ARTE CÊNICA E APRENDIZADO: POTENCIALIDADES PARA AS ORGANIZAÇÕES

SCENIC ART AND LEARNING: POTENTIALITIES FOR ORGANIZATIONS

Elisângela Conceição Vieira Palongan
Universidade Estadual de Maringá – Maringá/PR, Brasil, Brasil
Luis Fernando Moreira da Silva
Universidade Estadual de Maringá – Maringá/PR, Brasil, Brasil
Marcio Pascoal Cassandre
Universidade Estadual de Maringá – Maringá/PR, Brasil, Brasil

ARTE CÊNICA E APRENDIZADO: POTENCIALIDADES PARA AS ORGANIZAÇÕES

Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 13, núm. 3, pp. 35-49, 2019

Universidade Federal Fluminense

Recepción: 28 Febrero 2019

Aprobación: 26 Agosto 2019

Resumo: No dia a dia das organizações há a busca constante por inovações, novos modelos de gestão e aprendizado. Exigências e obrigações são requeridas do ser humano, que precisa desempenhar papéis distintos nos ambientes em que atua. Ao mesmo tempo em que tem emoções tolhidas, precisa expandir a capacidade criativa. Nas mais variadas culturas, o teatro, tem sido um facilitador no desenvolvimento da aprendizagem e da criatividade humana. Nesse contexto, em que o teatro desempenha diversas funções, o objetivo deste ensaio é discutir a inserção da arte cênica no processo de aprendizagem e sua utilização como recurso para a Aprendizagem Organizacional.

Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional, Arte Cênica, Emoções.

Abstract: In the daily life of organizations there is a constant search for innovations, new management models and learning. Requirements and obligations are required of the human being, who must play distinct roles in the environments in which he operates. At the same time you have dull emotions, you need to expand your creative ability. In many different cultures, theater has been a facilitator in the development of learning and human creativity. In this context, in which theater plays several functions, the aim of this essay is to discuss the insertion of scenic art in the learning process and its use as a resource for Organizational Learning.

Keywords: Organizational Learning, Scenic Art, Emotions.

Introdução

Em nossa vida diária atuamos em vários papéis; somos atores que percorrem diversos palcos e contracenam com os mais diferentes personagens, alguns protagonizam conosco momentos importantes, outros são coadjuvantes, porém ambos colaboram na construção do papel principal a ser desempenhado por cada um, no enredo da vida.

O ambiente organizacional é um dos palcos em que nos apresentamos e, temos a possibilidade de atuar por grandes períodos. Assim, nem sempre conseguimos dividir os papéis de “profissional” e “ser humano”, em que o senso comum diz para deixar a vida pessoal na porta da empresa e só retomá-la ao fim do expediente.

Muitas organizações ainda tentam, como descrevem Robinson e Cassandre (2016), higienizar os seus ambientes, deixando-os livres de emoções, ou então, tentar inserir os seus funcionários como se estivessem em uma peça de “Alice nos país das maravilhas”, ocultando, escondendo, abafando os conflitos, as emoções, a vida que existe nos corredores, na coxia, parecendo, então, que tudo ocorre em perfeita sintonia. Porém, os ruídos demonstram que nem tudo está sob controle, ou que, ainda, há muito mais a ser desvendado por trás das cortinas.

Nesse emaranhado de acontecimentos, de exigências e protocolos, da necessidade de inovação, mudança e agilidade, está o homem, está a mulher, está o indivíduo responsável pela execução de cada cena, de cada ato, de cada performance na esfera organizacional e, para conciliar tais demandas, é importante que esteja apto, em condições mentais, físicas e espirituais que lhe permitam o seu pleno desenvolvimento.

O homem só é um ser completo quando consegue conciliar corpo, mente e espírito, quando está inteiro nas atividades que desempenha, quando tem a oportunidade de desenvolver as capacidades e qualidades essencialmente humanas, como a criatividade, a emoção, o senso crítico. Para tal, deve ter a possibilidade de experimentar, de vivenciar e sentir, ou seja, corpo e emoção, mente e espírito e não somente a razão, fazem parte do processo de aprendizado e desenvolvimento (COURTNEY,2010; DEWEY, 1971).

Em 1916, John Dewey, já se preocupava em possibilitar a prática da experiência no ensino e educação de crianças, implantando assim em seu laboratório “Laboratory School of Dewey” nos Estados Unidos, um método de atividade dramática também chamada de “aprender fazendo”, que segundo ele, era essencial exercitar a experiência, o “fazendo” para o processo de aprendizado.

Enquanto propulsora da criatividade e do desenvolvimento das emoções, a arte cênica esteve presente em diversas culturas, desde os tempos mais remotos e foi sendo inserida e relacionada ao aprendizado, tanto da criança, quanto do adulto. Ao proporcionar o desenvolvimento de qualidades essenciais ao homem, a arte começa a ser utilizada pelas mais distintas áreas do conhecimento, inclusive na Administração.

Segundo Elkjaer (2001) deve se buscar o desenvolvimento de funcionários ativos e reflexivos que são capazes de desenvolver suas próprias experiências, o que é proposto por sua abordagem de Terceira Via da Aprendizagem Organizacional (AO).

Elkjaer (2004), considera ainda que a implicação da compreensão da “terceira via” da AO é, ao mesmo tempo, trabalhar com o desenvolvimento de habilidades individuais e aquisição de conhecimento, bem como desenvolvimento organizacional. É reconhecer que indivíduos e organizações estão relacionados de forma transacional e que nenhuma mudança organizacional pode ser iniciada sem consequências, a curto ou a longo prazo, para indivíduos e grupos.

