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“Muito além da Capitã Marvel”
Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 15, núm. 1, pp. 147-164, 2021
Universidade Federal Fluminense



Recepción: 19 Noviembre 2020

Aprobación: 20 Mayo 2021

DOI: https://doi.org/10.12712/rpca.v15i1.47210

Resumo: O estudo teve como objetivo investigar de que forma ocorre a socialização profissional de mulheres policiais federais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com entrevistas semiestruturadas com 13 policiais federais. Os resultados apontaram que o maior interesse surgiu pela estabilidade do serviço público. Apesar da boa recepção, a inserção foi marcada pela necessidade de conciliação da vida pessoal e profissional e o machismo presente na instituição. Identificou-se que a forma de trabalhar, a maneira de se vestir e a postura foram modificadas durante a formação da identidade profissional. As barreiras encontradas foram progressão, estagnação, baixo retorno financeiro, preconceito de gênero e maternidade.

Palavras-chave: Socialização Profissional, Polícia Federal, Mulheres.

Abstract: The study aimed to investigate how professional socialization of federal policewomen occurs. This is a qualitative research, with semi-structured interviews with 13 federal police officers. The results showed that the greatest interest arose for the stability of the public service. Despite the good reception, the insertion was marked by the need to reconcile personal and professional life and the machismo present in the institution. It was identified that the way of working, the way of dressing and the posture were modified during the formation of professional identity. The barriers were found progression, stagnation, low financial return, gender bias and motherhood.

Keywords: Professional Socialization, Federal Police, Women.

Introdução

A diversidade nas organizações, seja pela ótica de etnia, faixa etária, religião, orientação sexual, gênero seja pelas pessoas com deficiência, tem atribuído para os gestores organizacionais o desafio de entender as novas necessidades das pessoas, e assim encontrar a melhor forma de gerir grupos de indivíduos. (Triguero-Sánchez, Peña-Vinces, & Guillen, 2018). A diversidade não ocorre somente em um aspecto, mas na sua interseccionalidade, na qual nem sempre se lida com grupos distintos de pessoas, mas, sim, com grupos que podem ser sobrepostos (Crenshaw, 2004). Apesar dos avanços da participação feminina no mercado, elas ainda enfrentam inúmeras barreiras, por dificuldades de conciliar a dupla jornada entre a vida familiar e a profissional, além das constantes discriminações existentes no contexto das organizações (Biasoli, 2016; Roque & Bertolin, 2021).

A gestão da diversidade é um instrumento administrativo que, se bem utilizado e gerenciado, pode ser benéfico para toda a organização, pois um bom entrosamento entre os funcionários possibilita que cada um colabore com seus conhecimentos e aptidões em prol dos objetivos organizacionais (Sicherolli, Medeiros, & Valadão Júnior, 2011). A prática da inclusão se refere a processos nos quais os indivíduos e gestores organizacionais realizam para dar vida à experiência de criar e fomentar condições que possam encorajar os funcionários, com o intuito de proporcionar melhores oportunidades de trabalho (Ferdman & Deane, 2014; Neves, 2020). Portanto, para que se possa incluir pessoas de forma eficaz, é pertinente incluir a si primeiro com as suas diversidades de experiências, interesses e valores (Ferdman & Deane, 2014).

Diante dessas abordagens, vale reforçar que a socialização profissional é um processo amplo e contínuo, que tem conexão com indivíduos, atividades realizadas e circunstâncias vivenciadas (Dubar, 2012). O modelo de socialização profissional, proposto por Dubar (2005, 2012) e Hughes (2016), apresenta três fases: (i) inserção na profissão, em que há a interação entre a visão prévia da profissão, cultura leiga; e o que ela é na prática, cultura profissional; (ii) confronto entre o que se imaginava, modelo ideal; e o que de fato é o exercício do ofício, modelo real; e (iii) abandona-se as concepções estereotipadas, assumindo uma nova identidade profissional no desenvolvimento de suas carreiras.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2015, com 13.055 servidores em todas as instituições policiais, há uma predominância masculina generalizada, nas quais apenas 18,87% eram mulheres. Apesar de que, ao analisar a escolaridade, 76,8% delas têm nível superior completo ou pós-graduação contra 56,7% deles. Em relação à Polícia Federal, a representatividade é de apenas 22,7%. A Polícia Federal é responsável por impor ordem pública federal, que vai desde investigações de crimes contra a União até a emissão de passaportes.

Este artigo lança luz à carreira dessas mulheres, as dificuldades por elas enfrentadas e as suas vivências profissionais. Isso contribui não somente para o planejamento de carreira e para o desenvolvimento de políticas públicas, mas também para a área da gestão de pessoas, auxiliando suas atividades no que diz respeito a lidar com questões relacionadas à gestão da diversidade de gênero. É importante entender de que forma as mulheres são inseridas no mercado de trabalho, em particular, as policiais federais, ramo ainda cercado de estereótipos e preconceitos, compreendendo-se, sobretudo, o processo de socialização profissional.

Diante desse contexto, das mulheres policiais federais em meio aos estereótipos ligados à profissão e ao ambiente laboral historicamente e predominantemente masculino, e ainda considerando as fases da socialização profissional, estabelecidas por Dubar (2005, 2012) e Hughes (2016): Passagem através do espelho, Instalação da dualidade e o Ajuste da concepção em si, surge o seguinte questionamento: como ocorre o processo de socialização profissional de mulheres policiais federais? Este artigo tem como objetivo compreender como ocorre o processo de socialização profissional de mulheres policiais federais.

Apesar da crescente abordagem do tema socialização profissional no meio acadêmico, conforme observado após investigações para a realização deste estudo, ao se tratar do grupo focal mulheres policiais federais, são escassas as realizações de pesquisas que buscam elucidar a inserção feminina na atividade policial. Além disso, é necessário um maior entendimento do processo por meio dos quais o trabalho e as identidades interagem e se moldam (Kira & Balkin, 2014; Santos, Lima, Paiva, Marques, & Guimarães, 2021). O interesse sobre essas profissionais emergiu também a partir das inúmeras operações da Polícia Federal que ganharam notoriedade nos últimos anos e, no entanto, ainda apresentam baixa representatividade feminina em seus quadros de funcionários.

