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Importância da autoconsciência na percepção de déficits em pacientes com AVC
Andressa Aline Vieira; Paulo Jhonny Scheleder da Costa Rosa; Marcos Christiano Lange;
Andressa Aline Vieira; Paulo Jhonny Scheleder da Costa Rosa; Marcos Christiano Lange; Ana Paula Almeida de Pereira
Importância da autoconsciência na percepção de déficits em pacientes com AVC
Importancia de la autoconsciencia en la percepción de déficits en pacientes con AVC
Importance de la conscience de soi dans la perception des déficits chez les patients atteints d'AVC
Importance of self-awareness in the perception of deficits in patients with stroke
Revista Neuropsicologia Latinoamericana, vol. 13, núm. 3, pp. 1-14, 2021
Sociedad Latinoamericana de Neuropsicología
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Resumo: O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a segunda maior causa de mortalidade no mundo. Além de causar sequelas físicas e cognitivas ao paciente, o AVC pode contribuir para o aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos, geralmente no primeiro ano pós-AVC. O objetivo deste estudo foi realizar uma análise da autoconsciência sobre os déficits ocasionados pelo AVC, e a sua possível relação com a presença de sintomas ansiosos e depressivos. Foi realizado um estudo descritivo e transversal a partir da coleta de variáveis relacionadas à autoconsciência e à presença de sintomas ansiosos e depressivos. A amostra contou com a presença de 71 pessoas que tiveram AVC, com idade entre 18 e 60 anos e atendidas em um centro de referência público do sul do Brasil. Foram aplicados instrumentos para a avaliação da autoconsciência, para a verificação da presença de sintomas ansiosos e depressivos e para o rastreio de declínio cognitivo. Foi possível confirmar que há uma ligação entre fatores ansiosos/depressivos e a presença de déficits na autoconsciência. Ou seja, quanto mais ansioso o participante era, menor era a sua autoconsciência dos déficits que possuía. Aproximadamente cerca de 63% da amostra também apresentou declínio cognitivo leve que pode influenciar em aspectos da autoconsciência. Esta pesquisa contribuiu para a análise de fatores relacionados à autoconsciência e ao surgimento de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes pós-AVC. Os resultados encontrados podem auxiliar de forma efetiva na elaboração de planos de reabilitação melhor adaptados à realidade desses pacientes, o que facilita a prevenção e a promoção da saúde.

Palavras-chave: AVC, autoconsciência, ansiedade, depressão.

Resumen: El Accidente Vascular Cerebral (AVC) es la segunda causa de mortalidad en el mundo. Además de causar secuelas físicas y cognitivas al paciente, el AVC puede contribuir a la aparición de síntomas ansiosos y depresivos, generalmente en el primer año después del AVC. El objetivo de este estudio fue realizar un análisis de la autoconciencia sobre los déficits causados por el AVC, y su posible relación con la presencia de síntomas ansiosos y depresivos. Se realizó un estudio descriptivo y transversal a partir del estudio de variables relacionadas con el autoconocimiento y la presencia de síntomas ansiosos y depresivos. La muestra incluyó a 71 personas que habían sufrido un ictus, con edades comprendidas entre los 18 y los 60 años y que acudieron a un centro público de referencia en el sur de Brasil. Se aplicaron instrumentos para la evaluación de la autoconciencia, para verificar la presencia de síntomas ansiosos y depresivos y para detectar el deterioro cognitivo. Se pudo confirmar que existe una relación entre los factores ansiosos/depresivos y la presencia de déficits de autoconciencia. De esta forma, cuanto más ansioso estaba el participante, menor era su autoconciencia de los déficits que tenía. Aproximadamente el 63% de la muestra también mostraba un deterioro cognitivo leve que puede influir en aspectos de la autoconciencia. Esta investigación contribuyó al análisis de los factores relacionados con la autoconciencia y la aparición de síntomas ansiosos y depresivos en pacientes después del AVC. Los resultados encontrados pueden ayudar eficazmente a la elaboración de planes de rehabilitación mejor adaptados a la realidad de estos pacientes, lo que facilita la prevención y la promoción de la salud.

Palabras clave: AVC, autoconsciencia, ansiedad, depresión.

Résumé: L'accident vasculaire cérébral est la deuxième cause de mortalité dans le monde. En plus de provoquer des séquelles physiques et cognitives chez le patient, l'AVC peut contribuer à l'apparition de symptômes anxieux et dépressifs, généralement au cours de la première année suivant l'AVC. L'objectif de cette étude était de réaliser une analyse de la conscience de soi concernant les déficits causés par l'AVC, et de sa relation possible avec la présence de symptômes anxieux et dépressifs. Une étude descriptive et transversale a été réalisée à partir de la collecte de variables liées à la conscience de soi et à la présence de symptômes anxieux et dépressifs. L'échantillon comprenait 71 personnes ayant subi un accident vasculaire cérébral, âgées de 18 à 60 ans et suivies dans un centre de référence public du sud du Brésil. Des instruments ont été appliqués pour l'évaluation de la conscience de soi, pour vérifier la présence de symptômes anxieux et dépressifs et pour dépister le déclin cognitif. Il a été possible de confirmer qu'il existe un lien entre les facteurs anxieux/dépressifs et la présence de déficits de conscience de soi. En d'autres termes, plus le participant était anxieux, moins il était conscient des déficits qu'il possédait. Environ 63% de l'échantillon présentait également un léger déclin cognitif qui peut influencer certains aspects de la conscience de soi. Cette recherche a contribué à l'analyse des facteurs liés à la conscience de soi et à l'émergence de symptômes anxieux et dépressifs chez les patients post-CVA. Les résultats trouvés peuvent effectivement aider au développement de plans de réhabilitation mieux adaptés à la réalité de ces patients, ce qui facilite la prévention et la promotion de la santé.

Mots clés: AVC, conscience de soi, anxiété, dépression.

Abstract: Stroke is the second leading cause of mortality in the world. In addition to causing physical and cognitive sequelae to the patient, stroke can contribute to the appearance of anxious and depressive symptoms, usually in the first year after stroke. The aim of this study was to carry out an analysis of self-awareness about the deficits caused by stroke, and their possible relationship with the presence of anxious and depressive symptoms. A descriptive, cross-sectional study was carried out based on the collection of variables related to self-awareness and the presence of anxious and depressive symptoms. The sample included the presence of 71 people who had a stroke, aged between 18 and 60 years and attended at a public referral center in southern Brazil. Instruments were used to assess self-awareness, to check for the presence of anxious and depressive symptoms and to screen for cognitive decline. It was possible to confirm that there is a link between anxious / depressive factors and the presence of deficits in self-awareness. That is, the more anxious the participant was, the lower his self-awareness of the deficits he had. Approximately 63% of the sample also showed mild cognitive decline that can influence aspects of self-awareness. This research contributed to the analysis of factors related to self-awareness and the appearance of anxious and depressive symptoms in post-stroke patients. The results found can effectively assist in the elaboration of rehabilitation plans better adapted to the reality of these patients, facilitating prevention and health promotion.

Keywords: stroke, self-awareness, anxiety, depression.

