Artigos Originais

CONHECIMENTO DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA SOBRE AS COMPETÊNCIAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE

Primary health care professionals’ knowledge of health promotion competencies

Conocimiento de los profesionales de la atención básica sobre las competencias de la promoción de la salud

Iriana Lays Lima Sobral A
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, Brasil
Lucas Dias Soares Machado
Universidade Regional do Cariri, Brasil
Silvia Helena Pereira Gomes
Faculdades Integradas de Patos, Brasil
Alice Maria Correia Pequeno
Escola de Saúde Pública do Ceará, Brasil
Sharmênia de Araújo Soares Nuto B
Universidade de Fortaleza, Brasil
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Maria de Fátima Antero Sousa Machado
Universidade Regional do Cariri, Brasil

CONHECIMENTO DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA SOBRE AS COMPETÊNCIAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE

Revista Brasileira em Promoção da Saúde, vol. 31, núm. 2, pp. 1-7, 2018

Universidade de Fortaleza

Recepção: 26 Junho 2017

Revised: 02 Janeiro 2018

Aprovação: 16 Março 2018

Resumo: Objetivo: Reconhecer no processo de trabalho dos profissionais da atenção básica, junto a Estratégia Saúde da Família, os domínios de competências em promoção da saúde diante das ações praticadas com base no referencial das Competências em Promoção da Saúde (CompHP). Métodos: Trata-se de estudo descritivo e exploratório de natureza qualitativa, realizado no município de Acopiara, Ceará, Brasil. Participaram do estudo, desenvolvido no período de março a junho de 2016, nove profissionais com atuação definida na Estratégia Saúde da Família. Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada e organizados a partir da técnica da análise temática das falas dos participantes. Resultados: Os profissionais desconhecem o referencial do CompHP, bem como os seus domínios e as competências propostas. Entretanto, evidencia-se que os domínios: de diagnóstico, comunicação, liderança, possibilidade de mudanças e advocacia em saúde são manifestados nas falas dos participantes. Deste modo, os saberes e práticas dos profissionais articulam-se aos domínios de competências do CompHP supracitados. Os domínios não manifestados pelos profissionais foram: parceria, planejamento, implementação e avaliação em saúde. Conclusão: Observou-se o desconhecimento dos profissionais quanto à existência e proposta no referencial do CompHP, o que revela a necessidade de incluí-los nos momentos formativos, em todo e qualquer nível de formação.

Palavras-chave: Promoção da Saúde, Atenção Primária à Saúde, Educação Baseada em Competências.

Abstract: Objective: To recognize in the work process of Primary Health Care professionals, along with the Family Health Strategy, the domains of health promotion competencies in the face of actions carried out on the basis of the Health Promotion Competencies (CompHP) framework. Methods: This is a qualitative descriptive and exploratory study carried out in the municipality of Acopiara, Ceará, Brazil. The study was carried out from March to June 2016 with nine professionals with a defined role in the Family Health Strategy. The data were collected using a structured interview and organized based on the Thematic Analysis of the participants’ statements. Results: The professionals are not aware of the CompHP framework and its domains and proposed competencies. However, it is evident that the needs assessment, communication, leadership, possibility of changes and advocacy for health domains are manifested in the participants’ statements. Thus, the professionals’ knowledge and practices are linked to the aforementioned domains of CompHP competencies. The domains not manifested by professionals were: partnership, planning, implementation and evaluation in health. Conclusion: Professionals are unaware of the existence and purpose of the CompHP framework, which reveals the need to include them in training moments at any and all levels of training.

Keywords: Health Promotion, Primary Health Care, Competency-Based Education.

Resumen: Objetivo: Reconocer el proceso de trabajo de los profesionales de la atención básica en la Estrategia Salud de la Familia y los dominios de las competencias para la promoción de la salud ante las acciones practicadas basadas en el referencial de las Competencias para la Promoción de la Salud (CompHP). Métodos: Se trata de estudio descriptivo, exploratorio y cualitativo realizado en el municipio de Acopiara, Ceará, Brasil. El estudio ha sido desarrollado en el período entre marzo y junio de 2016 en el cual participaron nueve profesionales con actuación definida en la Estrategia Salud de la Familia. Se recogieron los datos a través de una entrevista semiestructurada y les organizaron a través de la técnica del análisis temático de las hablas de los participantes. Resultados: Los profesionales desconocen el referencial del CompHP así como sus dominios y las competencias propuestas. Sin embargo, se evidencia que los dominios de diagnóstico, comunicación, liderazgo, posibilidades de cambios y abogacía en salud se manifiestan en las hablas de los participantes. Así, los saberes y las prácticas de los profesionales se articulan con los dominios de competencias del CompHP mencionados antes. Los dominios no manifestados por los profesionales fueron la compañía, el planeamiento, la implementación y la evaluación en salud. Conclusión: Se observó el desconocimiento de los profesionales respecto la existencia y propuesta en el referencial del CompHP lo que revela la necesidad de incluirlos en los momentos de formación en todo y cualquier nivel de formación.