Mulheres na Polícia Federal e socialização profissional

A inserção das mulheres na Polícia Militar, sobretudo no contexto brasileiro, ocorreu nos anos 1980, não por uma demanda social, mas por motivação da própria polícia, que queria humanizar a imagem da corporação na época de redemocratização do país. A maior parte do efetivo de mulheres policiais se encontra na base da pirâmide hierárquica, na qual executam funções internas de natureza burocrática e administrativa (Bezerra, Minayo, & Constantino, 2013; Queiroz, Paiva, & Lima, 2019).

No cenário policial, segundo pesquisa realizada por Cappelle e Melo (2010), com policiais militares de Minas Gerais, todas as mulheres realizam tarefas tanto operacionais quanto administrativas. Entretanto, vários homens fazem apenas atividades operacionais. E elas, mesmo quando são mandadas para a área operacional, muitas vezes, ficam responsáveis pelo atendimento do público em geral.

Mesmo que tenha ocorrido um avanço das mulheres no mercado de trabalho, elas ainda tendem a assumir múltiplos papéis, conciliando a vida doméstica com a profissional, e isto pode gerar possíveis barreiras para que essas mulheres não assumam cargos gerenciais, fenômeno esse denominado de “teto de vidro” (Araújo, Santos, & Sales, 2021; Biasoli, 2016). Essas barreiras incluem normas que encorajam o posicionamento hierárquico diferente de homens e mulheres, noções de gênero de gestão bem-sucedida com base em características masculinas, estereótipos e percepções negativas das mulheres (Queiroz et al., 2019; Simpson & Kumra, 2015).

No que tange a divisão sexual do trabalho, durante muito tempo, a idealização do que seria trabalho foi aquele que é exercido em um local formal, assalariado, pensado até então apenas em torno do trabalho produtivo e da figura do trabalhador masculino, qualificado e branco (Hirata & Kergoat, 2007; Miltersteiner, Oliveira, Hryniewicz, Sant’Anna, & Moura, 2020). Sendo assim, o trabalho masculino é mais valorizado, excluindo-os, muitas vezes, de realizar atividades domésticas. O assédio moral no âmbito das relações de gênero é considerado uma forma de agressão que inclui a desqualificação, o isolamento, a atribuição de tarefas de menor valor, a indução ao erro, o assédio sexual, a exclusão, as mudanças de horários e de atividades sem prévio aviso e abusos de poder (Andrade & Assis, 2018).

Diante do fato de as mulheres terem mais responsabilidades com a criação dos filhos, elas acabam tendo menos liberdade para a realização de viagens a trabalho. Dificilmente a família muda de cidade em decorrência do trabalho da mãe; enquanto o contrário, é bem mais comum. Isso dificulta o avanço delas na hierarquia organizacional (Carvalho Neto, Tanure, & Andrade, 2010; Guiginski & Wajnman, 2019).

Com base no contexto das mulheres no mercado de trabalho, sobretudo na Polícia Federal, cabe enfatizar também o processo de socialização, uma vez que este se dá pela interação entre os indivíduos. É por meio desse processo se adquire uma personalidade, aprende-se a viver em sociedade e a planejar a vida (Turner, 1999). De acordo com as ideias de Dubar (2005), a socialização não é apenas propagação de valores, regras e normas, mas um processo de construção constante de identidade, em que as vivências de cada um e a forma com que são interpretadas fazem parte desse processo, podendo ser reconstruídas ao longo do tempo.

O trabalho proporciona ao mesmo tempo uma subcultura e uma identidade, transformando-se em um aspecto de personalidade, sendo uma das partes mais importantes da identidade social. A profissão é um dos maiores anseios nas sociedades, em razão do status que tem, pois isto interfere na forma como são vistas por si e pelos outros (Gazaway, Gibson, Schumacher, & Anderson, 2019; Hughes, 2016). Durante a construção da identidade, há o obstáculo de lidar com a busca do equilíbrio entre o que de fato o indivíduo é, e o que os demais esperam dele (Araújo, Lima, Paiva, & Ferraz, 2019; Rossi & Hunger, 2020; Spudeit & Cunha, 2016).

A socialização profissional é um processo que relaciona as experiências vividas, as tarefas a serem feitas, concepções a serem seguidas e a interação com outros profissionais (Dubar, 2012), englobando a relação do indivíduo com as diversas organizações por meio da absorção de regras, valores, símbolos e expressões (Brown, 2015; Spudeit & Cunha, 2016). O modelo de socialização profissional de Dubar (2005) e Hughes (2016) estrutura-se em três fases: Passagem através do espelho, Instalação da dualidade e o Ajuste da concepção em si.

A primeira fase denominada de “Passagem através do espelho” representa a interação entre a cultura leiga – visão que o sujeito tem sobre a profissão antes de conhecê-la na prática – e a cultura profissional – visão de como a profissão de fato é, após iniciá-la – dentro do indivíduo, provocando emoção e angústia (Dubar, 2005; Hughes, 2016). Ao vivenciar a cultura profissional, o indivíduo aprende novas habilidades e observa de perto esses afazeres. O modelo ideal de profissional é aquele que consegue equilibrar as atividades mais e menos valorizadas, possibilitando que o indivíduo possa desempenhar bem o seu papel com relação aos colegas, sociedade e a si mesmo (Hughes, 2016). Todavia, é possível que os profissionais não consigam articular seus princípios pessoais e compromissos profissionais, e isto faz com que não consigam vivenciar de forma plena suas identidades (Slay & Smith, 2011; Trede, 2012).

A segunda fase, “Instalação da dualidade”, refere-se ao confronto entre o modelo ideal, que consiste na forma simbólica como a profissão é vista e os estereótipos envolvidos; e o modelo prático, referente à realidade do trabalho (Dubar, 2005; Hughes, 2016). Essa interação ocorre várias vezes durante a vida, sendo mais profunda no processo de aprendizagem e iniciação. Os indivíduos, ao adentrarem no percurso para se tornarem profissionais, têm uma imagem de como é o trabalho, quais as diferentes áreas e como se veem na profissão (Hughes, 2016). Isso implica em uma consciência reflexiva e, consequentemente, uma identidade estratégica (Jackson, 2017; Trede, 2012).

