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A Influência de programas de apoio a egressos do sistema prisional na redução da reentrada prisional
A Influência de programas de apoio a egressos do sistema prisional na redução da reentrada prisional
Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 18, núm. 2, pp. 408-430, 2016
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Recepção: 00 Dezembro 2015
Aprovação: 00 Outubro 2016
Resumo: Este estudo tem por objetivo avaliar os resultados do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) na redução dos índices de reentrada prisional dos egressos inscritos pelo Programa em 2010. O estudo de reentrada prisional baseou-se numa amostra composta por 491 indivíduos que se inscreveram no PrEsp em Belo Horizonte, no ano de 2010, na condição de liberados condicionais. As informações foram obtidas por meio de dados secundários oriundos do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional e do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN) do Ministério da Justiça. A metodologia utilizada neste estudo consiste na técnica de Análise de Sobrevivência, que permitiu verificar, além do tempo para reentrada, os seus fatores determinantes a partir de algumas características individuais. Os resultados apontaram um percentual de reentrada prisional de 23%, observado, principalmente, entre os egressos mais jovens e por aqueles que apresentaram antecedentes criminais no momento de inscrição no Programa.
Palavras-chave: Egressos do sistema prisional, Inclusão social, Reentrada prisional.
Abstract: This study aims to evaluate the results of the Programa de Inclusão Social de Egressos do SistemaPrisional (PrEsp) to reduce the rates of prison reentry of former inmates attended the program in 2010. The study of prison reentry was based on a sample of 491 individuals who enrolled in PrEsp in Belo Horizonte, in 2010, provided conditional released. The information was obtained through secondary data and the Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN) of the Ministry of Justice of Brazil. The methodology used in this study is the technique called Survival Analysis has shown beyond time for reentry, their determinants from some individual characteristics factors. Results revealed a prison reentry rate of 23%, observed mainly among younger former inmates and those who had a criminal record at the time of enrollment in the Program.
Keywords: Former Inmates, Social Inclusion, Prison Reentry.
Introdução
A população prisional em todo o mundo apresentou nos últimos 15 anos um crescimento entre 25 e 30%. Esses percentuais são muito superiores aos de crescimento da população mundial, que foi de 20%. (WALMSLEY 2013). No Brasil, segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN) do Ministério da Justiça, nos últimos 14 anos1, a população carcerária mais que duplicou. No ano 2000, havia 232.755 custodiados em todo o país, até junho de 2014, quando essa população atingiu 607.731 pessoas privadas de sua liberdade. Esses números assustadores de encarceramento apontam um crescimento de 160%.
Esse cenário desafia os formuladores de políticas públicas à elaboração de novas estratégias para lidar com o problema da prevenção do crime e da reincidência criminal. Os custos do encarceramento maciço são elevados, há um grande déficit de vagas prisionais, além dos altos índices de reincidência e reentrada nas prisões, atestando a baixa capacidade do sistema prisional em ressocializar ou reeducar criminosos.
Na esteira dos trabalhos que procuram contribuir para o entendimento do fenômeno da reentrada no sistema prisional, ou reincidência criminal, bem como dos fatores associados, experiências distintas entre os países, apresentam impactos bastante diferentes entre os programas na redução de novos encarceramentos.
Pesquisando na literatura indexada, não foram identificados, até o ano de 2013, estudos brasileiros ou de outros países da América Latina que analisassem o impacto de programas destinados aos egressos do sistema prisional na redução das taxas de reincidência ou reentrada prisional. Mesmo a literatura existente sobre experiências em outros países do mundo é bastante discreta.
Diante desse contexto, este estudo se propõe a avaliar os resultados do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), o qual constitui parte de uma Política Estadual de Prevenção à Criminalidade no estado de Minas Gerais, procurando responder aos seguintes questionamentos: Em que medida as ações do PrEsp colaboram para a redução dos índices de reentrada prisional dos egressos inscritos? Quais fatores podem influenciar a ocorrência de novas prisões?
O PrEsp faz parte da Coordenadoria de Prevenção a Criminalidade (CEPEC) da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) e visa à inclusão social de pessoas que passaram pela privação de liberdade por meio de ações que promovam o resgate da cidadania e minimizem os estigmas e privações decorrentes da experiência prisional, minimizando as possibilidades de esses indivíduos reingressarem em atividades consideradas ilícitas. O programa foi criado em 2003 e, atualmente, está presente em 11 municípios do Estado: Belo Horizonte, Betim, Contagem, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Uberaba e Uberlândia, com diversas parcerias e projetos.
A Reincidência sob seus diferentes enfoques
No Brasil, não há dados convergentes, consistentes e confiáveis sobre os índices de reincidência criminal/penitenciária. Como um fenômeno complexo e multifacetado (ADORNO; BORDINI, 1986), a reincidência ainda é objeto de raros estudos no país.
