Resumo: Objetivo: Estimar a prevalência de tabagismo, dependência nicotínica e seus fatores associados em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica. Métodos: Estudo transversal com 303 pacientes bariátricos, realizado entre 2015 e 2016, em Catalão (Goiás). Utilizou-se questionário com variáveis sociodemográficas, condições de saúde e histórico familiar. Como variáveis preditoras para a presente pesquisa, considerou-se ser tabagista atualmente e ter elevada dependência nicotínica, com aglutinação dos níveis elevado e muito elevado de dependência, variáveis coletadas a partir do escore do instrumento Fargeström. Utilizou-se teste qui-quadrado, com valor de p<0,05. Resultados: Encontraram-se 50 pacientes (16,5%; IC95% 12,5-20,8) com consumo de tabaco nos últimos 30 dias. Associaram-se como fatores ao consumo dependente de cigarro: sexo (p<0,003), diagnóstico de ansiedade (p<0,008), histórico familiar de suicídio (p<0,013), dificuldades para dormir (p<0,007) e uso excessivo de álcool (p<0,045), com associação negativa para prática religiosa (p>0,038). Conclusão: A significativa prevalência de tabaco encontrada na população estudada associou-se a fatores como: sexo, comorbidades psíquica (depressão/ansiedade), histórico familiar de suicídio, dificuldade para dormir, e, negativamente, à prática religiosa.
Palavras-chave:Cirurgia BariátricaCirurgia Bariátrica, Tabaco Tabaco, Fatores de Risco Fatores de Risco.
Abstract: Objective: To estimate the prevalence of tobacco smoking, nicotine dependence and associated factors in individuals submitted to bariatric surgery. Methods: A cross-sectional study with 303 bariatric patients, performed between 2015 and 2016, in Catalão, Goiás State, Brazil. A questionnaire with sociodemographic variables, health conditions and family history was used. Being currently smoker and having high nicotinic dependence, with agglutination of the high and very high levels of dependence, were taken as predictor variables for the present study, variables collected from the Fargeström instrument score. The chi-square test was adopted with a significance level of p<0.05. Results: Tobacco consumption was found in 50 patients (16.5%; CI95% 12.5-20.8) within the past 30 days. The factors associated with tobacco smoking dependence were sex (p<0.003), anxiety diagnosis (p<0.008), family history of suicide (p<0.013), sleeping difficulties (p<0.007) and excessive alcohol use (p<0.045), with a negative correlation with religious practice (p>0.038). Conclusion: The significant prevalence of tobacco smoking found in this study was associated with factors such as sex, psychic comorbidities (depression/anxiety), family history of suicide, sleeping difficulty, and, negatively, with religious practice.
Keywords: Bariatric Surgery, Tobacco, Risk Factors.
Resumen: Objetivo: Estimar la prevalencia de tabaquismo, la dependencia de nicotina y sus factores asociados en individuos que realizaron la cirugía bariátrica. Métodos: Estudio transversal con 303 pacientes de cirugía bariátrica realizado entre 2015 y 2016 en Catalão (Goiás). Se utilizó un cuestionario con las variables sociodemográficas, las condiciones de salud y el histórico familiar. Se consideró como variables predictoras para la presente investigación el hecho de fumar tabaco actualmente y tener elevada dependencia de nicotina con aglutinación de los niveles elevado y muy elevado de dependencia que son variables recogidas a partir de la puntuación del instrumento Fargeström. Se utilizó la prueba cui-cuadrado con el valor de p<0,05. Resultados: Se encontró 50 pacientes (16,5%; IC95% 12,5-20,8) con el consumo de tabaco en los últimos 30 días. Se asociaron como factores al consumo dependiente del cigarro: el sexo (p<0,003), el diagnóstico de ansiedad (p<0,008), el histórico familiar de suicidio (p<0,013) las dificultades de dormir (p<0,007) y el uso excesivo de alcohol (p<0,045) con asociación negativa para la práctica religiosa (p>0,038). Conclusión: La prevalencia significativa de tabaco encontrada en la población estudiada estuvo asociada con factores como el sexo, las comorbilidades psíquicas (depresión/ansiedad), el histórico familiar de suicidio, la dificultad de dormir y, negativamente, con la práctica religiosa.
Palabras clave: Cirugía Bariátrica, Tabaco, Factores de Riesgo.