Por fim, na fase “Ajuste da concepção em si”, os estereótipos são abandonados, acontecendo uma adequação de sua identidade após a interação entre as culturas e o confronto entre os modelos. Nessa etapa, consideram-se capacidades, habilidades e gostos adquiridos e se faz uma escolha a respeito de que forma se quer seguir profissionalmente (Dubar, 2005; Hughes, 2016). A partir do momento em que ocorre a internalização e o desenvolvimento da identidade profissional, ocorre a construção da carreira (Santos et al., 2021; Zarshenas et al., 2014), proporcionando descobertas sobre si e sobre os caminhos que deseja trilhar em sua carreira.

Procedimentos metodológicos

Os resultados decorrentes da pesquisa podem ser classificados como descritivos, em virtude da utilização de observação e análise dos dados encontrados pelo estudo, os quais tem como foco buscar compreender como ocorre o processo de socialização profissional de mulheres policiais federais. O estudo é caracterizado ainda por sua natureza qualitativa (Creswell, 2007).

A fim de selecionar os sujeitos, procurou-se por mulheres ocupantes dos cargos de Delegada de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal e Escrivã de Polícia Federal. As entrevistadas foram escolhidas por critério de conveniência. Para a realização do estudo, adotou-se o método de entrevistas semiestruturadas, as quais foram realizadas de forma presencial e individual, registradas mediante um gravador de áudio, que totalizou 7 horas, 37 minutos e 50 segundos de gravação.

As entrevistas foram realizadas com 13 policiais federais, sendo 5 delegadas, 4 agentes e 4 escrivãs, todas integrantes do efetivo da Superintendência Regional de Polícia Federal de uma cidade localizada no estado do Nordeste. A identificação foi realizada mediante a nomenclatura “Policial”, seguida da numeração 1 a 13, conforme a ordem dos cargos ocupados e da sequência em que foram realizadas as entrevistas (Tabela 1).

Tabela 1
– Caracterização das entrevistadas

Fonte: Dados da pesquisa.

As cinco delegadas são formadas em Direito e uma é mestre em Ciências Policiais. As graduações entre as agentes variam em Pedagogia, Ciências da Computação, Serviço Social e Administração. As escrivãs têm nível superior nos cursos de Letras, Administração, Economia e História, destas, duas têm uma segunda formação em Direito. As policiais atuam nas áreas de crimes previdenciários, crimes fazendários, crimes contra meio ambiente e patrimônio histórico-cultural, crimes contra o patrimônio e tráfico de armas, núcleo operacional e corregedoria.

O roteiro adotado para as entrevistas foi estruturado em dois blocos: (i) perguntas relacionadas ao perfil sociodemográfico, como cargo, idade, tempo de atuação, entre outras; e (ii) referente as três fases da socialização profissional, mediante 16 perguntas abertas e estabelecidas com base em Dubar (2005, 2012) e Hughes (2016): Passagem através do espelho, Instalação da dualidade e Ajuste da concepção em si.

Para a análise das entrevistas, adotou-se a técnica da análise de conteúdo, pois possibilita analisar as comunicações que descrevem o conteúdo das mensagens mediante procedimentos sistemático e objetivos de detalhamento das informações contidas nas mensagens. Esse método utiliza codificações para tratar os dados de maneira quantitativa, em que o interesse não está simplesmente na descrição do conteúdo, mas sim nos significados gerados após o tratamento (Bardin, 2011).

Utilizou-se o software Atlas.ti (versão 7), que permite organizar, reagrupar e analisar dados qualitativos para que seja possível realizar a análise de conteúdo das entrevistas. Usou-se a ferramenta Network View, que mostra as unidades de contexto e as suas respectivas unidades de registro ligadas por setas. Cada código é apontado com um par ordenado de dois números {x – y}, “x” é a frequência da unidade de registro; e “y” a densidade do código, o número de outros códigos em que ele está ligado.

Análise e discussão dos resultados

Passagem através do espelho: inserção profissional

Para Hughes (2016), a primeira fase da socialização profissional acontece quando o indivíduo se insere no meio profissional, ocorrendo a interação entre a cultura leiga, visão acerca do ofício anterior à entrada na profissão; e a cultura profissional, recém vivenciada pelo sujeito. Foram identificadas três unidades de contexto: motivações, aptidões e inserção. A primeira unidade motivações se refere às razões pelas quais essas mulheres se interessaram pela Polícia Federal (Figura 1).


Figura 1 –
Motivações
Fonte: Dados da pesquisa.

A unidade que tem mais citações foi estabilidade financeira (13 vezes). Para elas, a estabilidade proporcionada pelo serviço público foi um fator determinante para fazerem o concurso. Sendo assim, outra motivação, diretamente ligada à estabilidade, foi concurso público, e isto entra em consonância com o que foi abordado na pesquisa de Queiroz, Paiva e Lima (2019), uma vez que o concurso e, principalmente, a estabilidade foram fundamentais para que as mulheres ingressassem na carreira policial.

O fator desejo aparece duas vezes, pois elas disseram que sempre quiseram e souberam que era isso que gostariam de fazer: “eu queria ser policial desde que eu era criança. [...] era sonho de criança, não foi um negócio que foi formado depois” (P3). O fator encantamento apareceu uma vez: “sempre achei bonita a profissão de policial, admirava muito, achava encantador ver em filme” (P10). Nesse sentido, percebe-se que as entrevistadas fizeram suas escolhas de carreira dentro de um imaginário de uma profissão que as faziam desejar estar naquela profissão, com as perspectivas que geravam encantamentos. Esses depoimentos demonstram o primeiro momento da fase de socialização profissional de Hughes (2016), na qual a visão que o sujeito tem sobre a profissão antes de conhecê-la na prática, na maioria dos casos, é bem mais simples do que as vivenciadas no dia a dia laboral.