Do ponto de vista jurídico, o Código Penal Brasileiro estabelece a reincidência criminal “quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. (Art.63 do CPB). Essa definição, portanto, já demarca a condenação e, consequentemente, a culpabilidade pelo ato criminoso por parte do reincidente. É importante ressaltar, também, que o Código Penal Brasileiro só considera a nova condenação se esta ocorrer num período inferior a cinco anos2.
Nesse sentido, podemos afirmar que a noção jurídica acerca da reincidência apresenta algumas limitações: não há uma mensuração do fenômeno criminalidade e sim sobre uma nova condenação e retorno à prisão dentro de um período determinado, desconsiderando-se alguns aspectos (sociais, econômicos e institucionais) que permeiam o cometimento de um novo delito. Deste modo, os resultados podem ser subestimados.
O ponto central dessas limitações reside que o conceito repousa em uma sentença condenatória anterior, transitada em julgado. Na sociedade brasileira, a administração de justiça é caracterizada por fundamentos burocráticos, cujo exercício redunda em reconhecida morosidade. As ações criminais transitam pelas instâncias judiciárias por longo período. Quando as decisões são proferidas, é frequente que a definição jurídica do pronunciado não corresponda à sua carreira criminal. Trata-se de um fator que possivelmente subestima o coeficiente de reincidência criminal.
(ADORNO, 1986, p.91)A literatura sobre reincidência contém poucos relatos empíricos, principalmente no que diz respeito à influência de programas dentro e fora das prisões, na redução das taxas.
Adorno e Bordini (1986) se debruçaram sobre a reincidência penitenciária em São Paulo, verificando estreita relação entre a passagem pela prisão e o cometimento de um novo delito, enfocando os liberados da Penitenciária de São Paulo nos anos de 1974 a 1976, tendo constatado um índice de reincidência de 46,03%.
Outro estudo igualmente importante foi realizado por Lemgruber3(1990), que procurou analisar o fenômeno da reincidência no Estado do Rio de Janeiro. O conceito de reincidência utilizado neste estudo foi o proposto por Miotto, “quem tendo cumprido (tal) pena ou (tal) medida de segurança, veio a ser novamente recolhido a estabelecimento penal para cumprir nova pena ou nova medida de segurança” (p. 45). A pesquisa constatou um índice de reincidência de 30,7%, sendo 31,3% para homens e 25% para mulheres. O estudo verificou, também, que a maior parte dos reincidentes tem entre 31 e 40 anos de idade, são majoritariamente negros e pardos e com baixa escolaridade.
Em âmbito internacional, Robinson (1995) avaliou a efetividade do Cognitive Skills Training Program em prisões no Canadá e constatou que 44,5% dos sujeitos que passaram pelo programa foram novamente apreendidos contra 50,1% dos sujeitos que compuseram o grupo controle. O estudo comparou também a efetividade do Programa na redução das taxas de reincidência com os sujeitos que passaram pelo programa dentro e fora das instituições prisionais, utilizando o grupo controle para cada caso. A constatação foi a de que os sujeitos que participaram do Programa na comunidade apresentaram menores taxas de novas condenações em relação ao grupo controle, como também em relação ao grupo que participou do programa dentro da prisão. Os programas comunitários tiveram uma redução de 66,3% de novas condenações e de 39,1% de novas apreensões.
Johnson et al. (1997) realizaram um estudo para mensurar o impacto de programas religiosos na redução das taxas de reincidência, bem como a influência desses programas aos ajustamentos às normas institucionais dos presos, mediante estudo de caso controle. Os estudiosos constataram que não houve uma diferença significativa na redução das taxas de reincidência, como também uma melhor adaptação às regras da prisão na comparação direta entre o grupo caso e o grupo controle. As diferenças só emergiram após o controle do nível de participação no Programa, ou seja, quando o nível de participação nas atividades religiosas era alto, observaram-se taxas de reincidência significativamente inferiores às do grupo controle.
Svensson (2007) estudou o impacto do Cognitive Skills Program na Suécia, verificando que não há uma correlação direta entre a participação no programa e mudança de atitudes dos egressos ou que essas mudanças podem contribuir para minimizar a possibilidades de reingresso em atividades criminosas.
No Reino Unido, Ellis e Shalev (2008) estudaram a redução das taxas de reincidência do Programa Challenge to Change, após dois anos de saída da prisão. A pesquisa concluiu que os sujeitos que participaram do programa apresentaram taxas muitos baixas (35%) de novas condenações do que o esperado, sobretudo para os sujeitos considerados de “médio risco” criminal, que representavam 74% da amostra. O estudo também constatou que 12,8% dos egressos que participaram do programa retornaram à prisão.
