Resumen: En este estudio se discuten los datos obtenidos de la evaluación neuropsicológica de un niño de siete años con el síndrome de Treacher Collins (STC). Un trastorno autosómico con una incidencia de 1:50.000 nacimientos, caracterizado por malformaciones craneofaciales. El objetivo fue identificar, a partir de un estudio de caso único, las características cognitivas de un paciente con STC. El rendimiento intelectual (Gf - inteligencia fluida), los procesos cognitivos básicos (procesamiento visual y coordinación visuomotora), los procesos cognitivos superiores (lenguaje, atención, memoria y funciones ejecutivas) y el comportamiento del niño se evaluaron mediante pruebas formales, entrevista y observación clínica. Los resultados sugieren una capacidad intelectual general preservada, aunque asociada a déficit en el desarrollo motor y la función visual, con una disminución de la velocidad de procesamiento y del funcionamiento ejecutivo, como la planificación y el control atencional. Dada la rareza de este síndrome, consideramos que estos hallazgos pueden favorecer la identificación temprana de las características cognitivas del STC para perfilar una intervención adecuada y así optimizar el resultado de las intervenciones en el desarrollo neuropsicológico de los pacientes afectados, considerando sus particularidades cognitivas y relacionando los contenidos académicos y la conducta con la demanda de vida. Todavía, se subraya la importancia de la comparación de este estudio con otros pacientes con el citado síndrome para confirmar la generalidad de las alteraciones observadas.
Palabras clave: evaluación neuropsicológica, cognición, disturbios genéticos, síndrome de Treacher Collins.
Resumo: Neste estudo são discutidos os dados obtidos da avaliação neuropsicológica de um menino de sete anos de idade com Síndrome de Treacher Collins (STC). Um distúrbio autossômico com incidência de 1:50.000 nascimentos, caracterizado por malformações craniofaciais. O objetivo foi identificar, a partir de um estudo de caso único, as características cognitivas de um paciente com STC. Foram avaliados o desempenho intelectual (Gf – inteligência fluída), os processos cognitivos básicos (processamento visual e coordenação visuo-motora), os processos cognitivos superiores (linguagem, atenção, memória e funções executivas) e o comportamento de uma criança por meio de testes formais, entrevista e observação clínica. Os achados sugerem capacidade intelectual geral preservada, contudo associada a déficits no desenvolvimento motor e na função visual, com diminuição da velocidade de processamento e do funcionamento executivo, como o planejamento e o controle atencional. Dada a raridade desta síndrome, consideramos que estes achados possam incentivar a identificação precoce de características cognitivas da STC para delinear uma intervenção adequada e desta forma otimizar o resultado das intervenções no desenvolvimento neuropsicológico dos pacientes afetados, considerando suas particularidades cognitivas e relacionando o conteúdo acadêmico e o comportamento à demanda de vida. Todavia, ressalta - se a importância da comparação deste estudo com demais pacientes portadores da referida síndrome para confirmar a generalidade das alterações observadas.
Palavras-chave: avaliação neuropsicológica, cognição, distúrbios genéticos, síndrome de Treacher Collins.
Résumé: Cette étude traite des données obtenues lors de l'évaluation neuropsychologique d'un garçon de sept ans atteint du syndrome de Treacher Collins (TCS). Trouble autosomique dont l'incidence est de 1 : 50 000 naissances, caractérisé par des malformations craniofaciales. L'objectif était d'identifier, à partir d'une seule étude de cas, les caractéristiques cognitives d'un patient atteint de SCC. Les performances intellectuelles (Gf - intelligence fluide), les processus cognitifs de base (traitement visuel et coordination visuo-motrice), les processus cognitifs supérieurs (langage, attention, mémoire et fonctions exécutives) et le comportement de l'enfant ont été évalués au moyen de tests formels, d'entretiens et d'observations cliniques. Les résultats suggèrent une capacité intellectuelle générale préservée, associée toutefois à des déficits dans le développement moteur et la fonction visuelle, avec une diminution de la vitesse de traitement et du fonctionnement exécutif, comme la planification et le contrôle attentionnel. Compte tenu de la rareté de ce syndrome, nous considérons que ces résultats peuvent encourager l'identification précoce des caractéristiques cognitives du SCC afin d'esquisser une intervention appropriée et ainsi optimiser le résultat des interventions dans le développement neuropsychologique des patients affectés, en tenant compte de leurs particularités cognitives et en reliant le contenu et le comportement académiques à la demande de la vie. Cependant, il est important de comparer cette étude avec d'autres patients atteints de ce syndrome afin de confirmer la généralité des altérations observées.
