Resumo: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um Transtorno do Neurodesenvolvimento que pode estar presente desde os primeiros meses de vida da criança. É associado a prejuízos cognitivos, de linguagem e comunicação social. A literatura aponta para uma lacuna entre a identificação dos sintomas e o encaminhamento, fato que dificulta o mapeamento das dificuldades e o planejamento de intervenções precoces. Neste sentido, o presente trabalho objetivou investigar os instrumentos utilizados para avaliar a cognição e a linguagem de crianças de 0 a 6 anos com TEA através de revisão sistemática PRISMA. O levantamento da literatura realizou-se em cinco bases de dados: ERIC, LILACS, PsycINFO, Pubmed e Scielo. A partir dos critérios de inclusão selecionaram-se 16 estudos. Observou-se heterogeneidade nos estudos, em especial, na metodologia empregada. Houve variação da amostra entre 18 até 1061 participantes, idade entre 12 meses até crianças de 6 anos. Dentre os aspectos cognitivos e linguísticos avaliados nas medidas, temos o desenvolvimento sociocomunicativo, interação social, gestos, atenção compartilhada, imitação, comportamentos adaptativos e desenvolvimento dos componentes cognitivos e da linguagem. Apontam-se como limitações as abrangências dos termos linguagem e cognição, que dificultou a correlação dos resultados.
Palavras-chave: transtorno do espectro autista, avaliação, cognição, linguagem.
Resumen: El Trastorno del Espectro Autista (TEA) es un Trastorno del Neurodesarrollo que puede estar presente desde los primeros meses de vida del niño. Está asociado a disfunciones cognitivas, de lenguaje y comunicación social. La literatura apunta para una brecha entre la identificación de los síntomas y el encaminamiento, hecho que dificulta el rastreo de las dificultades y el planeamiento de intervenciones tempranas. En este sentido, el objetivo del presente trabajo es investigar los instrumentos utilizados para evaluar la cognición y el lenguaje de niños de 0 a 6 años con TEA a través de revisión sistemática PRISMA. El levantamiento de la literatura se realizó en cinco bases de datos: ERIC, LILACS, PsycINFO, Pubmed y Scielo. A partir de los criterios de inclusión se seleccionaron 16 estudios. Se observó heterogeneidad en los estudios, en especial, en la metodología utilizada. Hubo variación de la muestra desde 18 hasta 1061 participantes, edad desde 12 meses hasta niños de 6 años. Entre los aspectos cognitivos y lingüísticos evaluados en las medidas, tenemos el desarrollo sociocomunicativo, interacción social, gestos, atención conjunta, imitación, comportamientos adaptativos y desarrollo de componentes cognitivos y del lenguaje. Se señalan como limitaciones la amplitud de los términos lenguaje y cognición, lo que dificultó la correlación de los resultados.
Palabras clave: trastorno del espectro autista, evaluación, cognición, lenguaje.
Résumé: Le trouble du spectre autistique (TSA) est un trouble du développement neurologique qui peut être présent dès les premiers mois de la vie d'un enfant. Elle est associée à des dysfonctionnements de la communication cognitive, linguistique et sociale. La littérature fait état d'un décalage entre l'identification des symptômes et l'orientation vers un spécialiste, ce qui entrave le suivi des difficultés et la planification d'interventions précoces. En ce sens, l'objectif de cet article est d'étudier les instruments utilisés pour évaluer la cognition et le langage chez les enfants âgés de 0 à 6 ans atteints de TSA par le biais d'une revue systématique de PRISMA. L'enquête bibliographique a été réalisée dans cinq bases de données : ERIC, LILACS, PsycINFO, Pubmed et Scielo. Sur la base des critères d'inclusion, 16 études ont été sélectionnées. Une hétérogénéité a été observée dans les études, notamment dans la méthodologie utilisée. L'échantillon varie de 18 à 1061 participants, âgés de 12 mois à 6 ans. Parmi les aspects cognitifs et linguistiques évalués dans les mesures figurent le développement socio-communicatif, l'interaction sociale, les gestes, l'attention conjointe, l'imitation, les comportements adaptatifs et le développement des composantes cognitives et linguistiques. Nous soulignons comme limites l'étendue des termes langage et cognition, qui a rendu difficile la corrélation des résultats. Mots clés : trouble du spectre autistique, évaluation, cognition, langage.
