Como enfrentar a Covid-19?

Maraí de Freitas Maio Vendramine
Ecossistema Ânima – Anhembi Morumbi, Brasil
Fábio Chaves Nobre
Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Brasil
Almir Martins Vieira
Universidade Metodista de São Paulo, Brasil

Como enfrentar a Covid-19?

Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 15, núm. 1, pp. 197-211, 2021

Universidade Federal Fluminense

Recepción: 06 Enero 2021

Aprobación: 20 Mayo 2021

Resumo: Este caso para ensino apresenta o desafio do executivo de uma empresa argentina, frente à necessidade de viabilizar negócios diante da pandemia Covid-19. A empresa Compuestos S.A. atua na cadeia automotiva, mineração e construção civil, e presencia uma crise pandêmica sem precedentes. O executivo prioriza garantir salários pagos e viabilidade do negócio, dadas as iniciativas do governo argentino e sua visão mercadológica. Trata-se de relato verídico, obtido por entrevista junto ao executivo da empresa. O caso propõe reflexão a respeito de tomada de decisão em tempos de crise, considerando aspectos próprios de situações semelhantes às da pandemia causada pelo coronavírus.

Palavras-chave: Tomada de Decisão, Planejamento Estratégico, Finanças Comportamentais.

Abstract: This teaching case presents the challenge of the main executive of a company from Argentina, looking for business strategies against the crisis caused by the Covid-19 pandemic. The Compuestos S.A. acts within the automotive chain, mining and civil construction, and its executive prioritizes the payment of his employees’ salaries, as well as business feasibility, based on Argentine government initiatives and his marketing vision. This is a real report obtained by interview with the company´s executive. The case proposes reflection about the decision-making in times of crisis, considering issues related to situations such as the pandemic caused by the coronavirus.

Keywords: Decision-making, Strategic planning, Behavioral finance.

Introdução

A caminho de sua empresa, Paco dirigia pela estrada, controlando o peso de seu pé no acelerador, pois tinha a sensação de que aquele trajeto diário parecia interminável, como intermináveis são seus sonhos de empreendedor, de empresário e de pai de família. Era noite de 8 de março de 2020, por volta de 22h.

A velocidade controlada competia com a atenção em ouvir o discurso do governador de Buenos Aires, em transmissão direta pelas emissoras de rádio e TV, com informações sobre a Coronavirus Disease 2019 (Covid-19), a respeito das medidas de saúde e de caráter social para a população argentina. Sua esposa, Izabel, ao seu lado no automóvel, parecia querer controlar a velocidade do carro com seu olhar, a caminho da empresa. Nenhuma pandemia jamais constou no planejamento estratégico de Paco, nem fora tomada como assunto em disciplinas acadêmicas, tanto em seu curso de Engenharia, como no curso MBA.

A atenção de Paco na estrada voltava-se completamente às falas de Izabel, depois do rádio desligado, sobre o caixa da empresa, o tempo de fôlego financeiro, além dos produtos que se encontravam na alfândega para exportação. Fecharão a empresa (que funciona o ano todo em seguidos turnos) no período da pandemia? O que falarão aos 130 funcionários? Izabel é diretora financeira e sócia na Compuestos S.A., desde 2014, época em que Paco negociou a aquisição da empresa.

A Compuestos S.A. é uma empresa de capital argentino que produz insumos para a cadeia automotiva, mineração e construção civil, com matéria-prima adquirida dos Estados Unidos. É uma empresa que foi criada por um grupo de investidores americanos no início de 1950, e que, no início dos anos 2000, fez uma joint venture com um grupo familiar de empresários com negócios na região da Europa, Oriente Médio e África (EMEA).

Ao chegarem na empresa, por volta das 23h, Paco e Izabel perceberam número de funcionários maior do que o habitual no refeitório da empresa. Os funcionários do turno anterior permaneciam vestidos com os seus macacões e usando equipamentos de proteção individual (EPI´s) de costume. Juntamente com os dois turnos da noite, havia os funcionários dos períodos do dia que, mesmo usando roupas comuns, eram facilmente identificados por Paco e Izabel. Paco sabia que aquela reunião também ficaria marcada em suas lembranças. Quais ações a serem tomadas pela Compuestos S.A., a partir da pandemia? Como administrar o caixa da empresa? Como lidar com as expectativas e ansiedades dos funcionários? Qual o impacto no mercado? Todas essas questões concorriam em seus pensamentos. E Paco, frente aos olhares de seus funcionários, sabia que o grande desafio era definir ações que propiciassem a sobrevivência da empresa.

