Resumo: Objetivo: Demonstrar os possíveis impactos da pandemia da COVID-19, a vulnerabilidade social no cenário nacional e as possíveis medidas de contenção diante da nova pandemia. Métodos: Estudo bibliométrico exploratório no qual foram coletados dados dos últimos 10 anos nas seguintes plataformas de dados: Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Informações em Saúde (TabNet) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, realizou-se uma busca em fontes secundárias (PubMed, Ministério da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Periódicos CAPES e SciELO). Os descritores utilizados foram “ética baseada em princípios”, “vulnerabilidade social”, “bioética”, “coronavírus”, “pandemia”. As análises e interpretações ocorreram entre fevereiro e março de 2020. Resultados: No Brasil, no período analisado, 25.262 casos de COVID-19 foram divulgados e 1.532 pessoas foram a óbito. Dados do IBGE de 2019 apontam cerca de 119,3 milhões de brasileiros vivendo em situação de miséria, com renda menor que um salário mínimo por mês. Além disso, segundo o Censo 2010, somente 3,8% da população brasileira tem acesso à água potável, o que pode dificultar medidas de prevenção. Conclusão: Há, diante do cenário da pandemia, a necessidade de uma maior atenção às pessoas que se encontram em vulnerabilidade social no Brasil.
Palavras-chave:Vulnerabilidade SocialVulnerabilidade Social,Infecções por CoronavírusInfecções por Coronavírus,PandemiasPandemias,Vulnerabilidad SocialVulnerabilidad Social,Infecciones por CoronavirusInfecciones por Coronavirus,PandemiasPandemias.
Abstract: Objective: To demonstrate the possible impacts of the COVID-19 pandemic, the social vulnerability on the national scene, and the possible controlling measures in the face of the new pandemic. Methods: This is an exploratory bibliometric study that collected data from the last 10 years on the following data platforms: Department of Informatics of the Unified Health System (DATASUS), Health Information (TabNet), and Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). Moreover, a search was conducted on secondary sources (PubMed, Ministry of Health, World Health Organization, CAPES, and SciELO journals). The descriptors used were ethics based on principles, social vulnerability, bioethics, coronavirus, and pandemic. Analyzes and interpretations took place between February and March 2020. Results: In Brazil, 25,262 cases of COVID-19 were reported, and 1,532 people died in the period mentioned. IBGE data from 2019 point to about 119.3 million Brazilians living in extreme poverty, with income below one minimum wage per month. Besides, according to the 2010 Census, only 3.8% of the Brazilian population has access to drinking water, which can hinder preventive measures. Conclusion: Given the pandemic scenario, there is a need for more attention to people who are socially vulnerable in Brazil.
Keywords: Social Vulnerability, Coronavirus Infections, Pandemics.
Resumen: Objetivo: Demostrar los posibles impactos de la pandemia de la COVID-19, la vulnerabilidad social en el escenario nacional y las posibles medidas de restricción ante la nueva pandemia. Métodos: Estudio bibliométrico exploratorio en el cual se ha recogido datos de los últimos 10 años de las plataformas de datos a continuación: el Departamento de Informática del Sistema Único de Salud (DATASUS), las Informaciones de Salud (TabNet) e el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE). Además, se ha realizado una búsqueda de fuentes secundarias (PubMed, Ministerio de la Salud, Organización Mundial de la Salud, Periódicos CAPES y SciELO). Los descriptores utilizados fueron “ética basada en principios”, “vulnerabilidad social”, “bioética”, “coronavirus”, “pandemia”. Los analices e interpretaciones se dieron entre febrero y marzo de 2020. Resultados: En Brasil, en el período analizado, 25.262 casos de COVID-19 han sido divulgados y, de ellos, 1.532 personas han muerto. Los datos del IBGE de 2019 apuntan cerca de 119,3 millones de brasileños viviendo en el estado de miseria con la renta menor que un sueldo mínimo al mes. Además de eso, según el Censo 2010, solamente el 3,8% de la población brasileña tiene el agua potable lo que puede dificultar las medidas de prevención. Conclusión: Ante el escenario de la pandemia existe la necesidad de más atención para las personas que están socialmente vulnerables en Brasil.