A motivação prática policial em si também é citada em dois momentos. Em razão de terem vindo da Polícia Civil, então o ofício já era conhecido, sendo um fator de interesse na escolha de fazer o concurso para a Polícia Federal. A motivação influência foi analisada sob dois aspectos, como na influência de familiares para a realização do concurso para a Polícia Federal, com duas citações: “eu tinha um tio que já trabalhava aqui e eu admirava muito ele, era meu ídolo. E quando eu fiz 18 anos, ele disse que ia ter o concurso para cá e falou para eu fazer, então fiz e passei” (P8). E a influência de pessoas próximas para a escolha do cargo tem duas citações entre as escrivãs, que disseram ter optado por ser escrivão em razão da família ter aconselhado por ser menos perigoso.

Para a escolha do cargo em específico, o fator formação acadêmica foi o mais citado, mencionado nove vezes. O cargo de Delegado de Polícia Federal é exclusivo para quem tem nível superior em Direito, fazendo com que, em sua maioria, quem tem essa formação opte por este cargo. Para os cargos de agente e escrivão é necessário, atualmente, graduação em qualquer curso de nível superior. Porém, há alguns anos atrás, a exigência era nível médio completo, razão esta que: “e a escolha de ser agente foi porque naquela época, nível médio só tinha pra agente e escrivão” (P8).

Entre as delegadas, a motivação remuneração foi mencionada duas vezes para a escolha do cargo, pois é a função com salário mais elevado: “e o que me fez fazer só pra delegada foi porque eu tenho uma filha e sabia que ia embora, que não ia conseguir ficar em casa, então tinha que ser um cargo que a remuneração fosse o suficiente” (P5). Esses achados corroboram com o descrito por Biasoli (2016), já que a necessidade de conduzir uma família também foi um fator preponderante para a escolha do cargo.

Entre as agentes, o fator mais operacional foi mencionado duas vezes para justificar a escolha do cargo em detrimento ao cargo de escrivão: “[...] escrivão eu achava que era muito monótono, ter de ficar ali na sala, só acompanhando o delegado. E eu já gosto mais de ir para rua” (P8). Outra razão que motivou a escolha por ser agente foi o fator mais vagas, sendo mencionado uma vez: “[...] aí eu escolhi agente porque tinha mais vagas no concurso” (P7). Esses achados trazem uma nova perspectiva da mulher policial, já que, assim como exposto por Cappelle e Melo (2010), essas mulheres têm optado por trabalhos considerados menos burocráticos e mais dinâmicos.

O ponto menos operacional foi citado duas vezes como motivação para a escolha do cargo de escrivã ao invés do cargo de agente: “[...] então meu ex-marido disse que os agentes têm que correr atrás dos bandidos e os escrivães ficam sentado numa sala com ar-condicionado (risos). Coloquei então para Escrivã” (P11); “eu escolhi o cargo de Escrivã porque como eu não tinha essa pretensão com a polícia, era uma coisa mais interna. Vai para a rua também, mas menos que agente” (P13). Nesse aspecto, as entrevistas refletem o que foi enfatizado por Bezerra, Minayo e Constantino (2013), pois as mulheres optaram por um trabalho considerado “mais seguro”. Percebe-se, portanto, que a mulher quando busca um trabalho com maiores iniciativas e mais ativo, procura o concurso para agente; ao contrário daquelas que buscam mais segurança e estabilidade, que realizam concurso para Escrivã.

A segunda unidade de contexto a ser analisada é aptidões, na qual apresenta características e habilidades que as policiais tinham e identificavam como necessárias à prática policial. A Figura 2 explana as unidades de registro identificadas.


Figura 2 –
Aptidões
Fonte: Dados da pesquisa.

A característica mais mencionada pelas entrevistadas foi coragem, sendo citada cinco vezes, conforme discurso: “eu sabia que eu não tinha aquela personalidade que tem medo a ponto de não conseguir trabalhar, eu sabia que conseguiria enfrentar os desafios, na verdade, enfrentar o medo” (P1). Outro ponto citado três vezes pelas policiais foi o dinamismo, pois elas afirmaram serem bastante dinâmicas, gostam de estar na rua, de fazer coisas novas e serem ativas. Entre as escrivãs, o fator organização teve três menções. A questão da objetividade também foi citada três vezes, em consoante com a policial: “eu sempre fui uma pessoa muito prática e objetiva, essas acho que foram as principais habilidades que eu já tinha antes de entrar na polícia” (P1). Por meio desse depoimento fica evidente que as policiais têm uma visão sobre qual seria o trabalho a ser desempenhado e as suas próprias aptidões, e isto fez com que elas optassem pela profissão, o que se alinha diretamente com a perspectiva Hughes (2016).

O raciocínio rápido apareceu duas vezes: “eu tenho uma capacidade de raciocinar e decidir rápido sobre as coisas, pode até ser errado, mas eu decido, não titubeio” (P1). Por fim, no fator outras características pessoais, citado 10 vezes, foram agrupadas outras diversas características consideradas pelas policiais como uma habilidade que tinham e julgavam importantes, tais como: conhecimento teórico (P2; P9), condicionamento físico (P10; P12), cautela (P4), boa vontade (P3), equilíbrio emocional (P9), observadora (P2), determinada (P3) e ser adaptável (P9).

Diante desses achados, percebe-se que todas essas aptidões mencionadas pelas policiais se alinham com as ideias de Hughes (2016), pois ao vivenciarem a cultura profissional, aprenderam novas habilidades, observando de perto esses afazeres, passando por várias mudanças de atitude em relação a si mesmo, e ainda descobrindo gostos e aptidões.

A terceira unidade de contexto analisada da categoria Passagem através do espelho foi a inserção, na qual constam relatos das vivências das entrevistadas ao se inserirem na profissão de policial.


Figura 3 –
Inserção
Fonte: Dados da pesquisa.

As unidades de registro, adversidades e facilidades, ambas obtiveram dez menções cada. Por adversidade se entende os problemas que as entrevistadas contaram ter enfrentado durante o período de inserção. Entre essas adversidades, a que mais se destacou foi a questão da primeira lotação. Outra adversidade se refere ao concurso que, em 2004, reprovou a maioria esmagadora das mulheres na prova física, o que fez com que muitas chegassem à lotação em condição de sub judice e em um número menor ainda que o normal. Isso traz como reflexão a possibilidade de que a organização realiza concurso público ofertando, muitas vezes, a inscrição de mulheres somente para dar a impressão de que é uma organização inclusiva e preocupada com a diversidade.