Os raios dos anos dourados

Paco nasceu na província de Buenos Aires e orgulha-se da bandeira de seu país, listrada em branco e azul celeste, tendo o Sol de Maio dentre a faixa branca. Os raios dourados combinam com a trilha profissional de Paco. O início de sua carreira profissional ocorreu em meados de 1990, durante o último ano do curso técnico aeronáutico, quando atuava como estagiário na empresa Compuestos S.A. que, na época, pertencia a investidores americanos.

Em 1996, no primeiro ano do curso de engenharia industrial, Paco foi contratado como funcionário e, após a conclusão do curso universitário, obteve sua primeira promoção para a área financeira. Ao mesmo tempo, a Compuestos S.A. foi vendida para um grupo familiar de empresários da região da EMEA. Após cursos de aprimoramento na área de negócios e MBA, Paco passou a ocupar o cargo de diretor das áreas operacionais, tais como manutenção, compras, produção e, em 2012, chegou ao cargo de presidente. Dois anos depois, fez um “management by out”, passando a ser dono da Compuestos S.A.

A decisão de Paco foi motivada quando soube pelos executivos da EMEA de que deixariam a Argentina sem cumprir os direitos trabalhistas dos funcionários, sendo que para ele - Paco -, foi oferecida uma posição semelhante em outra fábrica na Ásia. A experiência de ser um expatriado e trabalhar em outro país era uma oportunidade que desejava para a sua carreira. Sendo funcionário da Compuestos S.A. desde os 17 anos, Paco ponderou que tal encerramento não condizia com as relações que havia estabelecido com os funcionários e suas respectivas famílias ao longo dos anos.

Naquele momento, Paco tinha em mãos um grande problema: convencer os líderes executivos de que o negócio tinha potencial, ao contrário do que indicava a baixa rentabilidade apresentada desde 2010, quando os executivos decidiram fechar parte do envio de produtos ao Brasil, além de compartilhar a cadeia de suprimentos com as plantas localizadas nos Estados Unidos e na própria região da EMEA. Assim, foram inúmeras viagens da Argentina à EMEA, com mais horas de voos do percurso do que o tempo de reuniões nas quais Paco negociava, mostrando projeções e números, de modo a manter na Argentina o fornecimento de produtos automotivos ao mercado brasileiro.

A partir de 2014, a Compuestos S.A. passou a ter uma única bandeira tremulando no pátio interno da empresa, nas cores azul e branco, com raios dourados. Paco adquiriu a empresa, assumindo as dívidas trabalhistas, além das dívidas comerciais (junto a fornecedores), a serem pagas ao longo de quase dois anos. A dívida relativa a empréstimos com os bancos internacionais ficou a cargo dos ex-donos. Tão logo assumiu a empresa, Paco recebeu apoio do sindicato de classe, passando a ser membro integrante da união industrial da prefeitura de uma cidade integrante da província de Buenos Aires, integrando também a associação industrial do país.

A liberdade no Sol de maio

No cargo de acionista principal, Paco comemorou a experiência vivida em todas as áreas da empresa: riscos assumidos, desafios vencidos. Nessa posição, o desafio então era transformar a empresa de estruturada linear e sistemática, com decisões concentradas, em uma empresa “mais empreendedora”, com decisões descentralizadas, mais rápidas, sem culto à burocracia exacerbada, evitando reuniões de quatro horas de duração, sem nenhuma ação importante. Nova estrutura e novos parâmetros são requisitos importantes para o funcionamento da empresa, mas é necessário que os funcionários tenham liberdade e autonomia para decisão. Com tais convicções, Paco agrupou a equipe administrativa em uma sala, de modo que as tradicionais reuniões quase desapareceram: restaram aquelas planejadas, com pessoas em pé, frente a frente, em conjunto.