Artigo de Revisão
A fragilidade do sistema de saúde brasileiro e a vulnerabilidade social diante da COVID-19
The fragility of the Brazilian health system and social vulnerability in front of COVID-19
La debilidad del sistema de salud brasileño y la vulnerabilidad social ante la COVID-19
Recepção: 02 Abril 2020
Aprovação: 15 Maio 2020
No último século, diversas patologias surgiram no mundo, com alto nível de contaminação entre os seres humanos, levando à morte quase quatro milhões de pessoas. Entre essas patologias, destacam-se: a gripe espanhola, a influenza A subtipo H1N1, a influenza A subtipo H2N2, a influenza A subtipo H3N8 e a síndrome respiratória aguda grave (SARS, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome, ou SRAG, em português)(1,2,3).
Em dezembro de 2019, ocorreu uma variação genética do SARS-CoV, identificado como agente etiológico da síndrome, gerando um novo coronavírus, denominado de síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), vírus da covid-19, que apresenta alta taxa de contaminação entre os humanos(3,4). O primeiro relato da nova doença ocorreu na província de Wuhan, China(5).
A COVID-19 foi definida como uma ameaça à saúde pública de interesse internacional(6,7,8,9). O vírus da doença pertence à família Coronoviridae e é um betacoronavírus(4,10) responsável por diversas enfermidades, como o SARS-CoV e a síndrome respiratória por coronavírus do Oriente Médio (MERS-CoV)(11,12). Estudos anteriores demonstraram a necessidade de um hospedeiro intermediário para a disseminação das enfermidades citadas. Acredita-se que o novo tipo de coronavírus é muito semelhante ao coronavírus de Pangolin (Pangolin-CoV), encontrado nos pulmões de pangolins(5).
Os sintomas clínicos mais relatados entre pacientes com a COVID-19 são: febre, dispneia, dor de cabeça, mialgia, diarreia, aumento de secreções nasais, e, em alguns casos, evolui para pneumonia. Vale ressaltar que seus sintomas são diferentes dos sintomas de uma gripe ou resfriado(13). A maioria dos casos evolui para a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), principalmente em pacientes que apresentam outras comorbidades. Além disso, alguns pacientes podem desenvolver lesões secundárias, tais como: lesões cardíacas, falência renal e, em alguns casos, falência múltipla dos órgãos(14,15).
No final de fevereiro de 2020, relatou-se o primeiro caso da COVID-19 no Brasil, e dados demonstram que a entrada do vírus no território nacional pode ter ocorrido de formas distintas(16,17). Para conter o avanço e a disseminação da doença, protocolos foram desenvolvidos e validados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses protocolos consistem, basicamente, em manter os pacientes com sintomas leves em isolamento em suas casas para, consequentemente, diminuir o fluxo de pacientes contaminados pela COVID-19 nos hospitais(18), além do estabelecimento de quarentena.
No Brasil, em 1988, após a redemocratização, elaborou-se uma nova Constituição Federal. Pouco tempo depois, criou-se um programa com princípios de acesso universal à saúde pública e gratuita para todos os brasileiros, com uma configuração institucional e legal de um regime de proteção social, intitulado de Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS se baseia nos princípios da universalização, da equidade, da integralidade, da regionalização e da hierarquização. Basicamente, o SUS funciona através de esferas descentralizadas e com base em estratégias de saúde elaboradas pelo Ministério da Saúde (MS)(19).
Contudo a falta de investimento no SUS e seu sucateamento ao longo dos anos vêm preocupando todo o país, pois os cortes no orçamento da saúde afetaram diretamente a prevenção e a promoção dessa ferramenta de atenção pública fundamental no combate à COVID-19(20).
