Resumo: O ensino de modalidades esportivas coletivas, em específico neste estudo o voleibol, vem passando por modificações ao longo do tempo, de uma perspectiva tecnicista para modelos que preconizam o jogo. Embora seja verificada essa tendência, o voleibol carece de estudos no contexto brasileiro que adotem modelos de ensino por meio de jogos. Os objetivos deste estudo foram elaborar e implementar um programa para o ensino do voleibol baseado em jogos e avaliar os aspectos técnico-táticos e psicossociais de alunos de 11 a 13 anos de uma escola pública do interior de São Paulo. Onze aulas, pautadas no ensino por meio de jogos (Teaching Games for Understanding / TGfU), foram ministradas para 27 alunos do ensino fundamental iniciantes na prática do voleibol. Avaliações tático-técnicas e de variáveis psicossociais foram realizadas por meio de instrumentos específicos (observação do jogo e questionários). Os resultados revelaram melhora em aspectos relacionados ao domínio tático-técnico, à autoconfiança, à motivação e à ansiedade, promovidas pela modificação dos jogos com diferentes objetivos ao longo das aulas. Conclui-se que o ensino por meio de jogos pode trazer benefícios para o contexto escolar em diferentes perspectivas, seja a partir do planejamento das aulas regulares de educação física ou por meio de projetos esportivos extracurriculares.
Palavras-chave: Esporte coletivo, Pedagogia do Esporte, Ensino de jogos pela compreensão, Iniciação esportiva.
Abstract: The teaching of team sports—specifically volleyball, as explored in this study—has undergone changes over time, shifting from a technicist perspective to models that emphasize play. Although this trend is evident, there is a lack of studies in the Brazilian context that adopt game-based teaching approaches in volleyball. This study aimed to develop and implement a game-based volleyball teaching program and to evaluate the tactical-technical and psychosocial aspects of students aged 11 to 13 from a public school in the interior of São Paulo State, Brazil. Eleven lessons, based on the Teaching Games for Understanding (TGfU) model, were delivered to 27 elementary school students who were beginners in volleyball. Tactical-technical and psychosocial variables were assessed using specific instruments (game observation and questionnaires). The results revealed improvements in tactical-technical skills, self-confidence, motivation, and anxiety, driven by the modification of games with varying objectives throughout the lessons. In conclusion, TGfU can positively impact the school environment from multiple perspectives—both in the planning of regular physical education lessons and in extracurricular sports projects.
Keywords: Team Sport, Sport Pedagogy, Teaching Games for Understanding, Sport Initiation.
Resumen: La enseñanza de deportes de equipo, específicamente el voleibol en este estudio, viene atravesando cambios a lo largo del tiempo, desde una perspectiva tecnicista hacia modelos que enfatizan el juego. Aunque se nota esta tendencia, el voleibol carece de estudios en el contexto brasileño que adopten modelos de enseñanza a través de juegos. Los objetivos de este estudio fueron desarrollar e implementar un programa de enseñanza de voleibol basado en juegos y evaluar los aspectos táctico-técnicos y psicosociales de estudiantes de 11 a 13 años de una escuela pública en el interior del estado de San Pablo, Brasil. Se impartieron once clases, basadas en la enseñanza a través de juegos (Teaching Games for Understanding / TGfU), a 27 estudiantes de primaria que eran principiantes en el voleibol. Las evaluaciones táctico-técnicas y de variables psicosociales se realizaron mediante instrumentos específicos (observación del juego y cuestionarios). Los resultados revelaron mejoras en aspectos relacionados con las habilidades táctico-técnicas, la autoconfianza, la motivación y la ansiedad, promovidas por la modificación de los juegos con diferentes objetivos a lo largo de las clases. Se concluye que la enseñanza a través de juegos puede traer beneficios al contexto escolar desde diferentes perspectivas, ya sea a partir de la planificación de las clases regulares de educación física o mediante proyectos deportivos extracurriculares.
Palabras clave: Deporte de equipo, Pedagogía del Deporte, Enseñanza de los juegos por la comprensión, Iniciación deportiva.