Algumas pesquisas evidenciam a utilização da arte como mecanismo de inovação e de criatividade, trazendo ganhos significativos para as organizações que estão dispostas a abrir as suas portas para o novo, utilizando-se dos benefícios da arte, da improvisação, para os acontecimentos que não estavam no script, previamente elaborado. Porém há campo de pesquisa ainda a ser explorado, como sugere Clark (2008). Assim, o objetivo deste ensaio é discutir a inserção da arte cênica no processo de aprendizado e como ela pode ser utilizada como recurso para a AO.

A organização do texto está assim disposta: Introdução; Aprendizagem Organizacional; História do teatro; Atividade dramática como experiência no processo de aprendizado; Emoção nas organizações e, por fim, Considerações finais.

Aprendizagem Organizacional

Chris Argyris foi um dos autores seminais do que hoje conhecemos como Aprendizagem Organizacional. Argyris teve sua formação inicial em Psicologia, conquistando o título de PHD por meio de estudos sobre comportamento organizacional. Ao longo de sua carreira acadêmica, em parceria com Donald Schon. Argyris desenvolveu pesquisas empíricas em diversas organizações, analisando o comportamento de líderes, gestores e executivos, ao mesmo tempo em que estudava como as estruturas organizacionais formais e os sistemas de controle e gestão, impactavam sobre os indivíduos e como eles se adaptavam e reagiam a isto.

Ao desenvolver pesquisas que estudavam o comportamento de executivos e gestores, culminando na identificação das formas de aprendizagem nas organizações, Argyris tornou-se um dos mais renomados nomes nas Ciências Sociais, mais especificamente no campo da Administração, vindo a ser professor de Comportamento Educacional e Organizacional na Harvard University nos Estados Unidos.

Argyris (2003) acreditava que as pesquisas interdisciplinares favorecia a produção de conhecimento, a aprendizagem e colaborava no desempenho dos indivíduos, o que não foi totalmente aceito no início de sua carreira acadêmica. Porém com o decorrer do tempo e com a atenção de novos pesquisadores acerca do tema, a AO passou a ter grande notoriedade, possuindo, atualmente, diversas abordagens para a mesma (WANG; AHMED, 2003).

No campo da Administração a AO vem sendo vinculada às novas formas de gestão e inovação, porém, não deve ser reduzida a tal, “mas deve ser compreendida como um conjunto de processos únicos construídos ao longo da vida organizacional, baseado em suas experiências e especificidades” (BITENCOURT; AZEVEDO, 2006, p. 110).

A AO pode tanto ser considerada sob a esfera individual, quanto coletiva. A abordagem individual, também chamada de cognitiva, trata do aprendizado adquirido pelo indivíduo por meio de livros, conceitos já existentes, banco de dados. Já a abordagem coletiva, também denominada participativa, pode ser considerada aquela que é produzida por meio de comunidades de prática, no dia a dia, como ocorre em várias organizações (ELKJAER, 2004; FLACH et al, 2013).

A organização pode ser entendida como um mundo social, onde o processo de aprendizagem ocorre por meio da relação e interação dos indivíduos nesse ambiente (ELKJAER, 2004). Porém, de acordo com Grey (2004) algumas organizações acreditam ser possível ter controle sistemático das relações sociais, tratando as pessoas como se elas fossem simples objetos, em vez de também sujeitos. Não percebem a singularidade que há em cada indivíduo, não consideram que as pessoas possuem capacidade de agência e que reagem de maneiras diferentes umas das outras aos eventos e acontecimentos.

Buscando construir uma ponte entre aprendizado cognitivo e participativo, Elkjaer (2001, 2004), utiliza-se do conceito anteriormente trabalhado por Dewey, de experiência e de reflexividade e, sugere a acentuação de um terceiro caminho, em que há a junção de cognição e participação, incluindo um conceito que envolve corpo, mente e intuição, considerando a capacidade de agência do indivíduo, suas emoções e sentimentos. Faz parte da vida efetuar questionamentos, análises, avaliações e assim chegar a conclusões, isso acontece todos os dias, conscientemente ou inconscientemente. O conceito de experiência enfatiza corpo, emoção e intuição como partes cruciais do aprendizado organizacional.

Considerando a perspectiva de experiência no processo de aprendizagem e, consequentemente na aprendizagem organizacional, como tratado por Elkjaer, nos aproximamos do conceito de Dewey, que utilizou em seu laboratório atividades dramáticas. Dessa forma, entenderemos como a arte cênica, mais especificamente o teatro, têm sido utilizados ao longo dos tempos.

História do Teatro

Desde os tempos mais remotos o homem teve uma relação próxima com a arte, nas mais variadas formas: música, dança, poesia e teatro, eram considerados meios de divertimento e distração. Os povos primitivos utilizavam o teatro como forma de retratar acontecimentos do cotidiano, da vida em comunidade, como a caça dos nômades da Idade da Pedra, a dança da fertilidade e colheita, além de ritos e cultos divinos. As tribos aborígenes utilizavam-se de representações como rituais em agradecimento aos deuses (BERTHOLD, 2011).

