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SOL, CHUVA E TEMPORAL: O SIGNIFICADO DO TRABALHO INFORMAL SOB A PERSPECTIVA DOS CAMELÔS QUE TRABALHAM NO CENTRO DA CIDADE DE MANAUS
Sueny Ferreira Gomes; Armando Araújo de Souza Júnior; Geraldo Vieira da Costa
Sueny Ferreira Gomes; Armando Araújo de Souza Júnior; Geraldo Vieira da Costa
SOL, CHUVA E TEMPORAL: O SIGNIFICADO DO TRABALHO INFORMAL SOB A PERSPECTIVA DOS CAMELÔS QUE TRABALHAM NO CENTRO DA CIDADE DE MANAUS
UN, RAIN AND STORM: THE MEANING OF INFORMAL JOB, UNDER THE PERSPECTIVE OF STREET VENDOR THAT WORK IN MANAUS DOWNTOWN
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 13, núm. 3, pp. 143-157, 2019
Universidade Federal Fluminense
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Resumo: Este artigo apresenta um estudo sobre o significado do trabalho informal sob a ótica dos camelôs que trabalham no centro da cidade de Manaus - AM. Foi realizada uma pesquisa de natureza qualitativa, de cunho descritivo e baseada em dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas. As conclusões apontam que a informalidade se molda de acordo com as características da história, rotina, temores e pretensões da categoria, se tornando assim parte da identidade do camelô. Ademais, constata-se a falta de oportunidades que os camelôs têm em reivindicar suas pautas junto ao sindicato e a própria prefeitura da cidade.

Palavras-chave:InformalidadeInformalidade,Trabalho InformalTrabalho Informal,CamelôsCamelôs.

Abstract: This article presents a study about the meaning of informal work from the perspective of street workers working in the city center of Manaus-AM. A qualitative research was carried out, with a descriptive character and based on data collected through semi-structured interviews. The conclusions point out that informality is shaped according to the characteristics of the history, routine, fears and pretensions of the category, thus becoming part of the identity of the street vendor. In addition, there is a lack of opportunities that the street vendors when in claiming their guidelines next to the syndicate and the own city hall of the city.

Keywords: Informality, Informal Labor, Street Vendors.

Carátula del artículo

SOL, CHUVA E TEMPORAL: O SIGNIFICADO DO TRABALHO INFORMAL SOB A PERSPECTIVA DOS CAMELÔS QUE TRABALHAM NO CENTRO DA CIDADE DE MANAUS

UN, RAIN AND STORM: THE MEANING OF INFORMAL JOB, UNDER THE PERSPECTIVE OF STREET VENDOR THAT WORK IN MANAUS DOWNTOWN

Sueny Ferreira Gomes
Universidade Federal do Amazonas – Manaus/AM, Brasil, Brasil
Armando Araújo de Souza Júnior
Universidade Federal do Amazonas – Manaus/AM, Brasil, Brasil
Geraldo Vieira da Costa
Universidade Federal do Amazonas – Manaus/AM, Brasil, Brasil
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 13, núm. 3, pp. 143-157, 2019
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 06 Julio 2019

Aprobación: 26 Agosto 2019

Introdução

As definições de formalidade e informalidade, quando relacionadas ao trabalho, variam de país para país, região ou setor, e representam um fenômeno social que está presente em praticamente todo o mundo. No Brasil, a questão jurídica ajuda a compreender os conceitos, uma vez que, o trabalhador formal tem a carteira de trabalho assinada e está amparado legalmente (NORONHA, 2003). Essa consideração abre uma ampla categoria no que diz respeito à informalidade, que segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizado em 2018, existem 2 bilhões de pessoas na economia informal. No Brasil, o índice de informalidade chega a 46%, afetando mais os homens (37%) que as mulheres (21,5%).

Para entender o fenômeno da informalidade no país é preciso fazer um levantamento do contexto brasileiro e suas relações de trabalho, pois o processo de formação das atividades informais nas capitais brasileiras é oriundo de diversos eventos que contribuíram para a consolidação do fato (JESUS, 2011).

Um dos primeiros eventos ocorreu em 1930, no governo de Getúlio Vargas, quando surgiu a primeira garantia para o trabalhador brasileiro pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, os laços de formalidade ainda eram instáveis e atendiam somente à uma parcela da população, deixando de fora trabalhadores rurais, por exemplo, e diversas camadas de trabalhadores urbanos (COSTA, 2010).

De acordo com Pamplona (2013), mesmo com o crescimento econômico do país verificado na década de 1970, a informalidade permanecia amparada pelos conflitos políticos e sociais enfrentados na época. Na década de 90, a abertura econômica trouxe uma reestruturação do trabalho e as mudanças ocasionaram em milhões de desempregados, número que aumentou gradativamente nos anos seguintes, ajudando a consolidar um setor informal que não cedeu à modernidade capitalista, pelo contrário, encontrou formas de adaptação e vinculação mantendo sua sobrevivência.

É necessário ressaltar que a crise de desemprego que assolou o Brasil foi importante para o fortalecimento da informalidade, entretanto, não era um fator determinante para sua existência (JESUS, 2011).

A problemática do setor formal e informal foi, e ainda é, realidade em várias cidades brasileiras, como podemos perceber em Manaus e a ascensão da Zona Franca de Manaus (ZFM), em 1960. O desenvolvimento da região foi atrativo para as capitais mais próximas, visto a geração de empregos nos ramos de serviço, comércio e indústria.