Carátula del artículo

Importância da autoconsciência na percepção de déficits em pacientes com AVC

Importancia de la autoconsciencia en la percepción de déficits en pacientes con AVC

Importance de la conscience de soi dans la perception des déficits chez les patients atteints d'AVC

Importance of self-awareness in the perception of deficits in patients with stroke

Andressa Aline Vieira
Universidade Federal do Paraná, BrasilBrasil
Paulo Jhonny Scheleder da Costa Rosa
Universidade Federal do Paraná, BrasilBrasil
Marcos Christiano Lange
Universidade Federal do Paraná, Brasil, Brasil
Ana Paula Almeida de Pereira
Universidade Federal do Paraná, BrasilBrasil
Revista Neuropsicologia Latinoamericana, vol. 13, núm. 3, pp. 1-14, 2021
Sociedad Latinoamericana de Neuropsicología

Recepción: 28 Noviembre 2019

Aprobación: 27 Diciembre 2021

1. INTRODUÇÃO

O acidente vascular cerebral (AVC) pode ser classificado como: isquêmico – responsável por 80% a 85% – ou hemorrágico, o qual apresenta menor taxa de acometimento, porém, maior letalidade. A perda regional do fluxo sanguíneo cerebral devido à vasculatura cerebral estenótica ou ocluída causa um AVC isquêmico. Já a ruptura da vasculatura cerebral gera um AVC hemorrágico (Mehndiratta et al., 2015).

O acometimento de um AVC pode estar relacionado a fatores alimentares, doenças cardíacas, diabetes, uso de álcool e drogas, estresse e o uso de anticoncepcionais. De acordo com dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018, o AVC foi responsável por 11,7% das mortes no mundo no ano de 2015. Estima-se que até 2030 o AVC será responsável por 8,5 milhões de mortes a nível mundial. Os dados presentes na categoria “Acidente Vascular Cerebral não Especificado como Hemorrágico ou Isquêmico” do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde brasileiro (DATASUS) mostram que houve um crescente aumento no número de casos por ano – cerca de 6% a 15%. No Brasil, em torno de 146 mil casos de AVC são atendidos por ano.

Em 2018, o tratamento hospitalar do AVC apresentou um custo médio de R$ 169.882.506,02 aos cofres públicos, segundo dados do DATASUS alimentados pelos dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde do Brasil (SIH/SUS). Além do tratamento hospitalar, Reis (2015) aponta que o custo mensal indireto para o Estado com o tratamento, internamento, auxílio-doença e/ou aposentadoria precoce, em um adulto em idade produtiva (18 a 59 anos), é de R$ 8.784,00. Já para pacientes fora dessa faixa de idade o custo mensal passa a ser de R$ 1.613,00. Isso se deve à perda da produtividade e do tempo de afastamento para reabilitação e reinserção social.

O AVC pode gerar sequelas físicas e cognitivas que interferem na qualidade de vida da pessoa. A maneira como o paciente percebe o seu tratamento médico/clínico e sua reabilitação, bem como a sua adesão ao que lhe é oferecido, perpassa pelo modo como percebe essas dificuldades em sua vida. Outro fator importante seria o quanto os déficits dificultam a realização de suas atividades diárias. A autoconsciência em relação aos déficits pós-AVC permeia a eficácia das intervenções (Ferreira et al., 2015).

De acordo com Nascimento & Roazzi (2013), a autoconsciência nasce da interação da pessoa com o ambiente, por meio da interação social e do processo da linguagem. Conforme a pessoa fala sobre si, suas experiências e sentimentos, ela constrói a ideia de quem ela é, de quais crenças e regras deve ou não seguir. Com isso, ao emitir um comportamento, o meio devolve a ela um feedback sobre suas ações, o que pode confirmar se as regras, crenças e sentimentos internalizados estão adequados. Além disso, o meio ao qual se está inserido atua como uma forma de expansão da autoconsciência e seus padrões internalizados na construção do autoconceito/autoimagem sobre si e as pessoas à sua volta (Nascimento & Roazzi, 2013).

DaSilveira et. al. (2015) relatam que a autoconsciência pode ser entendida como um processo contínuo de aprendizagem dos sentimentos internos e externos. O sentimento externo está relacionado a crenças que se tem sobre o que outras pessoas podem pensar sobre si. Já o sentimento interno se refere a crenças internas que cada pessoa possui em relação a si mesmo. Há muitos modelos que definem a autoconsciência, porém, o mais aceito propõe que a autoconsciência é um processo que envolve várias áreas cerebrais. Danos após uma lesão encefálica podem ocasionar uma inadequada consciência do corpo e das capacidades autorreflexivas como sensação, percepção ou da compreensão de sua doença e dos déficits relacionados a ela (Ionta et al., 2013; Sollberger et al., 2014).

Os estudos de Barrett et. al. (2014) apontam que 73% dos sobreviventes de AVC podem apresentar algum tipo de déficit cognitivo nos primeiros meses de recuperação. Saber identificar os déficits de autoconsciência é de suma relevância, pois, ao não perceber o seu déficit, a pessoa acaba se expondo a riscos à sua integridade física, como quedas. Além disso, há um aumento na evasão de tratamentos médicos e de reabilitação e o paciente acaba por não fazer um controle adequado sobre as medicações que se deve tomar, o que eleva as chances de ocorrer um novo episódio do AVC (Barrett et al., 2014; Dai et al., 2014).

Outro fator comum pós-AVC é o aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos durante o primeiro ano da ocorrência do evento. Os estudos de Galligan et al., (2016) indicam que pessoas com história pregressa de sintomas ansiosos têm uma maior chance de voltar a apresentá-los após o AVC. Porém, o mesmo não foi observado para sintomas depressivos. As pesquisas também indicam que há uma prevalência maior de pessoas com sintomas depressivos após o AVC do que ansiosos. Os motivos podem ser muitos: dificuldades no convívio familiar, lenta recuperação dos déficits motores, preocupações com questões financeiras, medo de não voltar a ter uma vida funcional ou ficar dependente de cuidados, isolamento social (Arba et al., 2016; Broomfield et al., 2014; Galligan et al., 2016).

Besharati et. al. (2014) realizaram um estudo com pacientes após AVC com anosognosia em hemiplegia. Com o decorrer das sessões para conscientização do déficit, os autores perceberam que, conforme a percepção da imobilidade do membro aumentava, também passou a ser perceptível o aparecimento de sintomas depressivos. Sabe-se que a conscientização do déficit se faz necessária a fim de evitar que a pessoa se exponha a riscos desnecessários devido ao desequilíbrio motor presente na hemiplegia e ao abandono de tratamento medicamentoso e de reabilitação. Porém, devese também ter em mente estratégias que visem à prevenção do aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos (Besharati et al., 2014; Dai et al., 2014).

DaSilveira et al. (2015) relatou que os níveis de consciência sobre como a pessoa percebe a sua vida – de acordo com as regras internalizadas e externalizadas – podem estar ligados ao sofrimento psicológico (paradoxo da autoconsciência). Em outras palavras, quanto mais consciência a pessoa tem sobre sua condição biopsicossocial, maior pode ser o seu sofrimento psicológico.

Por outro lado, a falta de consciência de um déficit pode colocar em risco a integridade física dos pacientes, comprometer o tratamento clínico e aumentar as chances de evasão da reabilitação, uma vez que o paciente não percebe a necessidade de fazê-los, logo abandona-os (Barrett et al., 2014; Dai et al., 2014; Hsu et al., 2014). Portanto, o objetivo deste estudo foi realizar uma análise da autoconsciência de pacientes sobre os déficits ocasionados pelo AVC, e a sua possível relação com a presença de sintomas ansiosos e depressivos.

2. MÉTODO

A presente pesquisa consistiu em um delineamento descritivo/correlacional de variáveis relacionadas à autoconsciência e à presença de sintomas de ansiedade e depressão em um grupo de 71 pessoas pós-AVC. O conceito de autoconsciência, neste estudo, foi operacionalizado pela sua ligação com os déficits físicos que a pessoa após o AVC apresentava no momento da avaliação e o quanto ela tinha conhecimento de sua limitação.