Mots clés: trastorno del espectro autista, evaluación, cognición, lenguaje.
Abstract: Autistic Spectrum Disorder (ASD) is a Neurodevelopmental Disorder that can be present from the first months of a child's life. It is associated with cognitive, language and social communication impairments. The literature points to a gap between the identification of symptoms and referral, a fact that makes it difficult to map the difficulties and plan early interventions. In this sense, the present study aimed to investigate the instruments used to evaluate cognition and language of children aged 0 to 6 years with ASD through systematic review PRISMA. The literature survey was conducted in five databases: ERIC, LILACS, PsycINFO, PubMed and Scielo. From the inclusion criteria, 16 studies were selected. Heterogeneity was observed in the studies, especially in the methodology used. There was a variation of the sample between 18 to 1061 participants, age between 12 months to 6 years old children. Among the cognitive and linguistic aspects evaluated in the measures, we have sociocommunicative development, social interaction, gestures, shared attention, imitation, adaptive behaviors and development of cognitive and language components. Limitations are the scope of the terms language and cognition, which made it difficult to correlate the results.
Keywords: autism spectrum disorder, assessment, cognition, language.
Avaliação cognitiva e de linguagem em crianças pré-escolares com autismo: Revisão sistemática
Evaluación cognitiva y del lenguaje en niños prescolares con autismo: Revisión sistemática
Évaluation de la cognition et du langage chez les enfants d'âge préscolaire atteints d'autisme : une revue systématique
Cognitive and language assessment in preschool children with autism: Systematic Review
Recepción: 19 Enero 2020
Aprobación: 26 Julio 2021
O Transtorno do Espectro Autista caracteriza-sse como um Transtorno de Neurodesenvolvimento de início precoce e cronico que acarreta prejuízos funcionais de comunicacao, inteacao social e padroes de compotamiento alterado (Associacao Americana de Psicologia [APA], 2014). A nova nomenclatura agrupou o Transtorno Autista, Transtorno Desintegrativo da infância, Transtorno de Asperger, Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificidade e Autismo Atípico anteriormente descritos na quarta versão revisada do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-IV TR) como Transtornos Globais do Desenvolvimento (Cardoso & Pitanga, 2020).
Os comprometimentos no TEA podem ser observados desde os primeiros meses de vida (Pineda et al., 2015), afetam a expressão socioemocional e a adaptação da criança ao mundo (Muszkat et al., 2014). A gravidade se dá a partir dos prejuízos de comunicação social e de padrões restritos e repetitivos de comportamento, cujos especificadores variam de 1 a 3, onde 1 indica a exigência de apoio; 2 a exigência de apoio substancial e 3 a exigência de muito apoio (APA, 2014). Os especificadores devem ser atribuídos separadamente e os comprometimentos podem oscilar de acordo com o tempo e contexto ao longo da vida do sujeito.
A identificação dos prejuízos cognitivos no TEA é essencial, em função de que esta habilidade está atrelada a severidade na apresentação dos sintomas, principalmente os relacionados a coerência central, teoria da mente, funções executivas e teoria da empatia-sitematização (Hedvall et al., 2013; Júlio-Costa & Antunes, 2017). Por cognição entende-se o mecanismo de aquisição de conhecimento que envolve processos como memória, pensamento e linguagem, por meio da qual se adquirem e desenvolvem conhecimentos (Braga et al., 2017).
Ao compararem dois grupos de crianças, o primeiro com TEA (QI 83 ±21,2) e o segundo com desenvolvimento típico (QI 114,5 ±11,7), em idades entre 24 e 68 meses, pesquisadores verificaram que, apesar de o grupo TEA apresentar menos exploração de objetos e diversidade em brincadeiras do que o grupo com desenvolvimento típico, esta diferença não foi significativa, devido ao nível de QI do primeiro grupo (Rodman et al., 2010). As habilidades cognitivas impactaram diretamente na capacidade de brincar e no repertório de brincadeiras, independentemente do autismo.
De modo oposto, a presença do comprometimento cognitivo raramente aparece sem outros sintomas comportamentais. Um estudo avaliou as funções executivas de crianças e adolescentes com idades entre 8 e 19 anos diagnosticadas com autismo e identificou-se que o grupo com TEA possuía comprometimentos em funções como regulação da atenção, flexibilidade cognitiva e controle inibitório (Orsati, 2006).