Palabras clave: Promoción de la Salud, Atención Primaria de Salud, Educación Basada en Competencias.

INTRODUÇÃO

A promoção da saúde é um campo complexo, em permanente construção, que convive com uma pluralidade de concepções e de ações que refletem os modos de pensar e agir, necessitando de bases teóricas e políticas que dêem sustentabilidade e visibilidade as suas ações(1).

A promoção da saúde envolve um campo teórico/prático, com enfoque amplo, traduzido em ações que buscam identificar e enfrentar os macrodeterminantes do processo saúde-doença-cuidado, bem como transformá-los em favor da saúde(2). Com base nessa concepção, os sujeitos sem evidências clínicas podem ser fortalecidos com o objetivo de alcançar um maior potencial de saúde, sensações de bem-estar e desenvolvimento individual e da coletividade(3).

No Brasil, tais ações são contempladas pela Política Nacional de Promoção da Saúde, que objetiva promover a equidade e a melhoria das condições e modos de viver, tendo como base o conceito ampliado de saúde e o referencial teórico das cartas, produto das conferências internacionais da Organização Mundial de Saúde, realizadas em Ottawa (1986), Adelaide (1988), Sundsvall (1991), Jacarta (1997), Cidade do México (2000), Bangkok (2005), Nairóbi (2009), Helsinki (2013) e Xangai (2016)(4,5), ampliando a potencialidade da saúde individual e da saúde coletiva, e reduzindo vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais(6).

Promoção da saúde relaciona-se com práticas e condutas que buscam a melhoria da saúde da população através de iniciativas que visam o aumento do bem-estar e da qualidade de vida(7). Essas iniciativas caracterizam-se pelo favorecimento do empoderamento do indivíduo e da comunidade, levando-os a buscar e agir sob os determinantes sociais com ações sustentáveis e multiestratégicas, consolidando-se, especialmente, na Estratégia Saúde da Família através da integralidade do cuidado e da participação social(8,9).

O crescimento recente das políticas públicas de promoção da saúde, percebido no cenário internacional, evidenciou a necessidade do desenvolvimento de algumas competências nos profissionais que desenvolvem as ações de promoção da saúde. Para tanto, é necessário que o profissional de saúde desenvolva competências por meio de uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes, possibilitando o desenvolvimento de atividades padronizadas, aperfeiçoando suas práticas e assegurando sua efetividade, qualidade e caráter ético(10,11).

Frente aos avanços da construção de conjuntos de competências em promoção da saúde manifestou-se a necessidade da criação de um referencial teórico, comum a todos os países, para nortear a atuação em promoção da saúde. Nesse contexto, a iniciativa europeia da União Internacional para Promoção e Educação em Saúde formulou o projeto Developing Competencies and Profissional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP), estruturado a partir de um conjunto de competências essenciais para o desenvolvimento de ações eficazes de promoção da saúde, compreendendo valores éticos, conhecimentos, habilidades e atitudes, listados em 47 competências organizadas em nove domínios, com as exigências para o aprimoramento de cada competência. Esses domínios são: favorecimento de mudança, advocacia em saúde, parceria, comunicação, liderança, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação em pesquisa(12).

Em busca na literatura sobre a temática, estudos recentes de revisão da produção científica demonstram que há ainda limitada produção sobre o assunto, a qual está marcada, no Brasil, pela disparidade na concentração dessas publicações por regiões, havendo maior aglomerado na região Sudeste(12,13). Diante dessa problemática e a partir do imperativo de que apenas profissionais com essas competências estão aptos a realizar ações de promoção da saúde efetivas para a sociedade(10), questiona-se: Os profissionais de saúde da atenção básica conhecem os domínios de competências em promoção da saúde do CompHP? Quais os domínios de competências em promoção da saúde do CompHP são evidentes nos saberes e práticas desses profissionais?

