aspectos relevantes sobre a saúde mental que impactam em inúmeros agravos, entre eles, o tabagismo.
A população que busca pelo tratamento do tabagismo caracteriza-se pela idade adulta, predominando o sexo feminino, com início do hábito de fumar muito cedo, histórico de tentativas de deixar o hábito de fumar, porém sem uso de nenhum recurso, com saúde já comprometida por problemas associados ao fumo, com prevalência de transtornos emocionais e uso frequente de medicações. Ficou evidenciada a associação entre fatores emocionais como ansiedade e depressão e o grau de dependência da nicotina.
Presente estudo foi baseado em dissertação: Título: Avaliação do programa de abordagem e tratamento do fumante do município de Água Clara: A percepção do usuário. Instituição: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)
Ano da defesa: 2017, Nº de páginas: 77
Endereço para correspondência: Adriane Pires Batiston -Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS Instituto Integrado de Saúde – Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família Cidade Universitária, s/n CEP: 79060-900 - Campo Grande - MS - Brasil E-mail: abatiston@gmail.com