Artigos Originais
FATORES ASSOCIADOS AO TABAGISMO EM PACIENTES PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA
Factors associated with tobacco smoking in post-bariatric surgery patients
Factores asociados al tabaquismo en pacientes de postoperatorio de cirugía bariátrica
Recepção: 12 Outubro 2017
Revised: 06 Dezembro 2017
Aprovação: 09 Janeiro 2018
A obesidade tem sido considerada uma pandemia mundial devido ao crescente número de indivíduos acima do peso. No Brasil, o excesso de peso apresentou crescimento nas últimas décadas do século XXI, e triplicou o número de mortes, nos últimos 10 anos, em decorrência da obesidade(1). Evidencia-se a alta prevalência de obesidade a fatores ambientais, como estilo de vida, padrão alimentar e genético(2).
A literatura destaca a importância dos programas de promoção à saúde no estímulo por práticas saudáveis, voltadas para a prevenção de diversos agravos e complicações à saúde, em especial para indivíduos obesos mórbidos(3). As ações de atenção e promoção à saúde, neste público, como orientação dietética, realização de atividade física e uso de fármacos, apresentam melhores resultados em curto prazo. Em longo prazo, essas práticas são consideradas ineficientes, o que justifica a busca, desse público, por métodos considerados mais promissores, como a realização da cirurgia bariátrica(4).
Nesse contexto, a cirurgia bariátrica (CB) atua como uma estratégia de redução de peso corporal nos indivíduos obesos mórbidos(5). No Brasil, houve um crescimento indiscriminado do número de procedimentos cirúrgicos entre os anos de 2012 a 2015, passando de 72 mil procedimentos, em 2016, para mais de 93 mil, em 2017(6).
A CB tem impacto importante na redução do risco cardiovascular(7), mas há evidências de possíveis complicações e limitações durante o pós-operatório, como risco de hipoglicemia e dumping (esvaziamento gástrico rápido) em curto prazo. Em longo prazo, pode ocorrer o re-ganho de peso, resultando, associadamente, em grave desnutrição proteico-calórica(8).
No contexto do pós-CB, torna-se preocupante o abuso de tabaco. Neste público, o seu consumo aumenta a vulnerabilidade aos agravos crônicos à saúde do paciente(9). Como fatores de risco ao uso de tabaco na população geral, têm-se: o sexo masculino, o uso abusivo de álcool, a condição socioeconômica e o baixo nível de escolaridade(10).
Em referência aos fatores de vulnerabilidade ao tabagismo e considerando possíveis riscos a agravos crônicos aos quais os indivíduos submetidos à CB estão expostos(8), aconselha-se cessar o uso do tabaco no mínimo 60 dias pré-CB(11). As recomendações relacionadas ao ato tabágico no pós-operatório ainda são escassas e limitadas a investigações relacionadas a fatores como perda de peso e alteração do padrão do consumo de álcool durante o pós-operatório de CB(12). Afirma-se que, em relação às precauções direcionadas ao tabagismo, são necessários maiores estudos durante o período pré e pós-operatório(13).
O tabagismo caracteriza-se por um comportamento presente na população que foi submetida à CB, e a esse hábito associam-se, além de variáveis sociodemográficas, outras que corroboram condições crônicas de agravo à saúde. Diante do exposto, a presente investigação pretende estimar a prevalência de tabagismo, dependência nicotínica e seus fatores associados em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica.
Estudo transversal desenvolvido em um ambulatório clínico privado do município de Catalão (Goiás, Brasil). Por se tratar de um município de referência econômica, social e de Atenção à Saúde para 12 outros municípios, recrutaram-se os indivíduos oriundos dessa locorregião.
A população compôs-se de pacientes em pós-operatório de cirurgia bariátrica (CB), por meio das técnicas de Bypass Gástrico em Y de Roux, Sleeve e Gastrectomia Parcial com atendimento no ambulatório para paciente de recursos suplementares (convênios) e particulares. Procurou-se garantir que a amostra selecionada representasse a população submetida à CB. Assim, aplicou-se o poder estatístico de 80% (β=20%), grau de significância de 5% (a=0,05) e efeito de desenho de 3,0. Como este estudo fez parte de um projeto de pesquisa matriz, que investigou o uso de substâncias psicoativas, aplicou-se a frequência antecipada para o uso problemático de álcool de 6,5%(14). Somou-se a esse valor 10% como previsão de perdas, resultando em 303 indivíduos com amostragem por conveniência.