2.1 Participantes

Esta pesquisa contou com 71 pessoas (idade entre 18 e 60 anos) que sofreram AVC e tiveram diagnóstico de hemiplegia, com confirmação da ocorrência do evento por meio de tomografia computadorizada. Os pacientes foram atendidos em um centro de referência público em AVC na região de Curitiba/PR, no Brasil, entre o período de 07/08/2017 a 30/04/2018.

Cada paciente foi submetido à avaliação neuropsicológica apenas uma única vez, sendo que esta poderia acontecer em dois momentos: 48 horas após o internamento ou durante as consultas ambulatoriais. Cada paciente era acompanhado no ambulatório pela equipe médica 30 dias após a alta hospitalar, 3 meses, 6 meses e 1 ano após o acometimento do AVC. As avaliações neuropsicológicas realizadas durante o internamento hospitalar ocorreram após a estabilidade do quadro clínico ou após as 48 horas do início do internamento, quando já estavam instalados os déficits motores.

Ressalta-se que foram excluídos da amostra pacientes em estado de delirium, rebaixamento do nível de consciência, histórico de esquizofrenia, transtornos psicóticos e canhotos.

2.2 Instrumentos

A aplicação dos instrumentos foi realizada entre agosto de 2017 e março de 2018. Foram aplicados em uma única sessão: uma entrevista semiestruturada, o Questionário de Autoconsciência proposto por Sherer et. al. (1998), a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (Escala HAD) utilizada por Botega et. al. (1995) e o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) validado por Sarmento (2009). Os pacientes afásicos apresentavam afasia de condução e foram avaliados com o auxílio de comunicação alternativa (escrita, prancha de comunicação, gestos, cartões com frases prontas).

Entrevista semiestruturada

Este modelo de entrevista consistiu em um roteiro para a obtenção de dados focados nos objetivos da pesquisa. O questionário foi adaptado pelos pesquisadores e contou com 25 questões, as quais avaliavam o histórico de vida do participante. Por meio dele foi possível listar alguns dados sobre a rotina da pessoa e seus autocuidados antes e depois do AVC. A partir de perguntas fechadas, o participante deveria escolher uma ou mais respostas entre as ofertadas (múltipla escolha). Para algumas perguntas, foi solicitado ao participante que justificasse a sua resposta (Mestre et al., 2009; Blanchet & Linhares 2009). Após a autorização da autora, o questionário foi revisto e adaptado ao contexto do paciente pós-AVC para ser utilizado nesta pesquisa. Com isso, foi possível não só fazer a caracterização da amostra da pesquisa, de acordo com os dados sociodemográficos coletados, como também lançar mão de métodos estatísticos descritivos para explorá-la.

Questionário de autoconsciência (QA)

O QA avalia a percepção que a pessoa possui sobre seus déficits para desenvolver atividades de vida diária. Com ele buscou-se avaliar a autoconsciência do paciente sobre seus déficits e o quanto isso influenciava a sua vida. O questionário composto por 17 itens foi aplicado tanto para o participante quanto para seu cuidador principal.

Durante a aplicação, solicitou-se ao paciente e ao seu familiar/cuidador principal que comparassem a situação daquele antes e depois do AVC em diversas situações, sendo atribuídas notas de 1 a 5 na escala Likert, quais sejam: 1 = bem pior; 2 = pior; 3 = igual a antes do AVC; 4 = melhor; e 5 = bem melhor. O resultado foi obtido a partir do cálculo da discrepância entre o resultado das respostas da família e do paciente. Quanto maior for a discrepância, maiores são os indícios da presença de déficits na autoconsciência.

As respostas de cada um dos questionários foram analisadas para verificar se o participante e seu familiar possuíam a mesma visão sobre a autoconsciência do paciente. As 17 questões de ambos os questionários foram dispostas de modo aleatório, sendo a autoconsciência analisada de três formas: cognição (7 frases), comportamento/afetividade (6 frases) e sensório motor (4 frases). Tanto a correção quanto a análise dos resultados seguiram o modelo proposto por Sherer et. al. (1998).

Escala hospitalar de ansiedade e depressão (Escala HAD)

A Escala HAD é utilizada para o rastreio da presença de sintomas ansiosos e/ou depressivos no participante. Ela é formada por 14 itens, sendo sete para avaliar a presença de sintomas ansiosos e sete para sintomas depressivos. Além disso, a aludida escala apresenta como ponto de corte 8 para ansiedade e 9 para depressão (Botega et al., 1995). A pontuação foi realizada por meio da escala Likert variando de 0 a 3 pontos. Caso o resultado geral indicasse valores entre 0 e 7, eram considerados como improváveis para a presença de sintomas de ansiedade e depressão; de 8 a 11 possível, como questionável ou duvidosa; e de 12 a 21 pontos como provável. Nesta pesquisa preferiu-se analisar as questões que avaliavam as variáveis ansiedade e depressão de forma isolada. Desta forma, buscou-se garantir um poder maior de análise e correlação com a variável autoconsciência dos déficits (Botega et al., 1995).

Montreal cognitive assessmen (MoCA)

O MoCA é um teste muito utilizado em pesquisas de AVC devido à sua fácil aplicação e ao bom rastreio nos seguintes domínios cognitivos: funções executivas, linguagem, orientação, cálculo, abstração, memória, habilidades visuoconstrutivas, atenção alternada e concentrada, sendo sensível ao declínio cognitivo leve nas mais diversas doenças tanto na fase crônica quanto na fase subaguda (Cumming et al., 2011;Geubbels et al., 2015).

O MoCA possui pontuação máxima de 30 pontos. O teste é composto por 12 atividades que avaliam 8 domínios: I) Visuoespacial/Função Executiva (Teste de Trilhas B, cópia do desenho de um cubo e desenho do relógio); II) Nomeação de três animais não familiares; III) Memória (repetição de 5 palavras duas vezes para garantir o aprendizado dos termos); IV) Atenção (repetição de números em ordem direta e indireta, sinalização ao ouvir uma letra específica (letra A) entre outras letras faladas, por fim, subtração simples); V) Linguagem (repetição de uma frase complexa; fluência verbal (falar em um minuto o maior número possível de palavras com a letra F); VI) Abstração (reconhecer a semelhança entre dois objetos); VII) Evocação tardia (lembrar das palavras memorizadas no início do teste); e VIII) Orientação: localização em tempo e espaço. O teste acrescenta um ponto para as pessoas com 12 anos ou menos de escolaridade, a fim de reduzir diferenças educacionais na amostra (Freitas et al., 2010; Sarmento, 2009).

A Tabela 1 resume os instrumentos que foram utilizados, a sua estrutura e a variável analisada por cada um deles. A escolha dos instrumentos se deu em função das variáveis que influenciam uma avaliação psicológica em AVC.

2.3 Procedimentos

Os participantes foram encaminhados para avaliação neuropsicológica pela Unidade de Tratamento de Acidente Vascular Cerebral do hospital de referência, e, pelo Ambulatório de Neurologia, que realizava o acompanhamento médico periódico dos pacientes após o AVC. Os pacientes da Unidade de Acidente Vascular Cerebral estavam internados e foram avaliados a partir de 48 horas do acometimento do acidente. Todos os participantes da pesquisa foram avaliados uma única vez entre o período de agosto de 2017 a abril de 2018.

A avaliação foi agendada com os participantes que estavam sendo acompanhados no ambulatório para que ocorresse no mesmo dia da consulta médica. Já no caso dos participantes que estavam internados, houve o acompanhamento do quadro clínico por meio dos relatos médicos evoluídos no prontuário do paciente. Após 48h da entrada na Unidade de AVC e/ou com a estabilidade do quadro clínico evoluído pela equipe médica, o paciente era convidado a participar da pesquisa. Também era comunicado o horário de avaliação para a equipe de enfermagem, para que não houvesse a interrupção da avaliação e nem dos cuidados necessários para a recuperação do participante. A aplicação dos instrumentos teve o tempo de duração entre 30 e 40 minutos.