Articulos
Ensino por meio de jogos no voleibol escolar: avaliação de indicadores tático-técnicos e psicossociais
Teaching through games in school volleyball: evaluation of tactical-technical and psychosocial indicators
Enseñanza a través de juegos en el voleibol escolar: evaluación de indicadores táctico-técnicos y psicosociales
Recepción: 18 Julio 2024
Aprobación: 29 Marzo 2025
Publicación: 01 Abril 2025
As modalidades esportivas coletivas são formativas por excelência, induzem o desenvolvimento de competências em vários planos, como o tático-cognitivo, o técnico e o socioafetivo (Garganta, 1998). Tais modalidades requisitam do aluno/jogador respostas variadas, velozes, precisas e complexas, que geralmente são realizadas sob pressão de tempo e de espaço (Menezes et al., 2014).
Ao longo do tempo, o ensino dessas modalidades passou por transformações substanciais, especialmente considerando as críticas ao método tradicional/tecnicista, cuja ênfase centra-se no desenvolvimento da técnica em detrimento das relações estabelecidas entre os jogadores (Menezes et al., 2014; Petiot et al., 2021). Desde a década de 1980 há um crescente interesse no desenvolvimento de modelos de ensino pautados em jogos modificados (do inglês Game-Based Approaches – ou GBA), dos quais se destacam o Teaching Games for Understanding (TGfU) e a Pedagogia Não-Linear (Aquino & Menezes, 2022; Bunker & Thorpe, 1986; Petiot et al., 2021; Tan et al., 2012)
Um dos modelos de ensino mais proeminentes é o TGfU, proposto no bojo de um movimento crítico ao ensino parcial das modalidades coletivas, que tinham ênfase majoritária na execução da técnica em condições diferentes de sua aplicação (Bunker & Thorpe, 1986). O TGfU permite que os alunos/jogadores aprendam os aspectos táticos por meio da prática de versões modificadas do jogo, adequados às suas características e vivências (Aquino & Menezes, 2022; Clemente, 2014; Holt et al., 2002). É papel central do professor/treinador estabelecer a forma de jogo, observar o jogo ou sua exercitação, investigar por meio de questionamentos junto aos alunos/jogadores os problemas táticos e as possíveis soluções, observar e intervir para ensinar o jogo, além de aprimorar as habilidades. Nesse âmbito, o professor/treinador atua como um facilitador que recorre aos questionamentos como um dos principais recursos de instrução para o desenvolvimento da capacidade tática dos seus alunos (Barquero-Ruiz & Kirk, 2023).
O ensino por meio de jogos pressupõe adaptar o jogo ao ambiente no qual será utilizado, modificar suas regras para facilitar o acesso dos alunos/jogadores e trazer esses para o centro do processo de ensino (Barquero-Ruiz & Kirk, 2023). A utilização de regras adaptadas conforme o nível de habilidade dos alunos/jogadores, as alterações dos espaços de jogo, da altura da rede e do número de alunos/jogadores ampliam a participação, possibilitando que esses toquem mais vezes na bola (Castro et al., 2022). Tais adaptações trazem benefícios diretos ao entendimento do jogo, à capacidade de tomada de decisão (Batez et al., 2021; Sarruge et al., 2020) e ao desenvolvimento da técnica, como maior controle sobre para a realização dos movimentos e, consequentemente, diminuição na quantidade de erros (Friederich et al., 2022), a partir de níveis crescentes de complexidade (Holt et al., 2002).
Uma das preocupações do ensino por meio de jogos recai sobre os aspectos psicossociais relacionados à prática, especialmente com vistas ao aumento do envolvimento e da motivação do aluno/jogador quando comparado às aulas inerentes aos métodos tradicionais/tecnicistas de ensino (Bunker & Thorpe, 1986). Nesse sentido, diferentes estudos demonstraram benefícios, como o aumento da motivação para participação de adolescentes (García-González et al., 2020; Gil-Arias et al., 2021) e aumento do prazer em praticar uma modalidade (Batez et al., 2021). Há evidências também relacionadas à diminuição de agressividade e ao aumento da motivação na prática em adolescentes (Castro et al., 2022).