A vulnerabilidade social é descrita como fragilidade, exclusão social, desfavorecimento, desamparo, abandono ou violação de direitos de um grupo ou indivíduos de uma sociedade. O conceito de vulnerabilidade é bastante amplo e pode englobar diversas formas de exclusão social, como o isolamento social de pequenos ou grandes grupos; geralmente, dificultando e impedindo o acesso aos avanços tecnocientíficos, às descobertas e/ou aos benefícios proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico. No contexto da ética em pesquisa, compreende-se a vulnerabilidade social como as circunstâncias da vida capazes de afetar um indivíduo ou um grupo de indivíduos e sua qualidade de vida no que se refere à inclusão ou exclusão na sociedade(21,22,23).
O objetivo deste estudo é demonstrar os possíveis impactos da pandemia da COVID-19, a vulnerabilidade social no cenário nacional e as possíveis medidas de contenção diante da nova pandemia.
Trata-se de uma revisão, do tipo estudo bibliométrico exploratório, na qual foram coletados dados em plataformas e em fontes secundárias.
Realizou-se uma análise dos parâmetros: população residente no Brasil; taxa de analfabetismo; taxa de analfabetismo por faixa etária e abastecimento de água no Brasil. Realizou o levantamento nas seguintes plataformas: Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Informações em Saúde (TabNet) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados foram separados pelas cinco regiões do país (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) e sua análise e interpretação ocorreu entre fevereiro e março de 2020.
Além disso, realizou-se uma busca de dados em fontes secundárias (PubMed, Ministério da Saúde, Organização Mundial da Saúde, Periódicos CAPES e SciELO). Os descritores utilizados para a pesquisa de artigos foram: “ética baseada em princípios”, “vulnerabilidade social”, “bioética”, “coronavírus”, “pandemia”, assim como suas respectivas versões na língua inglesa.
No período de identificação dos dados, encontraram-se 985 artigos científicos. Entre eles, artigos duplicados foram excluídos, restando 156 artigos científicos. Em seguida, realizou-se outra triagem, elegendo-se 43 trabalhos para a confecção deste artigo. Excluíram-se 113 publicações por inconsistências metodológicas observadas quando comparados a outros estudos já publicados (Figura 1).
Observou-se uma grande variação de dados científicos nos estudos encontrados. A maioria dos trabalhos são cartas ao editor ou comentários editoriais. Esses artigos científicos não passam por revisões por pares, entretanto isso não fere sua credibilidade ou a relevância de seu material. Ainda existem poucos artigos científicos originais e artigos de revisão sobre a COVID-19, contudo entende-se a importância desses relatos, pois trazem uma informação útil e rápida sobre o avanço mundial da doença (Tabela I).
Dados apontam que a COVID-19 já infectou 1.918.138 pessoas no mundo e já levou a óbito 123.126 pessoas em mais de 205 países, com uma taxa de letalidade de 6,4%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)(24). No Brasil, até o momento da presente revisão, a COVID-19 infectou 25.262 pessoas e levou a óbito 1.532 pessoas, com uma taxa de letalidade de 6,1%(25).
Os dados a seguir se referem aos índices encontrados nos dados do IBGE, que apontam que aproximadamente 59,6% da população, equivalente a 119,3 milhões de brasileiros, vivem em situação de miséria. Além disso, aproximadamente 104 milhões ganham menos de R$ 413,00 por mês, e 15,3 milhões vivem com menos de R$ 140,00 por mês (Tabela II)(26).
Acrescenta-se ainda que, segundo dados encontrados no Censo 2010, 8,4 milhões de brasileiros recebem água potável da rede geral de distribuição, enquanto 31 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável (Tabela II)(27). Outro dado a ser ressaltado é que, segundo o Censo 2010, o Brasil tem, aproximadamente, 13 milhões de analfabetos, em diversas faixas etárias e nas regiões do país, sendo a região Nordeste a que tem o maior índice de analfabetismo, com aproximadamente 4 milhões de analfabetos (Tabela II)(27).