A unidade de registro facilidades obteve dez citações, destacando-se todas as experiências felizes em suas inserções na profissão, que foram facilitadas por alguns fatores, como terem sido bem recepcionadas pelos colegas, por não saberem ainda o peso da responsabilidade, por terem se encontrado no exercício da profissão, por estarem empolgadas, ou mesmo a questão da lotação por terem conseguido na sua cidade ou em uma próxima, muitas tiveram dificuldades, principalmente quanto a primeira lotação, a responsabilidade da maternidade longe do apoio de familiares, o machismo e a predominância masculina.

Esses achados corroboram com as ideias expostas por Carvalho Neto, Tanure e Andrade (2010) no que diz respeito à maternidade, e ainda com o abordado por Hill e Vaughan (2013), os quais enfatizam que há preconceitos e dificuldades na inserção de mulheres em profissões dominadas pela presença masculina. A profissão de policial federal ainda é considerada estereotipada e com muitos referenciais masculinos, e isto pode ser explicado pela construção do papel social de gênero (Chies, 2010).

Instalação da Dualidade: o modelo ideal e o real da profissão

Para Hughes (2016), a fase de instalação da dualidade acontece quando a cultura leiga e os estereótipos envoltos do ofício confrontam-se com a realidade da profissão, com suas dificuldades e incômodos, reproduzindo conflitos e desconforto. Para essa categoria de análise, identificaram-se três unidades de contexto: modelo idealizado, modelo real e dificuldades/incômodos (Figura 4).


Figura 4 –
Modelo idealizado
Fonte: Dados da pesquisa.

Na unidade de contexto modelo idealizado, o fator mais citado pelas policiais em relação a como seria a profissão foi glamourização, com sete menções, em que elas disseram achar que era uma coisa linda, bem operacional e super estruturado: “eu imaginava que seria uma coisa bonita, porque assim, tinha status, e o pessoal admira” (P8); “É aquela coisa, né?! Você acaba idealizando aquela coisa de filme. Mas na prática é diferente” (P10). Os depoimentos mostraram que as policiais tinham estereótipos envolvidos de como seria trabalhar nesta profissão, porém na prática não acontece da mesma forma, o que gera o conflito entre o que era idealizado e o que acontece de fato, e isto entra em consonância com as ideias de Dubar (2005) e Hughes (2016).

Outra unidade de registro identificada foi maior assistência, citada pela policial 5, pois ela achava que os servidores eram melhor assistidos pela instituição. Por fim, a última unidade de registro pertencente à unidade de contexto modelo idealizado foi profissão já conhecida, que simboliza a experiência de seis policiais que eram da Polícia Civil ou tinham algum familiar policial, e sabiam o que esperar. Essas unidades podem remeter ao fato exposto por Hirata e Kergoat (2007), que afirmaram que, durante muito tempo, a idealização do que seria o trabalho estava configurada na personalidade do trabalhador masculino, qualificado e branco, modelo idealizado por meio dos familiares que as entrevistadas tinham que trabalhavam na polícia.

Na unidade de contexto modelo real foram encontradas as unidades de registro: viagens, com doze citações; serviço administrativo, com quatro citações; atividades burocráticas, com quatro citações; e atividades específicas, com cinco citações.


Figura 5 –
Modelo real
Fonte: Dados da pesquisa.

Para que fosse compreendido qual o modelo real da profissão, foi pedido para as policiais descreverem suas atividades de trabalho, e então a unidade viagens foi a que mais apareceu, com doze menções. As viagens para compor equipes de outros estados, para operações ou participação em grandes eventos e segurança de dignitários fazem parte da rotina de todos os cargos.

Outra unidade de registro mencionada foi serviço administrativo, com quatro citações. Segundo elas, principalmente entre as delegadas que assumem chefia ou já assumiram, o trabalho administrativo demanda muito tempo e acaba atrapalhando a atividade fim. O fator atividades burocráticas teve quatro menções, pois o excesso de burocracia dificulta e atrasa alguns processos. Na unidade atividades específicas, mencionada por 5 vezes, foram agrupadas outras atividades realizadas pelas profissionais, que, no entanto, elas não gostariam de fazê-las: eleitoral (P1), transportar preso (P6), entregar intimação (P7), acompanhar preso (P8) e passaporte (P9).

Ainda com o intuito de entender a percepção das policiais sobre sua profissão, foram analisadas as unidades de contexto dificuldades/incômodos. Como respostas, identificaram-se onze unidades de registro.


Figura 6 –
Dificuldades/incômodos
Fonte: Dados da pesquisa.

A unidade mais expressiva, que obteve treze menções, ao longo do discurso das policiais, foi machismo. Há diversas situações machistas enfrentadas por elas no decorrer da prática profissional, as quais geram desconforto e dificuldades, tais como: desconfiança ou piadas por parte dos colegas homens, assédio e falta de respeito com a autoridade feminina, assim como abordado por Andrade e Assis (2018), pois o assédio acontece pela inferiorizarão do trabalho feminino, muitas vezes, por meio da redução da carga das atividades que ela executa. Além disso, esses relatos corroboram com os achados da pesquisa de Cappelle e Melo (2010) e Queiroz et al. (2019), com policiais militares, em que as mulheres são postas em atividades menos operacionais e mais de atendimento ao público, burocráticas e administrativas, em razão de ligarem a imagem feminina à fragilidade e devido ao machismo presente nesses ambientes.

O machismo, por vezes, aparece em forma de piada ou implicância, conforme: “quando eu entrei aqui fui bem recebida e tal, mas tinha aquelas piadinhas, de tipo dizer que minha arma era o batom” (P10). O machismo se faz presente em situações que a autoridade e posição da mulher não é reconhecida e ela sente a necessidade de se provar: “já ouvi de colegas que assumiram cargos de chefia e os subordinados do sexo masculino, às vezes, não gostam muito de estar subordinado a uma mulher” (P4). Esses discursos confirmam os resultados da pesquisa de Haarr e Morash (2013), com as policiais nos Estados Unidos, em que a maioria afirmou sentir necessidade de se provar constantemente, trabalhando mais que os outros para serem reconhecidas, e isto evidencia o que foi abordado por Fogaça e Almeida (2014), que alguns homens policiais federais têm preconceito velado e se recusam a trabalhar com mulheres.