Ainda segundo o autor, considerando o contingente de pessoas que vieram para a capital em busca de oportunidade e agora estavam à deriva, novamente a informalidade surge como uma alternativa. Um dos principais espaços urbanos na cidade de Manaus ligado ao setor de comércio é o centro histórico, ele está vinculado a essa função antes mesmo do período da ZFM, e manteve esse legado após a implantação do polo industrial na década de 60. Todavia, por volta de 1980 o espaço integrou uma nova modalidade de trabalho, além das lojas que sempre fizeram parte do contexto, agora havia também os vendedores ambulantes, ou camelôs, como costumam ser chamados (WEIL e PINHEIRO, 2013).

Os camelôs são personagens da informalidade e se mantêm no centro histórico de Manaus até os dias atuais. Eles são protagonistas de uma das maiores adversidades que a atual gestão da prefeitura, em seu segundo mandato (2013-2016 e 2017-2020) tenta solucionar, uma vez que, a informalidade carregada por eles gera desconforto não somente nos donos de estabelecimentos comerciais do centro histórico (ARAÚJO 2012), mas também pela necessidade de reestruturação e revitalização do espaço urbano, que é uma proposta da atual gestão.

Essas considerações servem de introdução para uma pesquisa mais profunda, que busca investigar o significado do trabalho informal sob a ótica dos camelôs que trabalham no centro da cidade de Manaus-AM. Além dessa perspectiva, o estudo visa levantar a trajetória de vida dos camelôs, com o intuito de entender quem são e como adentraram na profissão, identificando os desafios para o exercício de uma atividade informal e compreendendo o significado do trabalho para camelôs.

A relevância desse estudo se dá uma vez que há poucas pesquisas no país que intencionam adentrar nessa temática e menos ainda pesquisas sendo realizadas na cidade de Manaus (ARAÚJO, 2012), além da necessidade de discutir as relações de trabalho formais e informais, considerando o grande destaque que esse debate tem tido no Brasil nos últimos anos. Outro fato que corrobora com a afirmação anterior e justifica o estudo é o aumento do desemprego no país, atingindo 13,2 milhões de desempregados em Abril de 2019, segundo dados do IBGE (2019), colaborando também para o aumento de atividades informais.

Este artigo está estruturado em 6 seções, sendo a primeira a introdução, onde é contextualizado e desenvolvido o tema. A seguir, encontra-se a referencial teórico contendo a caracterização do estudo, onde as seções são compostas por: (i) Informalidade no Brasil e (ii) O camelô e o espaço urbano. Logo após, a terceira etapa aborda a metodologia utilizada para realização do artigo e informações referentes à coleta e análise dos dados. Seguida essa seção, encontram-se os resultados da pesquisa e sua análise. Na sequência, a quinta etapa apresenta as considerações finais do estudo, que promove uma reflexão sobre os resultados e aponta propostas de estudos futuros. Por fim, as referências do artigo, onde o desenvolvimento do trabalho foi fundamentado.

Revisão da Literatura
A Informalidade no Brasil

A informalidade carrega consigo uma complexa discussão acerca do tema. Nesse sentido, é possível constatar na literatura sobre o assunto que não se estabeleceu um único conceito que possa definir setor informal ou informalidade ao longo dos anos, mas um vasto conjunto de definições, tornando o conceito polissêmico (PAMPLONA, 2013; CACCIAMALI, 1983). Contudo, segundo Chen (2007), a polissemia do conceito não atrapalha a caracterização da informalidade, pelo contrário, a transforma em um fenômeno amplo e real.

Para Cacciamali (1983), a definição de informalidade vai além de ser apenas o contrário do trabalho formal/assalariado. A informalidade se qualifica por ocupar espaços econômicos não preenchidos pela produção capitalista. Corroborando com esse pensamento, Pamplona (2013) descreve setor informal como uma reunião de elementos não regulados tipicamente pela ordem capitalista, como por exemplo, o trabalho autônomo ou uma microempresa. Estando, portanto vinculada ao sistema, a informalidade se adapta às mudanças do capitalismo.

Ambas as conceituações diferem da formulação feita pelo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizado em 1972 no Quênia, onde a investigação acerca da informalidade se iniciou. A OIT assume a informalidade como consequência do rápido crescimento econômico, logo a insuficiência da oferta de empregos gerava trabalhos em menor escala e não associados a métodos considerados legais (OIT, 1972). A discordância entre os pensamentos certifica a multiplicidade de ideias associadas à informalidade.

Para Singer (2000), a origem da informalidade tem relação com a revolução industrial, todavia ela pode ser tratada como um fenômeno atemporal, pois sua presença sempre foi recorrente na história. No entanto, é apenas no final do século XX que a informalidade começa a expressar obstáculos em relação a estrutura do trabalho e as novas formas de gerenciá-lo, esse período que ficou conhecido como a crise do capital (WEIL, 2014; WEIL e NOGUEIRA, 2016).

No contexto brasileiro, o fenômeno da informalidade apresenta um aumento, a partir de 1990, depois de uma relativa estabilidade dos anos anteriores. Esse crescimento é fruto das mudanças acontecidas na economia e na disposição do trabalho (ULYSSEA, 2005; WEIL, 2014). A adoção das políticas neoliberais que explodiram na época era observada como uma modernização da economia brasileira, no entanto cooperaram para a desestabilização e enfraquecimento das ferramentas de regulamentação do trabalho. Esses acontecimentos contribuíram para o agravamento do desemprego que assolava o país e posteriormente nas questões sociais que viriam à tona (WEIL e NOGUEIRA, 2016).