O voleibol, enquanto modalidade esportiva coletiva, tem como uma de suas características a impossibilidade de retenção da bola, o que requisita do aluno/jogador rápidas tomadas de decisões do ponto de vista tático-técnico (Sarruge et al., 2020), e alta demanda da compreensão tática por esses. Essa modalidade é constituída por gestos técnicos específicos (manchete, toque, cortada, bloqueio e saque), cujas aplicações pelos alunos/jogadores geram ações que tentam solucionar os dilemas táticos nas situações de jogo, como em momentos de saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio e defesa (Bizzocchi, 2018), que ocorrem de forma sequencial (Gouvêa, 2005) até que uma equipe pontue.
Na iniciação esportiva é possível avaliar a efetividade das escolhas metodológicas por meio de diferentes instrumentos, que podem ser aplicados a alunos/jogadores em contexto escolar (Friederich et al., 2022). Os autores apontaram que os jogos reduzidos (principal componente do ensino por meio de jogos) se consolidam como uma perspectiva eficaz para melhora de habilidade tático-técnicas, de tomada de decisão e de variáveis físicas e psicossociais, quando utilizados como método de ensino na iniciação do voleibol a crianças e adolescentes. Alguns estudos mostram os benefícios da aplicação do TGfU no voleibol em aspectos relacionados à motivação (Gil-Arias et al., 2021), às habilidades específicas (Ariwibowo et al., 2024; Batez et al., 2021) e até mesmo aos níveis de condicionamento físico e adiposidade (Stojanović et al., 2023).
Embora haja estudos que analisam a influência do ensino do voleibol por meio do TGfU nos aspectos táticos e psicossociais, como os supramencionados em contextos variados, há uma escassez de propostas dessa natureza no contexto brasileiro. Diante desse cenário, o objetivo deste estudo foi elaborar e implementar um programa de ensino do voleibol pautado no TGfU e avaliar variáveis tático-técnicas e psicossociais no contexto escolar para iniciantes na modalidade.
Este estudo é de característica descritiva, longitudinal, com referencial pautado na pesquisa participante (Marconi & Lakatos, 2011). Foi elaborada e implementada uma unidade didática de iniciação ao voleibol pautada no TGfU para uma turma de alunos de uma unidade escolar.
O grupo de participantes foi composto por 27 alunos (12 meninos e 15 meninas) de 6º ano, com média de idade de 12,1 (±0,7) anos, todos iniciantes na prática do voleibol. Todos os cuidados éticos foram tomados, cujo estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa institucional (parecer 5.466.259).
As aulas eram oferecidas como atividade extracurricular de voleibol, em quadra aberta, no período da manhã. Foram aplicadas duas aulas por dia (cada aula com duração de 50 minutos), um dia por semana, por um total de seis semanas, totalizando 11 aulas.
As aulas foram elaboradas a partir dos princípios estabelecidos no TGfU, a saber: a) diversificação; b) modificação-representação; c) modificação-exagero; e d) complexidade (Holt et al., 2002). A partir desses princípios, a estrutura das aulas também seguiu as diretrizes preconizadas pelo TGfU, as quais iniciavam-se com um jogo modificado (e suas possíveis variações), passando-se aos questionamentos de cunho tático-técnico aos alunos/jogadores (para desenvolvimento da consciência para a tomada de decisão), realização de exercícios para a técnica (que pudessem melhorar a qualidade do jogo implementado inicialmente) e, por fim, retomada do jogo para garantir a transferência da técnica para seu contexto de aplicação. Os objetivos das aulas estão apresentados no Quadro 1.
Para a análise tático-técnica foi utilizado o Instrumento de Avaliação do Desempenho Técnico-Tático do Voleibol (Collet et al., 2011), ou IAD-VB. Por meio desse foram avaliadas as ações de saque e recepção, por sofrerem menos influência da continuidade das ações na partida.
O IAD-VB foi elaborado para avaliar as ações executadas por jogadores em categorias de formação, considerando cada componente estabelecido (ajustamento, eficiência, tomada de decisão e eficácia). Foi possível identificar o nível de desempenho geral do jogador, bem como o desempenho específico e por componente.