Durante a análise das dificuldades e incômodos enfrentados pelas policiais, outra unidade de registro obteve doze menções no total: sobreaviso. Conforme relato: “ao contrário de quase todas as outras categorias, na Polícia Federal, o sobreaviso se você não for acionado é tido como hora de folga, então, no sobreaviso você fica presa em casa, você tem que atender os telefonemas todos, você não pode beber, você não pode sair da cidade, e na Polícia Federal não há nenhum tipo de remuneração, nem de compensação” (P1).

Outro fator relevante é a conciliação, que diz respeito às dificuldades enfrentadas pelas mulheres em prol de conciliar a vida pessoal, principalmente na relação da maternidade, com a vida profissional: “e assim, a coisa de filhos, de conciliar a criação dos filhos com a vida profissional, não é fácil. E muitas pessoas acabam não entendendo. Assim, já teve situação de eu tá com meu filho, que estava com um ano e três meses. E a gente tem as viagens” (P5); “sempre tem a dificuldade de conciliar a maternidade com a profissão” (P9). Esses relatos confirmam os achados de Cappelle e Melo (2010), que mesmo as mulheres trabalhando fora de casa, ainda sobra para elas os cuidados com os filhos, fazendo com que tenham dupla ou tripla jornada de trabalho, interferindo, muitas vezes, em suas carreiras. E retomam os resultados de Carvalho Neto et al. (2010), em que, apesar da grande participação feminina no mercado de trabalho, a responsabilidade pela criação dos filhos ainda não é igualmente dividida, restando a ela o maior estresse ao desempenharem seu papel na unidade familiar.

A unidade baixo efetivo teve 6 citações, pois a instituição tem um déficit no número de contingente, o que acarreta um excesso de trabalho para os servidores. Entre as quatro escrivãs, o fator sobrecarga de trabalho foi mencionado por todas: “nessas operações, a gente tem que ir junto com o agente, faz a parte deles e quando chega, ainda tem que fazer a nossa. É trabalho dobrado.” (P10); “No momento eu estou com muito serviço. É um ‘escravão’, como chamam, né?! Se eu soubesse antes de entrar na polícia, a sobrecarga que o escrivão tem, eu faria para agente” (P12).

A unidade estrutura foi mencionada três vezes, sendo considerados os incômodos em relação às instalações e utensílios que fazem parte da estrutura física da instituição. A má distribuição do trabalho foi citada duas vezes, causando um incômodo em razão de uns receberem bem mais trabalho que outros. A questão da disputa entre cargos teve duas menções: “o que mais me incomoda mesmo é que aqui na Polícia Federal, tem um problema de cargos, né?! Existe uma briga grande em que os agentes e escrivães querem ser delegados sem passar por concurso” (P4); “aqui é um ambiente que existe uma certa disputa de cargos. Hoje em dia tem muito isso do pessoal disputar com delegados. Fica os delegados e o resto do pessoal” (P5).

A unidade burocracia apareceu duas vezes, como uma dificuldade enfrentada no exercício das atividades: “um defeito que a polícia tem é que a gente poderia fazer muito mais coisas, mas a gente se prende as burocracias que acabam limitando você. Tem burocracia demais, além do que precisa” (P5). Finalmente, o último fator é política de remoção, mencionado uma vez por uma policial: “uma dificuldade grande que enfrentei foi em relação à política de remoção, principalmente na época que eu entrei era muito precária, já deu uma melhorada, mas ainda é um pouco precária, não tem continuidade” (P1).

A maior idealização realizada pelas policiais acerca da profissão foi em relação à glamourização. Quanto à realidade, a questão das viagens para operações, grandes eventos e segurança de dignitários foram os que mais se repetiram, sendo atividades comuns a todos os três cargos investigados. O serviço administrativo e atividades burocráticas foram os que mais se contrapõem ao que foi idealizado pelas policiais. As maiores dificuldade e incômodos foram em relação ao machismo, o sobreaviso e a conciliação da maternidade com a vida profissional. Houve, portanto, conflitos entre as idealizações e a realidade encontrada. Isso evidencia o que Hirata e Kergoat (2007) mencionam sobre a divisão de gênero do trabalho, em que o trabalho masculino é privilegiado e a mulher tem que lidar com sua rotina dentro e fora do trabalho.

Ajuste da concepção em si: identidade profissional e carreira

Conforme Hughes (2016), a fase de ajuste da concepção em si acontece quando há a formação de uma nova identidade, na qual o indivíduo abandona os estereótipos preexistentes e passa se conhecer melhor, com suas competências e limitações, e continua na construção de sua carreira com uma nova identidade profissional. Assim, buscou-se entender quais os estereótipos abandonados pelas policiais, como elas percebem sua identidade profissional e como elas veem a carreira. Foram identificadas três unidades de contexto: abandono de estereótipos, identidade profissional e carreira.

Ao analisar a unidade abandono de estereótipo, identificaram-se três unidades de registro, referentes às mudanças de concepções que as policiais vivenciaram ao abandonarem a cultura leiga da profissão (Figura 7).


Figura 7 –
Abandono de estereótipos
Fonte: Dados da pesquisa.

A unidade de registro mais citada foi melhor estrutura, com sete menções. As policiais tinham a concepção de que a instituição teria uma melhor estrutura física, de pessoal e de trabalho, conforme: “eu achava que a gente teria um suporte físico bem maior do que o que a gente tem” (P4). Isso contrapõe a unidade de contexto glamourização, referente ao que as policiais tinham idealizado para a profissão antes de iniciá-la. Outro fator foi a questão da operacionalidade, com seis menções. As policiais achavam que o trabalho seria mais operacional do que de fato é: “a gente acha que a maior parte é operacional, que vai tá sempre fazendo algo nesse sentido e na realidade tem dificuldades, tem a burocracia, tem o administrativo” (P7). A última unidade foi a união entre os colegas, mencionada três vezes, na qual as policiais afirmaram achar que contariam com uma maior união entre os colegas de mesmo cargo e cargos diferentes, mas a realidade se mostrou divergente.