Retornando ao cenário nacional, Mariño (2002) procurou inferir se as condições ofertadas na prisão estão relacionadas com a reincidência, que é causada, segundo o mesmo, por três aspectos: condições prisionais, condições socioeconômicas (certos segmentos são alvos de persecução policial e criminal) e tipos de crimes. Por meio de uma análise multivariada da reincidência controlada pelo status socioeconômico e tipo de delito cometido, a pesquisa se debruçou sobre informações de dois conjuntos de dados coletados das unidades prisionais do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1987 a 1995, em que o marco temporal para a mensuração da reincidência foram os dois primeiros anos após a saída da prisão. A pesquisa constatou que, no aspecto relacionado às condições socioeconômicas, o trabalho não qualificado impactou negativamente na reincidência, assim como a questão da raça/cor, ao passo que a religião católica apresentou impacto positivo. No que tange ao tipo de crime, o roubo apareceu como um grande preditor de reincidência. Em relação às condições prisionais, a remuneração a partir do trabalho prisional aparece como um fator relevante: o trabalho remunerado impacta positivamente, enquanto que os trabalhos ditos “rurais” se relacionaram negativamente com a reincidência.
Como outro estudo destaca-se o realizado por Julião (2010), que investigou o impacto dos programas educacionais e laborais executados nas unidades prisionais do Estado de Rio de Janeiro e propôs uma nova definição para entendimento do fenômeno da reincidência: desconsiderar como zero o parâmetro de referência para cálculo das taxas de reincidência, pois qualquer pessoa pode cometer crimes, e muitas pessoas que cometem atos considerados ilícitos nunca foram descobertas.
Sendo assim, Julião (2010) desenvolveu um estudo de caso controle entre os grupos que trabalhavam e/ou estudavam e aqueles que não exerciam nenhuma dessas atividades durante o período em que estavam presos. Ele utilizou como critério a reincidência penitenciária, ou seja, ele considerou como reincidentes somente as pessoas que retornaram à prisão para o cumprimento de uma nova pena. Em seu estudo, ele chegou à seguinte conclusão: a taxa de reincidência penitenciária encontrada na pesquisa foi de 24%. Segundo o autor, o aumento do intervalo de tempo em que o egresso se encontra em liberdade aumenta a probabilidade de reincidência. Por volta de cinco anos, essa taxa pode alcançar 30% dos indivíduos. Quando há a comparação entre trabalho e estudo, observa-se que ambos são relevantes, entretanto constatou-se que o estudo reduz a reincidência em 39%, e o trabalho em 48%. A análise de regressão verificou que ser homem e jovem potencializa as taxas de reincidência.
Cabe também destacar que, em 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em cooperação com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), divulgou uma pesquisa sobre reincidência no sistema penitenciário em cinco estados brasileiros (Alagoas, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro). Para esse estudo, a reincidência foi considerada a partir de sua concepção jurídica determinada pelo Código Penal Brasileiro. Um ponto importante dessa pesquisa não foi somente a mensuração estrita da taxa de reincidência, mas também da influência de iniciativas voltadas à população prisional, orientadas pelas diretrizes de órgãos governamentais como Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e CNJ, bem como da percepção dos diversos atores que compõem o Sistema de Justiça Criminal brasileiro. Constatou-se, nesse estudo, que a taxa de reincidência foi de 24,4%. A inconsistência dos programas, no que toca a gestão, composição das equipes, clareza quanto aos critérios de execução e contraposição entre o que dita a Lei de Execução Penal e as práticas institucionais dificultam a implementação do ideário de ressocialização.
Como vimos, a literatura sobre reincidência criminal contém poucos relatos empíricos, principalmente no que diz respeito à influência de programas de prevenção dentro e fora das prisões na redução das taxas de reincidência. Observa-se que os estudos apresentados utilizam diferentes metodologias para analisar o fenômeno da reincidência criminal e o analisam em diversos contextos: ainda dentro da prisão, na transição do cárcere para a comunidade, e na condição de egressos do sistema prisional. O marco temporal utilizado para a análise também não é uniforme, embora a maioria dos estudos utilize os três primeiros anos após a saída da prisão.
O PrEsp em Belo Horizonte
De acordo com informações coletadas junto à coordenação do PrEsp, em Belo Horizonte, o programa começou a atuar oficialmente em 2006, com algumas atuações pontuais executadas a partir de 2004.
Em 2006, o Programa iniciou a parceria com a Vara de Execução Criminal (VEC) de Belo Horizonte, para que as pessoas que se encontravam em Livramento Condicional e Prisão Domiciliar passassem a se apresentar ao Centro de Prevenção à Criminalidade (CPC) para a assinatura do livro que foi encaminhado pela VEC do município. Segundo a justificativa do PrEsp, objetivava-se, assim, um alcance maior aos egressos, por meio do “Livro de Assinaturas”4 da VEC, possibilitando a eles um atendimento psicossocial e jurídico para atenção às demandas apresentadas. O número de pessoas que passaram a comparecer para as assinaturas aumentou no decorrer do ano de 2008 e, consequentemente, favoreceu o fluxo de atendimentos jurídicos e psicossociais realizados pela Equipe do PrEsp. A partir de 2010, por orientação da supervisão metodológica, todos os egressos que compareciam ao PrEsp para assinatura do livro deveriam ser inscritos no programa. Essa nova orientação ocasionou um aumento estrondoso nos números de inscrições e atendimentos. Contudo, essa obrigatoriedade de inscrição do programa decorrente da assinatura vinculava simbolicamente o PrEsp à Vara de Execuções Criminais de Belo Horizonte.