O jogo usado nas avaliações foi realizado em trios, com quadra reduzida de dimensões 4,5m por 6,0m, rede a 2,10m de altura e com a utilização do saque por baixo da linha dos 3m. A primeira ação era realizada com uma rebatida de toque, manchete ou ação escolhida pelo aluno, enquanto a segunda ação deveria ser uma retenção da bola. A terceira ação foi novamente uma rebatida para o lado adversário, que seguia o mesmo ciclo (1ª ação: rebatida, 2ª ação: retenção e 3ª ação: rebatida). Os jogos iam até cinco pontos, com troca dos trios em quadra.
A avaliação por meio do IAD-VB pauta-se em três indicadores específicos, dependendo do componente a ser avaliado (Quadro 2).
O instrumento permite avaliar o saque baseado na técnica do saque por cima. Como este estudo envolveu uma turma de iniciantes, houve uma adaptação para a variável ‘eficiência’ do saque, em que o critério EFS2 foi substituído por “segura a bola com o membro superior não dominante na altura adequada à frente do eixo do corpo”. Ao final da construção do instrumento foram determinados os critérios de pontuação de cada indicador, considerando-se as diferenças de características de cada componente (Quadro 3).
O nível de desempenho corresponde ao somatório de pontos obtidos pelo jogador durante a avaliação. Com a aplicação do instrumento, podem ser estabelecidos os níveis de Desempenho Específico por Ação (DEA), os níveis de Desempenho Específico por Componente (DEC) e o nível de Desempenho Geral (DEG) do jogador. O DEA e o DEC são determinados pelas seguintes equações:
No DEA, x corresponde ao total de pontos obtidos por ação (soma dos componentes de cada ação específica realizada) e z corresponde ao número de ações específicas avaliadas. No DEC, y corresponde ao total de pontos obtidos por componente (soma das ações de cada componente) e z corresponde ao total de ações avaliadas.
Por fim, o DEG é determinado pelo cálculo da média aritmética do desempenho específico em cada ação, ou pela média aritmética do desempenho específico em cada componente. A classificação do nível de desempenho dos jogadores, correspondente ao resultado obtido no DEA, DEC ou DEG, é classificado como inadequado (0 a 33,3%), intermediário (33,4% a 66,6%) ou adequado (66,7% a 100%).
As análises das variáveis inerentes à motivação foram realizadas por meio de dois instrumentos: o Participation Motivation Questionnaire, ou PMQ (Guedes & Silvério Netto, 2013) e o Sport Motivation Scale-II, ou SMS-II (Nascimento Junior et al., 2014).
O PMQ, validado por Guedes e Silvério Netto (2013), foi elaborado com 30 itens, em escala Likert de 5 pontos (1: “nada importante”; 5: “muito importante”) equivalentes ao elenco de possíveis motivos que levam os jovens atletas a praticar esportes. Esses itens foram agrupados em oito fatores: a) reconhecimento social; b) atividade de grupo; c) aptidão física; d) emoção; e) competição; f) competência técnica; g) afiliação e h) diversão.
Já a SMS-II, adaptado ao contexto brasileiro por Nascimento Junior et al. (2014) se baseia na Teoria da Autodeterminação, para a qual competência, autonomia e relacionamento são três necessidades humanas básicas, e o grau com que elas são satisfeitas contribuirá para determinar a motivação intrínseca de um indivíduo (Weinberg & Gould, 2017). O instrumento é constituído por 18 itens distribuídos em seis subescalas: regulação intrínseca, regulação integrada, regulação identificada, regulação introjetada, regulação externa e desmotivação (Quadro 4).
Fuente: Elaboração própria
A avaliação da ansiedade foi realizada por meio do Competitive State Anxiety Inventory, ou CSAI-2 (Fernandes et al., 2013). Esse instrumento mede, em 16 itens por meio de uma escala Likert de 4 itens (1: “Nada”; 4: “Muito”), os itens de ansiedade cognitiva (grau em que a pessoa se preocupa ou tem pensamentos negativos), ansiedade somática (mudanças de momento a momento na ativação fisiológica percebida) e autoconfiança (Weinberg & Gould, 2017).