Os déficits de linguagem também marcam o desenvolvimento da pessoa com TEA. A linguagem receptiva tende a ser pior do que a expressiva (Joseph et al., 2016). Estima-se que 25% a 50% destes indivíduos não desenvolvem linguagem funcional ao longo da vida (Backes et al., 2017; Bottema-Beutel et al., 2014), os prejuízos tendem a manifestar-se, por exemplo, em déficits de prosódia, pragmática e na ecolalia (Júlio-Costa & Antunes, 2017). Ressalta-se primeiro critério diagnóstico do TEA a partir do DSM 5 (APA, 2014) incorpora a comunicação e a interação social em um mesmo critério diagnóstico, no entanto, neste trabalho optou-se por investigar a linguagem (expressiva e receptiva) como um dos componentes da cognição e sua associação como a mesma.
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a identificação do TEA até os 3 anos de idade e indica o uso de instrumentos de rastreamento (Brasil, 2013). Em revisão, Backes et. al. (2014) exploraram estudos de adaptação de instrumentos de triagem para o TEA no Brasil e identificaram o ABC: Autism Behavior checklist; ADI-R: Autism Diagnostic Interview-Revised; ATA: Autistic Traits Assessment Scale; ASQ: Autism Screening Questionnaire; CARS: Childhood Autism Rating Scale; M-CHAT: Modified Checklist for Autism in Toddlers. No entanto, apenas o MCHAT contempla todos os critérios para uso clínico, desde os aspectos psicométricos aos direitos autorais para o uso. Somando a este cenário, recentemente foi publicado o Protocolo de Avaliação Comportamental para Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista – Revisado (Protea‑R) (Bosa et al., 2016), instrumento de observação de comportamentos característicos do TEA para crianças de 18 a 48 meses.
A heterogeneidade fenotípica do transtorno atrelada aos transtornos associados, contribui para o desafio da avaliação precoce. Não é incomum que indivíduos com autismo apresentem Transtornos de Humor, Epilepsia, Distúrbio do Sono, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Defiência Intelectual (DI) (Bianchini & Souza, 2014; Garcia et al., 2016)
Quando se trata de crianças pré-escolares, isto pode ser agravado ainda mais, devido as sutilezas em se diferenciar os comportamentos esperados para a faixa etária, dos que não são (Bosa et al., 2016), tornando mais complexo o processo psicodiagnóstico. Desta forma, ao ressaltar a importância de estudos sobre o autismo na primeira infância e a escassez de pesquisas nacionais sobre o tema, o objetivo deste estudo foi investigar os instrumentos utilizados para avaliar a cognição e a linguagem em crianças com Transtorno do Espectro Autista com idades de 0-6 através do protocolo PRISMA.
A presente revisão sistemática desenvolveu-se de acordo com a metodologia Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises - PRISMA (Galvão et al., 2015). Os protocolos do PRISMA podem ser encontrados no site http://www.prisma-statement.org/.
Realizou-se o levantamento da literatura nas bases de dados ERIC, LILACS, PsycINFO, Scielo, e PubMed, entre os meses de setembro e outubro de 2018. Utilizaram-se os seguintes grupos de descritores: (1) “Autism Spectrum Disorder” (Transtorno do Espectro Autista); AND “preschool age” (pré-escolar); AND “neuropsychological assessment” (avaliação neuropsicológica) AND “cognitive” (cognitivo OR Cognição); AND “language” (linguagem). (2) “Autism” (Autismo) AND "Assessment" (Avaliação) AND "Language" (linguagem) AND "preschool age" (pré-escolar); (3) Autism (Autismo) AND "Assessment" (Avaliação) AND "Cognitive" (Cognitivo OR cognição) AND "preschool age" (pré-escolar); (4) “autism” (autismo) AND “assessment” (avaliação) AND “cognitive” (cognição) OR “language” (linguagem).
Consideraram-se aptos para a inclusão no estudo, os artigos empíricos publicados entre os anos de 2008 a 2018 (devido ao caráter de atualização dos mesmos, optou-se pelo período de 10 anos), em periódicos na língua portuguesa, inglesa ou espanhola, que tratassem da avaliação da cognição e/ou da linguagem de crianças de 0 a 6 anos de idade, com suspeita ou diagnóstico do TEA, dentro do campo da Neurociência e/ou Neuropsicologia. Foram excluídos os artigos que não atendiam ao critério de inclusão, artigos duplicados, estudos teóricos ou de revisão, estudos psicométricos, de desenvolvimento e avaliação de instrumentos, artigos de intervenção e os que tratavam do TEA como um transtorno secundário/comórbidos (ver fluxograma na Figura 1).