Mots clés: évaluation neuropsychologique, cognition, troubles génétiques, syndrome de Treacher Collins.
Abstract: This study discusses findings obtained from a neuropsychological assessment of a seven-year-old boy with Treacher Collins Syndrome (TCS), an autossomic disorder with an incidence of 1:50.000 live births characterized by craniofacial malformations. This research is a single case study on the description of the neuropsychological profile of a seven-year-old child, diagnosed with TCS. We assessed the child’s intellectual development (Gf - fluid intelligence), basic cognitive processes (visual processing and motor coordination), higher cognitive processes (language, attention, memory, and executive functions) and behavior via formal testing, interviews and clinical observation. Aa preserved intellectual capacity was observed, associated with deficits in motor development and visual function, along with decreased processing speed and executive functioning, which impacted secondary executive functions, such as planning and attention control. Given the rarity of this condition, we assume that these findings may promote an early identification of cognitive features of TCS to delineate a proper intervention, optimizing their neurodevelopmental outcome by considering their personal cognitive deficits, connecting the academic content to his life demands. However, the importance of comparing this study to other patients with the syndrome is emphasized to confirm the generality of the observed changes.
Keywords: neuropsychological assessment, cognition, genetic disorders, Treacher Collins syndrome.
Aspectos neuropsicológicos na Síndrome de Treacher Collins: relato de um caso
Aspectos neuropsicológicos em el Síndrome Treacher Collins: relato de um caso
Aspects neuropsychologiques dans le syndrome de Treacher Collins : un rapport de cas
Neuropsychological aspects on the Treacher Collins Syndrome: a case report
Recepción: 21 Febrero 2022
Aprobación: 22 Agosto 2022
A Síndrome de Treacher Collins (STC) é uma condição craniofacial congênita severa (Trainor et al., 2009), com incidência estimada de 1:50.000 nascimentos (Dauwerse et al., 2011) e caracterizada pelo desenvolvimento de anomalias bilaterais simétricas no primeiro e segundo arco branquial (estruturas ósseas circulares do sistema respiratório) ao longo do período embrionário (Anil et al., 1995; Madhan & Nayar, 2006). Também conhecida como Disostose Mandibulofacial ou Síndrome de Franschetti-Klein, essa doença genética foi inicialmente descrita por Thomson e Tonybee em 1846 (Anil et al., 1995; Dubey & Gupta, 2006), mas se tornou mundialmente reconhecida pelos trabalhos do odontólogo e cirurgião inglês Edward Treacher Collins após ele descrever dois casos de pacientes com este quadro, no ano de 1900.
A Síndrome de Treacher Collins é uma condição genética de caráter dominante e autossômico, geralmente resultante de uma mutação do gene TCOF1, que em 40% dos casos vem de herdabilidade parental e com chance de 50% de transmissão aos descendentes, porém também pode ocorrer pela alteração nos genes POLR1D e POLR1C (Dauwerse et al., 2011; Schaefer et al., 2014; Sanchez et al., 2020; Trainor et al., 2009; Yan et al., 2018).
Uma alta porcentagem dos indivíduos afetados pela síndrome possuem uma expressão fenotípica variada, mas com sinais evidentes de tais alterações na face principalmente, pois o gene TCOF1 é responsável pela decodificação de uma proteína que possibilita a proliferação de células essenciais para um desenvolvimento craniofacial típico. Uma mutação neste gene resulta na morte dessas células e, como consequência, causa uma insuficiência celular na crista neural, que por sua vez pode provocar hipoplasia cranioesqueletal, que é em outros termos, a má formação do crânio e da face (Sakai & Trainor, 2009; Sanchez et al., 2020; Trainor et al., 2009; Yan et al., 2018).
Essa má formação é evidente no exame clínico e abrangem alterações dentais, oftalmológicas e otológicas, envolvendo os ossos faciais, em especial o da mandíbula, que aparece em 78% dos casos, e do complexo zigomático, presente em 81% dos pacientes (Ambarkova, 2017; Grzanka & Piekiełko-Witkowska, 2021; Trainor et al., 2009).