Paco entendia que o empreendedorismo está ligado à liberdade de errar, pois representa aprendizado, assumir riscos (mais do que geralmente outras pessoas assumem), ser uma pessoa que está o tempo todo pensando a respeito de como melhorar ou como mudar alguma coisa. Ou seja, a liberdade mencionada é incondicional, sujeita a acertos e erros. Para ele, ter dados disponíveis e acreditar em determinado investimento impulsionam a coragem para assumir riscos. A Argentina é um país com taxas de juros que giram em torno de 30 a 35%, com alta inflação, fato que pode comprometer alguma decisão de negócio só pela taxa de juros. Paco sempre compara a atividade empreendedora na Argentina com o trabalho de um técnico de manutenção do navio Titanic, já que, segundo ele, sempre haverá algo a resolver:

“Desde a época da Cristina Kirchner para cá, a primeira coisa que eu faço, todos os dias, é ler o Boletim Oficial, instrumento no qual o governo anuncia as regulações. Todo dia tem um imposto novo, uma nova trava. Dessa maneira, administro minha empresa com fundos próprios, e não de bancos. Estou convencido de que a economia é resultado da política e, nesse país, infelizmente, a política dos últimos 15 anos é uma política destrutiva para o setor privado e, principalmente, para o setor das empresas médias e pequenas indústrias”

A Compuestos S.A. é uma empresa regional que produz insumos (commodities) para indústrias na cadeia automotiva com faturamento em torno de 30 milhões de dólares por ano. Os principais custos se concentram em matéria-prima e utilidades (energia elétrica, água e gás). A empresa tem um modelo de negócio regional, sendo sua competitividade marcada por dois fatores: proteção da cadeia contra importados (18% de imposto de importação) e logística rápida e eficiente. Os insumos produzidos são vendidos para o Brasil (cerca de 80%), para a própria Argentina, e para a Colômbia.

Paco tem contado com sua esposa na diretoria financeira, área que não se sente confortável em administrar, principalmente por não gostar de negociar com bancos. Diante de oportunidades para novos negócios, as decisões do casal ocorrem de forma conjunta, com base em cálculos financeiros, projeções, fluxo de caixa, dentre outros parâmetros, de modo a identificarem necessidade de financiamento externo. Segundo ponto de vista compartilhado pelo casal, deve-se recorrer a empréstimo bancário somente quando for inevitável. Ainda que se assegure de expedientes baseados em cálculos, Paco, por vezes, decide correr riscos em novos negócios, considerando seu lado intuitivo.

A Compuestos S.A. realiza o processo de sales and operation a partir das previsões de vendas, de modo a definir então o planejamento de produção e o planejamento financeiro. Mensalmente, os resultados são medidos e avaliados, e as estimativas futuras são indexadas no planejamento. O planejamento de produção envolve o que, o quanto e quando produzir; o planejamento financeiro diz respeito à análise do faturamento, dos custos, dos resultados e do próprio fluxo de caixa. O planejamento estratégico, por sua vez, é feito anualmente (com revisão semestral), considerando três eixos: matéria-prima (garantia de fornecimento por longo prazo, com custos competitivos); mercado (reduzir dependência a determinados clientes); e a questão operacional (relação estável com o sindicato, investimentos e atualização de processos).

A partir do momento em que Paco tornou-se dono da Compuestos S.A., passou a ter contato com empresários da Argentina. Na extensão dessas relações, Paco tem percebido que a liberdade de tomar decisões e correr riscos pode transformar as pessoas em empreendedoras, sem necessidade de apego a manuais sobre como ser empreendedor em 10 lições, como uma receita pronta. Contudo, pondera que a formação educacional a respeito das atitudes empreendedoras se configura em aspecto crucial para a gestão de um negócio.

Eclipse parcial no Sol de maio

Em seu trajeto naquela noite, Paco relembrava períodos de crise que ocorreram na Compuestos S.A., convicto de que tem sido um vencedor. As maiores crises na empresa tiveram origem na transição cultural e na redução do negócio. Nunca houve crises de vendas, pois o segmento de atuação sempre foi estável na região. A transição cultural foi a joint venture da Compuestos S.A., com o grupo da EMEA, em 1998, após meio século com DNA organizacional americano. Uma nova crise ocorreu em 2005, quando da aquisição pelo grupo da EMEA, acarretando realidade antagônica entre a mudança cultural e o crescimento da empresa por sete anos consecutivos, marcados por investimentos nos processos e nos procedimentos.