Ao investigar a unidade de contexto identidade profissional, obtiveram-se quatro unidades de registro, quais sejam: postura, com onze citações, aparência, com dez citações, características de trabalho com nove citações e feminilidade, com duas citações (Figura 8).


Figura 8 –
Identidade profissional
Fonte: Dados da pesquisa.

A unidade de registro postura foi mencionada onze vezes, uma vez que as policiais disseram assumir determinada postura enquanto profissionais, no exercício do cargo: “é bem diferente a postura que você tem na vida pessoal e a que você tem na vida profissional, porque enquanto policial você tem que assumir uma postura mais séria” (P8). Isso contribui com os achados de Araújo, Lima, Paiva e Ferraz (2019), haja vista que acontece uma dualidade de identidades, sendo necessária uma identidade profissional distinta de sua identidade pessoal.

A questão da aparência apareceu dez vezes durante as entrevistas. Entende-se, por aparência, o modo de se vestir dessas policiais no ambiente de trabalho, enquanto assumem os papéis por elas desempenhados: “eu acho que incorporei com certeza [um modelo profissional], acho que até mesmo na parte estética, em como se vestir” (P1). Esse trecho confirma o que foi relatado por Dubar (2005) e Hughes (2016), já que foi preciso uma adequação da identidade após a interação e o confronto entre as duas culturas.

A unidade características de trabalho obteve nove menções, que se refere a forma que essas mulheres encontraram de conduzir seus trabalhos, tornando-se parte de sua identidade profissional: “minha maneira de trabalhar é assim, sou muito compenetrada, chego e faço meu trabalho de forma organizada” (P12). A feminilidade foi citada em dois momentos como parte de sua identidade profissional. A feminilidade se refere ao se assumir feminina, arrumar-se e não se masculinizar como forma de pertencimento aquele ambiente, conforme: “eu sempre gostei de me arrumar e continuei me arrumando do jeito que eu gosto, extremamente clássica, eu também não acho que eu me masculinizei com a profissão” (P11). Essas características evidenciam a existência de mudanças na identidade profissional das mulheres após ingressarem na polícia.

Com o objetivo de analisar a unidade de contexto carreira, buscou-se identificar a percepção sobre suas carreiras enquanto Policiais Federais.


Figura 9 –
Carreira
Fonte: Dados da pesquisa.

As duas unidades de registro mais representativas foram teste físico e estagnação, sendo mencionadas por onze vezes cada. Para o fator teste físico, as policiais disseram existir uma prova física durante o concurso que dificulta o acesso de mulheres, uma vez que várias são reprovadas nessa etapa, aqui prevalece um dos aspectos da metáfora do “teto de vidro”, na qual para algumas atividades, sobretudo que exigem mais esforço físico, em determinadas situações, espera-se o desempenho com base em características masculinas (Simpson & Kumra, 2015).

Cappelle e Melo (2010) ainda mencionam que o fato de haver o mesmo teste físico para homens e mulheres pode ser uma barreira para entrada e progressão no trabalho dessas mulheres. Esses autores ainda mencionam o concurso de 2004, no qual houve uma mudança na prova da barra, que reprovou um percentual muito alto de mulheres. O relato corrobora com a afirmação de Fogaça e Almeida (2014), em que a dificuldade da mulher policial inicia desde a seleção, na qual são exigidos pré-requisitos físicos que impossibilitam o acesso igualitário aos homens.

A estagnação foi um problema encontrado ao se tratar da carreira dessas mulheres, sendo mencionado onze vezes, pois elas não têm muitas possibilidades de crescimento na carreira, permanecendo estagnadas, especialmente nos cargos de agente e escrivão, em que não há muitas opções de chefias disponíveis, conforme observado: “a estagnação é um dos problemas na nossa carreira, porque aqui com 10 anos você vira classe especial e chega no ápice. Após isso, não há nenhuma outra progressão ou aumento de salário, só se assumir alguma chefia” (P1). Apesar de ser um problema relatado pelas entrevistadas, esse não é um problema exclusivo das mulheres, pois, independente do gênero, essa é uma característica do cargo público analisado.

A unidade pouco retorno financeiro foi mencionada seis vezes. De acordo com as entrevistadas, especialmente entre as delegadas, que tem mais opções de cargos de gestão, a remuneração recebida para assumir uma chefia não é compensatória, diante do aumento do volume de trabalho.

A maternidade foi citada seis vezes, uma vez que o fato de serem mães pode atrapalhar a progressão de carreira, pois para assumir chefias de primeiro escalão é necessário mudar de cidade e, por conta da maternidade, isso não é possível, às vezes: “e a maternidade chega a ser um empecilho para assumir cargos de chefia, pela própria forma como se desenha a composição das chefias, existe uma rotatividade entre os estados da nação, hoje você é chefe na sua unidade, amanhã você é chefe noutra, depois outro estado” (P1). Isso vai ao encontro do que apresentado por Biasoli (2016) e Roque e Bertolin (2021), já que a dificuldade de conciliar a vida familiar com a laboral acaba por se caracterizar como uma barreira para a progressão de suas carreiras.

Além disso, o discurso exposto enfatiza o que foi abordado por Vaz (2013), pois a dificuldade de conciliar a vida profissional com a maternidade faz com que as mulheres deixem de assumir cargos de liderança, para não terem que lidar com esses conflitos. E corrobora, ainda, com as ideias de Carvalho Neto et al. (2010), que, em virtude da maior responsabilidade com a criação dos filhos, as mulheres acabam tendo menos liberdade de fazerem viagens a trabalho. Dessa forma, dificilmente a família muda de cidade em razão do trabalho da mãe, enquanto o contrário é bem mais comum, o que acaba dificultando o avanço delas na hierarquia.

Outra unidade de registro no contexto carreira foi o preconceito, com três menções, que é em relação a dificuldade enfrentada para ascender na carreira devido à discriminação de gênero. Como Ashcraft (2013) sugere, a segregação ocupacional acontece, não pela natureza do trabalho em si; mas pelo preconceito a partir da natureza do trabalho e da identidade social masculina atrelada a ele. Isso está em conformidade com as ideias de Slay e Smith (2011), pois a visão de uma profissão masculina faz com que as entrevistadas não se sentissem pertencentes àquele ambiente. Além disso, corroboram com os achados de Carvalho Neto et al. (2010) e Vaz (2013), que ressaltaram que quanto mais alto o nível do cargo, menor é a participação feminina, evidenciando que nem mesmo as instituições públicas escapam do teto de vidro. E, ainda, estão alinhados com o que foi evidenciado por Queiroz et al. (2019), devido à existência de preconceitos implícitos e explícitos para mulheres nas polícias.

