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PERSPECTIVA ORIENTADA AO ATOR NA ANÁLISE DA CAPACIDADE INSTALADA DOS EMPREENDIMENTOS AGROINDUSTRIAIS NO MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL/RS-BRASIL
AN ACTOR-ORIENTED PERSPECTIVE IN THE ANALYSIS OF THE INSTALLED CAPACITY OF AGRO INDUSTRIAL UNDERTAKINGS IN SÃO LOURENÇO DO SUL / RS-BRAZIL
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 12, núm. 1, pp. 105-116, 2018
Universidade Federal Fluminense

Revista Pensamento Contemporâneo em Administração



Recepción: 27 Septiembre 2018

Aprobación: 31 Enero 2019

DOI: https://doi.org/10.12712/rpca.v12i1.1090

Resumo: As agroindústrias familiares rurais no Município de São Lourenço do Sul/RS-Brasil têm se apresentado como uma alternativa de manutenção da família no meio rural e preservação da cultura local. Entretanto, consolidar estes projetos individuais exige dos atores empreendedores a formulação de estratégias baseadas em uma racionalidade própria de cada ator, regida por seus interesses individuais e mediada nas relações envolvendo atores com interesses díspares e em diferentes arenas. Baseado em 10 estudos de casos empíricos, o objetivo deste trabalho foi o de compreender as estratégias dos atores na construção de seus projetos individuais – agroindústrias – na dimensão da capacidade instalada. Utilizou- se o aporte teórico da Perspectiva Orientada ao Ator (POA). A pesquisa apresenta como características: o estudo de casos múltiplos, exploratório-descritiva e qualitativa. Os dados empíricos foram coletados mediante entrevista com roteiro semiestruturado e, após transcrição, realizou-se análise do conteúdo. Os resultados apontaram a consolidação de estratégias entre os atores em suas respectivas arenas, em torno da matéria-prima, instalações e recursos financeiros. Dessa forma, em torno dos projetos individuais consolidaram-se novas formas de organização social com base nas relações horizontais.

Palavras-chave: Agroindústria Familiar Rural, Capacidade Instalada, Perspectiva Orientada ao Ator.

Abstract: The rural family agro industries in São Lourenço do Sul / RS-Brazil have been seen as an alternative of maintenance of the family in the rural environment and preservation of the local culture. However, to consolidate these individual projects the entrepreneurs are required to formulate strategies based on rationality, specific of each actor, ruled by their individual interests and mediated in relationships involving actors with disparate interests and in different areas. Based on 10 empirical case studies, the objective of this work was to comprehend the strategies of the actors in the construction of their individual agro industries projects in the dimension of the installed capacity. A theoretical basis of the Actor-Oriented Perspective (AOP) was used. The research presents as characteristics: the study of multiple cases, exploratory-descriptive and qualitative. Empirical data were collected through a semi-structured interview and, after transcription, an analysis of the content was made. The results pointed to the consolidation of strategies among the actors in their respective areas, around the raw material, facilities and financial resources. Thus, new forms of social organization were consolidated around the individual projects, based on horizontal relations.

Keywords: Rural family agro industry, Installed capacity, Actor-oriented perspective.

Introdução

No Brasil, é expressiva a representatividade das atividades agroindustriais no meio rural. Estima-se a existência de mais de trinta mil agroindústrias de norte a sul do país, sendo que muitas se encontram na informalidade (IBGE, 2010). Realidade esta que ocorre também no Rio Grande do Sul, pois, de acordo com os dados disponibilizados pela Secretaria de Desenvolvimento Rural - SDR (2013), o Estado possui 379 mil estabelecimentos de base familiar, 2.755 cooperativas rurais e urbanas, e o número de agroindústrias rurais ultrapassa oito mil. Menos de setecentas são formalizadas evidenciando uma estatística preocupante para o desenvolvimento e fortalecimento das mesmas. Dentre as formalizadas, 346 aderiram ao Programa Estadual da Agricultura Familiar, estando distribuídas nos diversos municípios do estado. No Município de São Lourenço do Sul/ RS - Brasil, local onde foi realizado o presente estudo, esse cenário não é diferente. Conforme dados da Emater (2016) presume-se que haja mais de 40 agroindústrias familiares no município. Dentre estas, treze encontravam-se formalizadas durante o período de coleta dos dados.

Para Prezotto (2002), a agroindústria familiar é uma atividade que surge como uma das alternativas para a reversão das consequências sociais e econômicas desfavoráveis do meio rural. Segundo Mior (2005) e Guimarães e Silveira (2007), a consolidação das agroindústrias familiares rurais (AFRs) depende da alocação de um conjunto de recursos – financeiros, matéria-prima, mão de obra – e uma multiplicidade de capacidades – instaladas, mobilizáveis, adquiridas, aprimoradas e adicionais –, somando, assim, um conjunto de desafios a solucionar no processo de consolidação e desenvolvimento desses empreendimentos rurais.