Já o teatro na forma que conhecemos no ocidente teve sua origem na Grécia no século V a.C., nas festas que eram realizadas em homenagem ao deus Dioniso, as Dionisíacas. Dioniso era considerado deus do vinho, da vegetação, do crescimento, da procriação, da vida exuberante e do teatro (BERTHOLD, 2011). Tais festas aconteciam todos os anos, na primavera, na época em que era feita a colheita das uvas para produção do vinho e duravam vários dias. Em 534 a.C. Téspis de Icária, considerado o primeiro ator do teatro ocidental, participou de uma dessas festas, colocando-se a parte do coro como solista e criou um diálogo com o condutor do coro, inovando a maneira de condução das representações nos rituais existentes até então. A partir daí, surgiram os prédios teatrais gregos e construções ao ar livre.

Outros atores foram sendo incluídos a partir de Ésquilo e Sófocles, que criavam e de certa forma dirigiam as representações dramáticas, denominadas de tragédia (tragos = bode e ode = canto), apresentadas no concurso anual, em que o ganhador do concurso recebia como prêmio uma cabra ou um bode (BERTHOLD, 2011; COURTNEY, 2010).

Ocorre também o surgimento da comédia ática, criada pelo ateniense Aristófanes, que posteriormente foi considerada a precursora da caricatura política, pois efetuava crítica política em forma de comédia e satirizava deuses e mitologia.

Assim, o teatro foi sendo disseminado para outros países. Roma na Itália, foi influenciada pelo teatro grego, tendo grande alcance de público, possuía tendas que abrigavam até 40.000 espectadores e veio a ter o seu primeiro prédio teatral no ano de 55 a.C.

Na China há relatos de expressões de arte desde o ano 1766 a.C., por meio de tribos seminômades que realizavam danças cerimoniais acompanhadas por flautas e percussão, com um coro de meninos e meninas. Por volta do século VIII, com influências vindas da Pérsia e da Índia, o teatro passa a ter uma variedade de representações, com marionetes e estilos populares. O regime comunista que chegou ao poder do país eliminou elementos religiosos, porém manteve o incentivo à dramaturgia (COURTNEY, 2010).

De acordo com Courtney (2010) e Berthold (2011) foi justamente na área religiosa que o teatro encontrou barreiras, pois o Cristianismo o considerava pagão, extinguindo as representações teatrais. Em contrapartida no período medieval, o teatro ressurge por meio da igreja com a encenação da Páscoa e ressurreição de Cristo, sendo então utilizado como ferramenta de evangelismo adotada por padres e monges.

Foi por meio da religião que o teatro chegou ao Brasil, com a utilização do teatro pelos padres jesuítas vindos de Portugal, como o padre José de Anchieta e o padre Antônio Vieira, para catequização dos indígenas, incluindo nas peças elementos da crença cristã. As peças eram escritas com intenções didáticas, não somente de ensino da língua portuguesa, mas procurando sempre encontrar meios de traduzir a crença cristã para a cultura indígena (BERTHOLD, 2011; COURTNEY, 2010). A figura 1 representa a disseminação da prática teatral ao longo do tempo.

O Teatro e suas formas de manifestação ao longo do tempo
Figura 1
O Teatro e suas formas de manifestação ao longo do tempo
Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

É possível ver que a arte cênica passou a ser utilizada como mecanismo de educação, alfabetização e aprendizado, tornando-se a inserção da prática teatral na educação mais recorrente a partir do século XIX, como trataremos no tópico a seguir.

A atividade dramática como experiência no processo de aprendizado

Tanto no Brasil como em outros países, a arte esteve relacionada com a educação e a aprendizagem, sendo o teatro uma ferramenta didática de propagação de ensinos educacionais e religiosos. De acordo com Courtney (2010) a educação ateniense do século V a.C. utilizava-se da arte como mecanismo educacional. O teatro era um importante instrumento que proporcionava a disseminação do conhecimento para o povo e era um dos poucos prazeres literários disponíveis. Assim, ao longo dos tempos, o teatro foi sendo inserido no processo de aprendizagem.

Ainda, de acordo com Courtney (2010), o teatro teve seu renascimento na educação na segunda metade do século XIX no Reino Unido quando as crianças da rainha Vitória e do príncipe Albert apresentaram peças de teatro, o que passou a ser comum em escolas a partir de então.

Em 1913 na universidade de Harvard nos Estados Unidos, o professor George Pierce Baker fundou o Workshop 47, sendo um fórum para a execução de peças desenvolvidas dentro de sua classe de Inglês, foi ele também o responsável pela fundação da Escola de Drama de Yale em 1925 (BERTHOLD, 2010).

Em 1916 John Dewey implantou em seu laboratório “Laboratory School of Dewey” nos Estados Unidos, um método de atividade dramática também chamada de “aprender fazendo”, que segundo ele, era essencial exercitar a experiência, o “fazendo” para o processo de aprendizado. Após a Segunda Guerra Mundial as escolas britânicas inseriram o teatro em suas aulas, influenciando não somente crianças, mas também professores que passaram a receber treinamentos. Surgiram cursos sobre “Teatro Criativo” nos Estados Unidos e em 1964 era possível ver que 25% das faculdades inglesas possuíam em sua grade curricular a disciplina de teatro.

John Dewey foi um grande defensor da chamada educação progressiva, modelo este em que a criança, o aluno, o aprendiz não é simplesmente submetido a um processo de imposição de cima para baixo, à padrões de memorização, ou métodos de adultos para crianças da educação tradicional, mas sim, da educação em que o aprendiz tem a possibilidade de externar suas ideias e seu entendimento sobre o que se está aprendendo. Os aprendizes são inseridos em um processo de prática e experiência, em que lhes é permitido vivenciar atividades e desenvolver aprendizados, criando assim a abertura para novos conhecimentos, que vão além das atividades já realizadas (DEWEY, 1971).