Com dados coletados entre os meses de março de 2015 a março de 2016, convidaram-se os participantes do estudo por meio de ligação telefônica, com realização de entrevistas face a face, em ambiente privativo e com a supervisão de um nutricionista com vasta experiência em CB.
Utilizaram-se como critérios de inclusão pacientes submetidos à CB por um período igual ou superior a dois meses e com idade igual ou superior a 18 anos. Excluíram-se os pacientes em período gestacional, com diagnóstico de doença oncológicas e com diagnóstico médico de transtorno mental grave (com sintomas psicóticos). Selecionaram-se pacientes em situação de exclusão para o teste piloto, momento direcionado ao treinamento e à organização da operacionalização da pesquisa. Esses dados não compuseram a análise final.
Os questionários utilizados constituíram-se de variáveis sociodemográficas, condições pré e pós-operatórias, estado de saúde e histórico familiar, tendo sido elaborados a partir de pesquisas com a mesma população(14,15).
Aplicou-se a Escala de Avaliação para uso de tabaco, validada no Brasil(16). O teste de Fargeström (FTND, sigla do inglês Fagerström Test for Nicotine Dependence) possibilita a verificação do grau de dependência de nicotina e indica o grau de dependência do indivíduo à substância a partir de seis perguntas, sendo a somatória da pontuação variável de zero a 10. Na baixa dependência de nicotina, a pontuação é menor que 4; na dependência moderada, a pontuação vai de 5 a 7; e na alta, a pontuação é igual ou superior a 8.
Apresentaram-se como variáveis dependentes do estudo: tabagista atual (uso de pelo menos um cigarro e derivados nos últimos 30 dias) e elevada dependência nicotínica (aglutinação dos níveis elevado e muito elevado de dependência, a partir das pontuações do FTND).
Considerou-se como variável independente: o sexo (feminino, masculino); o estado civil (vive com companheiro, vive sem companheiro); se possui filhos (não, sim); a renda da população (>R$1.581,09, ≤R$1.581,09); a prática religiosa (não, sim - se o indivíduo se considerava um religioso assíduo); o consumo de álcool diário (não, sim - pelo menos uma dose de 200mL de bebida alcoólica ao dia); a ansiedade (não, sim - já ter se tratado ou ter recebido o diagnóstico médico de ansiedade); a depressão (não, sim - já ter se tratado ou ter recebido o diagnóstico médico de depressão); a deficiência de vitaminas (não, sim - deficiência resultante em exames médicos de rotina); o índice de massa corporal (IMC) > 40kg/cm2 (não, sim); o histórico familiar de suicídio (não, sim - se já teve algum familiar próximo que se suicidou); a dificuldade para dormir (não, sim - se apresentava dificuldades para dormir, seja para iniciar o sono ou acordar durante à noite); binge drinking (uso excessivo de álcool, com consumo de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma só ocasião); a perda de memória (não, sim - após CB, se apresentou diminuição da memória, seja para lembrar coisa que realizou recentemente, seja no passado); o uso de medicamento anti-hipertensivo (não, sim - se fazia uso de medicação anti-hipertensiva).
Digitaram-se os dados por meio de dupla conferência. Para a sua análise, utilizou-se software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22.0. Para as respostas ao FTND, realizou-se o teste de confiabilidade alfa de Crombach.
Para análise estatística bivariada e múltipla, utilizou-se a regressão logística, com medida de efeito odds (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%), com orientação para eventos raros. Os testes quadrado e exato de Fisher indicaram a força de associação entre as variáveis. As variáveis que apresentaram p<0,10 na análise bivariada foram incluídas para o modelo de regressão logística múltipla, que, por sua vez, adotou o método de entrada forçado, determinado pelo valor resultante do teste de Hosmer and Lemeshow. Consideraram-se associadas as variáveis com valor de p<0,05.
Este estudo faz parte de uma investigação na área de Atenção à Saúde Mental na localidade, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, por meio do Protocolo nº 523.834. Em atenção à Resolução 466/2012, realizou-se atendimento às normas de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da entrevista em local privativo.