Os resultados foram analisados a partir de estatística descritiva e por meio de estatística inferencial (teste t-Student para variáveis independentes).
Com relação ao IAD-VB, as avaliações gerais da turma para as variáveis DEG e DEA (saque e recepção) estão apresentadas na Tabela 1.
Destaca-se que todos os índices mensurados (DEG, DEA-saque e DEA-recepção) apresentaram melhora ao longo do período de aulas e transitaram do nível ‘inadequado’ para o ‘intermediário’. Resultado semelhante foi observado nas variáveis de ajustamento, eficiência, tomada de decisão e eficácia calculados por meio do IAD-VB (Tabela 2).
Dentre os resultados apresentados anteriormente é possível destacar a melhora dos quatro componentes entre os momentos inicial e final, tanto para o saque quanto para a recepção.
Os resultados do teste para identificação dos parâmetros de ansiedade (CSAI-2) estão apresentados na Tabela 3.
Chama atenção o aumento significativo no índice de autoconfiança após a conclusão da unidade didática de ensino por meio de jogos. Embora os índices de ansiedade cognitiva e somática não tenham apresentado diferença significativa para os momentos pré e pós, é possível apontar uma diminuição na primeira e um aumento na segunda.
Para os testes relacionados à motivação para/na prática do voleibol por meio de jogos, não foram identificadas diferenças significativas nas variáveis da SMS-2 (Tabela 4) e do PMQ (Tabela 5).
O objetivo deste estudo foi aplicar um programa de ensino do voleibol de 11 aulas por meio de jogos e avaliar as variáveis tático-técnicas e psicológicas no contexto escolar para iniciantes na modalidade em momento anterior e posterior ao oferecimento. As aulas foram pautadas no TGfU e contou com jogos em diferentes momentos das aulas, atividades para o aperfeiçoamento da técnica e questionamentos para o desenvolvimento da consciência tática. Por meio dessas se pretendeu melhorar a capacidade de jogo e o envolvimento dos alunos e os principais achados revelaram melhorias gerais em todos os conjuntos de variáveis (desempenho tático-técnico, motivação e ansiedade).
A análise dos indicadores tático-técnicos revelou melhora percentual de todos os aspectos, tanto pelo viés da técnica (variáveis de ajustamento e eficiência) como da tática (variáveis de tomada de decisão e eficácia) para o saque e para a recepção. Tal melhora atende diretamente a demanda do jogo, em que cada ponto disputado se inicia com o saque de uma das equipes e com a tentativa de recepção pelo adversário (Bizzocchi, 2016). De maneira análoga, o TGfU foi eficaz para o desenvolvimento de habilidades técnicas específicas, achado que vai ao encontro de outros contextos, mesmo com um número reduzido de aulas (Ariwibowo et al., 2024; Batez et al., 2021).
A realização dessas ações com maior qualidade pode influenciar no aumento da fluidez do jogo, na maior participação dos alunos e no entendimento da lógica do jogo. Para a continuidade do ponto disputado a boa qualidade da recepção aumenta a possibilidade de execução das ações seguintes, como o levantamento e o ataque. Uma revisão sistemática sobre o uso de jogos reduzidos no voleibol mostrou que esses trazem impactos positivos na tomada de decisão em atletas jovens e escolares, nas habilidades técnicas e comportamento técnico-tático em atletas jovens (Castro et al., 2022). Os resultados do presente estudo corroboram aqueles apontados por Castro et al. (2022), por ter sido verificada melhoria da componente tomada de decisão e da eficácia das ações.
Os resultados dos indicadores tático-técnicos deste estudo reforçam a importância do TGfU como modelo de ensino que possibilita melhorar o desempenho de aspectos vinculados à tática e à técnica (Barquero-Ruiz & Kirk, 2023; Castro et al., 2022; Costa et al., 2010). Neste, o uso do TGfU favoreceu o desenvolvimento da tomada de decisão por meio do entendimento da lógica do jogo, o que amplia indagações quanto ao uso exclusivo do método tradicional/tecnicista na iniciação ao voleibol, os quais enfatizam o desenvolvimento e aprimoramento da técnica em detrimento da tomada de decisão (Menezes et al., 2014).