Em 2010, o grupo da EMEA decidiu reduzir o tamanho da empresa na Argentina, resultando na demissão de 120 funcionários. Para Paco, foi uma época de desgaste junto aos empregados, pois o processo de reestruturação não foi bem gerenciado com clientes e com funcionários, acarretando 83% de reclamações trabalhistas no Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social.

Outro momento de crise enfrentado por Paco foi uma nova redução de funcionários, quando ele mesmo adquiriu a empresa. Na ocasião, o cuidado na redução de 30 funcionários (de um total de 160), teve a “marca” de Paco: uma liderança que sempre valorizou comunicação transparente, contida de verdade sobre as condições dos pagamentos obrigatórios nos processos rescisórios, e no respeito em prover um tempo para que demissionários pudessem processar as informações e procurar um novo trabalho.

Eclipse total no Sol de maio

Na primeira vez em que Paco ouviu sobre a Covid-19 (janeiro de 2020), estava de férias com a esposa e seus três filhos. Posto que a China fica aproximadamente a 19.000km de distância da Argentina, duvidou de uma viagem tão rápida do vírus para lugar tão distante:

“Quando o vírus chegou na Argentina, nosso governo atuou muito rápido, desde o primeiro caso, mandando imediatamente todo mundo para casa, a ponto de não dar tempo para a população analisar o que estava passando”

O primeiro caso de contaminação pelo novo coronavírus na Argentina foi registrado no dia 3 de março de 2020. Com o olhar que circulava em busca de respostas no tempo, e o tom de voz silenciado entre uma frase e outra, Paco relatou o que ocorreu na Argentina com a chegada da Covid-19: em 6 de março de 2020, o presidente anunciou a parada de todas as atividades do país e, com isso, Paco se viu na dúvida se fecharia imediatamente as portas da Compuestos S.A. Na empresa, em momento com seus funcionários e a esposa, Paco conseguiu falar por telefone com o secretário de Indústria da Argentina, que o orientou a não parar a linha de produção e os turnos contínuos de trabalho, pelo motivo da empresa atuar com comércio exterior, fato que, de certo modo, trouxe alívio para Paco, pois a parada de produção geraria um impacto econômico comprometedor, devido à obrigatoriedade em realizar a manutenção nas máquinas.

No dia 10 de março de 2020, Paco decidiu continuar seu processo produtivo, sem envolver no trabalho os funcionários acima de 60 anos de idade, as pessoas cardíacas e diabéticas, como também aqueles que demonstraram receio quanto ao trajeto de casa para o trabalho. A Compuestos S.A. funcionou durante uma semana, pois a Covid-19 começava a se espalhar, e não tinha sentido os funcionários irem trabalhar para produzir insumos que ficariam no armazém e nos inventários, uma vez que as vendas começaram a diminuir. Os clientes começaram a cancelar os embarques no porto argentino. O mercado automotivo mundial parou, e o mesmo aconteceu com a demanda. A partir desse momento, Paco teve a consciência do que ia acontecer e o que estava por vir. Necessitaria de decisões não casuais e adaptações no curto prazo.

O governo determinou quarentena total, excluindo as esferas alimentícia, farmacêutica e médica, além de algumas exceções relacionadas ao comércio exterior, ou seja, produções de exportação. Assim, Paco decidiu parar a produção no dia 26 de março. A partir desta data, passaram a adentrar na empresa os funcionários da segurança, de prevenção de incêndio, de serviço médico e Paco: um pequeno grupo para uma área de 10.000 metros quadrados. Obrigatoriamente, todos passaram a se submeter ao controle de temperatura corporal (duas vezes por dia), e há protocolos de proteção à saúde, como o uso de máscara, limpeza das mãos com álcool gel disponível em diversos locais e o incremento da frequência de limpeza e desinfecção das áreas. O isolamento tinha que ser retomado pelos funcionários a partir do momento em que deixassem a Compuestos S.A., no compromisso de seguirem diretamente para suas casas.

Os funcionários administrativos começaram a trabalhar no sistema de home office, tendo recebido laptops e celulares da empresa, conectados aos sistemas da Compuestos S.A. No início da pandemia, os funcionários concordaram em ficar em casa, porém, com o transcorrer dos dias, a preocupação se ampliou, principalmente de funcionários da área de produção, pois estavam convictos de que o negócio, sem vendas, não se sustenta.