Para Dewey, porém, era necessário ter cautela com a experiência a ser proporcionada ao aprendiz, pois uma experiência pode ser tão agradável quanto desagradável, produzindo então um efeito contrário ao esperado.

Uma experiência malconduzida pode desencadear o que Dewey chama de deseducação: é deseducativa toda experiência que produza o efeito de parar ou distorcer o crescimento para novas experiências posteriores. Uma experiência pode ser tal que produza dureza, insensibilidade, incapacidade de responder aos apelos da vida, restringindo, portanto, a possibilidade de futuras experiências mais ricas (DEWEY, 1971, p. 14).

No processo de aprendizagem, para que uma experiência tenha um resultado positivo para o indivíduo, é importante que se considere suas capacidades, suas qualidades, seu poder de agência e entendê-lo como um ser humano completo.

Precisamos proporcionar uma educação que habilite os homens para desenvolverem suas qualidades humanas. É esta a maior necessidade de nosso tempo. A crescente especialização de nossa sociedade científica tende a não se concentrar nas qualidades essencialmente humanas. Tanto em nossa educação quanto em nosso lazer precisamos cultivar o ‘homem total’ e nos concentrarmos nas qualidades criativas do ser humano (COURTNEY, 2010, p. 4).

Como afirma Vygotsky (1989), as emoções devem dar base para o aprendizado. Sendo assim, pensar e sentir são faces que se complementam durante o processo de aprendizagem de um indivíduo. De acordo com Canopf et al (2018), as emoções influenciam o comportamento e assim, interferem nas ações dos seres humanos tanto no ambiente educacional quanto organizacional, pois “O mundo dos afetos é um mundo real que interage de forma contínua e forte sobre a vida dos indivíduos” (CANOPF et al, 2018, p. 379).

A arte tem valorosa participação nesse processo de aprendizagem e experiência, quando permite ao indivíduo que explore suas habilidades, quando permite que ele deposite suas emoções nas atividades, nos papéis que está desempenhando, quando o considera como um ser total, dotado de capacidade intelectual, mas também de sentimentos, percepções e intuições.

A arte e, o teatro mais especificamente, em suas diversas manifestações (lazer e recreação, manifesto político, representação artística, alfabetização, catequização e aprendizado), tem sido utilizadas significativamente como manifestação cultural de diversos povos ao longo dos tempos, é por meio dela que pessoas aprenderam e ensinaram, pois de acordo com Senge (2006, p. 169): “Ao longo da história, praticamente todas as culturas tiveram arte, música, dança, arquitetura, poesia, contadores de história, cerâmica e escultura. O desejo de criar não é limitado por crença, nacionalidade, credo, formação educacional ou era”.

Alguns estudos recentes têm demonstrado a inserção da arte nos ambientes organizacionais e como ela tem colaborado para o desenvolvimento de habilidades e manifestação das emoções.

A emoção nas organizações

Considerando as organizações como mundos sociais (ELKJAER, 2004), a necessidade do desenvolvimento de pessoas ativas e reflexivas, resultando em seres humanos que atuem com corpo, mente e espírito, temos a possibilidade de abrir novos caminhos para superar ambientes robotizados até então.

Courtney (2010) considera que, precisamos voltar nosso olhar para uma educação que permita às pessoas, tanto a criança, quanto ao adulto, desenvolver qualidades humanas. Sendo esta uma das maiores necessidades e um dos maiores desafios do nosso tempo, permitir o desenvolvimento de corpo, mente e espírito, em todos os ambientes em que ele atuar, permitindo-lhe ocupar os espaços de uma maneira como ainda antes não foi experimentado, estando inteiro naquilo que se faz.

Porém ao entendermos a necessidade de considerar o indivíduo como um ser total, dotado de sentimentos e emoções em todos os ambientes em que vive, convive e se relaciona, passamos a entender o papel importante da organização e do ambiente de trabalho, tendo em vista que é nesse ambiente que o indivíduo passa a maior parte de tempo dos seus dias, da sua vida.

Mas de que emoção estamos nos referindo? Moisander, Hirsto e Fahy (2016), classificam as emoções em afetivas e morais. As emoções afetivas, também denominadas por paixões (VILAS BOAS e CASSANDRE, 2018) traduzem-se em sentimentos como o amor, o ódio, a confiança e o respeito, representando vínculos e compromissos positivos e negativos que os indivíduos têm com pessoas, lugares, ideias e coisas. Já as emoções morais, como o orgulho, a vergonha e a preocupação moral, estão relacionadas com obrigações e direitos sentidos pelas pessoas, bem como sentimentos de aprovação e desaprovação baseados em intuições e princípios morais, como a indignação pela injustiça.

Moisander, Hirsto e Fahy (2016) entendem que conectadas a pensamentos e avaliações, as emoções são importantes para a reflexão crítica e o raciocínio ético, não sendo somente “o combustível que alimenta o mecanismo psicológico de uma criatura de raciocínio" (NUSSBAUM, 2003, p.3), mas sendo um componente intrínseco de cognições, crenças e julgamentos morais e, dessa forma, estão envolvidas em muitos aspectos, nos processos pelos quais as pessoas fazem sentido e participam de processos institucionais e organizacionais. Assim, os autores argumentam que as instituições são parcialmente definidas e sustentadas pelas emoções: “por emoções morais, que refletem avaliações normativas e julgamentos de legitimidade e por laços afetivos, que refletem vínculos de longo prazo e compromissos ou lealdades a coletividades” (p. 966).