Tabela 1
Instrumentos utlizadoz na pesquisa de acorde com a variável analisada

Nota: A coluna ""Variável corresponde a variável analisada pelo instrumento. a coluna "Estrutura" corresponde ao como o instrumento foi organizado ou dividido de acordo com os autores de cada instrumento.

2.4 Análise de dados

Inicialmente foi realizado um estudo descritivo e exploratório dos dados por meio do cálculo de medidas de tendência central e da verificação de normalidade a partir do teste de Kolmogorov-Smirnov (Kolmogorov, 1933). Na sequência, foi realizada uma análise item a item do QA com vistas a captar possíveis divergências entre os níveis de autoconsciência do paciente e de sua família em relação aos déficits pós-AVC. Nesse sentido, lançou-se mão não só de ferramentais gráficos como também de testes estatísticos não paramétricos. Os cálculos descritivos, gráficos e testes estatísticos de correlação e associação foram realizados por meio do software R 3.4.1.

Teste Kolmogorov-Smirnov (KS)

Além de a escala Likert das questões do QA possuir natureza discreta ordinal, os valores que a compõem geralmente não são normalmente distribuídos, pois há um limite tanto à esquerda (1) quanto à direita (5) dos valores possíveis. Contudo, a título de confirmação, decidiu-se por aplicar o teste de KS na fase exploratória de dados com vistas a dar um direcionamento aos testes estatísticos de comparação.

Segundo Chakravarti et. al. (1967), o aludido teste é utilizado para decidir se uma amostra provém de uma população com uma distribuição estatística específica. Ele é baseado na função de distribuição acumulada (FDA) empírica dos dados. Portanto, dado N observações ordenadas Y1,Y2,…,YN, a FDA é definida pela equação abaixo, sendo n(i) o número de observações cujos valores são menores que Yi (ordenados do menor para o maior valor).

FDA N = n ( i ) N

Sendo assim, no teste de KS é computada a distância máxima entre a FDA empírica (da amostra) e a FDA de uma distribuição específica que se deseja testar. A estatística de teste (D) é definida a partir da equação abaixo, sendo F a FDA da distribuição que está sendo testada.

D = max 1 i N ( F ( Y i ) i 1 N , i N F ( Y i ) )

Neste estudo, buscou-se avaliar se os dados sob análise provêm de uma população com distribuição Normal a partir do teste de KS. Para tanto, as hipóteses nula (H0) e alternativa (Ha) do teste foram fixadas da seguinte maneira:

H0: os dados provêm de uma população com distribuição Normal

Ha: os dados não provêm de uma população com distribuição Normal

Se a hipótese nula for rejeitada a um nível de significância α, é possível inferir que os dados não vêm de uma população com distribuição Normal, sendo válida a utilização de testes não paramétricos para verificação de associação e correlação entre os itens do QA.

Teste U de Mann-Whitney

Considerando a escala Likert de cada questão do QA como um valor numérico inteiro, utilizou-se do teste não paramétrico U de Mann-Whitney, para duas amostras independentes, com o intuito de comparar as distribuições das respostas dos pacientes e familiares de cada questão do QA.

Conforme Siegel & Castellan (1988), o referido teste é utilizado para comparar diferenças entre dois grupos independentes a partir de uma variável dependente ordinal ou contínua, porém não normalmente distribuída. Além disso, ele é considerado como uma alternativa para o teste paramétrico T quando há violação da suposição de normalidade dos dados.

Sejam Y1,Y2,…,Yn e Z1,Z2,…,Zk duas amostras aleatórias provenientes das populações Pn e Pk, respectivamente, de modo que as observações de cada uma das amostras aleatórias sejam independentes e identicamente distribuídas. Inicialmente, é feita a composição de postos para cada uma das observações de ambos os grupos a partir da ordenação crescente dos valores. Considerando Sn e Sk as somas dos postos das amostras Y e Z, respectivamente, a estatística de teste U é o menor valor obtido a partir do cálculo das equações definidas abaixo.

U = n k + 1 2 n ( n + 1 ) S n

U = n k + 1 2 k ( k + 1 ) S k

Neste estudo, buscou-se identificar possíveis discrepâncias de autoconsciência entre as respostas dos pacientes e a situação real percebida por seus familiares a partir do teste U de Mann-Whitney. Nesse sentido, foram consideradas as hipóteses nula (H0) e alternativa (Ha) do teste apresentadas a seguir:

H0: as respostas dos pacientes são iguais as dos familiares (mesma população)

Ha: as respostas dos pacientes são diferentes das dos familiares (população diferente

Se o valor da estatística U for menor ou igual a um valor crítico tabelado de Mann-Whitney ou o p-valor associado for menor que um nível de significância α, rejeitase a hipótese de que ambos os grupos provêm da mesma população (H0). Nesse caso, as respostas dos pacientes são consideradas diferentes das da família, o que indica uma possível falta de autoconsciência.

Testes Qui-Quadrado de Pearson e Exato de Fisher

Considerando a escala Likert de cada questão do QA em um nível ordinal, utilizou-se dos testes Qui-Quadrado de Pearson (Pearson, 1992) e Exato de Fisher (Fisher, 1970) para verificação de associação entre as respostas dos pacientes e familiares. Os aludidos testes são utilizados para testar independência entre duas variáveis categóricas (com dois ou mais níveis) e não exigem pressupostos relativos à distribuição Normal. Contudo, o teste Exato de Fisher é mais indicado para se trabalhar com tabelas de contingência de dupla entrada em que há frequências iguais a zero, como é o caso de alguns cruzamentos do QA.

O teste Qui-Quadrado de Pearson é realizado a partir de um comparativo entre o número de observações na amostra (Oij), para cada combinação de nível das duas variáveis categóricas, e o número esperado de observações (Eij). Sob a hipótese de independência, a quantidade Eij é calculada pela equação dada abaixo, em que Oi. é a soma da linha i, O.j é a soma da coluna i e n é a quantidade total de observações da amostra.

E i j = O i . × O . j n

A estatística de teste χ2 é dada pela equação abaixo, que basicamente mede a distância entre os valores observados e esperados sob a suposição de independência. As quantidades s e r se referem ao número de níveis das duas variáveis categóricas testadas.

χ 2 = i = 1 s j = 1 r ( O i j E i j ) 2 E i j

O teste Exato de Fisher, por sua vez, mede a probabilidade de se observar um determinado conjunto de frequências em uma tabela de contingência 2x2, mantendo fixos os totais marginais linha e coluna. Sendo assim, a estatística de teste nada mais é que uma probabilidade calculada a partir da distribuição hipergeométrica dada pela equação abaixo. A título de exemplo, sejam duas variáveis categóricas quaisquer com dois níveis cada uma. As quantidades A,B,C e D se referem ao número de observações de cada uma das caselas que representam as combinações dos dois níveis de cada variável. n é a quantidade total de observações.

P ( X = x ) ( A + C A ) ( B + D B ) ( n A + B ) = ( A + B ) ! ( C + D ) ! ( A + C ) ! ( C + D ) ! n ! A ! B ! C ! D !

Neste estudo, foram consideradas as hipóteses nula (H0) e alternativa (Ha) de ambos os testes apresentadas a seguir:

H0: a proporção de cada item na escala Likert é a mesma para pacientes e familiares (independentes)

Ha: a proporção de cada item na escala Likert não é a mesma para pacientes e familiares (dependentes)

Além disso, para aplicação dos aludidos testes, foram construídas tabelas de contingência de dupla entrada para cada uma das questões do QA, conforme disposto na Tabela 2.