Os anos 90 totalizam uma perda de cerca de 3,3 milhões de trabalhos formais. Somente no governo FHC, em 1995, foram extintos 1,8 milhão de cargos desse setor (MATOSO, 2000). No contexto inicial, apenas os trabalhadores menos qualificados foram afetados, porém com o passar do tempo a classe média também foi atingida (MALAGUTI, 2000).

O período marcado pelo desemprego, crises econômicas e problemas sociais se estende até o começo dos anos 2000, provocando aquilo que Cacciamali (2011) apresentou como processo de informalidade. Em suma, este processo está atrelado à precarização das relações de trabalho, ao desemprego em massa e outros problemas, gerando uma dificuldade para os afetados regressarem ao mercado e, dessa forma, contribuindo para o direcionamento das vítimas à informalidade (WEIL e NOGUEIRA, 2016).

Índices revelam que a taxa de informalidade no Brasil voltou a ser uma pauta relevante após anos de baixa e estabilidade do setor. A crise econômica que o país enfrenta desde 2015 reflete no aumento desses números, segundo a pesquisa do DIEESE (2018), o percentual da informalidade alcançou 74% entre os 9,4 milhões de pessoas que conseguiram uma vaga no mercado de trabalho e que antes estavam inativos ou desocupados. Os dados são relativos ao segundo trimestre de 2018 e mostram que mesmo com o aumento de ocupações, elas se encaminharam para o setor informal.

É importante ressaltar que apesar da gama de abordagens sobre a informalidade, no Brasil a visão popular credita o trabalho informal como oposto do trabalho formal, sendo dessa maneira configurado como trabalho sem carteira assinada e não regido pela CLT (NORONHA, 2003).

Os Camelôs e o Espaço Urbano

A ocupação do espaço urbano para realização de atividades comerciais não é um fenômeno recente. Historicamente, as atividades de rua estão ligadas à necessidade de sobrevivência de quem as pratica, na época do Brasil colônia, por exemplo, esses serviços eram exercidos pela da camada mais pobre da sociedade, e mesmo com independência do Brasil o comércio de rua se manteve, principalmente nas grandes capitais como Salvador e Rio de Janeiro (DURÃES, 2011).

Em 1970, com as primeiras pesquisas acerca da informalidade, grande parte das atividades não regulamentadas pelas leis trabalhistas foram alocadas ao setor informal (DURÃES, 2011). Dessa forma, existem na conjuntura da informalidade diversas categorias responsáveis pela movimentação do setor, o comércio de rua continua sendo uma delas.

Esse ambiente, por outro lado, envolve vários participantes. Estes são comumente trabalhadores que desempenham atividades autônomas e vão desde feirantes à vendedores ambulantes (FIGUEIREDO, 2016; JESUS, 2011). Boa parte dos membros desse setor não costuma ter qualificação profissional, uma vez que a ocupação não necessita primordialmente dessa condição (DURÃES, 2011).

Apesar dessa grande variabilidade de membros, essa pesquisa visa investigar especificamente o grupo denominado como camelôs. A classe contém variações em sua nomeação, dependendo da localidade são chamados de camelôs, vendedores ambulantes, comerciantes de rua, entre outros termos (FIGUEIREDO, 2016). A origem da palavra camelô é francesa e significa “feirante que vende mercadorias de baixo valor” (FIGUEIREDO, 2016, p. 29). Na visão de Costa (2007), os camelôs podem ser definidos por não terem vínculo empregatício e o horário de trabalho variar. Para Rodrigues (2008), os camelôs são vendedores fixos em um ambiente e essa conceituação remete à Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2002). Para eles, o camelô é um trabalhador que vende suas mercadorias em um espaço público.

A partir dessas definições é possível compreender o camelô como um personagem do comércio de rua, ambientado pela informalidade, não amparado pelas leis trabalhistas e que usufrui do espaço público para exercício do seu ofício. No Brasil, o decreto lei Nº 2.041, de 27 de fevereiro de 1940, regulariza o trabalho do comércio informal (contudo essa lei centraliza medidas para todos os setores do comércio informal como um só, desconsiderando algumas particularidades, especialmente as dos camelôs). A lei federal também deixa a encargo das entidades municipais algumas decisões de regulamentação. A exemplo disso, na cidade de Manaus a fiscalização da legislação que atende o comércio informal é feita pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (SEMACC), criada em setembro de 2018 e amparada pela Prefeitura municipal. Para a atual gestão, que visa principalmente revitalização do centro urbano da cidade, a nova secretária pretende desenvolver atividades estratégicas para reestruturação do local, viabilizando ações próprias e em conjunto com outras entidades responsáveis.

A utilização do espaço urbano manauara pelo comércio não é um acontecimento recente. De acordo com Araújo (2012), desde o ciclo da borracha onde as vendas se direcionavam à gomíferas para exportação, alguns artigos importados e confecções já existiam, gerando uma rica movimentação desse setor. E mesmo com o fim desse período áureo, seu legado permaneceu. Entre o espaço que antecede a instalação da Zona Franca de Manaus, no final da década de 60, a cidade passa por diversas alterações estruturais, embora não houvesse planejamento urbanístico (ARAJÚJO, 2012; SALAZAR, 1985).

A capital, ao entrar em um processo de desenvolvimento e integração, entra também num no curso de migrações e posteriormente, ele conjunto pode resultar não só num excesso de mão de obra disponível, mas também em problemas socioeconômicos (SINGER, 1998; VALLE, 2007). Em meio ao alto contingente populacional atraído principalmente pela Zona Franca, a cidade de Manaus se constrói tentando atender às necessidades da população.