Compreendendo o papel importante da emoção na formação e constituição do indivíduo, Reatto, Godoy e Silva (2016, p. 4) consideram que “as organizações precisam encorajar seus indivíduos a compreender suas emoções e usá-las construtivamente no seu cotidiano, para que seja possível compreender o que causa tais emoções e como lidar com elas, harmonizando-se com elas ou corrigindo-as”. No entanto estudos que relacionem emoção, aprendizado e organizações, ainda são incipientes, tendo em vista o elemento emoção também ser considerado algo subjetivo, o que pode ser mudado ao buscar analisar a emoção e a sua relação com o ambiente de trabalho, buscando olhar sob o prisma de diferentes abordagens.

É possível identificar que algumas organizações tem voltado sua atenção e direcionado esforços para o elemento emoção, de maneira a gerar novas formas de trabalho. Em alguns países e, mais recentemente no Brasil, é possível encontrar pesquisas que relacionem a arte ao desenvolvimento de lideranças e criatividade nas organizações. Flach et. al (2013), em seu artigo “Aprendizagem e Competências por meio das artes: atividade profissional e vivência artística em diálogo”, realizaram entrevistas com vinte e um profissionais em um festival de artes na cidade de Porto Alegre, que desempenham outras atividades além das artísticas e, chegaram à conclusão de que as artes são um recurso capaz de promover o desenvolvimento de competências como a capacidade de improvisação, criatividade e flexibilidade, que podem ser utilizadas nas mais diversas profissões.

Barry (2008) relata em seu artigo “The art of...” que empresas como Siemens e Unilever investiram em artes como base de formação de seus funcionários, entendendo que pintura, canto, poesia e aulas de teatro transmitem novas formas de pensar, maneiras criativas que podem ser aproveitadas para desenvolver novos produtos e estruturas, incentivando os funcionários a pensarem fora da “caixa”.

Já na França, Descubes e McNamara (2015) utilizaram de um tipo de aprendizado baseado em teatro, para o desenvolvimento de sua pesquisa no ano de 2012, junto a uma empresa de energia elétrica. Foram realizadas oficinas teatrais com um grupo de funcionários, baseadas em técnicas de improviso, com o auxílio de dois atores profissionais, em que desenvolviam dramas, musicais ou comédias, bem como a troca de papéis entre os funcionários, ou seja, no momento das oficinas os funcionários simulavam desempenhar as atividades dos colegas de trabalho, trocando de lugar com eles. De acordo com os autores no fim do processo, os funcionários, sentiram-se livres para falar de seus anseios, de suas expectativas e de suas necessidades profissionais, bem como foram avaliados pelos administrados da organização como funcionários ativos e participativos, que desenvolveram a capacidade de atuar em uma gestão colaborativa.

Ainda em termos de gestão, no artigo “Arts-based methods in leadership development: affording aesthetic workspaces, reflexivity and memories with momentum”, Sutherland (2012), trata da utilização da música em um turma de MBA executivo, para o desenvolvimento de habilidades de liderança, considerando que a arte possui a capacidade de despertar um processo reflexivo nas pessoas, além de criar um ambiente onde os pessoas conseguem se conectar umas com as outras com mais facilidade, desenvolvendo a empatia, a facilidade de comunicação e as relações interpessoais.

Em que pese, muito se tenha dito e feito na atualidade quanto à ambientes organizacionais mais propícios a criação e emoção, nem todas as abordagens retratam a emoção nas organizações como mecanismo de aprendizado, reflexão e contribuições criativas para a organização, mas sim como mecanismo de poder da organização sobre o funcionário. As emoções estão sujeitas ao controle institucional e podem ser mobilizadas para a política institucional e o trabalho institucional, criando estratégias para influenciar os indivíduos com emoções negativas e positivas, apelando para emoções morais e laços afetivos na tentativa de criar suporte para projetos institucionais, evocando sentimentos de vergonha e orgulho, mobilizando-os para regular o trabalho institucional (MOISANDER; HIRSTO; FAHY, 2016).

É fato que nem todas as organizações terão interesse genuíno no desenvolvimento das habilidades de seus funcionários, é possível que muitas delas, buscarão exercer certo controle sobre seus funcionários. Mas há, ainda assim, aquelas que positivamente buscam fomentar a expansão das habilidades, capacidades e talentos de seus funcionários, permitindo um ambiente criativo, facilitando e provendo meios e métodos para tal, eis então que a arte tem papel fundamental nesse processo de experiência como recurso para o aprendizado, pois de acordo com Robinson e Cassandre (2016, p. 9): “A ideia de trabalhar como uma arte é a ideia de colocar-se intencionalmente, conscientemente, de maneira inteira nas experiências vividas, na prática do dia-a-dia, de não ignorar os sentimentos, as emoções, ao contrário, colocá-los naquilo que se faz”. Portanto é possível indicar que o teatro enquanto movimento artístico, poderia ser utilizado como uma ferramenta para a expansão das habilidades, capacidades e talentos, incluindo as técnicas de encenação teatral na aprendizagem.

A arte cênica como recurso para a aprendizagem nas organizações

Ao buscar o desenvolvimento do indivíduo como um ser total, a inserção da arte na vida do homem traz a possibilidade de estimular o processo criativo, trabalhando com corpo, mente e espírito, conforme assevera Stanislavski (2016, p. 183): “o elo entre o corpo e a alma é indivisível. A vida de um dá vida ao outro. Todo ato físico, exceto os puramente mecânicos, tem uma fonte interior de sentimento”.