A fim de descortinar e melhor compreender as interações que contribuem com o processo de consolidação das agroindústrias, fez-se necessário definir um ponto de partida. Considerando que os agricultores não são átomos isolados, uma vez que interagem com outros atores e inserem-se em um ambiente institucionalizado, a iniciativa, neste estudo, traz os atores para o centro das discussões. Com base no exposto, o objetivo deste trabalho foi o de compreender as estratégias dos atores na construção de seus projetos individuais – agroindústrias. Para tanto, utilizou-se como aporte teórico a Perspectiva Orientada ao Ator (POA) preconizada por Long e Ploeg, explorando, dessa forma, a racionalidade própria de cada ator, os quais, mesmo compartilhando os mesmos espaços sociais, políticos, econômicos, possuem interesses díspares, consolidando estratégias específicas de acordo com seus interesses e projetos. Parte-se do pressuposto que os atores, apesar de expostos ao mesmo ambiente, adotam estratégias semelhantes, mas não homogêneas, evidenciando a existência de uma racionalidade própria, regida por seus interesses e mediada e negociada em diferentes arenas na busca pela solução de problemas comuns.

Conceitos teóricos norteadores da pesquisa

Agroindústrias

O debate teórico brasileiro sobre a agricultura familiar e, em específico, sobre as agroindústrias, perpassa por diferentes aportes teóricos e metodológicos. Entre as contribuições que se evidenciam na academia, encontram-se estudos relacionados à agroindústria, por ser esta uma atividade de agregação de valor à matéria-prima, de relação com o produto colonial, de espaço que ocupa os membros da família como força de trabalho e por sua importância como forma de reprodução social (PREZOTTO, 2002;RUIZ et. al., 2002; MIOR, 2005; SOUZA, 2005; TRENTIN, WESZ JÚNIOR, 2006:NIEDERLY, WESZ JÚNIOR, 2009; GAZOLLA, 2012;MATEI, 2015).

É um lugar onde a família desempenha um papel importante, ao assumir o conjunto de ações e responsabilidade no que tange às escolhas sobre quais serão as atividades produtivas que irão desempenhar, assim como o uso e destinação de recursos econômicos, sociais e ambientais (PELEGRINI; GAZOLLA, 2008).

Encontram-se autores que buscam analisar a atividade como forma de reprodução social, utilizando- se dos conceitos de embeddedness, construção de mercados, redes sociais e de agroindustrialização como diversificação dos meios de vida (MIOR, 2005; WILKINSON, 2008; GAZOLLA, 2012; CARUSO, 2009; SACCO DOS ANJOS, 2011; NICHELE, 2010).

De acordo com Mior (2005) e Guimarães e Silveira (2007), a consolidação das agroindústrias familiares rurais (AFRs) depende da alocação de um conjunto de recursos e capacidades (de naturezas diversas), o qual poderá ser oriundo da família ou de agentes externos como, por exemplo, das políticas públicas, dos atores governamentais e não governamentais.

Perspectiva Orientada Ao Ator- POA

As discussões teóricas que colocam o agricultor como ator no centro das discussões são ampliadas nos estudos de Long e Ploeg (1998) – Perspectiva Orientada ao Ator (POA), permitindo, assim, explorar os valores locais de ordem social, cultural e política e apresentando os detalhes do mundo vivido pelos agricultores e sua influência nos processos de mudanças. E, além disso, possibilitando a compreensão de como os atores reagem e exercem sua capacidade de agir frente a condições ou circunstâncias similares, sob a ótica dos processos de desenvolvimento rural. Desta forma, Long e Ploeg (1998) apontam para uma nova perspectiva em que é necessária a análise a partir do ator.

Na POA, o ator é uma construção social, é um sujeito ativo que processa informação e utiliza suas estratégias nas relações sociais. Portanto, não é simplesmente um sinônimo para o indivíduo (LONG; LONG, 1992). Em Long (2006), os atores sociais representam uma variedade de formas: pessoas individuais, grupos informais ou redes interpessoais, organizações e grupos coletivos. Essa perspectiva ressalta um olhar aos macroatores, representados, por exemplo, no governo nacional, por uma igreja ou por uma organização em particular, e oferecendo um enquadramento conceitual flexível que englobe os processos de desenvolvimento, incluindo a intervenção planejada.

Nessa linha, a POA permite compreender os filtros sociais e culturais dos atores, em que os mesmos decodificam as informações e as intervenções conforme seu conhecimento, seus desejos e suas necessidades. Logo, os fatores externos são mediados e transformados pelas estruturas internas, nas quais se reconheçam as inter-relações externas e internas entre diferentes atores sociais e organizações (LONG, 2001). Assim, os indivíduos e grupos sociais constroem estratégias que resultam em mudanças, criam e (re) criam espaços para que eles mesmos obtenham proveito dos novos fatores que intervêm a sua volta.

A Perspectiva Orientada ao Ator encontra espaço para dar suporte teórico à análise da multiplicidade de racionalidades, desejos, capacidades e práticas do agricultor, confirmando a ideia de heterogeneidade das práticas sociais no mundo rural. Além disso, possibilita ampliar as discussões sobre a criação e ampliação dos espaços sociais, políticos e econômicos, trazendo para o centro das discussões a capacidade do ator de mudar o curso das intervenções, ou seja, reconhecendo o ator como parte integrante do processo de mudanças e não como um mero expectador.