Tabela 2.
Exemplo de tabela de contingência para aplicação dos testes quiquadrado de Pearson e exato de Fisher

No que se refere ao valor da estatística do teste QuiQuadrado de Pearson, se χ2 for maior ou igual a um valor crítico tabelado ou o p-valor associado for menor que um nível de significância α, rejeita-se a hipótese de que a proporção de cada item na escala Likert é a mesma para pacientes e familiares (H0). Ainda, para a estatística do teste Exato de Fisher, se a probabilidade P(X=x) for menor ou igual a um nível de significância α, também rejeita-se a hipótese de independência H0. Em ambos os casos, as respostas dos pacientes são consideradas diferentes das da família, o que indica uma possível falta de autoconsciência.

Teste de Correlação de Kendall

Por fim, propôs-se também a utilização do teste não paramétrico de Correlação de Kendall (Kendall, 1938) para avaliar a igualdade das correlações observadas entre os 17 itens dos QA e os escores de sintomas ansiosos e depressivos, obtidos via HAD. Esse teste também não exige pressupostos relativos à distribuição Normal, dificilmente existentes em pequenas amostras, e é indicado para análise de variáveis categóricas ordinais, como a escala Likert das questões de autoconsciência.

Sejam ( x 1 , y 1 ) , ( x 2 , y 2 ) , . . . , ( x n , y n ) um conjunto de observações das variáveis aleatórias X e Y . Diz-se que o par de observações ( x i , y i ) e ( x j , y j ) é concordante se as classificações de ambos os elementos concordarem uma com a outra (ou seja, se x i > x j e y i > y j , por exemplo). Entretanto, há discordância se houver, por exemplo, casos em que x i > x j e y i < y j .

O coeficiente tau de Kendall ( τ ) é dado pela equação abaixo e pode variar de -1 a 1. Quanto mais próximo de 1 ou 1, maior é a associação positiva ou negativa, respectivamente, entre X e Y Ou seja, se for 1, à medida que X aumenta Y também aumenta. Se for -1, à medida que X aumenta Y diminui. Além disso, quanto mais próximo de zero estiver, maior é a chance de não haver associação entre X e Y .

τ = pares concordantes Pares discordantes número total de pares possíveis

Neste estudo, foram consideradas as hipóteses nula (H0) e alternativa (Ha) para o teste de Correlação de Kendall apresentadas a seguir:

𝐻0:𝑐𝑜𝑟𝑟𝑒𝑙𝑎çã𝑜 = 0

𝐻𝑎:𝑐𝑜𝑟𝑟𝑒𝑙𝑎çã𝑜 ≠ 0

A estatística de teste é dada pela equação abaixo, em que τ é o coeficiente tau de Kendall e n é o tamanho da amostra.

Z = 3 × τ n ( n 1 ) 2 ( 2 n + 5 )

Se o valor da estatística de teste Z for maior ou igual a um valor tabelado da Normal Padrão, rejeita-se a hipótese de que existe associação entre as variáveis sob estudo duas a duas (H0) a um nível de significância α (correlação = 0). Além disso, é possível também obter o p-valor associado a partir do cálculo da área acima da quantidade Z , considerando a tabela da Normal Padrão. Se o p-valor for menor que um nível de significância α, rejeita-se a hipótese nula H0.

3. RESULTADOS

pesquisa constituiu-se em investigar não apenas a autoconsciência dos déficits mas também a presença de sintomas de ansiedade e depressão após o AVC. Para isso foi utilizada uma bateria de avaliação neuropsicológica, uma entrevista semiestruturada, além de questionários para avaliar as variáveis de interesse. As principais características dos dados obtidos são apresentadas a seguir considerando três áreas: perfil demográfico, perfil clínico/médico e perfil neuropsicológico.

3.1 Perfil Demográfico

A amostra da pesquisa contou com n=71 participantes. Dentre estes n=39 do sexo masculino, com idades variando entre 23 a 60 anos de idade. A maioria declarou-se como “Casado” (n=46), sendo que 96% destes possuíam filhos (28% possuíam 1 filho como dependente financeiro).

No momento da entrevista, após o acometimento do AVC, 46% declararam que estavam ativos no mercado de trabalho com registro formal de sua atividade ou desempenhando alguma atividade produtiva remunerada informal.

A Tabela 3 resume o perfil demográfico da amostra obtido a partir da entrevista semiestruturada.

Tabela 3.
Estatística descritiva das variáveis socioeconômicas coletadas

Nota. DP = Desvio Padrão. Importar tabla

3.2 Perfil Médico/Clínico

A pesquisa foi composta por 52% de pacientes advindos do Ambulatório de Neurologia do hospital de referência. 89% receberam o diagnóstico de AVC Isquêmico. Entre estes 56% foram submetidos à terapia de reperfusão (Trombólise). Quanto à lateralidade do insulto, 52% (n=37) tiveram o hemisfério direito afetado e 14% dos pacientes possuíam afasia de condução, sendo avaliados com o auxílio de instrumentos para comunicação alternativa (prancha de comunicação e/ou escrita).

Quanto à existência de doenças crônicas prévias (DCP), 70% declararam ter as seguintes patologias antes do AVC: hipertensão 37% (n=32), dislipidemia 17% (n=15), diabetes 19% (n=16) e obesidade 5% (n=4). 19% (n=19) declararam possuir outras doenças, tais como: Linfoma de Hodking, Hipotiroidismo, Insuficiência Cardíaca ou Renal, epilepsia, retocolite, anemia crônica, artrite reumatoide, labirintite, hérnia de hiato, glaucoma e varizes. Ao considerar apenas as pessoas que declararam ter alguma DCP antes do acometimento do AVC, 56% utilizavam corretamente as medicações e realizavam acompanhamento médico periódico para DCP.

Por meio da entrevista semiestruturada foi investigado quais hábitos de vida o participante acreditava que estaria relacionado com o AVC. 92% (n=65) o relacionou com o estresse diário, seguido de: sedentarismo (66%, n=47), 61% para alimentação inadequada (n=43), 55% associaram ao fato de não realizar exames médicos periódicos (n=39), 52% ao fato de tomar medicamentos de forma incorreta ou se automedicar (n=37), 38% ao tabagismo (n=27), 28% ao consumo de álcool (n=20). Nesta amostra 30% (n=21) eram fumantes ativos com o consumo médio de 1±1,13 maço de cigarro por dia.

Quando questionados se a pessoa acreditava que havia ficado com alguma limitação ou sequela em decorrência do AVC, 62% (n=44) responderam que sim. Ainda, quando solicitados que descrevessem qual seria esta limitação, a maioria da amostra relatou a dificuldade em movimentar os braços, pernas e dificuldades na fala. Poucos citaram dificuldades neuropsicológicas como atenção, memória ou função executiva. A Tabela 4 resume os dados apresentados.

3.3 Análise dos Testes Neuropsicológicos

Os testes foram administrados em uma única sessão, com tempo médio de aplicação de 30 a 40 minutos. Os participantes avaliados tanto no ambulatório quanto no internamento foram garantidos de condições adequadas para aplicação dos testes: sala com mesa e isolada de influências externas. Os pacientes afásicos não foram excluídos de nenhum teste.

A pontuação geral do MoCA indicou que a maioria dos pacientes (63%) apresentava declínio cognitivo leve, considerando as normas propostas por Sarmento (2009). Na Tabela 5, é possível observar os resultados do teste não só para a totalidade da amostra (71 pacientes) como também ao considerar uma repartição entre afásicos (10 pacientes com afasia de condução) e não afásicos (61 pacientes).