A contemplação desse objeto de estudo contribui com o desenvolvimento do campo da saúde coletiva e promoção da saúde ao instigar reflexões e críticas sobre os atuais processos formativos e práticas de saúde, implicando no aperfeiçoamento de práticas profissionais neste campo; bem como com o preenchimento de lacunas reconhecidas na literatura e melhor distribuição espacial das pesquisas brasileiras sobre competências de promoção da saúde, colaborando com avanços nos estudos da região Nordeste; e, por fim, podem ser valiosas as transformações das práticas de saúde, consequentes da formação de profissionais de saúde com conhecimentos, habilidades e atitudes para promover saúde de modo eficiente.

Face à necessidade de maior atenção e aprimoramento das tecnologias e dos conceitos utilizados para a promoção de saúde, este estudo se propõe a reconhecer, no processo de trabalho dos profissionais da atenção básica junto a Estratégia Saúde da Família, os domínios de competência em promoção da saúde diante das ações praticadas com base no referencial de competências em promoção da saúde (CompHP).

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de natureza qualitativa, que se adequa ao objeto de pesquisa em questão considerando as lacunas no conhecimento e pouca exploração do fenômeno no contexto brasileiro e da atenção básica à saúde(14).

O lócus do estudo compreendeu o município de Acopiara, Ceará, Brasil, localizado na região centro-sul do estado, com população de cerca de 51.160 habitantes e área geográfica de 2.265,349 km2,distando 345 km da capital. O município possui 21 unidades básicas de saúde, divididas em equipes de Estratégias Saúde da Família e de Agente Comunitários de Saúde(15). A escolha do cenário da pesquisa está atrelada à vinculação ao contexto da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Escola de Saúde Pública do Ceará, campo de atuação dos pesquisadores.

Participaram do estudo, desenvolvido no período de março a junho de 2016, nove profissionais com atuação definida nas equipes da Estratégia de Saúde da Família. Essa amostra foi identificada pela Coordenação da Atenção Básica do município, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: ser profissional da atenção básica (ESF) e ser profissional residente com área de atuação no município. A amostra foi composta pela totalidade de profissionais identificados com os critérios de inclusão mencionados.

A coleta de dados deu-se por meio de entrevista semiestruturada, com base em um roteiro elaborado pelos pesquisadores a partir dos domínios de competências em promoção da saúde do CompHP, composto por questões norteadoras, tais como: O que você entende por competências em promoção da saúde? Quais conhecimentos, habilidades e atitudes são necessários para práticas de promoção da saúde? As entrevistas foram gravadas em local reservado, em áudio digital, com média de 30 minutos de duração e, posteriormente, transcritas.

Após a transcrição, os dados foram submetidos à organização a partir da técnica da análise temática, compreendendo as fases de: pré-análise, em que foi realizada a leitura flutuante do material, definidas as unidades de registro e de contexto e a forma de categorização; exploração do material, que compreendeu o destaque no texto das unidades de registro (frases, temas, personagens e/ou acontecimentos), classificação e divisão dos dados, constituindo as categorias definitivas; e tratamento dos resultados obtidos e interpretação, em que os pesquisadores realizaram formulações e interpretações, relacionando os achados com a literatura científica e domínios de competências em promoção da saúde do CompHP(16).

Emergiram das falas dos participantes duas categorias devidamente nomeadas como: “Saberes da promoção da saúde e sua relação com os domínios do CompHP” e “Desconhecimento dos profissionais sobre o CompHP e domínios de competências necessários para o desenvolvimento de promoção da saúde”.

Os participantes que atenderam aos critérios previamente estabelecidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Escola de Saúde Pública do Ceará por meio do Parecer consubstanciado nº 1.403.574. Para garantir o anonimato dos entrevistados, adotou-se a denominação “profissional”, seguido da numeração crescente de acordo com a ordem de realização das entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresenta-se o corpus descritivo construído no estudo a partir das categorias que se seguem.

Saberes da promoção da saúde e sua relação com os domínios do CompHP

A categoria “os saberes da promoção da saúde e sua relação com os domínios do CompHP”, evidenciada pelos profissionais de saúde, relaciona-se com as formas de prevenção de doenças e qualidade de vida.