Os artigos incluídos nesta revisão foram publicados no período de 10 anos, entre os anos de 2008 a 2018. Observa-se em 2015 o maior número de estudos (4: Bennett et al., 2015; Layton et al., 2015; Thurm et al., 2015; Yoder et al,, 2015), seguido de 2012 (3: Barbaro & Dissanayake, 2012; Chaidez et al., 2012; Veness et al., 2012) e 2013 (2: Andersson et al., 2013; Kantzer et al., 2013).
Dentre as plataformas utilizadas, a ERIC apresentou o maior número de estudos aceitos, com 9 artigos - 56,25% (Barbaro & Dissanayake, 2012; Bennett et al., 2015; BottemaBeutel et al., 2014; Chaidez et al., 2012; Layton et al., 2015; Moulton et al., 2016; Thurm et al., 2015; Vanvuchelen et al., 2011; Yoder et al., 2015), seguido LILACS com 6 artigos - 37,50% (Andersson et al., 2013; Kantzer et al., 2013; Luyster et al., 2008; Munson et al., 2008; Veness et al., 2012; Young et al., 2011) e o PsyINFO com apenas 1 - 6,25% (Young et al., 2009). Todos os textos selecionados para esta revisão encontraram-se na língua inglesa.
A respeito dos países de origem dos estudos (Tabela 1), nove estudos desenvolveram-se nos Estados Unidos – EUA (Bottema-Beutel et al., 2014; Chaidez et al., 2015; Luyster et al., 2008; Moulton et al., 2016; Munson et al., 2008; Thurm et al., 2015; Young et al., 2009; Young et al., 2011;Yoder et al., 2015;); dois na Austrália (Barbaro et al., 2012; Veness et al., 2012;); um no Canadá (Bennett et al., 2015); dois na Suécia (Andersson et al., 2013; Kantzer et al., 2013); um na Bélgica (Vanvuchelen et al., 2011) e um na China (Layton et al., 2015). Nenhum estudo brasileiro foi encontrado, tal como registrado por Seize e Borsa (2017) em revisão de literatura semelhante. Este achado corrobora para uma possível lacuna de pesquisas dentro deste campo no Brasil.
No que diz respeito a caracterização das amostras, participaram 3.540 crianças com idade média de 34,75 meses, variações de ±19,20 meses entre a média dos estudos, cujos diagnósticos foram estabelecidos com base no DSM-IV ou DSM-IV TR. Doze estudos especificaram o número de meninos e meninas (Tabela 2), sendo 81,14% meninos, e 18,86% de meninas. As estimativas de sexo no autismo apontam que boa parte das meninas com TEA apresentam Deficiência Intelectual (DI), e assim um maior grau de severidade dos sintomas, contudo as que não possuem DI manifestam sintomas mais leves que os meninos e acabam não sendo notificadas (Júlio-Costa & Antunes, 2018).
Ainda neste sentido, Andersson et. al. (2013) investigaram a relação entre gênero e perfis clínicos de 40 crianças pré-escolares com diagnóstico positivo para o autismo (Tabela 1). Quanto à linguagem, dezenove das quarenta crianças não falavam ou apresentavam palavras isoladas (8 meninas e 11 meninos). Nove crianças apresentavam fala com ecolalia (6 meninas e 3 meninos) e doze das quarenta apresentavam comunicação funcional (6 meninas e 6 meninos). Não houveram diferenças significativas entre os grupos neste estudo. Parte disso talvez se deva a pequena amostra de crianças, que pode não ser representativa para a população geral.