Concomitantemente à melhora dos indicadores de desempenho tático-técnicos foi verificado um aumento significativo na autoconfiança. Esse resultado, combinado com a melhora dos índices tático-técnicos, sugere o aumento da sensação de competência dos alunos em conseguir participar efetivamente do jogo e realizar suas ações nesse contexto. Autoconfiança, portanto, não se refere apenas à habilidade do aluno, mas à percepção da própria habilidade e na capacidade de lidar com as demandas apresentadas pelo contexto do jogo (Bocchini et al., 2008).
Os resultados encontrados para a ansiedade revelaram uma diminuição na ansiedade cognitiva e um aumento na ansiedade somática. A ansiedade somática coloca o organismo em estado de alerta e está relacionada à ativação fisiológica. Já a ansiedade cognitiva pode representar pensamentos duvidosos sobre conseguir atingir um determinado objetivo, e desencadeia medo, apreensão, apatia e desinteresse (Bocchini et al., 2008). Ambas influenciam diferentemente o rendimento esportivo, que poderia ser prejudicado com o aumento da ansiedade cognitiva (Martens et al., 1990), mas poderia melhorar com aumento moderado da ansiedade somática. Os resultados do presente estudo mostraram um panorama satisfatório em relação a essas variáveis, cujo aumento da ansiedade somática pode ter relação direta com os valores de autoconfiança, especialmente pelo meio no qual foram desenvolvidas as habilidades tático-técnicas.
Com relação à ansiedade e autoconfiança, os resultados deste estudo corroboram os achados de outros autores. Fortes et al. (2019) analisaram 24 atletas de voleibol do sexo masculino (16,06 ± 0,65 anos) e identificaram que há relação positiva entre autoconfiança e tomada de decisão, mas relação negativa entre ansiedade cognitiva e somática e tomada de decisão. Tal relação com a ansiedade somática não foi encontrada nesse estudo, em que foram identificados comportamentos semelhantes das variáveis ansiedade somática e tomada de decisão, o que talvez possa ser explicado pela diferença de idade entre os alunos e o contexto competitivo. Machado et al. (2016), em estudo com 24 atletas do sexo feminino e 23 do sexo masculino (idade 16,16 ± 0,34 anos) de quatro equipes infanto-juvenis, identificaram níveis de ansiedade geral pré-competitiva similares, embora tenham sido encontradas diferenças significativas entre as jogadoras titulares e reservas em relação à autoconfiança, sendo que as titulares apresentaram médias mais elevadas neste aspecto.
Os resultados sobre motivação também mostraram um cenário favorável criado por meio da aplicação do TGfU. Em um plano geral, houve aumento da motivação intrínseca, manifestada no SMS-2 por meio da regulação intrínseca, que está relacionada ao gosto de estar na modalidade e de suas tarefas, sem pressões externas (Ryan & Deci, 2000). Alguns parâmetros relacionados à internalização – ou transformação da regulação externa em regulação interna (Gagné & Deci, 2005; Guerrero et al., 2022) – também apresentaram aumento, como a regulação integrada (relacionada à autonomia real e verdadeira, em que o aluno se internaliza como parte da atividade), a regulação identificada (alunos se sentem à vontade por haver congruência com as habilidades pessoais, mesmo com uma tarefa que não seja intrinsicamente interessante) e a regulação introjetada (controlada por motivações externas internalizadas, como as pressões exercidas por outras pessoas) (Ryan & Deci, 2000; Guerrero et al., 2022).
Por outro lado, houve diminuição nos parâmetros inerentes à regulação externa (relacionada à busca de recompensas externas para a prática) e à desmotivação (falta de intenção e motivação para a prática), o que ratifica o envolvimento dos alunos com a prática proposta e concorda com a afirmação de que níveis mais altos de motivação intrínseca se relacionam com melhoria do desempenho (Weinberg & Gould, 2017). Os resultados deste estudo também corroboram o estudo de Gil-Arias et al. (2021), que investigou 53 alunos com média de idade de 15,5 (± 0,57) anos e identificou aumento de motivação intrínseca, principalmente nas meninas.