Dados apontam que o índice de infecção pela COVID-19 é alto em todo o mundo. Um estudo recente propôs que medidas de contenção sejam aplicadas, como o isolamento horizontal, que seria o isolamento domiciliar de todas as pessoas, não somente de determinados grupos, restringindo ao máximo o contato entre as pessoas, tendo como propósito diminuir o número de novos casos da covid-19. Essa medida é uma ferramenta que, segundo seus autores, pode levar ao controle do índice de infecção e, consequentemente, do índice de letalidade da doença(29).
As principais medidas de controle para evitar a disseminação da COVID-19 na sociedade brasileira, indicadas pelo MS, são a utilização de máscaras pela população em geral e de equipamentos de proteção individual por profissionais da saúde, além da utilização de álcool 70% em gel e a higienização das mãos com água e sabão(13). Entretanto essas medidas podem ser de difícil aplicação no Brasil devido aos fatores socioeconômicos já citados(26).
O preço do álcool em gel aumentou muito nos últimos dois meses (fevereiro a março de 2020) e o Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (Procon) mostrou que os valores cobrados por álcool em gel e máscaras cirúrgicas aumentaram cerca de 500% em algumas regiões do Brasil(29). Com o valor elevado e a alta demanda, grande parte da população brasileira tem ou terá dificuldade para adquirir esses produtos, visto que os dados do IBGE indicam que quase metade da população vive em situação de miséria(26).
No Brasil, políticas sociais implantadas entre 2000 e 2010 tentaram proporcionar a redução da pobreza, a valorização do salário mínimo e a formalização do trabalho, entre outras ações. Contudo a vulnerabilidade social e a miséria vêm aumentando em todo o território nacional(30,31). Segundo o Censo 2010, somente 3,8% da população brasileira tem acesso à água potável da rede geral de distribuição(27), o que pode dificultar a adesão da população à medida preventiva de higienização das mãos, indicada pelo MS.
Além disso, o número de desempregados no quarto trimestre de 2019 foi muito alto. De acordo com o IBGE, atualmente existem 11,6 milhões de desempregados, além de 4,6 milhões de desalentados e uma taxa de subutilização de 23%. Durante o primeiro trimestre de 2020, quando houve o primeiro relato da COVID-19 no Brasil, o índice de desemprego aumentou 11,6%(32,33).
Outro problema enfrentado no cenário mundial está relacionado ao diagnóstico da COVID-19. O método mais indicado para diagnosticar a doença é a técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR)(34,35), contudo os custos elevados e a ausência de kits para diagnóstico ainda são uma barreira em países desenvolvidos e subdesenvolvidos para obter a precisão no diagnóstico da doença, postergando o isolamento de pacientes contaminados e ocasionando o tratamento sintomático desses pacientes(7).
Sendo assim, outros métodos para diagnosticar a COVID-19 vêm sendo estudados. Um estudo descreveu que a mensuração de procalcitonina demonstrou ser uma ferramenta que pode ajudar no controle da progressão em pacientes infectados. Entretanto pacientes que não possuem a forma grave da doença ou que não apresentem coinfecção por outros patógenos não apresentam alterações nos valores da procalcitonina, demonstrando que esse método pode apresentar falhas(36).
Pacientes com doenças cardiovasculares e infectados pela COVID-19 vêm chamando a atenção da comunidade científica, pois existem teorias que a SARS-CoV-2 apresenta tropismo pelos receptores de enzima conversora de angiotensina 2 que estão dispostos no sistema cardiovascular, respiratório e urinário. Esses pacientes desenvolvem sintomas mais graves da doença que podem estar associados ao aumento dos receptores da enzima conversora de angiotensina 2 em doenças cardiovasculares. Apesar dos mecanismos ainda não estarem bem elucidados, acredita-se que a COVID-19 promove danos no miocárdio, tornando necessário o acompanhamento diário dos seguintes marcadores: troponina cardíaca, mioglobina, proteína C reativa e interleucina-6(37,38).
Outra preocupação é a possível transmissão transplacentária, porém um estudo aponta que mulheres no terceiro trimestre da gestação e que estavam com a COVID-19 não transmitiram o vírus para o feto e não existia a presença do vírus no líquido amniótico, no sangue do cordão umbilical, no leite materno nem no esfregaço da garganta neonatal(39,40).