Já Layton et. al. (2015) compararam o desenvolvimento de crianças típicas, com autismo de alto funcionamento (QI >70), autismo de baixo funcionamento (QI <69) e crianças com Déficit Intelectual através da escala Chinese Autism Diagnostic Scale (CADS), que examina domínios como comportamento motor, estereotipias, comportamento sensorial, brincadeira, interação social e linguagem expressiva e receptiva. Os resultados não indicaram diferenças significativas entre os grupos autismo de alto funcionamento e desenvolvimento típico. Já a respeito dos grupos autismo de baixo funcionamento e Déficit Intelectual, o primeiro apresentou escores inferiores aos do segundo em todos os aspectos da CADS. Por fim, os grupos autismo de alto e baixo funcionamento demonstraram semelhanças no domínio brincadeira, interação social, o que pode indicar que estes comportamentos eram comuns em crianças no espectro. Nenhuma comparação entre o grupo alta função e DI foi realizado, o que pode prejudicar a compreensão do impacto cognitivo para as habilidades de vida diária das crianças.
O estudo de Kantzer et. al. (2013) objetivou descrever o perfil clínico de crianças com rastreamento positivo para o TEA. Avaliaram uma amostra de 129 crianças em idades entre 19 e 49 meses no período entre 2009 e 2011. Para isto, realizaram o procedimento diagnóstico em três passos: (1) triagem breve de linguagem; (2) aplicação do MCHAT, e (3) observação da atenção conjunta (JA-OBS), realizadas por uma enfermeira ou pediatra treinados. Além disso, um professor e um psicólogo experientes avaliaram as crianças a partir do Autism Diagnostic Observation Schedule – Generic (ADOS-G); 72% (93/129) dos casos foram avaliados usando o Diagnostic Interview for Social and Communication Disorders (DISCO-11). Um médico conferiu os diagnósticos baseado no DSM-IV-TR. Na avaliação cognitiva, um neuropsicólogo realizou as testagens através dos seguintes instrumentos: (1) The Griffiths’ (112 casos); (2) Escala Wechsler de Inteligência para Crianças Pré-escolares (WPPSI-III) (8 casos); (3) Merrill-Palmer (5 casos). Foram avaliadas as habilidades motoras (por observação); adaptativas (Vineland Adaptive Behavior Scales -VABS) e o funcionamento geral na vida diária (The Children’s Global Assessment Scale - C-GAS). Por fim, um fonoaudiólogo examinou a linguagem dos participantes de acordo com a qualidade da comunicação, da seguinte maneira: a) nenhuma palavra; b) algumas palavras isoladas; c) algumas sentenças comunicativas; d) fala muito, com ecolalia, ou/e) fala muito, de maneira adequada


De todas as 129 crianças avaliadas com o protocolo supracitado (Kantzer et al, 2013), 100 receberam o diagnóstico do TEA. Para conferir validade aos diagnósticos, antes das avaliações, todos os enfermeiros e médicos foram treinados a fim de aumentar a consciência dos sintomas autistas. A respeito do nível cognitivo, das 100 crianças, 27 possuíam Funcionamento Intelectual Borderline e 36 Déficit Intelectual. A proporção de meninos: meninas no grupo TEA foi de 3,3:1.
No desenvolvimento da fala e da linguagem, os autores apontaram que 81% das crianças com menos que 36 meses não falavam “nenhuma palavra ou apenas algumas palavras”. Dentre as com mais de 36 meses, 34% “algumas palavras ou nenhuma palavra” e 27% “usavam algumas sentenças comunicativas.” A regressão de linguagem aconteceu em 11 crianças com Transtorno Autista e apenas uma demonstrou ‘‘regressão autística clássica’’ com perda de ambos os idiomas e habilidades sociais.
O estudo citado anteriormente demonstra que a avaliação de uma criança pré-escolar com autismo envolve questões importantes no que diz respeito aos seus objetivos. O primeiro ponto é compreender que o diagnóstico do TEA não se restringe a linguagem oral, mas sim abrange aspectos sociocomunicativo (linguagem e interação social) (APA, 2014). A partir disso dá-se a escolha dos métodos de avaliação, que vão desde rastreamentos até exames completos que investigam competência cognitivas do pré-escolar (Viana et al., 2012).