As reuniões no estilo remoto passaram a ocorrer por vídeo conferências. Paco fazia questão de participar da maioria das reuniões remotas, principalmente quando o assunto dizia respeito às finanças da empresa, de modo a analisar gastos, compras e pagamentos, enfim, o caixa da empresa:

“Não se paga nada que eu não veja antes, e o que a gente está fazendo é priorizar o pagamento dos nossos funcionários. Eu lamento, mas não posso liberar o nosso caixa, porque não sei quanto tempo vou ter que aguentar o negócio sem vendas, e minha primeira prioridade são os salários dos meus funcionários”

Paco refinanciou as dívidas de empréstimos com bancos e negociou com fornecedores novas datas de pagamento. Os bancos começaram a entender a importância da renegociação das dívidas dos seus clientes, ao contrário das primeiras duas semanas depois do isolamento total, em que o posicionamento de cobranças não havia considerado o impacto da Covid-19 no mercado produtivo. A exigência inicial de ter dinheiro circulando não foi uma premissa exclusiva do ramo bancário, estendendo-se aos fornecedores, até que todo o cenário mercadológico constatou que se tratava de uma situação nacional e mundial.

Sem vendas desde a segunda quinzena do mês de março, e sem horizonte de quando esse mercado se recuperaria, Paco teve que administrar o custo fixo do negócio, que possui 130 funcionários. Para os meses de abril e de maio, o prejuízo alcançou cerca de 300 mil dólares (cada mês), sendo que a manutenção do negócio exigia principalmente a retomada das vendas. A alfândega e o porto reduziram suas equipes e, assim, os processos de importação e exportação tornaram-se mais demorados.

Com sentimento de culpa por não ter tido um impulso maior para empreender em outros mercados, em diferentes tipos de produtos – panorama que já se manifestava na análise estratégica de riscos, realizada trimestralmente -, Paco percebeu que poderia ter dedicado mais tempo para mudar essa condição, pois provavelmente estaria hoje em melhor posição.

Em tempos anteriores à pandemia, Paco vinha tentando expandir os insumos da cadeia automotiva para o mercado fora da América do Sul, apesar das restrições da conjuntura econômica. Na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o produto chinês costuma pagar um imposto de importação mais caro. Dessa maneira, abriu-se uma janela para competir no mercado americano, melhorando a competitividade da Compuestos S.A.

Uma ação pontual e alternativa para enfrentar os tempos de pandemia foi o destino de parte dos insumos para empresas que confeccionam jalecos utilizados por profissionais da linha hospitalar da área da saúde, na província de Buenos Aires. Entretanto, tal ação não salvaria o negócio, porque o mais importante é o volume dos insumos da cadeia automotiva. À medida que cuidava dos negócios, Paco acompanhava a saúde dos seus funcionários, inclusive sendo integrante do comitê de crise da prefeitura da província de Buenos Aires. Sua única felicidade certa era o alívio em saber que todos os seus funcionários e suas respectivas famílias estavam bem, e que ninguém apresentou sintomas da Covid-19. Uma vez por semana, Paco reunia-se com o prefeito, o secretário da saúde e o secretário da segurança para ter notícias sobre o que acontecia na província em que residiam os funcionários da Compuestos S.A.

Paco não descartava nova reestruturação na empresa, pois entendia que aquela condição só resistiria até o final do mês de junho:

“O governo da Argentina anunciou benefícios e ajuda aos empresários, porém nada disso ocorreu ainda. Uma das ajudas foi a isenção dos encargos sociais que incidem sobre os salários dos funcionários. Depois disso, o governo anunciou que iria pagar 50% dos salários dos funcionários de empresas que tiveram queda nas vendas. Podemos demonstrar nossa queda nas vendas, mas o dinheiro ainda não apareceu. Se o governo cumprir com os 50% dos salários dos funcionários, posso dobrar meu tempo de fôlego. Mas é uma incógnita”

Paco vive uma ansiedade por dias com melhores vendas, desejando alcançar o nível anterior ao surgimento da Covid-19, podendo preparar a Compuestos S.A. para receber seus funcionários de volta, com protocolos de saúde, higienização, com equipamentos de proteção individual, reformulações na circulação e na ocupação do refeitório e no uso dos vestiários. Quando puder retomar a produção, pessoas dos grupos de risco e aqueles que podem trabalhar em expediente remoto não voltarão para a empresa, pois a ameaça de contágio deve ser mitigada. Enfim, readequações necessárias, mesmo sem a previsão a respeito de quando a cadeia automotiva terá forças para promover o fulgor no Sol de Maio. Pensando na sobrevivência e no futuro da empresa, o que Paco pode fazer para enfrentar a crise resultante da Covid-19? O Sol de Maio ajudará?