Em termos de motivos para a prática, houve aumento de sete elementos no grupo: emoção, competência técnica, reconhecimento social, atividade de grupo, competição, diversão e aptidão física. Embora não tenham sido encontradas diferenças estatísticas significativas entre pré e pós teste, os resultados reforçam os achados mencionados anteriormente, especialmente aqueles relacionados aos indicadores tático-técnicos, à motivação intrínseca e à internalização. Uma hipótese que se sugere para estudos futuros envolve a análise do engajamento dos alunos/jogadores e a melhoria dos parâmetros relacionados ao condicionamento físico em diferentes faixas etárias e modalidades esportivas, assim como analisado por Stojanović et al. (2023) no voleibol.
Batez et al. (2021) mostraram a efetividade do TGfU após 12 aulas em um contexto educacional dada sua condição de diversão e envolvimento nos jogos modificados, o que também foi constatado no presente estudo. Essa condição demonstra o grande potencial formativo desse modelo de ensino no âmbito das escolas públicas e privadas brasileiras, ao passo que pode ser aplicado tanto nas aulas regulares de Educação Física como em atividades esportivas extracurriculares.
Neste estudo, o foco didático do TGfU foi elaborado a partir de modificações no espaço de jogo, número de jogadores, posses de bola e regras, para que o aluno se adaptasse a diversos contextos. As escolhas metodológicas para as aulas influenciaram diretamente a apreciação dos aspectos constituintes do jogo, como a tomada de decisão e a execução da técnica, relacionadas ao desempenho no jogo (Costa et al., 2010), bem como facilitaram a aprendizagem da tática e técnica inerentes ao voleibol (Friederich et al., 2022).
Os achados reforçam os apontamentos da revisão de Pratama et al. (2023), de que a aprendizagem por meio do TGfU tem importante efeito no passe no voleibol, especificamente verificada neste estudo na eficácia do saque e da recepção. Por meio das atividades propostas se pretendeu melhorar a capacidade de jogo e o envolvimento dos alunos e os principais achados revelaram melhorias gerais em todos os conjuntos de variáveis (desempenho tático-técnico, motivação e ansiedade). A efetividade do programa proposto para o ensino do voleibol pautado no TGfU abrangeu aspectos que extrapolaram o ponto de vista tático-técnico e, ao mesmo tempo, subsidiaram os incrementos nos mais diversos índices que se relacionam com a participação nas práticas esportivas (como a motivação intrínseca e os aspectos de internalização de elementos de regulação externa da motivação).
Os resultados deste estudo mostraram que as variáveis analisadas favoreceram a construção de um ambiente que indicou maior engajamento dos alunos com a prática e envolvimento com as tarefas que foram propostas. Nesse sentido, o TGfU se mostra como um modelo de ensino capaz de desenvolver habilidades tático-técnicas por meio do envolvimento dos alunos/jogadores em jogos modificados, o que também influencia positivamente a autoconfiança, a ansiedade e a motivação para a prática de modalidades esportivas.
Diante do exposto, os resultados sugerem fortemente que o uso de modelos de ensino pautados em jogos (considerando não apenas o TGfU) seja utilizado no contexto escolar, seja durante as aulas regulares de educação física ou em projetos esportivos extracurriculares. Os achados deste estudo permitem apontar que a proposição e a implementação de programas esportivos pautados em jogos modificados podem trazer benefícios para o contexto escolar, especialmente em relação às variáveis psicossociais.
Algumas limitações deste estudo, como o tempo curto para a aplicação de um programa para o ensino do voleibol (que totalizou 11 aulas), podem ter influenciado algumas variáveis. Como sugestão de perspectivas futuras para os estudos nesse campo sugere-se ampliar as faixas etárias, as modalidades, alterar o contexto (incluir escolas privadas) e mesmo utilizar outros modelos de ensino por meio de jogos.
Redação y revisão do manuscrito: Afonso Henrique Bazilio dos Santos e Rafael Pombo Menezes
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