Segundo Long e Ploeg (1994), a abordagem centrada nos atores salienta a importância de valorizar a forma como os próprios agricultores moldam os padrões de desenvolvimento agrário. Os agricultores têm a capacidade de gerar propostas e respostas a outros projetos formulados de maneira externa, resultando em toda uma gama de práticas que se refletem na impressionante heterogeneidade da agricultura. Nesse contexto, analisar os fatos sociais a partir dos atores permite compreender como as estruturas refletem para os atores e de que forma eles mobilizam seus conhecimentos, exercendo sua capacidade de agência, ou seja, sua capacidade de gerar interesse e de envolver outros atores em um projeto comum, caracterizando a capacidade do ator de encorajar outros atores a continuar seus projetos (PLOEG, 2003).

Nesse aspecto, o diferencial que Long e Ploeg (2011) trazem é o reconhecimento da existência de diferentes agricultores e de diversas formas de operacionalização de seus objetivos e de administração de práticas agrícolas e não agrícolas. Sendo assim, é possível obter respostas diferenciadas a circunstâncias estruturais similares, mesmo que as condições pareçam relativamente homogêneas (LONG; PLOEG, 2011), evidenciando que os agricultores também tentam criar espaços de manobra para seus interesses, em que possam se beneficiar ou, se necessário, neutralizar intervenções de grupos externos ou órgãos do Estado.

Então, estabelece-se um grau relativo de resistência para a construção da autonomia à sua forma de reprodução social, referindo-se à existência de um campo de ação muito mais vasto, onde a resistência não é meramente a articulação por meio de lutas abertas (manifestações, marchas, ocupações). Esta se apresenta em uma gama de práticas – heterogêneas cada vez mais interligadas a diferentes atores e redes sociais – atribuídas à racionalidade e à capacidade de agência dos atores (PLOEG, 2008). Dessa maneira, a POA permite que sejam considerados os interesses, as identidades e as perspectivas dos atores, independente da retórica da intervenção, principalmente quando estas restringem a vida das pessoas, reduzindo sua autonomia, subestimando formas nativas ou locais de cooperação e solidariedade.

Nessa linha discursiva, focar nas interações que unem diferentes atores, na história de vida, recordações e concepções de espaço temporal em que os mesmos estão imersos, possibilita a compreensão do rural contemporâneo consolidado sob uma ótica não homogênea, mas constituída de diferentes ruralidades (LONG; PLOEG, 1989). Na concepção de Long (2001), o processo de construção de interdependência é tratado como um fenômeno dinâmico, relacionado à trajetória do indivíduo e ao seu processo de socialização. Portanto, nesse contexto, é necessário conhecer a trajetória singular percorrida por cada ator ao longo de sua biografia e, dessa forma, é possível compreender como e por que, diferentes atores se relacionam em maior ou menor intensidade, dependendo dos objetivos e do papel que cada um exerce nas relações. A articulação existente entre os diferentes atores tem potencial de se traduzir tanto na força como na fragilidade das regiões rurais, em que os atores constroem identidades individuais e coletivas em torno dos seus projetos.

Destaca-se que, na POA, cada projeto constituído pelo ator não se dá de forma isolada, é articulado com projetos de outros atores dentro de um complexo de arenas entrelaçadas (LONG, 2001). Logo, as arenas são reconhecidas como espaços de interação entre diferentes atores (sociais, institucionais) em torno de projetos individuais ou coletivos, garantindo a consolidação de normas e regras construídas socialmente, com capacidade de mudanças no desenho das relações, e representando os domínios das arenas em que prevalecem os valores sociais comuns aos atores. Apesar de não serem percebidos da mesma maneira por todos os envolvidos, esses domínios são reconhecidos como um lugar de pertença. Cabe ressaltar que poucas arenas são autônomas na vida social, pois são influenciadas por atores externos, próximos ou distantes geograficamente, incluindo os atores institucionais em seus respectivos domínios (COTRIM, 2013).

Deste modo, os atores detêm algum poder e transformam os contornos e detalhes da paisagem social e econômica, tornando-se agentes influentes não só em seus projetos pessoais, mas também nos coletivos. Por isso, a POA possibilita explorar como os atores, em suas respectivas arenas (sociais, políticas e econômicas), buscam, trocam e se apropriam de diferentes recursos (materiais e não materiais), entrelaçam significados e ganham controle e legitimidade criados por eles mesmos na consolidação de seus projetos (LONG, 2001) e na forma simbólica de pertencimento, em que geram produção material para os grupos domésticos, como, por exemplo, na ajuda mútua.

O compartilhamento entre os vários atores ocorre por meio de diferentes formas de contato – separados geograficamente ou em encontros face to face. Nessas interações, trocam mais do que produtos, ou seja, esses espaços permitem aos atores compartilharem bens e serviços, nos quais poderão estar contidos o conhecimento, o saber fazer herdado e a herança cultural. Observa-se que ambas as situações influenciam e afetam as ações e resultados econômicos como estratégia de desenvolvimento local (LONG, 2001).