As modificações dentais aparecem em 60% dos casos e entre as anomalias mais comuns estão a hipoplasia da mandíbula (desenvolvimento incompleto do tecido ósseo da mandíbula), agenesia dental, a erupção ectópica dos primeiros molares (nascimento dos molares em lugares indevidos) e maloclusão (posicionamento impróprio dos dentes) (Ambarkova, 2017; Grzanka & Piekiełko-Witkowska, 2021; Ricalde & Ahson, 2022).
Em relação às alterações oftalmológicas mais encontradas constam a perda de visão e estrabismo em 37% dos casos, falta de acuidade visual sem causa orgânica definida ou ambliopia, que aparecem em 33% dos pacientes e erros de refração visual em virtude de uma má formação, relatada em 58% dos casos. Além dos prejuízos visuais, também é comum aos pacientes da STC a má formação dos ductos lacrimais, das pálpebras e da cavidade ocular (Ambarkova, 2017; Katsanis et al., 2004; Ricalde & Ahson, 2022). Por fim, as anormalidades otológicas abrangem a perda auditiva condutiva, presente em 40 a 50% dos casos, sendo que estas podem variar de gravidade leve a severa, a depender de má formação das estruturas auditivas, que pode ser parcial ou com ausência completa da orelha externa. Além disso, os prejuízos auditivos também são oriundos de hipoplasia, caracterizados pelo mau posicionamento das conchas das orelhas e má formação ou ausência do canal auditivo (Ambarkova, 2017; Katsanis et al., 2004; Ricalde & Ahson, 2022).
No que concerne as alterações cognitivas, a literatura internacional pontua que não é comum que o indivíduo com essa síndrome apresente déficits. As pesquisas apresentam maior enfoque em aspectos fisiopatológicos, sem averiguar a cognição, ou até mesmo, afirmando não haver danos cognitivos (Ambarkova, 2017; Katsanis et al., 2004; Sakai, 2009; Trainor et al., 2009).
O estudo de Arndt et al. (1987) focou nas adequações psicossociais das alterações causadas pela STC, entretanto ao mensurar o perfil cognitivo de seus participantes, utilizou somente o índice de QI geral, o qual não dispõe sobre as potencialidades e dificuldades cognitivas mais específicas do indivíduo. Em seu estudo, esses autores não encontraram diferenças entre a população normal e seu grupo clínico. Estudos de caso mais recentes também corroboram com os estudos anteriores e tendem a concordar que déficits cognitivos não fazem parte da sintomatologia apresentada por pessoas com STC, o que é demonstrado no estudo de Kruk- Marzalek & Kruk-Marzalek (2021).
Contudo, esses estudos são exploratórios e focados na descrição fisiopatológica da STC. Para mensurar o impacto dessa síndrome no desenvolvimento deve-se tomar o posicionamento da multifatorialidade. Karmiloff-Smith (1998) destaca que ao trabalhar com transtornos do desenvolvimento deve-se levar em consideração que haverá uma interação entre genes sendo expressos e a cascata de eventos que levam a expressão de um comportamento, ou de alterações neurocognitivas.
Nessa perspectiva, o estudo de Vincent et al. (2014) indica que quando há casos de alterações cognitivas em pessoas com STC, essas alterações são frutos da deleção dos genes TCOF1 e CAMKA2 que podem se expressar na diminuição da massa encefálica por inibir percursores de desenvolvimento, ocasionando casos de má formação orbito- frontal ou até microcefalia. Assim, como há fatores de hereditariedade na deleção desses genes, a avaliação do perfil neuropsicológico dos portadores de STC torna-se relevante para identificar potenciais dificuldades e promover meios de intevenção adequados.
Adicionalmente Ben-Yishaw & Diller (2011) demonstram que não há dissociação entre fatores comportamentais, emocionais, neuropsicológicos e vocacionais quando se refere em estabelecer planos de tratamento que visam a readequação ou adaptação de pacientes com alterações neuropsicológicas, sendo todas igualmente importantes. Essa visão de tratamento transdiagnóstica é reforçada na obra de Ricalde e Ahnson (2022) que pontua que independentemente da causa, a STC é uma síndrome que afeta o indivíduo em vários sistemas e causa impacto pertinente em sua vivência, logo ela trata alterações cognitivas e emocionais que virão como secundárias as suas alterações físicas.