Outro ponto relativo ao método da avaliação do TEA foi discutido por Luyster et. al. (2008), os autores compararam resultados entre instrumentos de aplicação direta e de relatos parentais. Assim, recrutaram crianças com idades entre 18 e 33 meses de centros especializados em um estado dos EUA. Para as avaliações realizaram duas visitas a casa dos participantes. Na primeira, administraram as escalas ADOS-G; Mullen Scales of Early Learning (MSEL); Imitation Battery (IB); e o Early Social Communication Scales (ESCS). A segunda visita, conduzida com as mães através da Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R); o VABS e o MacArthur-Bates Communicative Development Inventories (MCDI). Identificaram medidas semelhantes e estatisticamente significativas entre ambos os tipos de instrumento. Constataram uma correlação significativa entre a habilidade de linguagem (expressiva e receptiva) e habilidades cognitivas-sociais. Isto é, crianças com melhores interações sociais e cognitivas (como jogo simbólico) também obtiveram melhores escores de linguagem (Luyster et al., 2008). Apesar da correlação positiva neste estudo, deve ser pontuado como limitação o pequeno tamanho da amostra, que inviabiliza a generalização dos resultados.
Em estudo longitudinal, Barbaro e Dissanayake, (2012) investigaram os perfis de desenvolvimento de 109 crianças com autismo em idades de 12 a 24 meses. Realizaram avaliações semestrais a partir dos 12 meses de idade. Oito crianças foram avaliadas três vezes (12, 18 e 24 meses); 29 crianças foram avaliadas duas vezes (aos 18 e 24 meses) e 72, apenas uma vez. Os diagnósticos foram determinados aos 24 meses, usando o ADOS e ADI-R. A caracterização da população, através da MSEL. As crianças com autismo, demonstram fraquezas nas habilidades verbais. Entretanto, a partir do segundo ano de vida, desenvolveram melhor a linguagem expressiva do que a receptiva. Neste estudo, os autores sugerem cautela na interpretação dos dados. Embora houvesse um grande número de participantes, nem todos estavam disponíveis para todas as análises de mudança no desenvolvimento e indicam que estudos adicionais são necessários, principalmente para compreender o papel da linguagem receptiva nesta população.
O desenvolvimento da linguagem está atrelado ao desenvolvimento de algumas habilidades, como por exemplo a atenção compartilhada, que possibilita a criança perceber o outro e entender a intenção do ato comunicativo (Backes et al., 2017). Esta habilidade, que costuma apresentar déficits no Autismo, permite o compartilhamento de interesses entre dois sujeitos e um objeto (Mundy et al., 1986; Oliveira et al., 2020).
Bottema-Beutel et. al. (2014) investigaram se o alto funcionamento no engajamento conjunto pode servir como um fator preditivo para o desenvolvimento da linguagem e comunicação social. No decorrer de oito meses de avaliações, com pesquisadores treinados, examinaram 63 crianças autistas e minimamente verbais, em idades entre 24 e 47 meses. Além do DSM-IV-TR, conferiu validade ao diagnóstico a escala ADOS. Utilizaram os seguintes instrumentos para avaliação do desenvolvimento: MSEL; Parent–Child Free Play Procedure (PCFP); MCDI; Communication and Symbolic Behavior Scales Developmental Profile (CSBS DP). Verificaram que crianças com maiores índices de atenção compartilhada tendiam a apresentar melhores resultados em tarefas de linguagem, já que as experiências de compartilhamento podem fornecer o apoio contextual e a motivação social necessária para linguagem expressiva e comunicação social, por serem meios pelos quais a criança interage com os outros (Bottema-Beutel et al., 2014). Apesar dos resultados estarem em consonância com outros estudos, houve limitações como: o número de indivíduos com alto índice de atenção compartilhada era menor do que os com esta função rebaixada, o que dificultou a testagem da hipótese inicial.

Outro estudo de Munson et. al. (2008) analisou a associação entre funções neurocognitivas como aprendizagem e memória de trabalho/operacional com o crescimento da habilidade social e de comunicação em 70 crianças com autismo. Em análise da curva de crescimento, identificou-se que o crescimento da socialização se relacionava com o aumento de habilidades como a capacidade de resolver problemas, recompensa pelo aprendizado e memória. Para a comunicação, um padrão similar foi detectado, porém, a memória e a recompensa pelo aprendizado surtiram menos efeito. Esses resultados podem fornecer suporte para a hipótese de que medidas de recompensa de aprendizagem no período pré-escolar preveem a taxa de crescimento social e de comunicação. No entanto, apontam como limitação a dificuldade na avaliação deste público. Por exemplo, em muitas tarefas, a criança não responde, o que acarreta na falta de dados.