Portanto, no presente estudo, a POA possibilita que se busque compreender, sob o olhar construtivista, as características do ator, as dinâmicas utilizadas por ele, bem como o seu papel e as interações. O itinerário percorrido até o momento foi marcado, sobretudo, pelo esforço em compreender o conceito de ator, projeto e arena segundo a POA, base teórica que sustenta a análise dos dados.

Metodologia

A delimitação da natureza e os objetivos deste trabalho o remetem a uma pesquisa qualitativa (MICHEL, 2009). O presente estudo foi desenvolvido na cidade de São Lourenço do Sul/RS - Brasil. A amostra foi constituída por agricultores familiares – proprietários de agroindústrias, tendo como critério de escolha os empreendimentos formalizados (legalizados). As informações sobre as agroindústrias formalizadas são decorrentes de dados secundários disponibilizados pelo escritório da Emater do referido município.

Em relação ao número de casos, trata-se de um estudo de casos múltiplos (YIN, 2005). Para tanto, tomou-se como base que cada agroindústria investigada, apesar de estar no mesmo município (São Lourenço dos Sul), tem sua essência e características próprias. Dessa forma, decidiu-se não limitar o estudo a uma cadeia produtiva. A amostra foi composta por 10 agricultores e, para preservar a identidade dos entrevistados, optou-se denominar AF1, AF2, AF3,. AF10. Os produtos processados nos empreendimentos 60% são de origem vegetal e os 40% restantes de origem animal.

Quanto à classificação da pesquisa, em relação aos seus fins, trata-se de um estudo exploratório– descritivo e explicativo. A pesquisa exploratória proporciona maior familiaridade com o problema, com vistas a explicitá-lo ou a construção de hipóteses. Nesta investigação, o contexto exploratório se deu em dois momentos: o primeiro envolveu levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e a análise de exemplos que estimulem a compreensão do tema em estudo (GIL, 2009). No segundo momento, buscou-se compreender o universo em estudo, ou seja, conhecer o município e organizar lista das agroindústrias existentes. Com esse intuito, foram consultados dados secundários nos arquivos da Emater e da Prefeitura, de forma a identificar e localizar as agroindústrias formalizadas.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, constituída por questões abertas e fechadas com base nas abordagens teóricas propostas para a pesquisa. A partir das respostas, foi feita uma análise do conteúdo (BARDIN,2011). Para fins deste artigo estabeleceu-se o recorte analítico dos atores envolvidos, processo de consolidação e desenvolvimento dos projetos individuais – agroindústrias. Utilizando-se da POA, a análise centrou-se nas estratégias que os atores desenvolveram com outros atores em relação à Capacidade Instalada nas dimensões: matéria-prima, instalações, apoio das instituições e recursos financeiros.

Resultados e discussões Capacidade instalada Matéria-prima

Ao analisarmos os dados empíricos, 90 % dos agricultores pesquisados (AF1, AF2, AF3, AF4, AF6, AF7, AF8, AF9) afirmaram que, antes da agroindústria, a atividade econômica desenvolvida na propriedade era eminentemente a agricultura e pecuária. Tais atividades são características do processo de colonização da região, uma vez que pomeranos trouxeram consigo a habilidade nas técnicas agrícolas e processamento de alimentos. Os colonizadores desenvolveram e aprimoraram tais habilidades como uma estratégia de sobrevivência às dificuldades (econômicas, sociais, políticas) a eles impostas, ainda em seu país de origem e, depois, em solo brasileiro.

Limitações essas que voltaram a assolar o município de São Lourenço do Sul no início da década de 1980, ao se instalar a crise econômica na região. Nessa época, muitas famílias adotaram a produção integrada a grandes indústrias, incluindo a fumageira.

Contrariando essa lógica de sobrevivência frente à conjuntura que se instalou na região, os agricultores pesquisados se apropriaram da essência do saber fazer, do conhecimento herdado da família e transmitido de geração em geração em torno da matéria-prima quando esses cultivavam milho, feijão, batata, frutas. Outros se dedicavam à criação de aves, suínos, bovinos e à pecuária leiteira na propriedade, possibilitando o aprimoramento das informações sobre a matéria-prima, transformando-as em produtos mais elaborados, neste estudo em específico- sucos, embutidos entre outros. Dessa forma, é possível evidenciar que a matéria-prima utilizada no processo produtivo das agroindústrias tem forte relação com o contexto histórico-cultural local.