Em virtude da variedade das alterações como consequência direta e indireta (secundária) a STC apresentadas, o manejo de pacientes, em especial com crianças, é multidisciplinar e perpassa áreas como oftalmologia, otorrinolaringologia, neurologia, odontologia, serviço social, fisioterapia, psicologia e neuropsicologia (Rodrigues et al., 2015). Os neuropsicólogos como integrantes dessa equipe, podem contribuir com conhecimentos referentes a organização cerebral dos processos mentais (inteligência, atenção, funções executivas, memória, linguagem, percepção e funções motoras) e seus possíveis impactos para aprendizagem em caso de uma lesão cerebral ou de alterações no neurodesenvolvimento (Malloy- Diniz et al., 2018; Mesulam, 2000).
A avaliação neuropsicológica infantil é indicada para qualquer caso com suspeita de dificuldades cognitivas ou comportamentais que tenham base neurológica, pois é através deste processo que poderá elaborar um perfil neuropsicológico para compreender o funcionamento cognitivo do paciente. O protocolo de avaliação deve considerar as dificuldades evidentes e, a partir dos resultados nos instrumentos selecionados, análise clínica e avaliação de demais exames (imagem, relatório escolar, fonoaudiológico, etc), entender os processos de maturação cerebral e comparar com os parâmetros de desenvolvimento das crianças na mesma faixa etária (Costa et al., 2004). Assim sendo, o trabalho multidisciplinar é uma via de duas mãos, pois os resultados das diferentes avaliações, inclusive a neuropsicológica, contribuem para a instrumentalização de profissionais na estimulação precoce com o paciente, garantindo assim uma melhor adaptação, pois se vale da capacidade plástica cerebral.
Ao buscar referências correlacionando achados cognitivos com a STC (Scielo, Pubmed e Bireme), observou- se que seus impactos ainda não foram extensivamente estudados no cenário nacional, ao contrário dos relatos referentes às alterações auditivas e da fala (Monlleó & Gil-da- Silva-Lopes, 2006). Portanto, se torna necessário avaliar e identificar possíveis dificuldades cognitivas e emocionais provenientes e difundir tais achados, garantindo aos profissionais que atuam com o paciente sindrômico um melhor entendimento sobre a condução de tratamentos precoces e/ou manejo no âmbito da aprendizagem, do planejamento escolar, e prevenção de sintomas emocionais, garantindo uma melhor adaptação às demandas da vida.
Pablo (nome fictício) tem 7 anos, sexo masculino, foi diagnosticado com a Síndrome de Treacher Collins ao nascer. Apesar de sua mãe ter realizado o exame pré-natal, alterações precoces no feto não foram identificadas. Pais com condições boas de saúde no período da fecundação, sem histórico familiar de alguma síndrome. A gestação de Pablo ocorreu sem intercorrências, mas com uma sequência de cinco paradas cardiorrespiratória ao nascer. Seu neurodesenvolvimento ocorreu dentro dos parâmetros esperados (início da marcha com um ano), porém devido ao comprometimento auditivo (perda bilateral de 70%) e ausência das duas conchas da orelha, a fala se iniciou tardiamente e via traqueostomia, sendo esta de difícil compreensão. O paciente faz uso de implante coclear desde os 5 anos. Passou por dezenas de cirurgias, voltadas à reconstrução estética, do sistema gástrico, oftalmológicas e de reconstrução do canal respiratório. Alimentação ocorre via sonda, composta de alimentos pastosos e pela ausência das pálpebras há sensibilidade a luz.
O paciente faz acompanhamento interdisciplinar composto por terapia fonoaudiológica e sessões de fisioterapia desde os 6 meses, além de acompanhamento psicológico e com médicos de diferentes especialidades.
Pablo é estudante do 3º ano do ensino fundamental na rede municipal de ensino da capital onde reside e apresenta expressivas dificuldades para a aquisição da aprendizagem, não estando até o momento alfabetizado, apesar de reconhecer todas as letras. O comprometimento auditivo contribui para tais dificuldades, pois Pablo não distingue sons agudos, com previsão no plano escolar de início de uso de aparelho FM. Ele participa de sala de recurso uma vez na semana e nos dois primeiros anos escolares contava com a assistência de um tutor em sala de aula. Socialmente não há prejuízos e suas brincadeiras e interesses são adequados à idade.
O protocolo de avaliação foi cautelosamente selecionado, considerando as dificuldades de compreensão e expressão verbal do paciente, sendo estas um limitador para o uso de ferramentas de output verbal.