Quanto ao público atendido, este não difere da população carcerária. Em 2010, ingressaram no programa 3.353 pessoas nos onze municípios de atuação do PrEsp. Só em Belo Horizonte foram inscritas 1.269 pessoas. Nesse universo, pudemos constatar que a grande maioria é do sexo masculino (90%); bastante jovem, concentrando 51,9% dos egressos na faixa etária de 20 a 29 anos; com maior percentual de egressos que se declararam pretos e pardos (61,7%) contra 29,5% que se declararam brancos. Esses números refletem uma realidade muito similar àquela observada quando se trata das vítimas de homicídios no Brasil: desde 2002, verifica-se uma queda significativa do número absoluto de homicídios na população branca e o aumento na população preta ou parda (WAISELFISZ, 2012).
Quando controlada por fatores sociodemográficos, a correlação entre raça e homicídios perde significância estatística. O problema é a questão da raça, isto é, pretos e pardos, no Brasil, são sobre representados nas camadas mais pobres, com níveis elevados de desvantagens sociais, como baixa escolaridade, pouca inserção no mercado formal e mais qualificado, bem como pouco acesso a serviços de proteção social (KILSZTAJN et al. 2005). E isso reflete também no âmbito do sistema prisional como um todo, na medida em que a população com maior vulnerabilidade social, carente de impetrar recursos, consiste em sua maioria na população negra.
Em relação à escolaridade, observa-se que a maioria possui ensino Fundamental Incompleto (54,8%). Em relação à renda familiar, encontramos o maior percentual de egressos que vivem com até dois salários mínimos (22%). Seguindo também a tendência da população carcerária, grande parte dos egressos atendidos pelo PrEsp foi condenada por crimes contra o patrimônio, sobretudo roubo (39%), seguido por tráfico ilícito de drogas (34%). No que se refere à situação jurídica, 51% se encontravam em Regime Aberto (Albergue ou Prisão Domiciliar), 42% em Liberdade Condicional e apenas 4% se encontravam em liberdade definitiva quando se inscreveram no programa.
Metodologia de Estudo
Como vimos, não há uma universalidade no conceito de reincidência e, por isso, utilizaremos a noção de reentrada prisional, incorporada, inclusive, pelo próprio programa, mas que não possui uma definição teórica consensual. Entende-se como reentrada prisional, neste estudo, uma nova prisão que necessariamente não foi decorrente de nova condenação, mas que corresponda ao cometimento de um novo delito após a sua liberação segundo os registros policiais e processuais. O marco temporal utilizado na pesquisa considerou até 3 anos após a liberação do sentenciado e de 2 anos após o ingresso no Programa.
Sendo assim, o presente estudo trata-se de uma avaliação de resultados do PrEsp. Foi definido como efeito principal esperado do programa a não reentrada no sistema prisional em até dois anos após a inscrição no programa. Avaliou-se, ainda, a influência das seguintes variáveis na ocorrência de novas prisões: sexo, idade, escolaridade, antecedentes criminais, raça/cor, tipo de crime e tempo de reclusão anterior à inscrição no Programa.
Uma avaliação de impacto do Programa não pode ser realizada, visto não ter sido possível constituir um grupo controle devido à dificuldade de acesso aos egressos que não realizaram inscrição no PrEsp. Optou-se, todavia, por analisar os dados dos inscritos no programa no ano de 2010, pelo fato de que até esse ano não havia dados sistemáticos e confiáveis acerca do programa. Até então, os relatórios preenchidos continham apenas números absolutos de inscritos (sem identificação), atendimentos e incluídos, bem como dos encaminhamentos feitos à rede de proteção social. Esses dados são coletados durante as entrevistas de primeiro atendimento realizadas pelas equipes do PrEsp e por elas enviados mensalmente à supervisão e coordenação do programa.
A coleta dos dados para a composição da amostra ocorreu da seguinte forma: foi realizada uma pesquisa junto aos inscritos no PrEsp de Belo Horizonte. Dentre um universo de 1.269 pessoas inscritas em 2010, 502 pessoas encontravam-se efetivamente em liberdade condicional no momento da inscrição. Contudo, em 11 casos, o número de INFOPEN não correspondia ao nome do sujeito selecionado e, deste modo, consideramos somente os 491 sujeitos com INFOPEN’s identificáveis. A amostra consiste, portanto, na população prisional que se inscreveu no PrEsp.