Os agricultores moldaram seus projetos individuais (agroindústrias) como uma estratégia de resistência e preservação da identidade, evidenciando um sentimento de pertença e enraizamento local (LONG, 2001). Essa dinâmica revela que os projetos se consolidaram com base no conhecimento transmitido de geração em geração, quando estes agricultores acompanhavam seus pais e os avós nas atividades e rotinas da agricultura e pecuária da propriedade. Essa situação é percebida nas atividades dos entrevistados: AF8 – produz embutidos e peito de ganso defumado, uma iguaria da culinária Pomerana; AF2 – produz queijos, tradição herdada dos avós e dos pais; (AF4) – produz chimier e sucos, utilizando frutas locais e algumas nativas, apontando uma estratégia baseada na valorização dos produtos locais; (AF1, AF3, AF7 e AF9) – produzem pães, bolachas, doces, chocolates, produtos que fazem parte do saber fazer transmitido de geração em geração; AF5 – abate e comercializa frangos e AF6 – comercializa ovos. Em minoria, um agricultor (AF10) relatou não se utilizar das atividades agrícolas como fator econômico na propriedade, pois, ao contrário dos outros agricultores, investir no empreendimento agroindustrial foi um projeto estruturado após sua aposentadoria no meio urbano (comerciante). Considera-se que cada agricultor consolidou estratégias de manutenção de seu projeto individual baseado em uma identidade cultural, em um sentimento de pertença, transformando a matéria- prima da propriedade em produtos mais elaborados, confirmando a existência de uma múltipla ruralidade, construída sob a trajetória singular percorrida por cada ator ao longo de sua biografia, que traduz a força do processo de consolidação dos seus projetos individuais (LONG, 2001).

Esse cenário também mostra que estamos diante de atores com capacidade de desenvolver estratégias de enfrentamento às limitações a eles impostas. Para tanto, utilizam-se de sua história de vida, de suas características de enraizamento cultural e de pertencimento local, traduzidos nos produtos de suas agroindústrias. Outra estratégia evidenciada foi a articulação entre os agricultores e outros atores pertencentes a suas redes relacionais – amigos, vizinhos, familiares, agricultores inseridos na Cooperativa Sul Ecológica e Rede Ecovida. De forma a melhor elucidar tal processo, apresenta-se, no Quadro 1, a origem e aquisição da matéria-prima das agroindústrias.

Quadro 1
Origem e aquisição da matéria-prima

Elaborado pelos autores, 2017.

Ao analisarmos o Quadro 1, observa-se que 80% dos agricultores (AF1, AF2, AF3, AF4, AF6, AF7, AF8, AF9), para manter o processo produtivo da agroindústria, adquiriram a matéria-prima de outros atores locais. Essa atitude revela que os agricultores, para solucionar problemas comuns (nesse caso especifico, o processo produtivo), articulam-se com outros atores de suas redes relacionais, demonstrando capacidade de agência, porque são capazes de consolidar estratégias de comercialização horizontal em torno dos recursos locais, como forma de enfrentamento a problemas comuns de escassez da matéria-prima. Esses atores desenvolvem práticas organizacionais menos individuais e mais coletivas, as quais influenciam os resultados econômicos do empreendimento (LONG, 2001). Assim, criam e (re) criam espaços de negociação para que eles mesmos obtenham proveito dos fatores que se encontram a sua volta (LONG, 2001).

Cabe ressaltar que o AF1 ultrapassa as fronteiras do município, interagindo com agricultores de outras regiões que compartilham dos mesmos princípios, ou seja, produtores que adotam os princípios de produção de base ecológica (Cooperativa Sul Ecológica, Rede EcoVida). E, dessa maneira, consolida estratégias de aquisição da matéria-prima mediada nas interações sociais, corroborando com as afirmações de Long (2001) e Ploeg (2008) de que os atores, em torno de seus projetos individuais, constroem processos de interdependência, interagindo com outros atores próximos ou distantes, desde que estes compartilhem dos mesmos valores e princípios. Nessa perspectiva de interfaces, os agricultores também criam seus espaços de manobra para atender seus interesses e mostram sua capacidade e poder de agência, consolidando ações de negociação com outros atores de seu círculo relacional, como um fenômeno dinâmico relacionado à trajetória do indivíduo construído ao longo do tempo, neutralizando as intervenções e dependência de grupos externos (LONG e PLOEG, 2011).

Em minoria, apenas 20% (AF10 e AF5) afirmaram que a matéria-prima utilizada na agroindústria é eminentemente da propriedade. Esses relataram que não possuem interesse em aumentar o processo produtivo da agroindústria, porque ambos se encontram na fase do ninho vazio – em que somente o casal permanece na propriedade. Considera-se que os projetos individuais desses agricultores sustentam- se no ciclo de vida familiar, confirmando que a família se apresenta para o meio rural como a principal força de trabalho, influenciando nos projetos individuais e aproximando-se do que Long (2002) chama de ator individualizado, ou seja, aquele que molda o seu projeto com base em seus interesses pessoais dentro de uma lógica de organização familiar (SCHNEIDER, 2000).