Além dos instrumentos formais e complementares citados abaixo, como parte do procedimento da avaliação, relatórios descritivos escolares referentes à educação infantil, ensino fundamental, avaliação psicopedagógica, documentos médicos e parecer da fonoaudióloga foram analisados para melhor compreender o histórico de desenvolvimento de Pablo. Um questionário escolar para a atual professora também foi encaminhado, verificando os aspetos da aprendizagem (facilidades e dificuldades, motivação e participação em sala) e relacionamento da criança com seus pares e professores.
Avaliação neuropsicológica Luriana (Glozman, 2014): instrumento de rastreio cognitivo geral com análise qualitativa, que permite diferenciar problemas de aprendizagem e comportamento, o qual compreende a avaliação de orientação pessoal e têmporo-espacial, lateralização funcional, praxias, esterognosia, funções mnêmicas (verbal, visual, sequência de movimentos), linguagem (fala automatizada e controlada, compreensão verbal, nomeação de figuras, narração de sequência de imagens, reconto de história, leitura, escrita narrativa, gnosia grafêmica), atenção visual, percepção (discriminação de figuras ocultas e sobrepostas, reconhecimento de partes da figura), raciocínio (espacial, exclusão de conceitos e verbal, analogias), raciocínio matemático. Busca-se com este instrumento entender o que o paciente sabe realizar sozinho e o que necessita de ajuda, permitindo entender sua zona de desenvolvimento proximal.
SON-R 2½-7[a] (Laros et al., 2015): avalia a inteligência de crianças entre dois anos e meio e sete anos através de quatro subtestes, que são divididos em escala de execução, que mensura habilidades espaciais e viso-motoras e escala de raciocínio, que avalia raciocínio abstrato e concreto.
Teste de inteligência não verbal R2 (Rosa & Alvez, 2000): instrumento que avalia aspectos não verbais da inteligência de crianças de cinco a onze anos. É composto por 30 pranchas coloridas com figuras concretas e abstratas, nas quais em cada uma, a criança deve identificar qual a parte faltante na figura principal e selecionar a resposta, dentre as alternativas possíveis.
Escala Wechsler de Inteligência para crianças – WISC IV (Wechsler, 2014): foram aplicados os subtestes cubos (análise e síntese de estímulos visuais abstratos), cancelamento (velocidade de processamento, atenção visual seletiva e vigilância), código (velocidade de processamento, memória visual de curto prazo, aprendizado e coordenação viso-motora) e procurar símbolos (coordenação visual, memória visual de curto prazo, flexibilidade cognitiva, discriminação visual e concentração).
Bateria psicológica de atenção – BPA (Rueda, 2013): avaliação da capacidade geral da atenção de pessoas entre 6 a 82 anos, bem como suas formas individualizadas, considerando atenção concentrada, dividida e alternada.
Teste de trilhas (Dias et al., 2012): avalia atenção, flexibilidade cognitiva, busca visual e velocidade de processamento de crianças de seis a quatorze anos. O teste é dividido em parte A (processos automatizados atencionais) e parte B, de maior complexidade e exigência de recursos cognitivos (funções executivas).
Token test (Malloy-Diniz et al., 2007): avaliação da linguagem receptiva de crianças de sete a dez anos. É solicitado a criança que toque em peças que variam de forma, cor e tamanho, sendo 36 instruções no total, que aumentam de complexidade conforme avanço da tarefa.
Teste Gestáltico Visomotor de Bender (Sisto et al., 2006): avaliação da maturação percepto-motora pela distorção de forma de crianças de seis a dez anos. É solicitado que a criança copie cada uma das nove figuras, com diferentes graus de complexidade, em uma única folha sulfite.
Figuras complexas de Rey (Oliveira & dos Santos, 2014): avaliação de componentes visuoespaciais e visoconstrutivos, planejamento e memória episódica visual. Com ampla faixa etária (4 a 93 anos), o teste é composto por uma figura complexa que deve ser copiada e após um curto período de tempo resgatada de memória.
Teste de habilidade e conhecimento pré- alfabetização – THCP (Silva et al., 2011): identificação das habilidades e do nível de conhecimento para alfabetização em crianças de quatro a sete años.