3.4 Comparativo das Questões de Autoconsciência entre Pacientes e Familiares
Estatística descritiva e exploratória do QA

A partir do QA foi possível avaliar a discrepância das respostas das famílias em relação às dos pacientes. Espera-se que pacientes autoconscientes, tendo em mente suas dificuldades e melhoras, obtenham uma nota igual ou próxima a dos familiares em cada um dos quesitos avaliados. Nas Figuras 1 e 2, é possível observar o comportamento médio e mediano, respectivamente, dos pacientes e de seus familiares para cada uma das questões.

Tabela 4.
Caracterização do perfil clínico/médico da amostra (n=71)

Tabela 5.
Pontuação média da amostra no MOCA

As famílias tenderam a pontuar seus familiares com notas em média iguais ou bastante próximas para oito das 17 questões, quais sejam: 4, 9, 10, 11, 13, 14, 15 e 16. Além disso, ao considerar as notas medianas, observa-se que em 12 das 17 questões os familiares pontuaram os pacientes com notas iguais, quais sejam: 2, 3, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 14, 15, 16 e 17.

Ainda, em ambas as formas de resumir as respostas do QA, os familiares deram notas iguais ou bastante próximas para as questões 10, 11, 14, 15 e 16. Entretanto, é necessário ressaltar que os valores médios e medianos são bastante próximos numericamente, sendo primordial avaliar estatisticamente a significância das diferenças evidenciadas graficamente.


Figura 1.
Médias das repostas dos pacientes e familiares para as 17 questoes do QA


Figura 2.
Mediana das repostas pacientes e familiares para as 17 questoes do QA

A Tabela 6 apresenta a pontuação geral do QA, que considera a média da soma de todas as notas das 17 questões e a discrepância média entre as notas dos pacientes e familiares. Nota-se que os valores médios são bastante próximos, tanto no geral quanto nas áreas de cognição, comportamento e sensorial. Contudo, há uma maior variabilidade nas respostas dadas pelos familiares.

Teste de normalidade para as questões do QA

Apresenta-se na Tabela 7 os resultados do teste de Kolmogorov-Smirnov para cada uma das questões do QA, tanto para pacientes quanto para familiares. Conforme já se esperava, a hipótese nula de distribuição de normalidade foi rejeitada para todas as questões, considerando um nível de significância de α = .01. Isso demonstra que a utilização de testes estatísticos comparativos não paramétricos é efetivamente mais adequada para este estudo.

Tabela 6.
Pontuação média geral do questionário de autoconsciência

Nota. n = número de participantes que compõem a amostra. DP = Desvio Padrão. Média = corresponde à pontuação média da amostra.

Na Tabela 8, é possível observar os resultados do teste estatístico U de Mann-Whitney para verificar se as respostas dos pacientes e familiares provêm da mesma população. Nota-se que a hipótese nula (H_0) foi rejeitada apenas para as questões 5 (U = 2038, p-valor = .04) e 8 (U = 2046.5, p-valor = .04), a um nível de significância de α = .05. O resultado demonstra que as respostas dos pacientes e familiares para as referidas questões são estatisticamente diferentes. Portanto, há evidências significativas de uma falta de autoconsciência dos pacientes da amostra com relação ao comportamento afetivo e emocional (questão 5) e ao déficit sensório/motor (questão 8).

Tabela 7.
Resultado do teste de Kolmogorov-Smirnov

Nota. D = Estatística do teste com o p-valor entre parênteses. O pvalor exato não está demonstrado na tabela por apresentar muitas casas após a vírgula, sendo bem menor que .01.

Já os resultados dos testes Qui-Quadrado de Pearson e Exato de Fisher estão apresentados na Tabela 9. O teste Exato de Fisher aponta que há evidências suficientes para se rejeitar a hipótese de independência para as questões 6 (pvalor = .0008), 8 (p-valor = .001), 16 (p-valor = .007) e 17 (pvalor = .02), a um nível de significância de α = .05. Isso significa que a proporção de cada item na escala Likert é diferente entre as respostas fornecidas pelos familiares e pacientes, o que indica uma possível falta de autoconsciência destes. Ressalta-se a ocorrência novamente da rejeição da hipótese de igualdade entre as respostas dos pacientes e familiares para a questão 8 (déficit sensório/motor).

Tabela 8.
Resultado do teste U de Mann-Whitney

Nota. U = Estatística do teste com o p-valor entre parênteses;

*Rejeita-se a hipótese nula a um nível de significância de .05.


O mesmo não ocorre para as demais questões, como por exemplo a questão 7, cujo p-valor é de .79 para o teste Exato de Fisher. Nesse caso, não há evidências suficientes para se rejeitar a hipótese de independência, o que indica igualdade entre as proporções de cada item na escala Likert e uma possível autoconsciência dos pacientes em relação às suas competências e vulnerabilidades.

Avaliação dos sintomas ansiosos e depressivos em relação ao QA

A distribuição dos valores da Escala HAD total e entre grupos, conforme sugerido por Botega et. al. (1995), é apresentada na Tabela 10. Os resultados apontam para uma maior tendência ao aparecimento de características ansiosas (8±4.87) do que depressivas (6±4.59). Além disso, 25% da amostra demonstrou uma chance maior de apresentar sintomas de ansiedade, ao passo que 16% da amostra tendeu a ter uma probabilidade maior para a existência de sintomas depressivos.

Além disso, os resultados apontam uma correlação moderada de .42 entre a escala de sintomas ansiosos e depressivos. O teste de Correlação de Kendall apontou que a associação moderada entre as duas escalas é significativa a um nível de α = .05 (Z = 4.93, p < .05). Ou seja, à medida que se aumenta o valor da escala de ansiedade, o valor de depressão tende a aumentar.

Tabela 9
Resultado dos testes Qui-Quadrado de Pearson e exato de Fisher

Nota. valor entre parênteses. P(X = x) = Probabilidade calculada pelo teste Exato de Fisher. *Referem aos testes Exatos de Fisher cujo p-valor é inferior a α = .05, sendo rejeitada a hipótese de que as respostas dos familiares e pacientes são iguais.

Na Tabela 11, é possível observar as correlações de Kendall entre cada uma das questões do QA e as escalas de ansiedade e depressão. Apenas as questões 6 (Z = -1.91, pvalor = .05), 11 (Z = -2.09, p-valor = .04), 12 (Z = -1.95, pvalor = .05) e 17 (Z = -2.39, p-valor = .02) apresentam correlações negativas fracas com os sintomas de ansiedade, sendo estatisticamente significativas a um nível de α = .05. Em contrapartida, oito das 17 questões do QA apresentam correlações negativas fracas com os sintomas de depressão. Isso significa que, conforme se aumenta os valores da escala de ansiedade e depressão, há uma tendência de os pacientes indicarem níveis mais baixos na escala Likert das questões do QA.

Tabela 10.
Esala HAD dividida em grupos conforme o resultado da escala

Nota. n = número de participantes que compõem a amostra. DP = Desvio Padrão. Impossível: 0 a 7 pontos na escala HAD. Possível: 08 a 11 pontos na escala HAD. Provável: 12 a 21 pontos na escala HAD.

Tabela 11.
Resultado dos testes de correlação de Kendall

Nota. Z = Estatística do teste com o p-valor entre parênteses. *Referem aos testes de Correlação de Kendall cujo p-valor é inferior a .05, sendo rejeitada a hipótese de que a correlação é igual a zero.

4. DISCUSSÃO

O AVC é uma das doenças que, devido ao seu alto índice de morbidade e incapacidade, pode afetar a saúde do indivíduo como um todo: bem-estar físico, psicológico, níveis de independência, relacionamento social (Silva et al., 2013).

De acordo com DaSilveira et. al. (2015) a autoconsciência pode ser analisada tanto por aspectos públicos quanto privados, sendo este representado pelos sentimentos e crenças internas que a pessoa tem acerca de si mesmo, e aquele pelas crenças sobre o que as outras pessoas podem pensar dela. Tais características podem ser percebidas neste estudo por meio dos instrumentos utilizados.