Compuseram a amostra 317 indivíduos, subtraindo-se 14 perdas que não impactaram na qualidade da análise. Da análise final, participaram 303 indivíduos. A média de idade da população investigada é 37,22 anos (desvio padrão - DP de 9,78; IC95% 36,11-38,32), com média de 22,51 meses pós-cirúrgico (DP de 24,77; IC95% 19,68- 25,49). A prevalência de fumantes nos últimos 30 dias representou 50 pacientes (16,5%; IC95% 12,5-20,8). A Tabela I apresenta os fatores associados.
A análise múltipla resultou nas seguintes associações positivas com a variável tabagista atual: sexo (p<0,003; OR=3,174; IC95% 1,467-6,864), ter diagnóstico de ansiedade (p< 0,008; OR=2,706; IC95% 1,304- 5,616), ter histórico familiar de suicídio (p<0,013; OR=2,654; IC95% 1,232-5,721), ter dificuldades para dormir (p<0,007; OR=3,123; IC95% 1,362-7,162) e binge drinking (p<0,045; OR=2,676; IC95% 1,022-7,004) se caracterizando como maior probabilidade. A variável dependente “pratica a religião?” (p>0,038; OR=0,470; IC95% 0,230-0,958) associou-se negativamente.
Para a análise da dependência da nicotina, a Tabela II descreve a pontuação do FTND em pacientes que fizeram a CB. Nesta etapa, a amostra constitui-se de 49 indivíduos, havendo perda amostral de um fumante.
A maior prevalência dos níveis de dependência ocorreu no nível elevado de dependência (36,7%), seguido por muito elevado (30,6%), perfazendo um total de 33 indivíduos. A prevalência da variável dependente elevada dependência a nicotina e fatores associados estão na Tabela III.
Após a realização da análise múltipla, verificou-se que as variáveis preditoras: diagnóstico de ansiedade (p<0,040; OR= 2,417 IC95% 1,040-5,614) e perda de memória (p<0,000; OR= 7,868; IC95% 3,330-18,588) mantiveram-se associadas positivamente, e a prática de religião (p >0,047; OR= 0,237; IC95% 0,057-0,981). apresentou associação negativa com a variável desfecho.
Esta presente pesquisa é inédita na análise do consumo de tabaco como variável dependente em indivíduos pós-CB. Ao estimar a prevalência de fumantes atuais e níveis de dependência nicotínica na amostra de indivíduos que realizaram a CB, observou-se grande procura para realização desse tipo de procedimento por meio de plano suplementar de saúde e particular. Destaca-se a inovação da atual pesquisa pela investigação de uma população específica de pacientes bariátricos, com ênfase na progressiva evolução do número de procedimentos cirúrgicos no Brasil, por meio suplementar e particular. Os estudos nessa área priorizam, mais especificadamente, usuários do Sistema Público de Saúde(7), justificando os dados daqueles indivíduos serem considerados incipientes. Estima-se um crescimento do número de cirurgias pelo sistema suplementar, dez vezes maior do que pelo Sistema Único de Saúde (SUS)(17).
Testaram-se variáveis ainda não analisadas aliadas ao uso e dependência nicotínica na população investigada na presente pesquisa, como compulsão ao álcool, depressão, qualidade do sono e memória. Utilizou-se no atual estudo o instrumento FTND como indicador da dependência nicotínica, por ser de fácil aplicação, baixo custo e ser recomendado para práticas de Atenção à Saúde de Tabagistas(18).
A prevalência, na presente pesquisa, de fumantes atuais em indivíduos pós-CB (16,5%) apresentou-se mais elevada quando comparada à estimativa da população geral no contexto brasileiro (15,0%)(19). No entanto, na ausência de estimativas do hábito de fumar na população CB, é discutido de forma análoga com achados em indivíduos com obesidade mórbida, como no caso de uma pesquisa com 420 candidatos à CB em que 11,43% eram fumantes, isto é, fumavam diariamente, em um total ≥ 100 cigarros na vida(20).
Relatou-se estimativa maior em um estudo de caso controle, ao revelar que o grupo de pessoas com obesidade mórbida (31,0%) apresentou 2,18 mais chances de ser fumante quando comparado com indivíduos com IMC inferior, sugerindo que há aumento da frequência tabagística com o aumento do IMC corporal(21).