Ao analisarmos as relações de interações em torno da matéria-prima, constata-se que os agricultores familiares pesquisados se organizaram de forma similar, mas não homogênea. Desta forma, em torno dos mesmos recursos, em sua maioria, 80% dos agricultores adotaram estratégias coletivas e horizontais com seus vizinhos, amigos e familiares, comprovando a sua capacidade de agência. Nessa linha discursiva, concorda-se com Long (2001) quando este ressalta que as interações entre diferentes atores possibilitam a construção de estratégias voltadas à solução de problemas e tornam viável aos atores moldar seus padrões de negociação, adaptando e alocando os recursos de forma a explorar os valores locais de ordem social e cultural (LONG, 2001). E, assim, esse estudo corrobora com Long e Ploeg (2011), mostrando que, para compreender a trajetória dos agricultores em torno dos seus projetos individuais/ agroindústrias, é necessário lançar um olhar as suas histórias de vida, isso porque estes não são atores isolados, mas, sim, ligados a outros atores próximos ou distantes (MIOR, 2005; CARVALHEIRO, 2010; MATTEI, 2015).

Instalações

Em relação às instalações da agroindústria, 90% dos agricultores entrevistados (AF1, AF3, AF4, AF5, AF6, AF7, AF8, AF9, AF10) afirmaram que a mesma está localizada na propriedade herdada dos pais ou avós. Tal fato revela a efetiva importância dos recursos da família na consolidação dos projetos individuais. Portanto, a concretização do empreendimento na propriedade apresenta-se como uma forma de pertencimento criada pelos próprios atores na consolidação de seus projetos (LONG, 2001). Somente um agricultor (AF2) adquiriu a propriedade depois de casar. Para os agricultores familiares em estudo, é na família que encontraram parte dos recursos necessários à consolidação do projeto, ou seja, o espaço físico (a casa, o galpão, a propriedade) para a instalação da agroindústria.

A consolidação da agroindústria permitiu aos agricultores pesquisados diversificar as atividades, inserir o agricultor no processo de negociação dos seus produtos e dominar outros elos da cadeia envolvendo desde a produção até a comercialização final do produto junto ao consumidor. Considera- se que os projetos individuais de características não agrícola (agroindústrias) na propriedade possibilitam aos agricultores desenvolver estratégias de resistência e manutenção da autonomia a sua forma de reprodução social e econômica (PLOEG, 2008). E assim, os agricultores criam e (re)criam espaços para que eles mesmos obtenham proveito dos novos projetos, preservando o que Long (2001) chama de diferentes ruralidades.

Apoio das Instituições: governamentais e não governamentais

Em relação ao fator Apoio das Instituições, foi solicitado ao agricultor que indicasse com quais atores interagiu nos últimos anos e quais foram as finalidades. De forma a melhor ilustrar essa interação, o Quadro 2 descreve os agricultores, as instituições e o apoio recebido.

Quadro 2
Os agricultores, as instituições e apoio




elaborado pelos autores, 2017.

Ao analisarmos os dados empíricos descritos no quadro 2, observou-se que os agricultores pesquisados interagem com outros atores em diferentes arenas: uma representada pelos atores institucionais descritos neste estudo como governamentais (Emater, Prefeitura) e a outra, considerada como social, representada nos atores não governamentais (Profissionais contratados, Associações, Sindicatos, CAPA).

Categoria 1: Interações com as instituições governamentais – consolidando estratégias de apoio

Ao analisarmos a interação entre os AFs e os atores governamentais, constatou-se que 80% (AF1, AF2, AF3, AF4, AF5, AF6, AF7, AF8) dos agricultores afirmaram recorrer à Emater e a Secretaria de Desenvolvimento Rural (Prefeitura de SLS) em busca de apoio ao desenvolvimento de seus projetos individuais – agroindústria. As interações com os atores locais apontam que os agricultores pesquisados reconhecem e se utilizam das informações abertas para:

  • suprir a falta de recursos e conhecimento técnico na elaboração do projeto técnico da agroindústria;

  • aprimoramento do conhecimento e qualificação mediante a participação em cursos oferecidos gratuitamente por estas instituições; iii) busca de informações em torno de recursos (dos mais variados) de apoio às agroindústrias – incluindo elaboração de rótulos dos produtos, legislação, eventos e políticas envolvendo as agroindústrias. Considerando as interações com as instituições governamentais, nesses casos, evidencia-se que esses agricultores buscam pela profissionalização e qualificação, envolvendo desde a gestão à comercialização de seus produtos. Isso aponta que, em sua maioria, os agricultores pesquisados confiam nas ações de suporte técnico, qualificação, transmissão de informações dos atores governamentais, confirmando o que é preconizado na POA de que cada projeto constituído pelo ator não se dá de forma isolada, mas é articulado com projetos de outros atores dentro de um complexo de arenas entrelaçadas (LONG, 2001).

Em minoria, 20% afirmaram que reconhecem o trabalho dessas instituições, mas optaram em não interagir com as mesmas, buscando em outros atores o apoio técnico (profissionais autônomos) na elaboração do projeto da agroindústria. Quando questionados sobre o porquê da não interação, os respondentes afirmaram que, nos momentos em que recorreram às referidas instituições, não obtiveram os resultados esperados, fato que motivou a busca a outros atores de forma a solucionar seus problemas.