Em maio de 2012 foi realizada a pesquisa de reentrada prisional com os inscritos no PrEsp através do INFOPEN. Sendo assim, pudemos identificar se os sujeitos foram presos novamente depois do ingresso no Programa. Nesta pesquisa, os seguintes aspectos foram considerados: data da nova prisão após a inscrição no Programa; se a prisão foi em flagrante; se a pessoa ainda se encontrava reclusa no momento de realização deste estudo; tipo de crime na reentrada; prisões anteriores ao ingresso no programa. Entretanto, não foi possível averiguar a existência de condenação referente a essa nova prisão. Além disso, o preenchimento dessas informações fica sob a responsabilidade de funcionários das unidades prisionais, o que nem sempre ocorre de forma detalhada.
Para análise da reentrada prisional, utilizou-se a Análise de Sobrevivência, que consiste num método estatístico que permite mensurar o tempo de ocorrência de um determinado evento e os fatores que o influenciam.
Sendo assim, essa metodologia possibilitou verificar a ocorrência da reentrada prisional pelos egressos inscritos no PrEsp e os fatores que a influenciaram. A mensuração ocorreu a partir da data ingresso no programa (ao longo do ano de 2010) até a data em que foram consultadas informações sobre a reentrada prisional. Essa consulta foi realizada por meio do sistema de informações penitenciárias (INFOPEN), em maio de 2012. Além disso, a verificação da Reentrada Prisional foi controlada por algumas covariáveis com o intuito de estimar a influência destas na ocorrência de novas prisões. Como já mencionado, as variáveis de controle escolhidas foram sexo, cor, idade, escolaridade, tipo de crime, antecedência criminal, data de saída da prisão, data de inscrição no Programa, nível de “adesão” ao PrEsp e tipo de encaminhamento realizado pelo Programa.
Para a analisar a influência das covariáveis, foi utilizada a Regressão de Cox, que possibilitou a análise de uma ou mais variáveis que podem influenciar o tempo de sobrevivência, mesmo com observações censuradas em uma amostra. A variável dependente na regressão de Cox neste estudo é tempo até a ocorrência da nova prisão após ingresso no PrEsp.
Por sua vez, a variável independente é a Reentrada Prisional, que, como já mencionado, refere-se a uma nova prisão que necessariamente não foi decorrente de nova condenação, mas que corresponda ao cometimento de um novo delito após a sua liberação segundo os registros policiais e processuais
Por fim, utilizou-se também para análise de sobrevivência o método de Kaplan-Meier, que “consiste em dividir o tempo de seguimento em intervalos, cujos limites correspondem ao tempo de seguimento em que houve eventos” (BOTELHO et al., 2009), ou seja, é possível avaliar o ritmo de acontecimentos dos eventos em grupos de estudo distintos ou em diferentes tipos de tratamento aplicado para um mesmo grupo. Deste modo, utilizou-se esse método para demonstrar como se deu a ocorrência de reentrada prisional controlada pelo tipo de adesão ao programa por parte dos egressos que compuseram a amostra ao longo do tempo de observação (meses), como também pelo tipo de encaminhamento (inserção laboral, qualificação profissional, entre outros) realizado pela Equipe Técnica durante os atendimentos aos egressos. Essas informações foram obtidas por meio de consultas às fichas de inscrição de cada egresso atendido pelo Programa.
As limitações encontradas neste estudo referem-se à composição do grupo estudado, que contempla somente os liberados condicionais5 e a imprecisão de algumas informações acerca das reentradas prisionais (tipo de delito, tipo de apreensão, existência ou não de condenação). Além disso, seria interessante que o tempo delimitado para análise da reentrada prisional (dois anos após ingresso no PrEsp) fosse maior do que utilizado neste estudo, o que não foi possível em função do período para o qual existiam dados organizados.
Resultados Obtidos
Constatou-se que 112 pessoas foram presas novamente depois que ingressaram no PrEsp, o que corresponde a 23% do total da amostra. Verificou-se ainda que 97% das pessoas que reentraram na prisão são do sexo masculino. Distribuídos segundo a faixa etária, constatou-se que a maioria (42%) dos sujeitos presos novamente possuía idade de entre 18 a 24 anos, como pode ser observado na Tabela 1:
Na Tabela 1, verifica-se que o percentual de reentrada aumenta à medida que se reduz a idade. Quase 80% das pessoas que foram presas novamente possuíam até 30 anos de idade, demonstrando, assim, a estreita relação entre juventude e criminalidade.
Quanto à influência da cor na reentrada prisional, não se observaram diferenças significativas. Do grupo de pessoas que reentraram, 46% são declaradamente pardas, 33% brancas, 28% pretas e para 4,4% dos casos não havia essa informação. Embora a maioria das pessoas que foram presas novamente tenha se declarado parda, não podemos afirmar que ser pardo influencia negativamente nas taxas de reentrada.
No que diz respeito à escolaridade, também não foram observadas diferenças significativas. Entre as pessoas que foram presas novamente, a grande maioria possui Ensino Fundamental Incompleto (60%).
Conforme podemos observar no Gráfico 1, 23% das pessoas foram presas novamente devido ao crime de roubo, seguido dos crimes de Tráfico de Drogas e Furto. Na Categoria Outros estão os delitos de estelionato, receptação, ameaça, lesão corporal e difamação. Em 33% dos casos não havia essa informação no INFOPEN.