A Tabela 2 apresenta os instrumentos que foram utilizados para avaliação cognitiva e de linguagem das crianças que compuseram a amostra. Salienta-se que houve uma grande variação dos instrumentos utilizados nos estudos, podendo observar que o desenvolvimento dos componentes cognitivos e da linguagem, em especial o sócio comunicativo, interação social, gestos, atenção compartilhada, imitação, comportamentos adaptativos foram os mais observados. Dentre os estudos brasileiros que foram incluídos nesta revisão, observa-se que dentre os citados, até o momento, para os critérios utilizados neste presente estudo, apenas o SON-R 2.5-7 está favorável e validado para a população brasileira no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), 2019.

A Tabela 3 apresenta a descrição dos instrumentos empregados nas avaliações dos estudos citados. Foram categorizados em dois grupos de acordo com a função que desempenhavam, a considerar o grupo 1 (rastreio) e o grupo 2 (diagnostico) do TEA. Em relação aos testes do grupo 2, o ADOS e ADOS-G ficaram entre os mais empregados nas avaliações. As mesmas são consideradas referências para o diagnóstico do autismo, baseiam-se em observações comportamentais semiestruturadas e estão divididas em quatro áreas, a saber: interação social recíproca, comunicação, comportamentos e interesses restritos e repetitivos (Moulton et al., 2016).
Em estudo longitudinal, com crianças de 6 meses de idade, consideradas com risco para o Autismo (possuíam irmãos diagnosticados o transtorno), examinou-se a relação entre o rebaixamento do olhar para os olhos e a manifestação do TEA, aos 24 meses de idade (Young et al., 2009). Na amostra de 49 crianças consideradas com risco e prejuízos no olhar, apenas 3 desenvolveram o TEA aos 24 meses. Apesar de pesquisas anteriores apontarem para relação entre os prejuízos no olhar e o autismo, para este estudo, esta característica não pode ser vista como um valor preditivo.
Veness et. al. (2012) analisaram quatro grupos de crianças (desenvolvimento típico, transtorno específico de linguagem, atraso no desenvolvimento e TEA) com idades entre 8 e 24 meses a fim de compreender os sinais que distinguem o autismo de outros transtornos infantis. Registraram que, aos 12 meses, não houve diferenças significativas entre os grupos, sobre o nível de preocupação parental com o desenvolvimento da linguagem, comportamento ou habilidades sociais. No entanto, aos 24 meses de idade, 70,6% dos pais das crianças com autismo reportaram preocupação com uma ou mais áreas do desenvolvimento, enquanto 40% dos pais de crianças com atraso no desenvolvimento, 25% para o transtorno específico de linguagem e 28,3% das crianças com desenvolvimento típico demonstraram algum tipo de preocupação (Veness et al., 2012). De modo semelhante, não encontraram diferenças significativas no aspecto comunicação social da escala Communication and Symbolic Behavior Scale Developmental Profile (Tabela 3), aos 8 meses de idade. Aos 12 meses o grupo autismo obteve pontuações significativamente menores do que as do grupo de desenvolvimento típico neste domínio (Veness et al., 2012). Ainda aos 12 meses de idade, o uso dos primeiros gestos comunicativos distinguiu o grupo com TEA dos demais. O primeiro grupo alcançou pontuações menores do que os outros. Aos 24 meses, as habilidades de mostrar, apontar e demonstrar interesse continuaram a diferenciar as crianças de desenvolvimento típico, do grupo autismo.
Apesar de prejuízos na linguagem estarem associados com a severidade no autismo, este aspecto isolado não é capaz de diferenciar crianças com TEA de crianças com transtornos de linguagem, tendo em vista que prejuízos comunicativos são comuns em diversas síndromes (Veness et al., 2012). Observou-se também o crescimento significativo sobre a preocupação dos pais no grupo de crianças com TEA aos 24 meses. Apesar dos prejuízos estarem presentes desde tenras idades, o Autismo dificilmente é diagnosticado antes dos três anos de idade (Veness et al., 2012).
Moulton et. al. (2016) ao analisar uma amostra de 190 crianças com idades entre dois a quatro anos, constataram que a estabilidade e mudança no diagnóstico relacionava-se com o nível cognitivo de cada criança, ou seja, enquanto as com alto comprometimento cognitivo permaneciam no espectro, as com maiores níveis cognitivos, não atendiam mais aos critérios diagnósticos aos quatro anos de idade. Este dado suporta a importância do mapeamento cognitivo na primeira infância, de modo que os ganhos cognitivos, favorecem para um bom prognóstico da criança.