A demanda da avaliação proveio de solicitação familiar e escolar a fim de compreender o perfil cognitivo do paciente e correlacionar com suas dificuldades escolares, identificando a possibilidade de seguir no curso regular da aprendizagem. Houve concordância dos responsáveis quanto à difusão do caso para a comunidade científica, com assinatura do TCLE (termo de compromisso livre e esclarecido), adicionalmente, essa pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética nº 93612418.0.0000.0106. A coleta de dados ocorreu em sala bem iluminada, porém com controle de luminosidade devido a sua sensibilidade, ventilada e livre de distrações auditivas. O procedimento completo durou 8 sessões de 50 minutos, sendo uma de anamnese com os pais, 5 com o paciente para coleta de dados e duas devolutivas (familiar e escolar).
Para a pontuação do desempenho de Pablo, foram considerados os escores interpretativos indicados no manual de cada instrumento (percentil, ponto ponderado, escore T).
Pablo foi participativo e motivado ao longo da avaliação, mas com maior interesse e engajamento nas tarefas com estímulos lúdicos. Apresentou-se em desenvolvimento para a aprendizagem, com defasagens evidentes ao ser comparado com crianças de sua idade. Fatores adversos contribuem para essa defasagem pois, devido ao comprometimento auditivo e correção com uso de aparelho recente, sua estimulação cognitiva sofreu impactos.Na análise de documentos, o relatório escolar da educação infantil indicou que Pablo era capaz de ter compreensão de instruções simples e o seu desenvolvimento cognitivo estava compatível com o esperado para a idade, porém no material referente a seu primeiro ano escolar, junto com a alfabetização, as defasagens começaram a ficar evidentes, com relatos de dificuldades de compreensão verbal que impactavam a retenção de conteúdos pedagógicos, bem como agitação no ambiente escolar. Realizou avaliação psicopedagógica ao adentrar no 1º ano do ensino fundamental, a qual foi solicitada a presença de tutor para acompanhá-lo nas atividades acadêmicas, pois nesse período entendeu-se haver defasagem na aprendizagem e no mesmo período o relatório fonoaudiológico indicou dificuldades de compreensão, principalmente em ambientes ruidosos, sendo necessário apoio individual devido a perda auditiva moderada. Pablo contou com tutor até o final do 2º ano escolar.


Em seu desempenho nesta avaliação, Pablo mostrou compreensão verbal de instruções simples, porém quando indicada instruções com mais de dois comandos ou complexas, houve prejuízos na execução por não manter as informações na memória de trabalho. A ausência de compreensão em algumas tarefas foi prejudicada por dificuldades linguísticas e baixa flexibilidade cognitiva, algo que ficou evidente no Teste de Trilhas, no qual Pablo pautou- se na execução concreta ao reproduzir as ligações do exemplo tanto para a etapa de atenção automática (parte A), quanto na flexibilidade cognitiva (parte B). Entendeu-se que a dificuldade expressa não foi oriunda de falta de conhecimento da ordem alfabética ou na sequência numérica pois, em tarefas anteriores, ele mostrou conhecimento de tais conceitos.
Considerando os aspectos não verbais da inteligência (inteligência fluída – Gf), pré-requisito para a aprendizagem formal, e que é medido pelo teste R2, Pablo obteve desempenho um pouco acima do esperado (tabela referente a estudantes de escola pública), indicando capacidade de raciocínio dedutivo. Mostrou recursos de resolução de problemas a partir de suas experiências adquiridas, percebendo semelhanças entre elementos e inferindo soluções a partir deles. Para situações mais abstratas necessitou de apoio externo, porém com agilidade para perceber as relações e seguir com a execução sozinho. Suas dificuldades se deram em itens envolvendo raciocínio classificatório e lógico matemático, bem como alguns erros oriundos de falta de atenção.
Comparando as dificuldades no raciocínio lógico- matemático do teste R2 com o componente pensamento quantitativo do teste THCP, que avalia a percepção de diferenças entre tamanhos e quantidades, ordenação de elementos, associação entre quantidade e número, bem como contagem de elementos, Pablo apresentou dificuldades em associar figuras a números ordinais e na assimilação de objetos distribuídos, que envolve soma e subtração de maneira concreta, confirmando a defasagem nesse tipo de raciocínio.
Em virtude das dificuldades verbais, optou-se pela não utilização da bateria Wechsler para crianças na íntegra, sendo mensurado seu potencial intelectivo pelo teste SON-R. O QI geral obtido por Pablo foi médio inferior, mostrando que suas habilidades estão em desenvolvimento e há potencial cognitivo para aprendizagem, porém há necessidade de estimulação cognitiva e psicopedagógica para contribuir na aceleração desse processo. Nos conteúdos relacionados ao raciocínio concreto e abstrato (SON-ER: 92), que exigem resolução de problemas do dia a dia e dependem das habilidades verbais, encontrou-se dentro da média esperada. Para habilidades espaciais, visou-motoras e de execução, bem como se orientar no espaço tridimensional (SON-EE: 79; identificando posições da bateria Luriana), obteve desempenho limítrofe, com necessidade de apoio externo para correta identificação.