“Promoção da saúde acima de tudo é promover educação em saúde, que a gente tem que trabalhar com prevenção e não com a doença. (...)”. (Profissional 7)

“É o trabalhar com a saúde ao invés da doença. São ações que vão, digamos, falar sobre como cuidar da saúde para evitar futuramente, como evitar alguma doença”. (Profissional 4)

Relacionam-se ainda aos meios de promover o empoderamento pessoal, caminhando para a busca e manutenção da saúde a partir de ações que geram informações e problematizam a realidade.

“(...) ações que busquem realmente promover qualidade de vida, que busque despertar nas pessoas, realmente, esse empoderamento no que diz respeito a sua saúde.” (Profissional 4)

“Promoção de saúde eu acho que é capacitar os usuários para poder levar saúde para o seu território (...)”. (Profissional 8)

Os saberes expressos nas falas dos profissionais reforçam uma visão tradicional de promoção da saúde, que se utiliza de recursos para transmissão de informações para os indivíduos e suas coletividades, visando a prevenção de doenças, pautando-se em um modelo que valoriza de forma secundária os determinantes sociais e a história natural das doenças(17).

No entanto, características do movimento da nova promoção da saúde mesclam-se à visão tradicional ao fazer alusão à relevância de empoderar o indivíduo e a comunidade com o intuito de torná-los autônomos e gerenciadores de sua saúde e qualidade de vida.

Contemporaneamente, a concepção de promoção da saúde é entendida como um campo com enfoque mais amplo, traduzido em ações que buscam identificar e enfrentar macrodeterminantes do processo saúde-doença-cuidado, bem como transformá-los em favor da saúde(18). Supera-se, assim, o objetivo de se obter um estilo de vida saudável e bem-estar individual, atingindo uma ideia de bem-estar global.

Neste contexto, reforça-se a importância de compreender os marcos históricos e teóricos da promoção da saúde para formar profissionais com competência para atuar nesse campo, com vistas a superar o enfoque predominantemente biologicista, curativo, médico centrado e desarticulado das práticas de saúde; aponta para a necessidade de formar por competências, a partir da adoção de referenciais teóricos como o CompHP(19).

Os domínios de competências em promoção da saúde do CompHP reúnem um conjunto mínimo de competências, com base nos conceitos e princípios da promoção da saúde delineados na Carta de Ottawa e demais cartas da Organização Mundial de Saúde, que se espera que todo praticante de promoção da saúde desenvolva para trabalhar de forma eficiente, eficaz e apropriada no campo(20).

Estruturalmente, as competências construídas pelo CompHP organizam-se em domínios que contemplam áreas específicas e interligadas das práticas de promoção da saúde e as devidas competências associadas às práticas competentes nessa área. Assim, é fundamental o desenvolvimento de todos os domínios para se alcançar ações efetivas de promoção da saúde, que contribuam para um maior reconhecimento e validação da promoção da saúde e do trabalho realizado pelos profissionais de saúde(20).

Deste modo, deve-se investir no desenvolvimento do conjunto de domínios de competências, permeados por uma base sólida de aspectos éticos e de conhecimentos essenciais sobre promoção da saúde(21).

No sentido de análise dessa categoria evidenciam-se a relação dos saberes dos entrevistados com os domínios “possibilidade de mudanças” e “advocacia em saúde”.

O domínio “possibilidade de mudança” manifesta-se pela intencionalidade de provocar no outro a inquietação para buscar mudanças positivas na saúde. Trata-se da ativação de indivíduos e coletividades para atuar na construção de capacidades voltadas à ação em promoção da saúde, de modo a conquistar melhorias do nível de saúde e redução das iniquidades sociais(22). O intuito de provocar mudanças reais está diretamente atrelado a motivação dos profissionais e usuários envolvidos, sendo imprescindível que esses atores sociais se envolvam de modo dinâmico, participativo, com objetivos comuns, com interdependência, horizontalidade e corresponsabilidade(23).

Já o domínio “advocacia em saúde” contempla a reivindicação com e a favor de indivíduos e seus coletivos para melhoria da saúde e do bem-estar(21). No contexto da promoção da saúde, direciona a participação concreta e efetiva da comunidade nos processos de produção de saúde e políticas públicas desse setor por meio do empoderamento e fortalecimento de espaços de democracia(24,25).