Para Stanislavski mente e corpo representam um continuum psicofísico, rejeitando a concepção ocidental que separa a mente do corpo, em consonância com o psicólogo francês Théodule Ribot, que acreditava que a emoção nunca existe sem uma consequência física.

Podemos identificar uma aproximação entre AO e a arte cênica, pois enquanto ator da vida organizacional, o indivíduo está sujeito a desempenhar diversos papéis e nesse emaranhado de atuações, precisa se conhecer, saber quem é, como se constitui nesse ambiente, assim como Stanislavski considerava que o ator deveria atuar em cena.

Com a possibilidade de promover a interdisciplinaridade entre as áreas de estudo, como sugeriu Argyris (1976) e apresentar uma proposta metodológica para desenvolvimento da AO, buscamos efetuar a transposição das técnicas de encenação teatral para a AO. Utilizamos a proposição recomendada por Robinson e Cassandre (2016), tendo como base o livro “A preparação do ator”, de autoria de Constantin Stanislavski.

Stanislavski foi um dramaturgo russo, que elaborou um “Sistema”, contendo técnicas de encenação teatral para a aprendizagem do ator, que estimulam a criatividade e a imaginação, catalogadas no livro “A preparação do ator”. Para a criação desse sistema, Stanislavski começou a observar a si mesmo e a atuação de seus colegas em cena, transformando-os muitas vezes em “cobaias” do seu experimento (GUINSBURG, 2008). Sendo assim, o Sistema que contempla técnicas para o trabalho do ator em cena, criado por Stanislavski, sugere técnicas específicas que ajudam o ator a desenvolver um estado de mente e corpo que estimula a experienciação (CARNICKE, 2000).

Para a criação desse sistema, Stanislavski começou a observar a si mesmo e a atuação de seus colegas em cena, transformando-os muitas vezes em “cobaias” do seu experimento. (GUINSBURG, 2008). Sendo assim, o Sistema que contempla técnicas para o trabalho do ator em cena, que o ajudam a desenvolver um estado de mente e corpo que estimula a experienciação (CARNICKE, 2000).

Utilizando dos seguintes capítulos, Robinson e Cassandre (2016): II) Quando atuar é uma arte, III) Ação, IV) Imaginação, propondo um esquema Perguntar (quando) – Experimentar (ação) –Responder (imaginação).

Na proposta de Robinson e Cassandre (2016), Perguntar – Experimentar – Responder, no primeiro passo, o indivíduo consciente do seu papel, da completude do seu ser, encontra-se “inteiro” na organização em um processo que desperte perguntas, questionamentos e que o leve a ação; no segundo passo, após um processo de questionamento o indivíduo é levado a agir, a interferir, a propor soluções diferentes, a questionar os rumos, as emoções e não às esconder (pois a aprendizagem ocorre na prática, ganha significado na ação, no fazer, na atividade); no terceiro passo, o indivíduo é levado a criar, imaginar, pensar e repensar a busca de soluções.

As fases das técnicas de encenação teatral (Perguntar-Experimentar-Responder) de Stanislavski, utilizadas por Robinson e Cassandre, podem representar um condutor da criatividade, da emoção e da imaginação, assim como promover a experiência para a AO. Para que essa condução seja efetuada para a AO, sugerimos a utilização da Metodologia Intervencionista (MI). A MI figuraria então como um suporte para a prática das técnicas de encenação teatral enquanto método. A MI por seu caráter integrador, utilizando do método de encenação teatral pode ser uma propulsora da criatividade e da emoção, no processo de aprendizado do indivíduo.

Para Cassandre e Godoi (2013), a pesquisa intervencionista tem o princípio de valorizar a produção de conhecimento, favorecendo novos atores no processo que sejam também corresponsáveis na condução e na construção do conhecimento coletivo, o que tem forte relação com a abordagem da “terceira via” da AO, proposta por Elkjaer. De acordo com Cassandre e Pereira-Querol (2014, p. 17):

A palavra intervenção pode ter como significado a ação de intervir, mediar ou interceder. Também é possível ser empregada em vários contextos, como, por exemplo, na Medicina, numa intervenção cirúrgica; na atividade policial, numa atuação no sentido de cessar ou paralisar uma ação rebelde; ou mesmo na área de negócios, na chamada “intervenção profissional” ou também chamada de “consultoria”, com o intuito de modificar, melhorar ou mudar uma dada atividade.

No âmbito nacional é recente a transposição das Metodologias Intervencionistas para o campo da Administração, dos Estudos Organizacionais e mais especificamente na Aprendizagem Organizacional, como vemos nos estudos de Pereira-Querol, Jackson-Filho e Cassandre (2011); Pereira-Querol, Cassandre e Bulgacov (2014) e, mais recentemente nas pesquisas de mestrado de Maurício Donavan Rodrigues Paniza (2016) e Viviani Teodoro dos Santos (2017), que metodologicamente trabalharam com as metodologias intervencionistas, sendo o Laboratório de Mudança e a metodologia Trans/Formativa (inspirada no Laboratório de Mudança), respectivamente.

De acordo com Engeström et al (1996), o Laboratório de Mudança consiste na intermediação para a solução de um problema junto à um grupo. Inicia-se com a fase de levantamento de dados, também chamada de “Espelho”, onde o pesquisador colhe dados da organização e tenta identificar o problema, fazendo anotações em diários de campo, realizando entrevistas, observações participantes e não participantes, gravações de áudio e vídeo (LEMOS; PEREIRA-QUEROL; ALMEIDA, 2013).