Verifica-se, portanto, que as policiais abandonaram estereótipos com a ideia de que a instituição poderia ter uma melhor estrutura física, de pessoal e de trabalho, e que o trabalho seria predominantemente operacional. A identidade profissional incorporada pelas policiais engloba questões ligadas à aparência, como a forma de se vestir, a postura assumida e as características de trabalho, que dizem respeito a forma como as entrevistadas conduzem seu trabalho. Quanto à carreira, elas apontaram o teste físico como o fator que mais barra a entrada de mulheres na Polícia Federal, e a estagnação, a maternidade e o preconceito como as principais barreiras para seu progresso na carreira.

Com base nas entrevistas realizadas com as policiais, a Tabela 2 elucida uma síntese dos principais achados, podendo-se verificar as categorias de análise e as unidades de registro, correspondentes ao modelo de socialização profissional, baseado em Dubar (2005, 2012) e Hughes (2016).

Tabela 2 –
Síntese dos principais resultados

Fonte: Elaborado pelos autores.

Considerações finais

Esta pesquisa apresentou que as policiais foram motivadas, majoritariamente, pela estabilidade financeira que o serviço público proporciona, bem como pelo momento de abertura do edital para o concurso público, uma vez que muitas disseram não ter almejado especificamente essa profissão; no entanto, ressaltaram que se encontraram nela. Para a escolha dos cargos, o fator mais citado foi a formação acadêmica, pois para ocupar o cargo de delegado é necessário nível superior em Direito, e para agente e escrivão, quando as entrevistadas realizaram o concurso era apenas necessário o nível médio; atualmente é preciso a graduação em qualquer curso. A remuneração foi citada uma vez para o cargo de delegada, que é o cargo com maior salário. As policiais disseram terem sido bem recepcionadas pelos colegas; no entanto, tiveram muitas adversidades ao se depararem com a cultura profissional, como a primeira lotação distante da família, tendo que lidar com a maternidade sozinhas, a predominância masculina e o machismo dentro da instituição. A partir disso, é possível enaltecer uma visão das necessidades de políticas públicas para inclusão de mulheres e para facilitar a conciliação da maternidade e da vida familiar com as atribuições do cargo que ocupam até mesmo para possibilitar a progressão de carreira, tendo em vista que, para os homens, isso não é visto como uma barreira profissional.

A principal idealização que elas tinham sobre a profissão era a glamourização de que o trabalho era lindo, pouco operacional e bem estruturado. Já a realidade encontrada, apesar de existirem as operações e os grandes eventos, por vezes, são necessárias viagens, algo comum aos três cargos, e elas podem chegar sem aviso prévio e possibilidade de recusa. O serviço administrativo e as atividades burocráticas também fazem parte da realidade do trabalho. As maiores dificuldades e incômodos encontrados foram em relação ao machismo na organização, em forma de piada, assédio ou discriminação. E a dificuldade de conciliar a maternidade com a vida profissional devido aos horários e viagens e a questão do sobreaviso, pois o servidor passa 24 horas à disposição da instituição, até aos finais de semana e feriados. Isso mostra que existe a necessidade de uma melhor estratégia de gestão de pessoas, que não deixem os profissionais sobrecarregados e que os esquemas de sobreaviso funcionem de forma mais concisa e produtiva.

Ao verificar as percepções das policiais sobre a carreira e a identidade profissional após o abandono de estereótipos, observou-se que as policiais abandonaram estereótipos como a ideia de que a instituição teria uma melhor estrutura física, de pessoal e de trabalho, e de que o trabalho seria predominantemente operacional. Quanto à identidade profissional incorporada pelas policiais, destaca-se a aparência, a forma de se vestir, a postura assumida e as características de trabalho, que dizem respeito ao modo como as policiais conduzem seus trabalhos. Apesar de muitas sentirem-se satisfeitas com as carreiras, constatou-se como barreiras para sua progressão, estagnação do serviço público, baixo retorno financeiro dos cargos de chefia, preconceito pelo gênero e maternidade.

O processo de socialização profissional de mulheres policiais federais é marcado por desafios, mas é especialmente mais difícil para aquelas que são mães, pois sofrem mais com a questão das viagens, horários e disponibilidade para assumir chefias de melhor remuneração. Concluiu-se, portanto, com os resultados da realização desta pesquisa, que essas mulheres policiais passaram pelas três fases da socialização, propostas por Hughes (2016), e que a profissão de policial é bastante desafiadora; contudo, apresenta-se muito satisfatória.

O estudo contribui para o entendimento acerca da socialização profissional de mulheres policiais federais, grupo ainda pouco explorado por pesquisadores no campo do conhecimento científico das Ciências Sociais Aplicadas. Ademais, impacta na área da Gestão de Pessoas, auxiliando no que diz respeito a contribuir com questões de gestão da diversidade de gênero, assim como para a Polícia Federal, uma vez que poderá servir de base para o desenvolvimento de políticas públicas e de recursos humanos voltados à equidade de gênero, na construção de auxílio com a maternidade e questões de assédio moral no ambiente de trabalho, de modo a inibir o comportamento de colegas homens.

Como limitações desta pesquisa, pode-se indicar o tempo e as condições para entrevistar mais mulheres policiais, o que pode fornecer, ainda mais, contribuições para a ampliação do conhecimento sobre a socialização profissional de mulheres policiais. Como sugestões para futuras pesquisas, é interessante enviesar para os prejuízos causados pela profissão para a saúde laboral dessas mulheres, pois uma das entrevistadas mencionou que existem altos índices de depressão e casos de suicídio na polícia. Outra questão seria o aprofundamento do conflito trabalho x família, abordado tantas vezes durante os relatos. Finalmente, também poderia ser interessante ampliar o escopo desta mesma pesquisa com o intuito de alcançar policiais lotadas em outras unidades e regiões brasileiras.

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