Vanvuchelen et. al. (2011) investigaram a correlação entre prejuízos na imitação e o diagnóstico de crianças préescolares com TEA. Os pesquisadores identificaram que crianças com menos capacidade de imitação possuíam menores habilidades no domínio motor e de linguagem. Entende-se que a imitação como uma habilidade crítico para o desenvolvimento social e intelectual nos primeiros anos de vida, que por volta dos dois anos de idade auxilia no processo de aprendizagem de palavras, através da repetição dos sons.
Outro aspecto levantado pela literatura deu-se em estudo comparativo sobre as diferenças étnicas na expressão fenotípica do autismo, entre americanos hispânicos e nãohispânicos. Para isso, foram recrutadas 1061 crianças com idades entre abril de 2003 e dezembro de 2009 (Chaidez et al., 2012). Para avaliação do TEA foram usados os testes ADOS, ADOS-G, ADI-R. As habilidades cognitivas medidas através da VABS, MSEL. O nível de linguagem foi observado e codificado em categorias: funcionalidade no uso de frases, envolvendo três palavras ou mais; sem uso de frases, mas com o uso de ao menos cinco palavras diferentes ou sem fala, ou poucas palavras. Verificaram mais semelhanças do que diferenças entre hispânicos e não-hispânicos. Uma limitação deste estudo é que algumas das medidas baseiam-se exclusivamente nos relatórios parentais. Além disso, fatores culturais podem influenciar a percepção de comportamentos autistas e possivelmente frequência percebida de um comportamento particular.
A presente revisão sistemática teve como objetivo investigar os instrumentos utilizados para avaliar a cognição e a linguagem em crianças com Transtorno do Espectro Autista com idades de 0-6 anos. Para isto, traçou-se um panorama da literatura sobre o tema nos últimos 10 anos (2008 a 2018).
Quanto à origem dos participantes, grande parte teve origem nos Estados Unidos e em clínicas especializadas. Outro ponto relevante foi a escassez de literatura nacional sobre a avaliação neuropsicológica de pré-escolares com autismo. Este fato talvez esteja vinculado a dificuldade dos pesquisadores de acessarem a população.
Nota-se um risco de viés tendo em vista que seis dos estudos encontrados, foram publicados por grupos de autores em comum (Andersson et al. 2013; Bottema-Beutel et al., 2014; Kantzer et al., 2013; Yoder et al., 2015; Young et al., 2009; Young et al., 2011;). Este achado pode explicar o motivo do crescimento das publicações no período compreendido entre 2012 a 2015 e indicar que tanto a escolha dos instrumentos, quanto das metodologias de análise podem conter vieses dos grupos de pesquisa. O número de pesquisas realizadas pelo mesmo grupo de pesquisadores pode ser considerado uma limitação.
Apesar dos temas cognição e linguagem terem sido recorrentes nos artigos selecionados, nota-se uma grande heterogeneidade nas pesquisas, sendo investigados diferentes aspectos das habilidades mencionadas. Um primeiro desafio enfrentado foi a abrangência do termo cognição, que engloba diferentes aspectos do processamento mental. Isto dificultou a correlação dos resultados, tendo em vista que a literatura englobava diferentes pontos e metodologias para aferição desta habilidade. Da mesma forma, foi possível identificar limitações metodológicas, principalmente em relação à caracterização das amostras, o baixo quantitativo de participantes, atrelado as suas peculiaridades pode tornar sensível a generalização dos resultados. Assim, a linguagem esteve associada ao desenvolvimento de outras funções como a atenção compartilhada e cognição. Ainda, os diagnósticos foram realizados no período etário compreendido entre 24 e 36 meses, o que pode sugerir que pesquisas na área contribuam não só para o aumento da literatura a respeito do autismo, quanto para o diagnóstico precoce dos pequenos.
De modo geral, esta revisão possibilitou explorar alguns aspectos da sintomatologia do TEA, enfocando na cognição, linguagem e instrumentos psicológicos, neuropsicológicos e psiquiátricos utilizados na investigação deste público. Por fim, sugere-se que novos estudos sejam realizados a fim de ampliar os resultados aqui descritos.