Tal atitude demonstra que os agricultores pesquisados, inseridos no mesmo ambiente e em contato com as mesmas instituições, possuem uma racionalidade própria mediada por relações de confiança. Portanto, interagir com as instituições é uma ação encapsulada nas experiências passadas. Desse modo, à medida que os agricultores procuram e selecionam aqueles com os quais irão interagir, ao mesmo tempo, estão definindo os atores, bem como o padrão de suas futuras relações. Assim, não basta que as instituições governamentais sejam detentoras de diferentes recursos (materiais e imateriais) em suas respectivas arenas. É necessário que os atores, em suas respectivas arenas, entrelacem significados nas interações, de forma a ganhar credibilidade, reconhecimento e legitimidade frente aos agricultores e seus projetos (LONG,2002).

Categoria 2: Interações com as instituições não governamentais – a consolidação de estratégias

Ao analisar as interações dos AFs com as organizações não governamentais, evidenciou-se a consolidação de estratégias mais coletivas quando estes se organizaram de forma associativa e ou cooperativa. Os respondentes, em sua totalidade, interagiram entre si, organizando a Associação Caminho Pomerano, um espaço edificado com base nas regras consolidadas socialmente, traduzido na capacidade de agência dos atores que exercem certos poderes de influência uns nos outros, explorando o contexto étnico local para desenvolver ações mais coletivas e menos individualizadas para enfrentar problemas comuns. Nessas interações coletivas, os atores trocam mais do que produtos, ou seja, esses espaços permitem aos atores a preservação da identidade cultural local – pomerana –, materializada nos produtos processados e comercializados por suas agroindústrias. Os dados tornam evidente que a articulação existente entre os atores na mesma arena (social) tem potencial de se traduzir em força das regiões rurais, em que os atores constroem identidades individuais e coletivas em torno dos seus projetos (LONG, 2002).

Em torno das estratégias de comercialização, os agricultores ampliam suas redes relacionais, interagem com outros atores distantes geograficamente (neste caso, a Cooperativa Sul Ecológica e Rede Ecovida) e desenvolvem estratégias com atores que comungam dos mesmos valores em torno dos projetos (LONG, 2001). As interações com o CAPA surgem como estratégia para sanar problemas em decorrência da deficiência do conhecimento técnico, do apoio à comercialização dos produtos e do recurso financeiro.

De modo geral, foi possível comprovar que as interações entre os agricultores e as instituições não governamentais possibilitaram a consolidação de estratégias: a) comercialização para os seus produtos;

  1. b) busca de apoio técnico na execução de seus projetos;

  2. c) busca de informações e conhecimento.

Os diferentes atores, em suas respectivas arenas, detêm algum poder e possuem capacidade de transformar os contornos e detalhes da paisagem social e econômica local. Além disso, as interações e articulações entre os agricultores pesquisados e as instituições não governamentais tendem a construir uma identidade local mais coletiva e menos individual em torno dos projetos agroindustriais (LONG, 2001), o que se considera como um fator positivo ao processo de desenvolvimento e consolidação das agroindústrias, bem como do desenvolvimento econômico local. Esse contexto demonstra a importância das capacidades endógenas e do enraizamento local materializado nas interações entre atores que circulam na mesma arena e buscam soluções aos problemas comuns.

Recursos financeiros

Os dados de campo evidenciaram que, em sua maioria, sete dos dez agricultores familiares rurais pesquisados (AF1, AF2, AF3, AF4, AF5, AF8, AF9 declararam a falta de recursos financeiros por parte da família como forma de impulsionar a consolidação dos seus projetos individuais – agroindústrias. Em percentual menor, dois dos respondentes (AF7 e AF10) afirmaram utilizar os recursos advindos da família. E, em uma proporção ainda menor, 1 (um) dos agricultores (AF6), atribuiu ao CAPA o apoio financeiro para consolidar a agroindústria. O Quadro 3 apresenta os recursos financeiros e sua aplicação.

Quadro 3
Recursos públicos no processo de consolidação das agroindústrias

elaborado pelos autores, 2017.

A análise do Quadro 3 mostra que, em relação ao uso de recursos financeiros, 70% dos agricultores recorreram às políticas públicas de apoio à agricultura familiar. Nessa perspectiva, os agricultores se utilizaram do Pronaf em suas diferentes modalidades (Pronaf Mulher, Mais Alimentos, Pronaf Custeio e Pronaf Agroindústria), revelando que esses atores consideram outras arenas na busca de estratégias para solução dos problemas. Os recursos advindos das políticas públicas viabilizaram desde a reforma ou construção do prédio, à compra de equipamentos, máquinas (incluindo carro), a manutenção da base produtiva (plantio), proporcionando aos agricultores pesquisados consolidar sua agroindústria, criando e (re)criando espaços de comercialização dos seus produtos, de maneira a obter proveito dos fatores que intervêm a sua volta (LONG, 2001). Inserindo-se em novos mercados e canais de comercialização, sejam estes de cadeia curta (locais), longas ou mesmo os mercados institucionais.

Os agricultores que se utilizaram dos recursos públicos para construção e/ou reforma do prédio afirmaram que, sem este apoio, seria inviável a consolidação de seus projetos individuais – a agroindústria. Nessa perspectiva, o estudo aponta a relevância das formas de intervenção planejada do Estado, quando estas visam os resultados ao atendimento das necessidades dos agricultores familiares, fazendo com que se reconheçam as múltiplas ruralidades existentes no país (GRISA, 2012).