É nesse contexto que a informalidade começa a tomar forma mais precisa. A economia amazonense movida principalmente pela ZFM não escapou das práticas liberais que afetaram a disposição do trabalho nos anos 90 (ARAÚJO, 2012). A informalidade tende a ser um reflexo da precarização das relações trabalhistas e afetou grande parte das capitais brasileiras, inclusive Manaus (VALLE, 2007).

Todos esses pretextos de desemprego em massa, problemáticas sociais e questões urbanas foram cruciais para a consolidação do ambiente informal (CACCIAMALI, 1983; NORONHA, 2003) e consequentemente da atividade do camelô. O centro de Manaus já ambientado pelo comércio varejista e atacadista, ligado em especial ao setor formal, começa a ser moldado também pelo comércio informal.

De acordo com Araújo (2012), o espaço utilizado para funcionalidade do setor informal é coerente com o objetivo dos camelôs, por exemplo, pois o centro oferece uma movimentação de atividades e pessoas que podem facilitar a atividade exercida por eles. A presença do camelô neste local se deu em virtude principalmente disso, porém as condições para a continuidade do seu ofício podem ser adversas.

Apesar das atividades da informalidade, inclusive a do camelô, serem uma consequência da necessidade de sobrevivência, esse motivo não é o suficiente para justificar a sua continuação. Se considerarmos apenas o desemprego como causa, por exemplo, o fenômeno informal teria desaparecido com a evolução dos empregos formais de 2003 em diante (JESUS, 2011; AGÊNCIA ESTADO, 2012). Ainda segundo Jesus (2011), podem existir motivações próprias, vinda dos camelôs, para tal continuidade, assumindo então um caráter subjetivo.

O mercado informal e suas atividades envolvem associação de redes sociais e não somente de proporções (não seria proposições?) econômicas e políticas (SALVITTI, VIEGAS, MORTADA e SANCHES, 1999). Dessa maneira, podemos interpretar não só a informalidade, mas também a profissão do camelô com diferentes parâmetros (CACCIAMALI, 2000). O camelô manauara tem uma trajetória não diferente da realidade de outras cidades brasileiras, mas sua identidade remete às características formuladas pela rede social que habita (GUIMARÃES, AGIER e CASTRO, 1995).

Suas motivações, dificuldades e problemáticas são constantemente tratadas de maneiras simples e diretas, omitindo a complexidade do debate das grandes figuras da informalidade manauara (ARAÚJO, 2012).

Procedimentos metodológicos

O objetivo geral desta pesquisa foi investigar o significado do trabalho informal sob a ótica dos camelôs que trabalham no centro da cidade de Manaus-AM. Para Gil (2016), o método científico corresponde a um conjunto de técnicas aliadas às práticas intelectuais, sendo utilizadas dessa forma para alcançar o conhecimento. Ainda segundo o mesmo autor, a pesquisa consiste no desenvolvimento do método científico a partir de uma disposição sistemática e formal, objetivando responder o problema por meio de procedimentos científicos.

Em relação à abordagem, foi utilizada a pesquisa qualitativa, uma vez que, o estudo objetivou examinar a subjetividade da realidade explorada (CHIZZOTTI, 2006; FLICK, 2009; MINAYO, 2015). Segundo Bogdan e Biken (2010), o estudo qualitativo não procura utilizar o meio estatístico para comprovar fatos, contudo, permite a utilização de conhecimentos teórico-empíricos que possibilitam um acesso mais profundo e significativo do ambiente investigado. Logo, a pesquisa qualitativa permitiu um acesso maior à realidade dos camelôs.

Quanto ao tipo, esta pesquisa pode ser classificada como exploratória, pois essa tipologia de pesquisa permite o pesquisador ter maior contato com o fenômeno examinado (GIL, 2016). A pesquisa exploratória oferece uma visão holística em relação ao fato, baseando-se em três princípios: familiarização com o fenômeno, desenvolvimento de hipóteses e categorização de conceitos (MARCONI e LAKATOS, 2017).

Com relação aos meios, tratou-se de uma pesquisa de campo, pois o pesquisador teve contato direto com a amostra pesquisada, com o ambiente ocupado e reuniu informações relevantes para o trabalho (VERGARA, 2016). A pesquisa de campo além de coletar informações no próprio ambiente onde ocorre o fenômeno, pode ser feita por meio de questionários, entrevistas ou observação direta (SILVA, 2010; VERGARA, 2016).

Os dados foram coletados por meio de entrevistas de roteiro semiestruturado, pois oferecem a oportunidade de espontaneidade do entrevistado em relatar suas experiências e um campo interrogativo para o pesquisador (TRIVINOS, 1995). Foi solicitada a assinatura do "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido" do participante, que também foi firmado pelo pesquisador responsável com a finalidade de informar os objetivos da pesquisa e preservação do anonimato. O entrevistado teve sua liberdade levada em consideração caso não desejasse participar, depois de fornecidas todas as informações da pesquisa.

O critério de escolha dos entrevistados se baseou no tempo de trabalho no centro de Manaus, sendo o período mínimo de 15 anos, pois assim seria possível ter acesso a camelôs detentores de uma vasta experiência e de informações sobre o grupo, além de poderem avaliar as mudanças relacionadas a trabalho e por fim, debaterem sobre o fenômeno da informalidade. A pesquisa também contemplou os camelôs que ainda estão em atividade nas ruas do centro de Manaus.