Notas de ensino

Objetivos de aprendizagem

Este caso foi elaborado para entendimento e aplicação das teorias sobre avaliação de cenários, tomada de decisões financeiras e não-financeiras e finanças comportamentais, tendo como panorama a crise originada a partir da pandemia Covid-19. Propõe-se evidenciar, aos alunos, situações que contemplem administrar uma empresa em momentos de crise no que diz respeito à avaliação de diferentes cenários possíveis e seus efeitos nas finanças empresariais, bem como avaliar o planejamento estratégico da empresa em momentos conturbados, além de avaliar o comportamento e a forma pela qual o gestor toma decisões em situações adversas, em especial durante uma crise sanitária. O caso é indicado para cursos de graduação e pós-graduação em Administração e Ciências Contábeis, para temas como tomada de decisão, planejamento estratégico, mudança organizacional e enfrentamento de crise.

Obtenção dos dados

A narrativa do caso foi construída a partir de dados obtidos por meio de entrevista junto ao sócio majoritário da empresa, denominado Paco. Portanto, trata-se de caso real, sendo que os nomes da empresa e do empresário foram substituídos por nomes fictícios, atendendo solicitação do entrevistado, e o nome da cidade argentina foi omitido. O nome assumido para o empresário, neste texto, foi Paco, e a empresa foi denominada de Compuestos S.A. A entrevista foi realizada no dia 30 de maio de 2020, por videoconferência, com duração de 2 horas e 15 minutos.

Questões para discussão em sala de aula

1. Discorra sobre o processo de tomada de decisão, abordando os estilos centralizado e descentralizado, levando em conta o cenário de crise sanitária.

2. Levando em conta os fatores determinantes no processo decisório de Schneider e Meyer (1991), relacione e explique as três categorias de fatores que influenciam o processo decisório no caso da empresa Compuestos S.A.

3. Em relação aos fatores que influenciam a tomada de decisão, como aplicar o modelo de Papadakis, Lioukas e Chambers (1998), para enfrentamento da crise que se apresenta à gestão da Compuestos S.A.?

4. Além dos tipos de decisões apontados na questão 2, é possível identificar outros tipos no caso apresentado? Se positivo, relacione-os com a teoria proposta.

5. De que forma a estratégia de diversificação pode se apresentar como caminho para recuperação da empresa Compuestos S.A.?

Análise do caso a partir da teoria

A literatura tem evidenciado que a tomada de decisão sob risco é complexa, pois, no âmbito empresarial, envolve uma série de fatores que dificultam a leitura precisa do cenário para o qual se deseja que a decisão seja tomada a fim de maximizar o valor da empresa (Ardalan, 2017). Alguns desses fatores são dados imprecisos, múltiplos critérios, objetivos conflitantes etc. (Marins, Souza, & Barros, 2009), sendo necessário, às vezes, recorrer a explicações que se afastam das decisões racionais (Gomes & Valle, 2020).

Nesse sentido, conforme alerta Pettigrew (1990), é necessário entender a natureza da decisão, pois os gestores entendem os fatores externos e internos de forma diferente, seja atuando em diversas organizações, como também atuando na mesma organização. No mesmo contexto, vale destacar a pesquisa de Solani (2018), que aponta fatores internos e externos que influenciam a tomada de decisão no transporte de açúcar a granel (para exportação), evidenciando um entendimento muito específico sobre a realidade do setor ligado ao transporte do mencionado produto. Essa divergência da compreensão do mercado ocorre principalmente durante crises e no surgimento de oportunidades de mercado (Krueger Jr., 2007) e que, em um contexto de competitividade, requer decisões rápidas e assertivas (Hough & White 2003).