Nas tarefas construtivas, como Figuras Complexas de Rey (FCR), Pablo teve expressivas dificuldades na percepção global da figura e no planejamento para sua execução, algo que também se evidenciou pelo baixo desempenho no teste Bender e no subteste habilidades perceptomoras (THCP) e na tarefa de praxia da bateria Luriana. Consequentemente, seu resgate pela memória visual refletiu em um desempenho inferior (FCR), na medida em que a cópia foi prejudicada pelas habilidades perceptivas. Esses prejuízos podem se estender a aspectos escolares para a integração de informações oriundas de diferentes estimulações (interpretação de histórias ouvidas ou para a leitura e compreensão de textos), ou até mesmo para a integração das letras para escrita de palavras.
O rebaixamento supracitado não se mostra oriundo de alterações perceptivas, visto que em tarefas de reconhecimento de figuras ocultas e sobrepostas, a discriminação visual esteve preservada.
No domínio atencional mensurado pelo teste BPA, seu desempenho foi rebaixado em todos os processos avaliados (atenção seletiva, dividida, alternada), acordando com as observações clínicas acerca da elevada dificuldade de manutenção do tônus atencional, representado pela falta de foco, com necessidade de resgate verbal do avaliador. Além da agitação (ausência de controle inibitório), omissões ocorreram em larga escala na localização dos estímulos alvo. Todavia, com diminuição de estímulos distratores (substeste atenção do THCP), o seu desempenho mostrou-se dentro da média.
O avaliando mostrou dificuldades no domínio das funções executivas, como flexibilidade cognitiva e memória operacional, já indicados acima, além do controle inibitório, expressado por elevada agitação psicomotora e em permanecer por um longo período de tempo na mesma atividade ou sentado. Essa inquietação se intensificou frente a demandas cognitivas e houve maior controle em tarefas de caráter lúdico. Mostrou também dificuldades em esperar a sua vez, atravessando-se para realizar alguma tarefa, principalmente quando a compreende de imediato. Tal impulsividade prejudicou o planejamento na execução de tarefas, não as analisando previamente, o que o fez executar seu trabalho por tentativa e erro.
No domínio da memória, tanto as informações provindas de input visual quanto auditivo, Pablo mostrou desempenho dentro do esperado, se beneficiando de repetição, a qual possibilita ascensão de sua curva de aprendizagem. Todavia, quando as informações foram incluídas em um contexto, mostrou prejuízos, fazendo alteração na ordem temporal dos fatos.
Por fim, analisando sua cognição social por intermédio de estímulos lúdicos, Pablo conseguiu entrar no jogo simbólico e usar objetos de maneira funcional, com leves dificuldades na criação de novas funções em estímulos abstratos, porém com aprendizagem incidental ele otimizou sua atuação e desenvolve a brincadeira. Apesar de desrespeito a regras e necessidade de modelagem por não suprimir o impulso de aguardar instruções e compreender o que deve ser feito devido a agitação, pôde se adequar ao ambiente.
O objetivo deste estudo foi levantar o perfil cognitivo de um portador da Síndrome Treacher Collins, a fim de entender suas habilidades e dificuldades, bem como capacidade para seguir a aprendizagem em classe regular.
Instrumentos não verbais foram priorizados na avaliação, visto a dificuldade de expressão verbal do paciente, em concordância com o apontamento feito por Cejas et al. (2018) que afirmam que para avaliar o fator G de inteligência em indivíduos com potencial perda auditiva é prudente selecionar instrumentos não verbais.
O paciente mostrou preservada sua capacidade de raciocínio, apontando potencial para seguir no curso da aprendizagem. Tal desempenho vai de encontro aos achados na literatura internacional, que descrevem casos de STC e de crianças com implante coclear com índice de inteligência dentro da média da população geral (Arndt et al., 1987; Cejas et al., 2018; De Giacomo et al., 2013; Geers, & Sedey, 2011; Kothari, 2012; Quittner et al., 2016; Rodrigues et al., 2015; Steed-Jenser, 2011).