Destaca-se que a presença dos domínios de competências em promoção da saúde, mencionados anteriormente, foi identificada a partir das falas dos participantes, sem, no entanto, haver o conhecimento concreto destes sobre o que são as competências em promoção da saúde do CompHP.

Desconhecimento dos profissionais sobre o CompHP e domínios de competências necessários para o desenvolvimento de promoção da saúde

Essa categoria evidencia que os profissionais do presente estudo desconhecem o referencial do CompHP, bem como os seus domínios e as competências propostas. As falas que se seguem revelam esses achados:

“Esse termo acaba para mim sendo novo. Eu realmente desconheço essas competências para promoção da saúde.” (Profissional 2)

“Não, não tenho conhecimento sobre isso.” (Profissional 5)

Ao discorrerem sobre os saberes necessários para os profissionais realizarem atividades de promoção da saúde, emergiram caraterísticas condizentes com os domínios de “diagnóstico”, pois compreendem a necessidade de ter acesso à realidade e potencialidades de um contexto para embasar e direcionar as ações de saúde; “comunicação”, utilizando técnicas e tecnologias diversas para alcance de indivíduos e coletivos em seus contextos; e “liderança”, contemplando as contribuições para a estruturação de uma visão compartilhada, que guie as atividades e serviços ao propósito da promoção da saúde.

“(...) acho que levantar também as vulnerabilidades, não é?! Ver qual a necessidade o que a gente vê de necessidade neles. E, a partir daí, tentar desenvolver alguma atividade, que não seja só naquele momento, mas que seja uma coisa contínua e de iniciativa minha.” (Profissional 1)

“É mais como ele vai trabalhar um certo assunto, para não ser uma coisa tão chata, mais diálogo, procura ter mais desenvoltura, porque se for só palestra falada eles não vão prestar atenção, tem que ser uma coisa mais dinâmica.” (Profissional 4)

“(...) Ter iniciativa, boa vontade, ter empatia e, principalmente, persistência e força de vontade, porque é complicado trabalhar promoção de saúde.” (Profissional 9)

Reforça-se a importância dos domínios do CompHP na prática dos profissionais de saúde, de modo a torná-los promotores de saúde. Neste sentido, as falas dos profissionais investigados na presente pesquisa apontam para três domínios, a saber: diagnóstico, comunicação e liderança.

O “diagnóstico”, enquanto domínio de competências em promoção da saúde, trata do reconhecimento do território e suas peculiaridades de caráter político, econômico, social, cultural, ambiental, comportamental e biológico(10). Em suma, consiste em analisar o contexto espacial de modo a identificar informações relevantes para o processo de tomada de decisões e alicerçar a definição de estratégias saúde(10) e as ações voltadas ao processo saúde-doença-cuidado(26).

Em tempo, o domínio “comunicação” trata da adoção de técnicas e tecnologias para comunicar, por meio verbal e/ou não-verbal, ações de promoção da saúde de forma efetiva e adequada a realidade(21). Compreende, então, o desenvolvimento da habilidade de conectar-se com indivíduos e coletividades em um processo que se pauta no diálogo, discussão e divulgação de ações de promoção da saúde.

Por fim, o domínio “liderança” consolida conhecimentos, habilidades e atitudes necessários à atuação frente aos diversos atores do território, envolvendo-os e motivando-os a melhorar. Compreende, assim, a construção de uma visão compartilhada coletivamente, com definições de direções estratégicas para a ação em promoção da saúde(6). A liderança auxilia na superação de condutas fragmentadas, fomentando a atuação, a partir do diálogo e práticas baseadas em evidências, repercutindo positivamente sobre os processos de promoção da saúde(22).

Sinaliza-se, no presente estudo, que a presença dos domínios identificados nas falas dos profissionais representa uma possibilidade de que as ações realizadas pelos profissionais entrevistados podem resultar de forma efetiva na vida das pessoas.

Outros domínios necessários à prática de um promotor de saúde não foram identificados nas falas dos profissionais: parceria, planejamento, implementação, avaliação e pesquisa.

O domínio de parceria contempla a cooperação entre diversos atores e setores para aumentar o impacto das ações de promoção da saúde, estando intimamente ligada à intersetorialidade, tanto interna quanto externa(10).