Após o período do levantamento de dados da fase inicial, também chamada de Dados-Espelho iniciam-se as sessões / reuniões do Laboratório de Mudança, com a participação de aproximadamente 12 pessoas (mais ou menos participantes, dependendo da quantidade de integrantes da organização), normalmente selecionadas pelo pesquisador intervencionista, de acordo com os dados levantados e problemas identificados na fase inicial. São realizadas entre 12 e 15 sessões, com periodicidade semanal, com média de duração de duas horas, e que devem ser gravadas em vídeo para posterior análise.

Assim o Laboratório de Mudança se propõe a atuação em sete fases:

1) Mapeamento da Situação: iniciando com o reconhecimento dos sujeitos de que é necessário efetuar mudanças na atividade de trabalho;

2) Análise da Situação: análise do passado para revisar como efetuavam as atividades, e reflexão quanto ao presente, identificando os problemas e contradições que geram dificuldades atualmente;

3) Criação de um novo modelo: os sujeitos pensam a ativid0ade “ideal” desejada para o futuro;

4) Concretização e Teste do Novo Modelo: efetuam testes do novo modelo dentro do prazo de um mês;

5) Implementação do Novo Modelo: se preparam para a implantação da mudança que planejaram;

6) Distribuição e Consolidação: os sujeitos que participaram do processo se tornam multiplicadores da nova prática de trabalho.

7) Consolidando a nova prática: a nova prática de trabalho é adotada e periodicamente revisitada / analisada para ajustes necessários.

Representação do Laboratório de Mudança e suas fases
Figura 2
Representação do Laboratório de Mudança e suas fases
Fonte: adaptado de Center for Activity Theory and Developmental Work Research, 2003.

Na pesquisa de Maurício Donavan Rodrigues Paniza com título de “Aprendizagem Organizacional sob a perspectiva da Teoria da Atividade Histórico-Cultural: uma intervenção do Laboratório de Mudança na gestão de resíduos em um hospital-escola” foi utilizada como metodologia o Laboratório de Mudança, sendo a pesquisa realizada entre os anos de 2013 a 2016, em que houve a implementação da ferramenta modelada pelo grupo por intermédio das reuniões / sessões do Laboratório de Mudança. (PANIZA, 2016).

Outra metodologia intervencionista utilizada foi a Intervenção Trans/Formativa (IT), baseada no Laboratório de Mudança, intitulada de “Intervenção Trans/Formativa: construindo e implementando uma ferramenta para a Aprendizagem Organizacional baseada na Teoria da Atividade Histórico-Cultural e na Psicologia da Libertação” de autoria de Viviani Teodoro dos Santos (2017). Tal pesquisa foi realizada até a fase 3 do ciclo, ou seja, a construção de um modelo que auxilie na solução do problema tratado, porém cabendo à organização a decisão de implementação ou não do modelo sugerido.

Em nossa proposta de transposição, tendo em vista o objetivo estabelecido neste ensaio entendemos que o Laboratório de Mudança é uma metodologia indicada para a transposição das técnicas de encenação teatral de Stanislavski para a AO, porém semelhantemente à IT, que avançou até a fase três do LM, a transposição das técnicas de encenação teatral pode ocorrer nas três primeiras fases do laboratório, inserindo elementos teatrais em cada uma delas, sendo assim chamada de Intervenção Cênica (IC), de acordo com o formato já preconizado para as metodologias intervencionistas.

Considerando o que propõe as metodologias intervencionistas, o ato de “intervir” no processo de maneira a formar indivíduos autônomos, e ainda com base na terceira via da AO, que almeja a construção de uma aprendizagem coletiva, com o desenvolvimento de indivíduos ativos e reflexivos, na primeira fase é o momento de levar os indivíduos a um processo de Questionamento (Perguntar) sobre a situação atual, com utilização dos Dados-espelho (fotos, vídeos, imagens) como segundos estímulos, para que as pessoas pensem sobre as atividades, buscando identificar as zonas de conflito e tensões que necessitam ser tratadas. A apresentação dos Dados-Espelho, provoca questionamentos, pois ao mesmo tempo em que os indivíduos questionam a atividade, também questionam qual o papel deles nas atividades.

Logo após a fase de questionamento e a identificação de um possível problema, realiza-se a fase de Análise, em que é importante construir uma linha histórica, passado e presente, para que os indivíduos tenham condições de compreender acontecimentos e eventos atuais, momento em que têm a oportunidade de experimentar, conhecer a organização de forma ampliada. Para isso sugerimos a execução de um exercício teatral denominado Troca de Papéis, em que os indivíduos experimentam outras atividades e conhecem como colegas de trabalho desenvolvem suas tarefas. Dewey (1971) compreendia que a inserção de atividades dramáticas traziam nova dinâmica à educação, o processo de experimentar proporcionava momentos de criatividade. Courtney (2010) e Elkjaer (2001, 2004) também consideram ser importante o processo de experimentar no desenvolvimento do indivíduo no processo de aprendizagem. O ser humano deve ter a possibilidade de experimentar, de vivenciar e de sentir, como Stanislavski ensinava aos atores a fazerem, a se colocarem na cena como seu corpo, sua mente e seu espírito. De acordo com o que defendia Vygotsky (1989), que é por meio da ação e da relação com outros que o indivíduo aprende, desenvolve a si mesmo e a própria atividade.