Em atividades com demanda de funções executivas, houve dificuldades de Pablo quanto ao planejamento, controle inibitório, memória operacional, flexibilidade cognitiva e auto monitoramento, habilidades estas relacionadas ao circuito dorsolateral e orbitofrontal (Miller, 2007). Em contrapartida, Pablo se mostra capaz de buscar novas possibilidade de respostas quando há parâmetros (pistas ambientais), mas com pouco repertório para sustentar tal comportamento quando não há estrutura externa que direcione suas respostas.
Apesar de prejuízos nas funções executivas, linguagem compreensiva, visuoconstrução e atenção, que acabam por impactar sua assimilação de conteúdos, mas considerando sua boa adaptação e interação social, além dos substratos de memória preservada, entende-se a potencialidade de seguir no curso regular da aprendizagem, porém com apoio substancial de um tutor e adaptações ao conteúdo escolar.
Ao comparar os resultados do participante com os estudos estrangeiros de avaliação cognitiva na STC, é observado discrepâncias nos resultados, não sendo possível, para o momento, buscar uma equidade de perfil desta síndrome. Nas pesquisas internacionais a síndrome de Treacher Collins é raramente avaliada em termos cognitivos porque sua manifestação em relação a alterações do nível intelectual é rara (Teber et al., 2004). Com isso em mente, muitos autores concluem que possíveis alterações cognitivas são mínimas (Arndt et al., 1987; Vincent et al., 2015).
Desses estudos, somente Arndt et al. (1987) fizeram uso das escalas Wechsler, mas seus resultados não mostraram discrepâncias entre a população com STC da população típica. Porém este não explorou os constructos mensurados pelos itens, levantando conclusões apenas considerando a medida do QI, sem explorar os outros substratos do modelo CHC de inteligência. Apesar maioria das crianças com Treacher Collins terem desenvolvimento cognitivo compatível com seus pares, eles ainda se apresentam como fator de risco para o desenvolvimento de alterações auditivas e cognitivas (Cruz et al., 2012; The National Craniofacioal Association [FACES], 2020), sendo importante que haja uma avaliação minuciosa sobre a extensão das potencialidades e dificuldade de uma pessoa com STC. Considerando os aspectos intelectuais, o perfil de Pablo está compatível com os achados, todavia esta avaliação não se limitou a avaliação da inteligência, considerando uma amplitude de domínios cognitivos, os quais não são apontados na literatura.
Entende-se que o exame neuropsicológico infantil contribui para a identificação de potencialidades e dificuldades do paciente, que não se limita a uma análise psicométrica, o que possibilita uma intervenção adequada e voltada às suas características. Cabe destacar que devido a raridade da síndrome avaliada adotou-se, para a decisão de inclusão em classe especial ou manter-se na regular, uma perspectiva idiográfica de avaliação, ou seja, comparação do indivíduo com o seu próprio perfil. Para Malloy-Diniz et al. (2018), essa modalidade de avaliação leva em consideração a somatória dos dados obtidos pela história clínica do participante (entrevista, questionários e observação informal) e dos testes neuropsicológicos selecionados, dos quais posteriormente serão relacionados a hipóteses construídas com base em modelos cognitivos.
A discussão do perfil neuropsicológico do quadro clínico apresentado neste artigo pode favorecer reflexões sobre as implicações para o planejamento escolar, bem como auxiliar na tomada de decisão no processo de reabilitação, de modo a contribuir para a estimulação de crianças acometidas pela Síndrome de Treacher Collins.
Karmiloff-Smith (1998) pontua nesse sentido que a identificação das potencialidades e dificuldades das crianças através da avaliação neuropsicológica auxiliam a construir uma trajetória de desenvolvimento guiada por tarefas especificas, as quais são moldadas em avaliações neuropsicológicas. Esse tipo de abordagen reabilitativa favorece para que a criança retome sua potencialidade e possa se desenvolver dentro de seus limites.
Considerando a raridade da STC, na qual ainda existem poucos relatos de casos e as reflexões teóricas são escassas, este artigo visa auxiliar na construção do campo de estudos dos impactos neuropsicológicos das síndromes genéticas, especialmente no Brasil. Contudo, sendo este um estudo de caso único, pode não abranger a amplitude de alterações possíveis, sendo interessante que outros profissionais que avaliem pacientes portadores desta síndrome também publiquem ou discutam em eventos da área os quadros clínicos, buscando assim o levantamento de um perfil neuropsicológico da STC.