Apesar da variação de significado e nomenclatura relacionada aos camelôs, foi considerado na pesquisa o conceito de trabalhador fixo em uma banca, onde expõe e vende seus produtos (RODRIGUES, 2008) e quanto ao conceito de informalidade se entenderá por um conjunto de elementos não adequados à ordem capitalista, como o trabalho autônomo (PAMPLONA, 2013).

Foram entrevistados 7 indivíduos, sendo 5 camelôs homens e 2 camelôs mulheres, com idade entre 47 e 68 anos. Os depoimentos foram colhidos durante o horário de trabalho dos camelôs, por volta de 7 horas da manhã, quando o movimento comercial não é tão intenso. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas pelo pesquisador para auxiliar no processo de análise. A definição da quantidade de entrevistados partiu da metodologia de saturação de dados (MINAYO, 2015), que considera suficiente o número de participantes quando as informações coletadas começam a se repetir, porém sem descartar os materiais individuais com potencial explicativo.

A análise dos dados foi efetuada segundo a concepção proposta por Bardin (2016), por meio da categorização das falas dos entrevistados. Esse processo aconteceu em três fases: pré-análise (i), exploração do material (ii) e tratamento dos resultados (iii). Na pré-análise, as ideias foram organizadas. A segunda fase correspondeu à avaliação dos registros das entrevistas. A análise final se referiu à flexão do material das duas etapas precedentes, buscando o significado das informações coletadas (SILVA e FOSSÁ, 2015).

O roteiro de entrevista foi estruturado em cinco categorias de grade fechada tendo como parâmetro a bibliografia utilizada, sendo: 1) Subjetividade do camelô em relação às suas atividades, sua identidade e sentimento de valorização; 2) Profissionalização, onde foi levada em conta a escolaridade do camelô e cursos profissionalizantes que teve acesso durante sua carreira; 3) Histórico e ofício, com o objetivo de analisar não somente sua história, mas a formação da sua rotina e atividades; 4) Relações legais e estruturais, onde se buscou entender a relação com as entidades de vigilância/gerenciamento; 5) Pretensões e objetivos, sejam estes almejados tanto para si, quanto para a categoria.

Apresentação e análise dos resultados

A vivência da realidade do camelô oscila entre dois paralelos: conviver com os obstáculos do ofício e transformar isso em oportunidades. O primeiro paralelo ocasiona um posicionamento otimista do camelô, representado pelos fragmentos de discurso de E1, E2, E4 e E5, onde os participantes ressaltam os prós do seu ofício.

E1: “A vantagem do camelô é uma diversão (risos), quando vem chuva cada um pega um plástico, um ajuda o outro, quando vem vento a gente segura à mercadoria, às vezes caem mercadoria. As (sic) vezes no meio da rua passa uma pessoa conta uma piada, a gente fala e brinca um com o outro”.

E2: “A vantagem que eu tenho é que, por exemplo, se eu tiver de fazer ou resolver algum problema eu vou resolver, eu fecho minha banca e a hora que eu quiser sair, eu saio. Mas primeiramente vender, tem que vender pra fazer isso”.

E4: “Tem alguns [clientes] que aborrece a gente, mas a gente leva na esportiva”.

E5: “Você dirige seu próprio negócio, tem a liberdade. Você é o próprio patrão. Essa é a vantagem”.

As vantagens apontadas pelos participantes chamam atenção por manifestar as mesmas ideias relacionadas à “liberdade” e “próprio negócio”. Isso representa bem o paradoxo de visão entre o setor formal e informal que os camelôs carregam. A informalidade assumiu com eles um novo retrato, se adaptando ao modo de vida dos camelôs (PAMPLONA, 2013; JESUS, 2011), possibilitando também a identificação com a ideia autônoma, onde o camelô desvia dos obstáculos impostos pela nova estrutura trabalhista e constrói sua própria atividade laboral, mesmo que essa ação traga consigo limitações (PAMPLONA, 2013; WEIL, 2014; WEIL e NOGUEIRA, 2016).

Essas dificuldades enfrentadas na jornada de trabalho também são parte do vínculo subjetivo do camelô com a informalidade e se fazem presente na tentativa deles em não se abalar pelos obstáculos, ainda que esses efeitos constituam um cenário muito árduo para se enfrentar (ARAÚJO, 2012). Os relatos de E1, E3, E5 e E7 ressaltam as desvantagens que afetam o dia a dia dos camelôs.

E1: “É um comércio aberto. O negócio de roubo, a gente corre muito risco e também da maneira da gente se expõe muito assim, no meio da rua, em termos de saúde, né? Pra nós (sic) é sol, chuva, temporal e quentura ao mesmo tempo. Nós não temos uma cobertura, uma proteção, nem pra (sic) gente nem pros (sic) clientes”.

E3: “A desvantagem que tem é que a gente pega sol e chuva”.

E5: “Que você pega sol e chuva, tá exposto ao tempo, né? Você não tem a sua carteira assinada, você não tem outra opção, a opção é essa”.

E7: “Não é uma coisa segura, a gente não sabe se no final vai se aposentar ou vai ficar mais complicado”.