Estudos recentes apontam que a cloroquina, previamente testada in vitro contra o vírus da SARS-CoV-2, demonstrou uma inibição do crescimento do vírus, mas não foi encontrado benefício em modelos animais de experimentação(41,42). Em humanos, a cloroquina pode reduzir o tempo de internação e melhorar a evolução de pacientes com COVID-19 e a dose recomendada seria de 500 mg, duas vezes ao dia, em pacientes com formas leves, moderadas e graves(43).
Outros autores descreveram que pacientes com COVID-19 tratados com a cloroquina apresentaram melhora clínica, além de poder atuar na redução das citocinas pró-inflamatórias e/ou da ativação de células T-CD8+anti-SARS-CoV-2(44,45). Contudo os autores relatam que mais estudos devem ser realizados. Além disso, deve-se ressaltar que os efeitos adversos causados pelo uso da cloroquina já foram relatados na literatura, incluindo alterações renais(46,47,48).
Outras opções de tratamentos farmacológicos vêm sendo discutidas na literatura. O Remdesivir surgiu como uma boa opção, entretanto o tratamento não demostrou melhora nos pacientes(11,42,49). O Lopinavir foi identificado após o surto de SARS-CoV em 2003, porém faltam evidências de sua eficácia e do seu efeito no SARS-CoV-2. O Interferon β promove uma defesa dos pulmões e pode ser útil em associação com outro fármaco no combate do SARS-CoV-2, tendo sido testado na fase dois dos ensaios clínicos e em pacientes com asma, e os dados indicam que promoveu melhorias na função pulmonar, contudo faltam evidências de sua eficácia no Sars-CoV-2(42). Um estudo realizado em humanos com o tratamento associado da cloroquina combinada com azitromicina demonstrou melhora em pacientes infectados com o vírus da COVID-19(50).
Apesar de ainda não existir um tratamento farmacológico com protocolo eficaz contra a COVID-19, a principal arma contra o avanço da doença parece ser o distanciamento social, controlando sua disseminação(28).
Alguns protocolos operacionais já foram descritos na literatura e aparentemente têm sido uma ferramenta eficaz contra a doença. Um deles é o acolhimento hospitalar do paciente com COVID-19 ou com outros vírus respiratórios, pois, atualmente, já se sabe que existe a necessidade de ser mais cauteloso quanto à detecção dos casos. Há falhas nos protocolos dos hospitais e na triagem dos pacientes, que são basicamente focados em identificar pacientes que tiveram contato com casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 ou que fizeram viagens ao exterior. A realidade já é outra. Apenas esses grupos já não refletem o cenário atual, tornando-se necessário testar e monitorar pacientes que apresentem sinais leves, sem levar em conta viagem ou contato com casos suspeitos(51,52).
A busca por ações de combate ao vírus da COVID-19 no ambiente hospitalar é extensa, e é essencial que toda a abordagem de proteção seja dada com a mesma seriedade para outros vírus respiratórios que levam à morbidade e à mortalidade substanciais(51). A condução passiva de vírus respiratórios ocorre, na maioria dos hospitais: quando se permite que o profissional da saúde não se isente do trabalho mesmo com infecções de trato respiratório superior, desde que não apresente febre; quando os equipamentos de proteção individual (EPIs) se restringem apenas às máscaras, desconsiderando os fômites e o contato com a mucosa oral, nasal e ocular; quando as precauções são cessadas perante pacientes com síndromes respiratórias agudas que apresentam testes negativos para vírus respiratório; e quando permitem a livre circulação de visitantes com sintomas respiratórios leves pelo hospital(51).