É interessante ressaltar que não foram identificados neste estudo os crimes de homicídio e latrocínio. Uma possível explicação para tal é que 75% das pessoas foram presas em flagrante e, geralmente, esse tipo de prisão ocorre para crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas.
É importante reiterar que um dos objetivos deste estudo foi mensurar o efeito das características dos indivíduos inscritos no programa em 2010 em uma nova prisão que possa ter ocorrido nos dois anos seguintes a sua inscrição. Para tanto, optou-se pelo método de regressão de Cox, em que a variável reposta é dada pela reentrada prisional ao longo do tempo. Ou seja, tomou-se a variável resposta o tempo até a ocorrência da nova prisão controlada pelas seguintes variáveis: sexo, idade, cor, escolaridade, tipo de crime, tempo de reclusão e antecedentes criminais anteriores à inscrição no PrEsp. A adesão ou não ao programa não foi incluída no modelo, porque essa informação só está disponível para a subamostra, que apresentou reentrada prisional, e o modelo de Cox considerou todo o grupo de inscritos no programa (com reentrada ou não no sistema prisional).
Deste modo, por meio da Regressão de Cox, observou-se que somente a idade e os antecedentes criminais apresentaram influência significativa na ocorrência de novas prisões. As estimativas foram obtidas a partir dos valores de Exp (ß) correspondente à última coluna. Sendo assim, coeficientes ß no modelo de Regressão Cox mensuram os efeitos das covariáveis sobre o percentual de falha (ocorrência do evento).
Essas análises nos permitem afirmar que:
Algumas pesquisas apontam que os jovens são os principais atores envolvidos com crimes violentos, seja como autores ou vítimas (WAISELFISZ, 2011). Outros estudos (GREENWOOD, 2002) argumentam que parte dos jovens ingressa na criminalidade ainda na adolescência e, assim, as maiores taxas de detenção para adultos são observadas entre os mais jovens. Além disso, os estudos que tratam das carreiras criminais dos sujeitos sustentam a premissa de que as taxas de criminalidade entre os adultos podem ser explicadas pela idade de ingresso no crime, assim como pelo grau de envolvimento com as práticas delituosas durante a adolescência e juventude.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicados em 2013, apontam que 54,8% do total de apenados no Brasil, em 2012, tinha idade entre 18 e 29 anos. Esse segmento etário está em constante crescimento na população carcerária brasileira e demonstra a necessidade de atentar-se para ações de preventivas que evitem o ingresso de jovens no crime. Com a ocorrência da prisão, a atenção à população jovem também deve ser preconizada durante e após a experiência prisional.
É importante salientar que, neste estudo, não é possível inferir sobre a trajetória criminal dos jovens, considerando que essa informação não era coletada pelo programa durante o primeiro atendimento. O que se coloca ao Programa é a necessidade de maior diálogo com a temática de juventude, para melhor compreensão dos aspectos que perpassam o ingresso desses jovens na criminalidade e a criação de estratégias atrativas que os afastem do crime.
Como foi verificado, o risco de reentrada prisional para os sujeitos da população estudada triplicou para os egressos que possuíam condenações anteriores quando ingressaram no Programa. No universo total, somente 10,9% dos egressos possuíam antecedentes criminais pós-liberação da última prisão, quando se inscreveram no Programa.
A antecedência criminal é um fator determinante para reincidência, segundo alguns estudos (PETERSILIA, 2003; GENDREAU et al. 1996). De acordo com Petersilia (2003), um indivíduo que possui antecedentes criminais, sobretudo por pena restritiva de liberdade, tem maiores chances de reincidir do que aqueles considerados “primários”. Além disso, segundo a autora, as chances de novas prisões vão aumentando à medida que há mais condenações: ter sido condenado à pena de prisão por, pelo menos, uma vez aumenta 41% o risco de nova prisão, com dois registros criminais o percentual aumenta para 48%, com três registros, 55%.
Algumas características negativas são atribuídas a certos indivíduos e\ou grupos que os rotulam como “perigosos”, irrecuperáveis, apresentando, assim, maior propensão ao cometimento de crimes (BECKER, 2008). Na realidade brasileira, tais indivíduos são estigmatizados em decorrência de condições sociais, raça\cor ou etnia, idade, local de moradia e antecedência criminal, tornando-se alvo de intensa vigilância e controle social de forma a “prevenir o crime”. Sendo assim, os jovens, sobretudo das periferias, enquadram-se no estereótipo de “suspeitos sociais” (MISSE, 2014), o que se confirma pelo aumento no contingente de jovens envolvidos com crimes.
Tempo de reentrada como efeito de adesão ao Programa
O Método de Kaplan-Meier possibilita observar de que forma a ocorrência do evento se deu, durante o período de observação, quando o grupo estudado está submetido a um dado tratamento. Neste estudo, esse método permitiu analisar o ritmo das ocorrências de novas prisões quando o grupo foi submetido a um tratamento que, no caso, foi “Adesão ao Programa” e “Encaminhamentos”.