Na fase três é o momento de modelar e de imaginar uma solução, para o problema identificado na fase um. Dessa forma os indivíduos imaginam e criam um modelo e uma nova forma de trabalho, propondo soluções para os problemas, ao passo que também pensam em sugestões que tragam melhorias nas atividades de trabalho da organização.

Ao propor a transposição das técnicas de encenação teatral para a AO, por meio de uma MI, buscamos inserir elementos como emoção, experiência e criatividade, que são capazes de gerar novos comportamentos no indivíduo, de acordo com as pesquisas de Vygotsky (1989). Abarcar a emoção durante a aprendizagem pode resultar em um indivíduo mais criativo, capaz de lidar com as demandas intrínsecas da organização, na mesma medida em que fortalece a capacidade inter-relacional, como visto nas recentes pesquisas citadas no item cinco deste ensaio teórico.

Considerações finais

Este ensaio objetivou discutir a inserção da arte cênica no processo de aprendizado e como ela pode ser utilizada como recurso para a AO. Por meio de uma reflexão sobre o papel da arte na vida dos seres humanos e, no desenvolvimento histórico das culturas pudemos averiguar que o teatro se desenvolveu como técnica para a educação humana, como corrobora Dewey (1971). Ontologicamente partimos da afirmação de que o ser humano não pode ser divisível, portanto, o ser humano é composto de uma unidade entre corpo, mente e espírito o que exige a necessidade de olharmos para suas emoções como parte do processo educacional, não apenas para sua racionalidade, como se o aprendizado ocorresse de forma precisa, homogênea sem percalços.

Apesar de as pesquisas empíricas em relação a utilização da arte cênica nos processos de aprendizado no ambiente organizacional ainda serem incipientes no Brasil, podemos considerar que, de acordo com alguns estudos realizados (incluindo outros países), há um vasto campo de pesquisa a ser explorado. Como sugere Clark (2008), há a necessidade de a comunidade acadêmica explorar tal campo, tendo a possibilidade de novas descobertas do uso da arte nos processos de aprendizado organizacional, nos processos de gestão, trazendo inovações e novas perspectivas para a área da Administração.

Como Courtney (2010) descreve, precisamos voltar nosso olhar para uma educação que permita ao sujeito, tanto a criança, quanto ao adulto, desenvolver qualidades humanas. Sendo esta uma das maiores necessidades e um dos maiores desafios do nosso tempo, permitir o desenvolvimento de corpo, mente e espírito, em todos os ambientes em que ele atuar, permitindo-lhe ocupar os espaços de uma maneira como ainda antes não foi experimentado, estando inteiro naquilo que se faz.

A partir da perspectiva de que a arte estimula a criatividade, ela entra como um facilitador no processo de aprendizado e desenvolvimento quando traz ao indivíduo a percepção de quem ele é, do que o compõe, do seu corpo, do seu pensamento, de suas emoções, de suas vontades. Primeiro é preciso o indivíduo entender quem ele é, para entender o outro e assim estabelecer uma relação sadia. Compreendemos que o ser humano deve ser visto de forma total. Isso significa que devemos considerar seu corpo, sua mente e seu espírito, bem como seus pensamentos, sentimentos e emoções, nas ações que desenvolve e executa.

Vislumbramos a possibilidade de inclusão de elementos que viabilizem essa “totalidade” por meio da transposição das técnicas de encenação teatral para a AO, o que acreditamos ser possível de executar com a utilização da MI, sendo ela o apoio, o fôlego que nos é necessário para a condução de todo o processo. Nossa proposta de contribuição da arte cênica para a AO encontra adesão nas pesquisas já efetuadas (conforme descrevemos na seção cinco), de autores como Barry (2008), que relata que aulas de pintura, canto, poesia e teatro podem estimular a criatividade; Descubes e McNamara (2015) que indicam que oficinas teatrais e a troca de papéis entre os funcionários os auxiliaram a desenvolver o improviso e a capacidade de atuar em uma gestão colaborativa; Sutherland (2012), considera que a arte possui a capacidade de despertar um processo reflexivo nas pessoas, ao mesmo tempo em que permite um ambiente mais colaborativo, facilitando a comunicação e as relações interpessoais.

A arte cênica pode viabilizar o desenvolvimento da capacidade criativa, das emoções, da liderança participativa, da possibilidade de improviso em situações inesperadas, bem como o desenvolvimento de indivíduos ativos e reflexivos (ELKJAER, 2001, 2004; SUTHERLAND, 2012), como proposto na primeira fase, em que há o processo de questionamento sobre si e as atividades que desempenha. Na fase dois, por meio da Troca de Papeis, os indivíduos podem desenvolver a agentividade, quando passam a analisar não somente a função que exercem, mas também a função dos demais componentes da organização, permitindo assim que se tenha uma visão holística. Já na fase três compreendemos que a criatividade e a inovação são estimuladas, tendo em vista que os indivíduos são encorajados a imaginar e propor uma nova forma de trabalho, que seja adequada à eles e à organização.

Certamente há a necessidade de mais pesquisas e estudos, tanto teóricos, quanto empíricos que evidenciem a arte cênica como recurso para a Aprendizagem Organizacional, mas há a identificação de um caminho a ser percorrido na gestão de pessoas, na transposição de técnicas de outras áreas para a gestão nas organizações, quiçá, então, contribuindo para o desenvolvimento de líderes, gestores, profissionais, pesquisadores, pessoas que têm espaço para o desenvolvimento de suas habilidades e capacidades, tanto físicas, mentais, intuitivas e espirituais.

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