O fato de a amostra ser composta por participantes relativamente jovens, em idade produtiva, ativos no mercado de trabalho, a maioria casados, com filhos, evidenciou a presença de uma autoconsciência privada mais crítica, que atuaria como um juiz a condenar cada mínimo detalhe de sua ação fracassada – de acordo com o seu próprio julgamento entre antes e depois do AVC. Seria como se houvesse uma obrigação para voltar a fazer tudo como era antes do adoecimento o mais rápido possível. Isso favoreceu o aparecimento de sintomas ansiosos entre as pessoas avaliadas.

Ao contrário do que apontaram os estudos de Broomfield et. al. (2014), que relatam que um terço dos sobreviventes de AVC desenvolve sintomas depressivos e um quarto desenvolve ansiedade, nesta pesquisa, 49% dos participantes apresentaram sintomas ansiosos e 33% sinais de depressão, de acordo com a Escala HAD. Os motivos que levaram ao surgimento das características ansiosas e depressivas, relatados durante a entrevista e confirmados pela Escala HAD, coincidiram com dados de outros estudos. As dificuldades no convívio familiar, a lenta recuperação, o medo de perder o emprego, as despesas oriundas da hospitalização, as preocupações com restabelecimento e/ou cura das sequelas do AVC favorecem o aparecimento de sintomas ansiosos (Arba et al., 2016; Broomfield et al., 2014; Galligan et al., 2016; Pedroso et al., 2016; Shehata et al., 2015).

O fato de os pacientes apresentarem mais sintomas de ansiedade do que de depressão pode ser entendido pela análise da autoconsciência enquanto características adaptativas/não-adaptativas. Esta se relaciona com a capacidade de o indivíduo avaliar seus comportamentos, pensamentos e sentimentos, de acordo com a situação a qual ele está inserido. Quando há discrepâncias nos processos de autorregulação, podem surgir quadros de depressão e ansiedade que geram uma autopercepção distorcida sobre seu real quadro clínico (DaSilveira et al., 2015).

Por meio da análise estatística foi possível observar que, se houver um aumento na presença de sintomas ansiosos, haverá também um aumento de sintomas depressivos. Além disso, a partir da relação entre o resultado do QA e a Escala HAD, foi possível identificar que os sintomas de ansiedade e depressão se elevam quando há déficits na autoconsciência do paciente, o que acaba por diminuir sua qualidade de vida.

Participantes que apresentaram maior discrepância nos Questionários de Autoconsciência obtiveram uma pontuação na Escala HAD compatível para a presença de sintomas depressivos entre 8 e 11 pontos (9.75±1.28). Segundo os estudos de Sherer et. al. (2003), pacientes com sintomas de depressão possuem uma discrepância maior no instrumento. Pesquisas de Vicentini et. al. (2017) relatam uma maior prevalência de sintomas depressivos na fase crônica após o AVC (Arba et al., 2016; Galligan et al., 2016; Pedroso et al., 2016; Shehata et al., 2015; Sherer et al., 2003; Vicentini et al., 2017).

Durante a entrevista semiestruturada, os pacientes reconheceram que alguns hábitos de vida, como o sedentarismo, estresse, entre outros fatores levantados podem estar relacionados com o acometimento do AVC, o que indica uma certa preservação da autoconsciência. Tal fato pode ser relacionado aos aspectos públicos da autoconsciência, pois há um feedback do meio – no caso a família – que informa sobre o sucesso ou fracasso de uma ação realizada pelo paciente (que concorda com a informação recebida). Aos poucos, essa informação é validada pelo paciente e passa a fazer parte do seu sistema de crenças e da sua autoconsciência privada (DaSilveira et al., 2015).

McKay et. al. (2011) relataram em sua pesquisa que há uma maior facilidade de sobreviventes de AVC reconhecerem os déficits físicos do que os cognitivos, ou seja, seria mais fácil admitir um déficit motor do que uma dificuldade na atenção, percepção ou memória. Isto também foi percebido neste estudo. 62% dos participantes responderam durante a entrevista semiestruturada que possuíam alguma dificuldade em movimentar os braços, pernas e na fala. Porém, dificilmente relataram dificuldades neuropsicológicas como atenção, memória, ou alterações na visão, audição, tato, olfato, paladar ou relativo às funções executivas.

Tais observações também puderam ser evidenciadas nos resultados do QA, seja pela pontuação média ou mediana. Dentre as 17 questões, oito apresentaram pontuação parecida entre as respostas do paciente com o familiar, o que indicou, de modo geral, a preservação da autoconsciência nas três categorias avaliadas pelo teste: cognição, comportamento/afetividade, e sensório motor (DaSilveira et al., 2015; Sherer et al., 1998).

Entretanto, há casos particulares de alguns itens do QA, como a questão 8 (Quão bem você pode movimentar seus braços e pernas se comparado com antes da lesão?), a qual se refere ao déficit sensório/motor, em que a autoconsciência do paciente não foi mantida. Os pacientes tenderam a pontuar notas maiores para si do que as notas atribuídas por suas famílias. Isso indicou um déficit na autoconsciência quanto ao real estado em que eles realmente se encontravam. Em outras palavras, acreditavam apresentar uma melhor capacidade motora, que, na verdade, estava gravemente prejudicada.

Tal resultado vai de encontro às pesquisas de Barrett et. al. (2014) e Dai et. al. (2014) que indicam que pacientes que não possuem uma real consciência de seu estado físico tendem a abandonar mais os tratamentos clínicos ou de reabilitação, tomar medicamentos de forma incorreta, colocarse mais em situações de risco, pois não percebem a necessidade e a importância de fazê-los.

Embora o MoCA tenha sido utilizado apenas como um instrumento de rastreio cognitivo, a maioria dos participantes da amostra apresentou uma pontuação menor ou igual a 25 pontos, o que indica a presença de declínio cognitivo leve (DCL) que pode afetar a autoconsciência do paciente. Isso também pôde ser observado durante a entrevista, pois os pacientes relatavam as suas dificuldades físicas e no convívio familiar que permaneceram após o AVC. Contudo, não relatavam déficits de atenção, memória ou função executiva, o que sugere a manifestação de declínio cognitivo leve, que, devido à presença de déficit na autoconsciência, faz com que esses problemas não sejam percebidos.

A pontuacao média do MoCA (19+ 4.82)tambén poder ser relacionada com as respostas de algumas questoes do QA. As questões 5, 16 e 17, relacionadas ao comportamento/afetividade, bem como os itens 6 e 8, que avaliam a autoconsciência sensório motora, apresentaram diferenças estatisticamente relevantes. Ou seja, há discrepância entre as respostas dos pacientes e familiares, o que indica a presença de déficits na autoconsciência nessas áreas. Em outras palavras, o paciente acredita estar melhor do que seu real estado. E, mesmo recebendo um feedback da família (que faz parte da autoconsciência pública), não consegue perceber o problema, que pode ser acentuado pela presença do DCL, o que corrobora com outros estudos da área (Cumming et al., 2011; Sarmento, 2009; Sherer et al., 1998; 2003).

A autoconsciência pode ser avaliada pela própria pessoa à medida que há interação com o meio e um feedback sobre suas ações. Isso validará seus pensamentos e crenças sobre si, dependendo da resposta obtida, e ela tenderá ou não a repetir os comportamentos (Nascimento & Roazzi, 2013). Porém, conforme aponta Barrett et. al. (2014), 73% dos sobreviventes de AVC podem apresentar algum tipo de déficit cognitivo nos primeiros meses de recuperação. Então, o feedback dado pelo meio sobre as ações e comportamentos podem não ser efetivos, uma vez que o entendimento da mensagem fica comprometido (Barrett et al., 2014; DaSilveira et al., 2015; Nascimento & Roazzi, 2013).