A seguir, apresentamos as Curvas de Kaplan – Meier, utilizando o critério de Adesão ao Programa como Tratamento 1. Nota-se que as curvas são apresentadas em forma de escada, na qual cada “degrau” corresponde à ocorrência do evento. Quando o tamanho da amostra ou população é maior, esses “degraus” são menores, e as curvas ficam com um traço mais delineado (BOTELHO et al., 2009).
Como podemos observar, as curvas nos mostram a frequência da ocorrência da reentrada prisional a partir da data de ingresso no Programa, que é o Tempo até a segunda prisão em meses. Percebemos que, na curva referente ao grupo que não aderiu ao Programa, há mais degraus, ou seja, há mais reentradas na prisão. É importante salientar que, dentre as 112 pessoas que reentraram, 83 compareceram apenas para inscrição e nunca mais retornaram ao programa para atendimento, o que corresponde a 73% do total de pessoas que foram presas novamente.
Na análise das fichas dos egressos que reentraram na prisão, observou-se que a grande maioria foi encaminhada para os serviços da rede de proteção social e para cursos profissionalizantes. Em menor frequência, alguns desses egressos foram encaminhados para vaga de emprego. No entanto, grande parte das fichas já se encontrava no Arquivo Morto do Programa. Diante desses achados, podemos supor duas situações:
Os egressos compareceram a apenas um atendimento, pois entenderam que a inscrição era uma obrigatoriedade da execução da pena, já que o protocolo exige que compareçam ao Programa para assinatura do Livramento Condicional. Sendo assim, eles não encaravam o PrEsp como um espaço de acesso a direitos e cidadania e sim como uma instância burocrática que regula a pena como Fórum, Polícia, Oficiais de Justiça, entre outros.
A não adesão ao Programa pode ser explicada pelo fato de que, embora o egresso conhecesse as ações e serviços ofertados pelo Programa, não tinha interesse em aderir, seja porque não era de sua vontade se distanciar do crime, seja pelo fato de que suas necessidades ou demandas, quando existentes, foram atendidas de outras maneiras (apoio familiar, comunitário e institucional).
O efeito da rede de proteção social no tempo de reentrada
Outra análise também foi realizada pelo Método de Kaplan – Meier com o objetivo de verificar se há alguma relação significativa entre encaminhamentos à rede de proteção social, ao mercado de trabalho, a cursos de qualificação e à redução das taxas de reincidência. De acordo com alguns estudos (SHINKFIELD; GRAFFAM, 2009; PETERSILIA, 2003; CLEAR; DAMMER, 2003), os entraves impostos aos egressos do sistema prisional, como dificuldades de acesso aos bens e serviços, baixa inserção no mercado de trabalho, pouca ou quase nenhuma escolaridade e qualificação profissional colaboram para a ocorrência da prática de novos crimes. Sendo assim, procuramos analisar em que medida há a associação da possibilidade de acesso a trabalho, qualificação e direitos sociais e não envolvimento como crime.
A Figura 2 apresenta a frequência de novas prisões a partir dos tipos de encaminhamentos realizados nos atendimentos. Esses encaminhamentos referem-se, principalmente, à rede de proteção social para confecção de documentação, rede de assistência social, encaminhamentos para cursos de qualificação profissional, trabalho e rede de educação.
Na Figura 2, observamos que não há diferenças significativas na frequência de ocorrência de novas prisões entre aqueles egressos que foram encaminhados para algum serviço e aqueles que não foram encaminhados. Embora a maioria dos egressos que foi presa novamente tenha sido encaminhada para algum tipo de trabalho, não podemos assegurar se, por meio do programa, o egresso concluiu algum curso, se matriculou na escola, retirou a segunda via da documentação, entre outros. Não há um acompanhamento sistemático das pessoas encaminhadas para cursos profissionalizantes, e demais ações no interior do programa. Somente na ação de inserção laboral através do Projeto Regresso ocorre o acompanhamento do egresso desde o encaminhamento, contratação até a demissão, se for o caso. Contudo, esse programa ainda não foi submetido à avaliação.
Além disso, a grande maioria dos egressos que reentrou na prisão participou de apenas um atendimento no Programa, o que nos permite supor que esses encaminhamentos foram realizados nesse primeiro momento. Sendo assim, não houve retorno para assegurar a efetividade do encaminhamento.
Gendreau et al. (1996) realizaram um estudo para determinar quais características dos egressos constituem fatores que podem influenciar na reincidência. Eles categorizaram como “risco de reincidência”, correlacionando com fatores estáticos como idade, sexo, gênero, antecedentes criminais e fatores dinâmicos, como os valores e comportamentos que podem ser mutáveis e alvos de intervenção de programas. Para os pesquisadores, o desenho de um programa efetivo aos egressos é altamente dependente do conhecimento dos fatores que podem levar à reincidência.