Mais uma vez se constata uma unificação das pautas levantadas, sendo estas direcionadas para a segurança, clima, saúde e até aposentadoria. O camelô ocupa o espaço urbano por ser o local que o comércio informal se ambientou (DURÃES, 2011; ARAÚJO, 2012), mas não recebe dele nenhuma estrutura ou perspectiva de melhores condições. Em relação à aposentadoria, que é um assunto que assombra os trabalhadores em geral considerando o contexto brasileiro com alto índice de desemprego (DIEESE 2018), os camelôs não visualizam o amparo oferecido pelo decreto lei Nº 2.041, de 27 de fevereiro de 1940, pois ele não atende as particularidades da categoria.

Abordando o tópico de incorporação dos entrevistados ao mercado informal, a maioria se vinculou por motivos relativamente parecidos e que remetem aos fatores como necessidades financeiras, desemprego e falta de oportunidades, conforme descrito nos fragmentos de discurso seguir.

E1: “Nunca pensei que ia trabalhar de camelô, esperava de trabalhar numa empresa ou qualquer outro comércio, mas surgiu a oportunidade e eu vim com garra e muito trabalho”.

E2: “Eu perdi o emprego e não tinha mais opções. Não tive tempo de fazer cursos também né, pra (sic) me aprimorar tudinho, aí eu encarei... tive que vir pro (sic) camelô”.

E5: “Eu trabalhava no distrito e após ser demitido, eu procurei a forma de trabalho informal, que hoje tratamos de camelô”.

E7: “Me tornei camelô porque a minha tia já trabalhava lá, tinha uma banca lá, e nós morávamos alugado e tinha que arranjar dinheiro pra pagar o aluguel, porque ninguém tinha casa”.

Os fragmentos “Eu perdi o emprego e não tinha mais opções” e “Eu trabalhava no distrito e após ser demitido” refletem a precarização do trabalho que aconteceu nos anos 90 e afetou todo o território brasileiro, incluindo a ZFM. Esse contexto está vinculado ao tempo médio de atividade dos camelôs entrevistados, que corresponde a 31 anos (WEIL e NOGUEIRA, 2016; CACCIAMALI, 2011; ARAÚJO, 2012).

Esse período foi essencial para a composição do ambiente informal, pois envolvendo as problemáticas econômicas, urbanas e sociais os personagens da informalidade moldam suas funções e ofícios (CACCIAMALI, 1983; NORONHA, 2003; VALLE, 2007).

No entanto, mesmo que os trechos do discurso de E1, E2, E5 e E7 apontem para fatores socioeconômicos como as principais razões da inserção dos camelôs no mercado informal, os fragmentos “surgiu à oportunidade e eu vim com garra” e “eu procurei a forma de trabalho informal”, corroboram para a ideia de que a informalidade também foi uma opção para alguns camelôs (JESUS, 2011). Isso é reforçado pelos relatos dos entrevistados E3, E4 e E6 descritos a seguir, onde indicam que não havia somente uma necessidade, mas uma escolha pela informalidade.

E3: “Ah, eu me tornei camelô depois que eu aprendi a profissão de consertar relógio e óculos, aí eu preferi sair da firma (empresa) porque eu ganhava pouco e não tinha casa própria, aí eu vim trabalhar aqui de autônomo né, aí eu consegui casa”.

E4: “Eu trabalhava de ambulante, vendendo nas portas. Aí eu pedi um canto, um lugar pra mim trabalhar, pro Paulo Jorge que era o chefe dos camelôs na época. Aí ele não dava, não dava. Uns 3 meses aí ele perguntou: ‘Mulher você trabalha de que?’ ‘Eu sou sacoleira, eu vendo nas porta. Eu vendo noite dia.’ Aí ele foi e me deu esse lugar”.

E6: “Eu vim um dia pro centro e eu vi meu amigo, aí vi ele trabalhando. Lá eu perguntei pra ele como era que a gente arrumava um ponto pra ser camelô, ele foi e me deu o ponto dele e ficou com outro”.

Esses elementos indicam que a subjetividade da relação do camelô com a informalidade é bastante significativa e até mesmo complexa (JESUS, 2011; ARAÚJO, 2012; GUIMARÃES, AGIER e CASTRO, 1995). Por essa razão, é importante ressaltar outras apreensões pertinentes do camelô, como por exemplo, a relação negativa com as entidades legais, como a associação e/ou sindicato dos camelôs, com a prefeitura e a categoria de lojistas.

Quanto à associação/sindicato, grande parte dos entrevistados mantém uma relação que vai desde ir às reuniões a até contribuir mensalmente. A insatisfação com essa entidade é bem mais por eles não conseguirem dar voz para as pautas levantadas pelos camelôs. É possível compreender mais a insuficiências das ações do sindicato nos fragmentos de discurso a seguir.

E2: “Eu era membro né, mas eu vi que não tinha futuro porque a gente não tem privilégio nenhum, não temos nada. Aí eu parei de seguir eles. Não só eu acho que muita gente parou. Pra (sic) cobrar são bons, agora pra (sic) ajudar, que era o dever deles ajudar a gente”.

E7: “Se tivesse o sindicato legalizado era mais fácil. Tem que ter uma legalização, porque o camelô é muito malvisto na rua”.

Pela própria legislação, o sindicato tem o dever de atuar na assistência e na defesa dos interesses do grupo representado. Partindo desse pressuposto, o camelô encontra no sindicato/associação um suporte, que deveria oferecer alternativas e resoluções para as adversidades do ofício. Mas como o próprio discurso aponta, “não há uma legalização” para que a associação consiga se posicionar de uma forma mais efetiva.