Nesse contexto, concorda-se com outros estudos que se referem às políticas de apoio à agricultura familiar como uma forma de legitimá-la como uma categoria social com suas peculiaridades (SCHNEIDER, CAZELLA, MATTEI, 2009; GRISA, 2012; MIOR, 2005). Isso torna-se claro quando se ampliam as linhas de atendimento do Pronaf, inserindo-se novos segmentos, até então excluídos ou não contemplados nas políticas agrícolas, entre estes, as mulheres, os jovens, os pescadores, os indígenas e quilombolas.

Os dados de campo revelaram que as mulheres acessaram recursos financeiros do Pronaf em diferentes modalidades para consolidar suas agroindústrias – incluindo o Pronaf Mulher. Assim, o que se evidencia é a valorização dos projetos da mulher na propriedade, de forma que a mesma desenvolva atividades que lhe garantam renda e maior autonomia na unidade familiar.

Em percentual menor, 20% das famílias possuíam recursos. Outro fato evidenciado foi o caso de um agricultor que recorreu ao CAPA para obter recursos financeiros. Para esse agricultor que não teve acesso aos recursos do Pronaf, prevaleceu a importância das interações sociais com atores locais. Convém destacar que o êxito na obtenção dos recursos advém do fato de esse agricultor fazer parte de um dos grupos locais assistidos pelo CAPA, confirmando a importância das forças endógenas na consolidação dos projetos individuais dos agricultores (LONG, 2002).

Compreende-se, no presente estudo, que os recursos disponíveis pelas políticas não suprem todos os custos de construção, reforma ou aquisição de equipamentos necessários aos empreendimentos. Entretanto, as intervenções planejadas ainda se apresentam de forma positiva na consolidação dos projetos individuais dos agricultores pesquisados.

Considerações finais

O presente estudo procurou contribuir e ampliar as reflexões sobre a compreensão das estratégias dos agricultores na construção de seus projetos individuais a partir da realidade dos atores. Nesse sentido, o aporte teórico da Perspectiva Orientada ao Ator possibilitou identificar um processo dinâmico de interação entre os atores locais e entre outros atores em diferentes arenas (políticas, econômicas e sociais), apontando, assim, para a sua capacidade de agência. Em torno dessa capacidade, os agricultores moldaram seus projetos individuais (agroindústrias) como uma estratégia de resistência e preservação da identidade rural, evidenciando um sentimento de pertença e enraizamento local. Em termos de estratégias, os agricultores pesquisados interagiram em busca de soluções de problemas envolvendo desde a aquisição da matéria-prima (em uma dinâmica de comercialização horizontal entre os atores na mesma arena) à comercialização dos produtos, perpassando pela importância da família quando detentora da propriedade para a construção dos projetos individuais. Quando a família consistia em um ator descapitalizado, os recursos oriundos de outras arenas apresentaram-se como estratégias de apoio à construção dos diferentes projetos individuais. Esse cenário indica uma dinâmica de organização complexa, em que emerge uma multiplicidade de estratégias com distintos atores.

Portanto, é importante defender que, para consolidar e desenvolver projetos individuais agroindustriais são necessários um conjunto complexo de interações, envolvendo diferentes atores em suas respectivas arenas (governamentais, não governamentais), modelando novas estratégias de desenvolvimento rural e demonstrando a habilidade dos atores na construção de estratégias mais horizontais, mais coletivas e menos individualizadas em torno de seus projetos. Quando os atores organizaram a Associação Caminho Pomerano, criaram um espaço de manobra para garantir maior autonomia na comercialização dos produtos das agroindústrias e preservação da identidade local, englobando o turismo rural.

Desta forma, considera-se que os agricultores pesquisados se utilizam do contexto histórico como estratégia para o desenvolvimento econômico local. Utilizam-se também da cultura representada na culinária pomerana, atribuindo significados de produtos coloniais aceitos por consumidores de sua etnia e conquistando os de outras etnias. De modo geral, o estudo revela que agricultores possuem capacidade de interagir e transformar os contornos do rural contemporâneo, tornando-se agentes influentes não só em seus projetos pessoais, mas também nos coletivos, pois consolidam seus projetos individuais não de forma isolada e, sim, de forma dinâmica e articulada com outros atores. Assim sendo, ao se relacionarem com diferentes atores em suas respectivas arenas (governamentais ou não governamentais), os agricultores demonstram sua racionalidade própria, interagindo em menor ou maior intensidade com outros atores, dependendo dos objetivos e do papel que cada um exerce nas relações.

Convém destacar que os resultados evidenciados não devem ser generalizados, porque retratam uma realidade temporal e geográfica específica. Como sugestão para as agendas dos pesquisadores interessados na temática, sugere-se a aplicação deste estudo em outras localidades, colonizadas por outras etnias, a fim de verificar se os fatores culturais interferem na capacidade instalada. Sugere-se, ainda, a inclusão de outros construtos como capacidades mobilizáveis e adicionais.

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