De acordo com Nascimento & Roazzi (2013) a autoconsciência nasce da integração da pessoa com o ambiente ao qual ela está inserida por meio da interação social e do processo da linguagem. Entretanto, quando uma pessoa apresenta déficits na comunicação, seja por uma afasia ou disartria em decorrência do AVC, essa interação fica comprometida. Ao tentar ser entendida e falhar nesse processo, ocorrem sintomas de frustração, angústia, tristeza, que podem levar ao isolamento social e ao aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos, frequentemente co-ocorrem e estão relacionados no período pós-AVC (Kootker et al., 2012; Nascimento & Roazzi, 2013; Vicentini et al., 2017).

Durante a entrevista semiestruturada foi possível perceber que distúrbios prévios, história de vida trágica, rede de apoio limitada, hospitalização prolongada e quadros graves de incapacidade são frequentemente relacionados a fatores de riscos para a ocorrência de quadros de depressão e ansiedade, baixa adesão a reabilitação e diminuição da qualidade de vida. Neste estudo, a maioria dos participantes da pesquisa apresentou algum tipo de sintoma ansioso e/ou depressivo, dado que coincide com os estudos de Rangel et. al. (2013), e, Hsu et. al. (2014). A presença de sintomas de ansiedade e depressão, a irreversibilidade das lesões, a incapacidade física, o declínio cognitivo devido à gravidade do incidente, o medo de um novo evento e o risco de queda influenciam no modo como a pessoa percebe seus déficits e limitações ocasionados pelo AVC, e também no modo como realiza e se dedica à sua reabilitação motora e cognitiva (Hsu et al., 2014; Rangel et al., 2013).

Os dados encontrados nesta pesquisa mostraram o modo como a autoconsciência pode ser relacionada a sintomas ansiosos e depressivos e como estes influenciam no relacionamento interpessoal do paciente, na sua percepção acerca de seu estado de saúde e quais cuidados ele entende que necessita ter. Os achados corroboram com os resultados de outros autores pesquisadores do tema e contribuem para a construção de uma nova visão no cuidado em saúde à pessoa pós-AVC.

5. CONCLUSÃO

Esta pesquisa procurou chamar a atenção para situações significativas que envolvem a autoconsciência como um todo e as vulnerabilidades que a pessoa após a lesão está sujeita, tanto para o aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos quanto riscos associados aos cuidados com sua saúde. O fato de a amostra ser predominantemente jovem e ativa faz um alerta para uma mudança no perfil do evento, que nos próximos 11 anos será responsável pelo óbito de mais de 8 milhões de pessoas.

Além disso, esta pesquisa visou esclarecer alguns aspectos que permeiam a autoconsciência de pacientes pósAVC e a presença de sintomas ansiosos e depressivos. O intuito foi de contribuir para a construção de práticas de reabilitação física e cognitiva mais voltadas a esses pacientes, e, desta forma, melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes de AVC. Por meio dela foi possível confirmar que há uma ligação entre fatores ansiosos/depressivos e a presença de déficits na autoconsciência.

Como foi debatido, a ansiedade e a depressão são sintomas comuns de aparecerem no primeiro ano após o AVC. Contudo, pode haver um número maior de pessoas com esses sintomas não relatados devido a déficits de autoconsciência, o que prejudica a reabilitação do paciente e seu tratamento clínico/medicamentoso. Esta pesquisa mostrou o quão importante é acompanhar os pacientes longitudinalmente para verificar o aparecimento e a evolução de quadros clínicos de ansiedade e depressão. Desta forma, é possível atuar de forma eficaz em estratégias que auxiliem a reabilitação cognitiva desses pacientes.

Uma das dificuldades enfrentadas nesta pesquisa foi a falta de testes e instrumentos validados para a população brasileira para a investigação da autoconsciência e avaliação de pacientes afásicos. Na maioria das pesquisas, esses pacientes são excluídos das amostras devido à dificuldade de adaptar a bateria utilizada na avaliação e de encontrar instrumentos voltados para essa população. Outro ponto limitante foi que o QA não possui uma linha de corte que indique presença de déficits na autoconsciência a partir de uma determinada pontuação. Nesse sentido, não seria possível definir de forma precisa uma delimitação de pontuação realmente fidedigna para garantir que abaixo disso não há danos na autoconsciência. O instrumento só relata que, quanto maior é a discrepância, maiores são os indícios da presença desses déficits (Sherer et al., 1998).

Os resultados aqui apresentados mostram a importância da avaliação neuropsicológica na fase aguda do AVC. Quanto mais precoce, melhor para auxiliar nas decisões acerca da reabilitação cognitiva e dos déficits que podem estar associados a danos na autoconsciência que prejudicam a pessoa em sua reinserção na comunidade, no trabalho. Uma falha no processo de retorno à sua antiga rotina pode contribuir para o aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos. Por isso, sugere-se também o acompanhamento psicoterápico pós-alta hospitalar. Por fim, entende-se que a avaliação neuropsicológica deve também ser vista como uma forma de prevenção e promoção da saúde de pacientes pós/AVC.

Material suplementario
Referências
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Notas
Tabela 1
Instrumentos utlizadoz na pesquisa de acorde com a variável analisada

Nota: A coluna ""Variável corresponde a variável analisada pelo instrumento. a coluna "Estrutura" corresponde ao como o instrumento foi organizado ou dividido de acordo com os autores de cada instrumento.
Tabela 2.
Exemplo de tabela de contingência para aplicação dos testes quiquadrado de Pearson e exato de Fisher

Tabela 3.
Estatística descritiva das variáveis socioeconômicas coletadas

Nota. DP = Desvio Padrão. Importar tabla
Tabela 4.
Caracterização do perfil clínico/médico da amostra (n=71)

Tabela 5.
Pontuação média da amostra no MOCA


Figura 1.
Médias das repostas dos pacientes e familiares para as 17 questoes do QA

Figura 2.
Mediana das repostas pacientes e familiares para as 17 questoes do QA
Tabela 6.
Pontuação média geral do questionário de autoconsciência

Nota. n = número de participantes que compõem a amostra. DP = Desvio Padrão. Média = corresponde à pontuação média da amostra.
Tabela 7.
Resultado do teste de Kolmogorov-Smirnov

Nota. D = Estatística do teste com o p-valor entre parênteses. O pvalor exato não está demonstrado na tabela por apresentar muitas casas após a vírgula, sendo bem menor que .01.
Tabela 8.
Resultado do teste U de Mann-Whitney

Nota. U = Estatística do teste com o p-valor entre parênteses;

*Rejeita-se a hipótese nula a um nível de significância de .05.


Tabela 9
Resultado dos testes Qui-Quadrado de Pearson e exato de Fisher

Nota. valor entre parênteses. P(X = x) = Probabilidade calculada pelo teste Exato de Fisher. *Referem aos testes Exatos de Fisher cujo p-valor é inferior a α = .05, sendo rejeitada a hipótese de que as respostas dos familiares e pacientes são iguais.
Tabela 10.
Esala HAD dividida em grupos conforme o resultado da escala

Nota. n = número de participantes que compõem a amostra. DP = Desvio Padrão. Impossível: 0 a 7 pontos na escala HAD. Possível: 08 a 11 pontos na escala HAD. Provável: 12 a 21 pontos na escala HAD.
Tabela 11.
Resultado dos testes de correlação de Kendall

Nota. Z = Estatística do teste com o p-valor entre parênteses. *Referem aos testes de Correlação de Kendall cujo p-valor é inferior a .05, sendo rejeitada a hipótese de que a correlação é igual a zero.
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