Em relação à prefeitura e aos lojistas, a situação é mais profunda e complexa. Para entender os conflitos entre esses dois grupos especificamente, é preciso antes compreender a relação do camelô com seu espaço de trabalho, além de considerar que posteriormente à Lei, a Prefeitura se apresenta como o principal órgão regulador das atividades informais e consequentemente do camelô (ARAÚJO, 2012; BRASIL, 1940). Dessa forma, o centro de Manaus sempre se caracterizou como um ambiente de negócio e atraídos por isso, os membros do comércio manauara se encaixaram no local (SALAZAR, 1985; ARAÚJO, 2012).

Dentre esses personagens estão os camelôs, onde motivados também pelo laço de subjetividade da informalidade, enxergam o seu local de trabalho como parte da sua identidade (JESUS, 2011). É exatamente nesse contexto que a insatisfação com a prefeitura se inicia. Nos discursos a seguir, os entrevistados apontam para diversos motivos causadores de aversão à entidade.

E1: “Me sinto ameaçado porque o projeto não foi honrado, nunca foi cumprido no dia, na data, das reuniões que nós tivemos. Então o projeto que foi prometido em reunião junto com a nossa categoria, com a associação e o sindicato, nenhum deles [da prefeitura] honraram entregar na data certa. Então o nosso medo é só esse deles não honrar o compromisso”.

E2: “A qualquer momento a gente pode sair, colocar a gente num lugar fechado, como aconteceu lá no terminal 4, como aconteceu em várias galerias aí que ninguém tem coragem nem de entrar”.

E5: “Todo dia nós passamos problemas e dificuldades, tanto por conta dos lojistas, como parte da prefeitura que não dá apoio. Então a gente leva nosso trabalho do jeito que dá mesmo”.

Esses sentimentos de “abandono” e principalmente de “ameaça” são reforçados ainda pelo relacionamento dos lojistas com os camelôs (conforme observado no fragmento de discurso de E5). Ambos os grupos estão presentes no mesmo lugar e diariamente mantém um convívio, mas que nem sempre é saudável, como mostram os relatos de E6 e E7.

E6: “Tenho 43 anos de camelô e eu me sinto ameaçada pelos lojistas, que lutam pra me tirar daqui”.

E7: “Os lojistas às vezes não gostam do camelô, porque geralmente o camelô vende mais barato, vende todo tipo de mercadoria. Aí o lojista alega que ele paga imposto e o camelô não paga. Mas o camelô dá força pro (sic) lojista, traz os clientes”.

O camelô que surgiu dos espaços não atingidos pelo capitalismo, enfrentou as condições precarizadas do trabalho e ainda enfrenta diversas dificuldades no seu ofício, entende sua posição desfavorecida diante da classe dos lojistas e da prefeitura, mas isso não o impede de tentar lutar por melhorias para seu o conjunto, além das pretensões individuais que cada um mantém (ARAÚJO, 2012; VALLE, 2007; NORONHA, 2003). Os próprios entrevistados dão sugestões de como poderiam ser organizados, o que facilitaria tanto para os lojistas e também para o projeto de revitalização que a prefeitura tenta implantar.

E1: “Nas galerias são organizados porque foi feito tudo num padrão, então lá eles têm de tudo: banheiro, tem cobertura, tem tudo. Pra (sic) nós que continuamos aqui tá (sic) muito assim desordenado, tanto da nossa parte que somos camelôs, mas no momento ainda tá muito a desejar. Falta uma organização”.

E2: “Eu sou esperançoso, não desisto, não. Mas tinha que melhorar muito, o formato da banca, tinha que ter mais organização que tá (sic) faltando isso. Não tem fiscal, toda vez eles reclamam que não tem fiscal o suficiente. Tinha que ser padronizada as bancas, bem bonitas, pra (sic) chamar atenção, pra chamar a freguesia, como tem em vários estados aí”.

E6: “Eu acho, a prefeitura devia organizar a rua melhor, porque tá (sic) meio bagunçado, mas se tivesse bem organizado aqui e feito que nem lá em Fortaleza, feito o galpão e tudo direitinho, na rua mesmo, era muito melhor, bem bonito”.

E7: “Lá em São Paulo o pessoal trabalha na 25 de Março e paga lá um valor todo mês pra prefeitura, eles são legalizados, tem uma carteira. Na maior rua de São Paulo que é a 25 de Março o camelô tá lá trabalhando, na banca (ênfase), e são legalizados”.

A ânsia do camelô em querer buscar melhorias para o ambiente que está integrado, não pode ser esquecida e muito menos escondida. As ideias apresentadas se baseiam principalmente em outros estados, visto que a atividade de camelô não é uma exclusividade do estado do Amazonas (DURÃES, 2011). Essa classe de trabalhadores sabe da perspectiva de incômodo e marginalização que eles carregam, mas é válido ressaltar que muitos deles construíram suas vidas nessa atividade e buscam por melhorias. Os relatos a seguir expressam essas conquistas.

E3: “Eu consegui muitas coisas através disso. É importante pra muita gente, porque aqui eu ajudo muita gente. Ajudo duas famílias que precisam de mim, fora minha família ainda ajudo duas famílias (risos)”.

E5: “Estou trabalhando há 30 anos, daqui que consegui família, criar os filhos e ter casa, carro, tudo desse trabalho informal”.

E6: “Tudo que eu tenho na minha vida foi como camelô. Tenho minha casa, tem meu conforto, criei meus filhos na rua como camelô e sou feliz, muito feliz”.