Diante dessas prevalências, considera-se que a estimativa de tabagismo entre pós-CB seja insipiente e necessita de mais pesquisas, o que limita a interlocução com outros achados. No entanto, a prevalência apontada neste estudo, quando comparada ao indivíduo obeso mórbido, sugere que a intervenção da CB pode reduzir as estimativas de tabagismo(22).
Dentre as variáveis socioeconômicas analisadas na atual pesquisa, o sexo masculino associou-se ao tabagismo. Embora, a exemplo de outros estudos(23), a predominância da amostra tenha sido de mulheres, os homens fumam mais(24) e reforçam a vulnerabilidade para o sexo em questão.
Desenvolveu-se a pesquisa em questão em uma sociedade com predomínio de comportamento machista, em que o hábito de fumar, mais facilmente entre homens do que mulheres, justifica-se pelo status de superioridade para esses indivíduos, sendo gerador de desigualdade quando se avaliam os parâmetros entre ambos os sexos(25). Vale ressaltar que, com o empoderamento das mulheres na busca de maior liberdade e independência, essas taxas vêm se modificando com o passar dos anos, apontando um aumento representativo no consumo de tabaco por mulheres e, consequentemente, uma maior exposição aos agravos à saúde por ele provocado(26).
Na presente pesquisa, a prática religiosa apresentou-se como um fator de proteção em relação ao uso de tabaco(27). Homens praticantes de alguma manifestação religiosa têm se mostrado menos propensos ao uso de substâncias psicoativas como o tabaco(28), devido às proibições e às limitações impostas por algumas religiões em relação às condutas e aos comportamentos, abrangendo o uso de substâncias psicoativas. Esse comportamento promove uma diminuição no índice de taxas do uso de tabaco(29).
Quanto aos aspectos psíquicos, encontrou-se associação positiva entre pacientes fumantes atuais e com elevada dependência nicotínica e a presença de diagnóstico clínico de ansiedade na atual investigação. Diante da escassez de estudos relacionando a dependência nicotínica em pacientes pós-CB, discute-se tal apontamento concomitantemente aos achados em obesos candidatos à CB, pois pacientes obesos fumantes, com média de IMC 45,9kg/m², tendem a apresentar ansiedade(13). Por sua vez, as construções dos aspectos afetivos relacionam-se a: medo, autocontrole, raiva e capacidade de expressar a afetividade; sugerindo um reforço compensatório do consumo de tabaco para amenizar a ansiedade(30).
A relevância em se investigar a relação entre tabagismo e doenças mentais nos indivíduos pós-CB reforça-se pela frequência com que essas patologias são detectadas nos candidatos à intervenção cirúrgica. Na Espanha, candidatos à CB apresentaram sintomas de ansiedade (26%) e depressão (20,9%)(31). Tais transtornos têm apresentado associação ao IMC elevado e a toda a complexidade psicossocial e patológica que advém da obesidade, sobretudo devido ao isolamento social e profissional advindos da obesidade(31).
Ter um histórico familiar de suicídio aumenta a probabilidade em ser tabagista atual. Esta é uma variável que se discute com achados análogos, pelo fato de ela não compor estudos correlatos. Assim, verificou-se que a dependência do tabagismo aumenta significantemente o risco de ideação suicida(32)e, quando associado ao uso abusivo de álcool, o risco torna-se mais robusto(33). O comportamento suicida, associado à dependência grave de tabaco, ocorre por mecanismos biológicos comuns, podendo ser potencializado. Estudos laboratoriais em animais demonstraram que o contato com o tabaco reduz os níveis de serotonina(34). Sugere-se que essa redução seja devido à atuação da serotonina no sistema nervoso e na liberação de hormônios que regulam o sono e o humor(35).
A diminuição da serotonina também impacta na qualidade de sono, justificando, em partes, a associação da dificuldade para dormir ao uso atual de tabaco. Este resultado é semelhante ao de estudo desenvolvido com universitários dos Estados Unidos, em que o uso atual de tabaco encontrava-se diretamente associado aos distúrbios de sono quando comparados a outros fatores, tais como: o uso de drogas ilegais, a carga de trabalho excessiva, o consumo elevado de álcool, a obesidade e o sexo masculino. Nos indivíduos depressivos e ansiosos, a dificuldade para dormir é ainda maior, sendo o consumo do tabaco relacionado, em grande parte, aos distúrbios de sono(36).