É importante considerar se esses indicadores realmente refletem a reincidência como prática de um novo delito por parte dos egressos ou se são fruto de uma maior diligência por parte da polícia, já que egressos do sistema prisional são constatemente estigmatizados como criminosos irrecuperáveis e, por isso, estão sob o olhar atento da polícia e da sociedade em geral.
A realidade de grande parte das políticas de segurança pública no Brasil apresenta dificuldades de estabelecer objetivos e metas bem definidas, além de não possuírem instrumentos de coleta de dados confiáveis, e carecem de monitoramento e avaliação (BEATO, 1999).
Considerações finais
Ao sair do sistema prisional, o egresso retorna ao convívio social, seja para o retorno ao crime, seja para tentar se adequar às expectativas da sociedade: disposição para o trabalho lícito, profissionalização, cumprimento rigoroso das imposições inerentes ao cumprimento da pena e consequente afastamento do crime e das drogas.
Os programas destinados a egressos do sistema prisional existentes no Brasil assumem a responsabilidade de “ressocialização” ou “reintegração social”, que deveriam ser garantidas ainda na prisão, por meio de ações como atendimento psicossocial e jurídico, qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho.
O Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) atua exatamente nessa lógica. Como parte integrante de uma Política Estadual de Prevenção à Criminalidade do Estado de Minas Gerais, o PrEsp procura, em certa medida, “dar conta” das vulnerabilidades sociais e estigmas decorrentes do aprisionamento e, também, prevenir socialmente a violência e o crime.
Entretanto, o programa enfrenta obstáculos para obter adesão efetiva dos egressos às suas ações e para monitorar o desempenho dos egressos aderidos. Reconhece-se ainda que a inserção no mercado de trabalho, considerada a ação de maior poder integrador à vida social, esbarra em dificuldades, como a pouca oferta de oportunidades de trabalho para os egressos. Quase de regra, esse público tem baixo nível de escolaridade e habilitação profissional e é perseguido pelo estigma. A experiência do PrEsp de inserção no mercado de trabalho demonstra que tais características respondem pelos baixos salários dos empregos oferecidos (principalmente quando comparados às expectativas de renda de algumas atividades ilegais), o que, muitas vezes, constitui um desestimulo à adesão às poucas ofertas de emprego no mercado formal de trabalho.
As dificuldades em garantir efetivo apoio psicossocial (incluindo acesso à renda mínima) para reconstrução de vínculos familiares, cuidados com a saúde (principalmente tratamento de transtornos mentais), complementação de escolaridade, formação profissional etc. tornam bastante incerto o sucesso desse tipo de programa, que se coloca como uma forma de prevenção terciária tardia da reentrada no sistema prisional por meio da redução de vulnerabilidades e fatores de risco, que, idealmente, deveriam ter sido abordados antes ou durante o aprisionamento.
O PrEsp, desde sua implantação, não conseguiu verificar o seu real impacto na redução dos índices de reincidência. Em parte, isto se deve à não previsão, quando da formulação, planejamento e implementação do programa, de recursos orçamentários para a sua avaliação. Esse fato é bastante comum na implementação de políticas públicas de segurança no Brasil, constituindo uma grande fragilidade de muitos programas de prevenção implementados.
A despeito de esta pesquisa ter se debruçado somente na análise dos resultados do programa no município de Belo Horizonte, seus achados contribuem para a discussão do problema da reentrada prisional no cenário brasileiro.
O percentual de reentrada prisional de 23%, verificado na população estudada, se comparado às estatísticas brasileiras (sem fonte oficial) que apontam taxas de 70% de reincidência, mostra-se muito aquém do esperado, ainda que semelhante a outros estudos, mencionados neste artigo.
O desenho deste estudo não nos permitiu inferir quais seriam os percentuais de reentrada no sistema prisional daqueles que não tiveram oportunidade de se inscrever e serem acompanhados pelo PrEsp, uma vez que não foi possível realizar um estudo experimental com o grupo controle.
Os fatores que demonstraram influência significativa na reentrada prisional encontrados nesta pesquisa, como ser jovem e ter antecedentes criminais, sinalizam a necessidade de o programa se debruçar mais sobre a temática da juventude para melhor compreender os aspectos que perpassam o ingresso desses jovens na criminalidade e para criar estratégias atrativas que os afastem do crime. No que tange aos antecedentes criminais, é importante que se leve em consideração a trajetória de vida dessas pessoas no que diz respeito ao envolvimento com o crime, suas relações comunitárias e familiares.
Além disso, é importante considerar que o indivíduo egresso do sistema prisional carrega consigo representações produzidas pela prática das instituições do sistema de justiça criminal e a moralidade pública, então, a esse sujeito se apresenta uma reação moral muito mais contundente: como argumentos em defesa da sua eliminação, incapacitação e maior controle das instâncias do sistema de justiça criminal.
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Notas