Esse posicionamento não esconde o orgulho que os entrevistados sentem da sua atividade (CACCIAMALI, 2000). E apesar dos desejos individuais, o tempo de trabalho e o costume de realizar atividade, direcionam para um caminho onde sair desse ofício já não é mais uma possibilidade tão atrativa, devido à fatores como desemprego, idade e construção da sua profissão, conforme mostram os fragmentos expostos a seguir.

E2: “O cara já na metade da vida, aí fica difícil. Hoje em dia é muito difícil, é muita discriminação pra gente, mas eu gosto de trabalhar aqui com o povão mesmo, de tá no meio do povo, sentir a presença do povo. Pra mim tá ótimo graças a deus. O camelô hoje em dia só quer sobreviver, a gente tá só sobrevivendo”.

E4: “Nem uma loja se me derem de graça eu não quero. Eu acho pra mim muito importante trabalhar, eu não quero ficar em casa, eu não quero pegar uma depressão”.

E7: “Sempre dá vontade de trabalhar em outro local, mas no momento não tá (sic) dando. Eu agradeço esse tempo que tô (sic) trabalhando como camelô, eu não me arrependo. A vida de camelô é uma vida sofrida, sol e chuva, mas o cara tem que enfrentar. É uma loteria, ou ganha ou perde”.

Seja sob chuva ou sol, os camelôs se mantêm firmes, trabalhando e encarando as adversidades do seu ofício (SALVITTI, VIEGAS, MORTADA e SANCHES, 1999). Esse contexto ajudou a moldar um comportamento característico dos camelôs, onde não somente a sua identidade de trabalho, mas a pessoal, está envolvida com a informalidade. Além disso, essa conduta expressa a forma de como eles se entendem e compreendem o cenário que habitam, influencia também as aspirações que eles pretendem alcançar e contribuem para o estabelecimento dos camelôs como personagens do trabalho informal (ARAÚJO, 2012; JESUS, 2011).

Considerações finais

O objetivo desse artigo foi investigar o significado do trabalho informal para o camelô e também, compreender um pouco da sua história, da sua relação com o meio que o cerca, visualizando seus desafios e conquistas, permitindo assim entender como se deu o início e a continuidade da sua trajetória no setor informal.

A pesquisa está vinculada aos estudos organizacionais e trata sobre a informalidade. Seus resultados indicam que esse fenômeno é uma ocorrência de fatores sociais e econômicos, mas a sua expressão depende do contexto que está inserido. Dessa forma, os camelôs, que aqui foram os sujeitos do estudo, correspondem a apenas uma fração do setor informal, o que não impede a categoria de criar seus próprios laços e funcionalidades vinculados à informalidade. Esses indivíduos têm uma atividade relevante, impactando não somente nas estruturas de trabalho e representando as laborações informais, mas ainda apresentando uma perspectiva pessoal e gerando para estes profissionais características que são refletidas no seu cotidiano, nas suas vontades, preocupações e receios.

Os resultados apontam, ainda, que os indivíduos investigados enxergam todos esses elementos ao seu redor, inclusive essas pautas ajudam a compreender parte das suas próprias insatisfações, além de permitir entender o significado da sua trajetória pessoal. Além disso, essas demandas estão ligadas à não recepção de suporte que esperam dos órgãos legais que os representam, seja perante a Lei, a Prefeitura ou o Sindicato. Esse cenário se qualifica para o camelô como mais um obstáculo, que o impede de se posicionar e ter voz, de evidenciar sua presença no ambiente informal, assim como os outros membros desse contexto, ainda assim, eles continuam buscando fazer a diferença como conseguem.

Nesse mesmo contexto, os receios e reivindicações podem ter tido origem no descumprimento, por parte da prefeitura principalmente, dos acordos feitos com os camelôs. Eles visavam à reestruturação do espaço e organização da categoria. Isso porque para a classe, o local onde exercem seu trabalho tem grande significado. Esse espaço urbano carrega parte da história e das realizações dos indivíduos, e contribui também para a forma que eles se enxergam.

Dessa maneira, o camelô manauara é um resultado de suas necessidades, da falta de oportunidades, mas também de suas vontades e construiu a partir disso sua identidade não só de trabalho, uma vez que essa classe não obedeceu a um roteiro tradicional de trabalho imposto, mas de um retrato particular. O camelô pode ser entendido como um personagem da informalidade, que procura sobreviver acima de tudo, é um cidadão comum que enfrenta diversas dificuldades no seu dia a dia de trabalho. Faça sol, chuva ou temporal, ele está ali, no centro da cidade de Manaus, fazendo parte desse espaço urbano.

Ademais, todos esses panoramas juntos apontam para o significado da informalidade na ótica do camelô. Para esses personagens, o trabalho informal define a formação da sua identidade, seja ela intrapessoal ou não. É durante a sua rotina, nas experiências, nas relações que constrói ou nos propósitos que quer alcançar, que a informalidade se apresenta moldando quem o camelô realmente é.

Os resultados apresentados refletem uma realidade particular do grupo entrevistado e devido às limitações do método qualitativo, não podem ser generalizados a toda a classe de camelôs, mas contribuem para um vislumbre da perspectiva real. Ponderando a magnitude e a visibilidade da informalidade, principalmente considerando a atual conjuntura do país onde mais de 13 milhões de pessoas se encontram desempregadas (IBGE, 2019), se enxerga uma potencialidade nas pesquisas que contemplam as abordagens mais profundas do universo dos camelôs, explorando pautas como aposentadoria, atividade no camelódromo, o trabalho e o espaço urbano ou mesmo uma investigação sobre os outros nichos do mercado informal, seja em Manaus ou em outras localidades.

Material suplementario
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