Outra sugestão é que o uso de tabaco também potencializa o surgimento de distúrbios ligados às vias aéreas, como a apneia obstrutiva do sono. Essa associação ocorre pelo estímulo da nicotina nos músculos do sistema respiratório, complicando a inflamação das vias superiores(37) e causando irritação que atinge até a úvula(38). Também é fato que o uso regular da nicotina, por se tratar de substância estimulante, relaciona-se com sinais de insônia, redução da capacidade do sono e elevação da sonolência durante o dia. Igualmente, detectam-se as alterações ocasionadas pela abstinência em indivíduos que fumam por muito tempo e que possuem o hábito de acordarem durante a noite, estimulados pelo desejo de fumar(39).
Pesquisou-se no presente estudo o comportamento do uso de tabaco concomitante ao uso de bebida alcoólica. Este hábito já se apresenta descrito em estudo prospectivo e revelou que a amostra estudada continuou fazendo uso de bebidas alcoólicas após a CB (35,1%)(40). A associação positiva encontrada entre binge drinking e ser tabagista atual corrobora os resultados de um estudo francês realizado com 3.286 estudantes universitários. Nesse estudo, o comportamento estudantil de binge drinking apresentou 5,89 vezes maior associação com hábito tabagista. Justifica-se esse mecanismo pelo fato da nicotina atuar como gatilho frente à ingestão de álcool, o que leva a uma maior frequência de consumo bem como ao aumento progressivo da quantidade ingerida(10).
Os efeitos de uso concomitante do álcool e do tabaco são interativos. Embora essas duas sustâncias tenham mecanismos de ação diferente, juntas reforçam a sensação de prazer(39), tornando uma o gatilho da outra. Também nessa ação simultânea verifica-se a influência exercida pela nicotina na implicação sedativa do álcool(41), o que leva o indivíduo a ingerir maior quantidade das duas substâncias ao mesmo tempo. Chama-se a atenção para as evidências de que o consumo concomitante dessas duas substâncias também potencializa os agravos à saúde, como o aumento da acidez estomacal, resultando no desenvolvimento de gastrites e úlceras(42), além de doenças crônicas não transmissíveis(43).
Os relatos de perda da memória têm mais chance de ocorrer entre os fumantes, o que pode ser explicado pelo efeito da nicotina que, ao ser consumida de forma crônica, causa prejuízos à capacidade de memória imediata, à função cognitiva e aos mecanismos atencionais(41,44). A nicotina frequentemente associa-se à função cognitiva, ora como estimulante momentânea, ora com prejuízos a essa capacidade mediante uso crônico(45).
O presente estudo não detectou associação entre o uso de tabaco e a alteração cognitiva nos indivíduos pós-CB. Apesar disso, deve-se considerar o efeito na melhora cognitiva após a realização da CB ao se comparar com o período pré-cirúrgico. Os mecanismos dessa associação referem-se ao melhor controle glicêmico pós-cirúrgico, à neuroproteção(44,45) e à redução significativa do IMC nos primeiros anos após a cirurgia(44). No entanto, há uma preocupação em torno dessa melhora da qualidade cognitiva ao longo do tempo pós-CB, ainda inconclusiva quanto à causalidade desses efeitos promissores, aliada à lacuna de estudos longitudinais com marcadores biológicos e neuroimagens que gerem evidências mais robustas (44,45).
Como limitação da atual investigação, destacam-se o método transversal e a amostra, que se deu por conveniência em uma dada população, o que limita a sua generalização.
A significativa prevalência de tabaco na população estudada associou-se a fatores como: sexo, comorbidades psíquicas (depressão/ansiedade), histórico familiar de suicídio e dificuldade para dormir, além de ter se associado negativamente à prática religiosa.
Aos pesquisadores de campo e aos participantes da pesquisa.
Baseado na dissertação: Prevalência do consumo de álcool em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica no sudeste goiano, 2017, 88 páginas.
Endereço para correspondência: Valéria Duarte Gregório Universidade Federal de Goiás - UFG Avenida Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1.120 Bairro: Setor Universitário CEP: 75704-020 - Catalão - GO - Brasil E-mail: valeriadgregorio@gmail.com