Já os domínios de planejamento, implementação e avaliação e pesquisa, assim como o domínio diagnóstico, compõem competências de um processo administrativo cíclico de atividades e ações de promoção da saúde, que envolve ter acesso às necessidades e potencialidades de determinado contexto e, a partir daí, traçar metas e objetivos em conjunto com pessoas-chave, executando as ações na comunidade e de acordo com as políticas públicas, embasando-as em pesquisas e estudos, garantindo sua avaliação e (re)adequação contínua(27).

De modo geral, as competências em promoção da saúde direcionam a integração do profissional ao cotidiano dos serviços de saúde, aprofundando as práticas a partir da criação e gestão de espaços para análise e reflexão, da orientação de articulações de saberes e renovação da capacidade de enfrentar as situações complexas do fazer saúde, desenvolvendo assim habilidades, conhecimentos e atitudes fundamentais para transformar a realidade de saúde(28).

Por fim, percebe-se uma transição nas práticas de promoção da saúde, em que a nova promoção da saúde caminha para consolidar-se no contexto dos profissionais da atenção básica. Para assegurar a efetividade dessas ações é indispensável o desenvolvimento de competências em promoção da saúde por parte dos profissionais.

Sob este prisma, a promoção da saúde manifesta-se como estratégia para romper e superar o paradigma biomédico, fortalecendo o campo da saúde coletiva e colocando-se transversalmente aos níveis de assistência e enxergando o processo saúde-doença-cuidado de modo ampliado, considerando as singularidades individuais e coletivas e os determinantes de saúde. Fortalece então, as ações dos profissionais da ESF, apontando para efetivação da atenção básica e contribuindo para melhoria das condições de saúde e do modo de viver das populações.

Este presente estudo foi direcionado para conhecer as concepções de profissionais da atenção básica sob uma perspectiva qualitativa-interpretativa. Assim sendo, destaca-se que os domínios do CompHP observados foram, em sua maioria, identificados pelos pesquisadores a partir do tratamento e interpretação das informações, mas não mencionados diretamente pelos participantes, o que pode ser reconhecido como uma fragilidade. Desta maneira, estimula-se a realização de novos estudos, com abordagens metodológicas diversas, de modo a comprovar e/ou complementar os achados expostos.

O estudo contribui, então, para promoção da saúde e saúde coletiva ao elucidar a aproximação e apropriação dos profissionais da atenção básica dos domínios de competências em promoção da saúde, o que se mostrou, nessa realidade, fragilizado. Assim sendo, é pertinente o fortalecimento das políticas de saúde e formação de profissionais da área para que se norteiem por competências, de modo que as práticas sejam efetivas e adequadas à realidade. O CompHP apresenta, por fim, potencial em ser referência nesses processos de formação de profissionais aptos à promover saúde e também de acompanhamento dessas práticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob a ótica do referencial de competências em promoção da saúde do CompHP, observou-se o desconhecimento dos profissionais quanto a sua existência e proposta, o que revela a necessidade de incluir discussões sobre essas competências e seus referenciais nos momentos formativos, em todo e qualquer nível de formação, considerando seu caráter holístico e transversal. Considerando os domínios de competências do CompHP os profissionais evidenciaram em suas falas aspectos característicos dos domínios possibilidade de mudanças, liderança, diagnóstico, comunicação e advocacia em saúde, os quais estavam articulados aos seus saberes e práticas.

Ressalta-se que esses domínios devem ser fortalecidos de modo que haja a consciência profissional de sua existência e prática. Além disto, urge a necessidade de incentivar o desenvolvimento dos demais domínios não manifestados pelos profissionais: parceria, planejamento, implementação e avaliação em saúde.

CONFLITOS DE INTERESSE

Não houve conflitos de interesse durante o desenvolvimento da presente pesquisa.

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Autor notes

A Endereço do primeiro autor:

Iriana Lays Lima Sobral

Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

Rua General Jardim, 36

Bairro: Vila Buarque

CEP: 01223-010 - São Paulo - SP - Brasil

E-mail: enfalayssobral13@gmail.com

B Endereço para correspondência:

Sharmênia de Araújo Soares Nuto

Universidade de Fortaleza - UNIFOR

Curso de Odontologia

Avenida Washington Soares, 1321

Bairro: Edson Queiroz

CEP: 60811-905 - Fortaleza - CE - Brasil

E-mail: nuto@unifor.br

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