É necessário compreender os riscos que os vírus respiratórios proporcionam, com a necessidade de se impor medidas restritivas aos pacientes, visitantes e à equipe de saúde. Vale ressaltar, também, que algumas políticas de saúde devem ser adotadas, tais como: limitação do trabalho de profissionais da saúde que apresentem sintomas de infecção do trato respiratório, mesmo sem sinais de febre; utilização de EPIs quando o paciente apresentar possíveis sintomas das síndromes respiratórias agudas, mesmo que o resultado tenha sido negativo; realização da triagem de todos os pacientes e testes para vírus respiratório, independente da gravidade da doença; triagem de visitantes que apresentem sintomas de trato respiratório e, se confirmada sua relação com vírus, não permitir a visita ao paciente(51).
Além disso, uma interessante medida seria propor que pessoas com sintomas da COVID-19 deveriam ser testadas, avaliadas e monitoradas em casa, por equipe médica competente e devidamente equipada, quando se trata de casos leves a moderados. Assim, não necessitariam de hospitalização, diminuiriam as chances de mais infecções e mais transmissão, promovendo-se a economia de recursos e evitando-se a sobrecarga do sistema e dos recursos de saúde. Ações similares foram realizadas em Gloucester (Ontário, Canadá), entre 2018-2019, em pacientes com suspeita de influenza. Realizaram-se visitas e testes rápidos, como resultado, aproximadamente 99% dos pacientes não buscaram hospitais em um primeiro momento(18,51).
O número de leitos em unidades de terapia intensiva (UTI) ainda é baixo e a maioria dos leitos estão ocupados por pacientes que são tratados por outras enfermidades(53), demonstrando que o Brasil não ainda está preparado para essa ameaça de saúde pública internacional, a pandemia do vírus da COVID-19(16).
Os casos da doença estão aumentando diariamente no Brasil, mas, muitas vezes, não evoluem para a forma grave. O número de leitos de UTI ainda é insuficiente, acredita-se que aproximadamente 165 milhões de pessoas dependem do SUS e a relação leito-paciente é de aproximadamente 0,01%. O SUS tem em torno de 27.445 leitos de UTI, com taxa de ocupação de aproximadamente 21.407 leitos de UTI, por volta de 78% da capacidade do SUS(53). Esses dados revelam que o Brasil não tem leitos de UTI suficientes caso a COVID-19 se dissemine mais rápido pelo país.
Vale ressaltar que mais da metade da população brasileira vive com menos de um salário mínimo ou na informalidade(27). Nesse contexto, com as medidas de quarentena em todos os estados da federação, essas pessoas se encontram em situação de vulnerabilidade social, pois podem não ter renda nem água em suas residências e/ou simplesmente não compreenderem quais são as medidas de prevenção indicadas contra a COVID-19.
O fracasso nas medidas de contenção e o despreparo contra a pandemia não são diretamente responsabilidade do poder executivo atual. Em 2009, o país passou por uma situação similar de pandemia, que foi a influenza A H1N1(54), e, possivelmente, não houve criação de protocolos para conter possíveis pandemias.
No presente estudo encontraram-se limitações que devem ser destacadas. Utilizaram-se apenas os números de leitos de UTI disponíveis no Sistema Único de Saúde em todos os estados, não se incluindo os leitos de UTI da rede privada.
A maioria dos trabalhos publicados na literatura são cartas ao editor, a maior parte dos estudos não passou por uma revisão por pares e ainda há poucos trabalhos de revisão e artigos originais sobre a COVID-19 na literatura no período da atual investigação. Outra limitação é que utilizaram-se dados do Censo 2010, pois o IBGE ainda não realizou o Censo 2020 devido à pandemia.
Conclui-se que há a necessidade de uma maior atenção às pessoas que se encontram em vulnerabilidade social no Brasil diante da pandemia. Logo, torna-se essencial a informação e a orientação aos brasileiros vulneráveis, além de ações nas esferas municipal, estadual e federal.
Marcello Henrique Araújo da Silva e Isabella Mendes Procópio contribuíram com a elaboração e o delineamento do estudo; a aquisição, análise e interpretação dos dados; e a redação do manuscrito.
Este estudo foi apoiado por bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Os autores afirmam que não houve conflitos de interesses na execução desta pesquisa.
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