As crises empresariais geradas por eventos ambientais, que fogem do controle organizacional, exercem influência no desempenho empresarial e na percepção e interpretação do gestor (Schneider & Meyer, 1991). A incerteza no ambiente pode ter origem na falta de informações sobre uma determinada situação empresarial e na dinamicidade do ambiente para tentativa de previsão de fatores externos, além do respectivo impacto nas operações organizacionais (Miranda, Santos Jr., & Dias, 2016) e no desempenho (Atinc & Ocal, 2014, Lueg & Borisov 2014). Em épocas de crise (interna ou externa), o entendimento da mesma é baseado no valor percebido da probabilidade de perda, do valor da perda, da extensão da pressão do tempo (Billingns, Milburn, & Schaalman 1980), além de ganhos potenciais, controláveis e incontroláveis (Dutton & Jackson 1987).

Sendo assim, a interpretação da crise pode criar diversos processos de tomadas de decisões (Nutt 1984), bem como diversos comportamentos do gestor como resultado do enfrentamento da crise (Fernández-Souto, Vasquez-Gestal, & Puentes-Rivera, 2020). Nesse contexto, Staw, Sandelands e Dutton (1981) afirmam que uma situação em que a organização se encontra em crise (ou sob ameaça), existe tendência à concentração na tomada de decisões, restrição e controle sobre o fluxo de informações.

O caso da empresa Compuestos S.A. apresenta decisões tomadas durante a crise da Covid-19, relacionadas aos aspectos conceituais apresentados nos parágrafos anteriores. Antes da crise sanitária, no que se refere à tomada de decisão de aproveitamento de oportunidade no mercado, Paco decidiu adquirir a empresa no ano de 2014. A decisão foi baseada na percepção de que havia um mercado a ser melhor explorado na América Latina, com a ideia de atribuir aos produtos preços mais competitivos, tal qual defendem Hough e White (2003) e Barros e Romão Jr. (2019), quando discutem tomada de decisões rápidas e assertivas, para aproveitamento das oportunidades que o mercado oferece. Vale a menção de dois trechos da entrevista junto a Paco:

“...a proposta que eu apresentei era uma proposta que atendia ao objetivo do dono, que era sair da Argentina antes de 2014. E ainda sem custo, porque a única condição que apresentei para a compra da empresa foi que eles não deixassem dívida financeira” (entrevista com Paco)

“A empresa tinha empréstimos que haviam sido garantidos por eles, pela Casa Central na região da EMEA, com bancos internacionais, e isso eles tinham que honrar, não dava para eles saírem sem pagar a dívida financeira. E, para mim, não ia ser possível adquirir a empresa com essa dívida financeira. Mas, tirando isso, dívida comercial, dívida trabalhista, tudo isso ficou, ficou comigo, né? Os ativos também ficaram comigo, mas os passivos também ficaram, só os passivos financeiros que eles tiraram antes da compra da empresa” (entrevista com Paco)

A negociação da aquisição durou quase 1 ano e, segundo palavras do próprio Paco, com períodos de tensão. Tal decisão envolvia pagamentos das dívidas contraídas com o Banco Central da região da EMEA, dívidas trabalhistas e dívidas comerciais. Os executivos da EMEA queriam fechar a empresa sem realizar os pagamentos devidos no passivo e sair do mercado argentino. Paco conseguiu negociar com os executivos da EMEA o pagamento das dívidas financeiras, sendo que tais dívidas eram em dólar. Entretanto, os passivos trabalhistas e comerciais permaneceram. Porém, o que interessava para Paco eram os ativos que a empresa possuía, pois, de acordo com suas análises sobre os ativos, concluiu que poderia recuperar o investimento, desde que restassem somente os passivos trabalhistas e comerciais. Sendo assim, a aquisição foi realizada.

O empresário explica que as crises que a empresa passou, enquanto o mesmo era funcionário, sempre foram relacionadas à cultura de administração do negócio, suas estratégias. Vale ressaltar que a empresa, ao decidir instalar uma planta na Argentina, era americana, sendo posteriormente adquirida pelo grupo da região da EMEA. Paco destaca que as mudanças na cultura de trabalho e na cultura por resultados interferiam na performance do negócio, embora a empresa nunca tenha passado por crises de diminuição de receitas. O mercado sempre foi estável, sendo este fator o motivo para a decisão em adquirir o negócio junto aos executivos da EMEA.

Entretanto, o empresário afirma que a crise da Covid-19 tem impactos negativos fortes no negócio, sendo a pior crise em comparação às anteriores, pois afetam as receitas e a estrutura do negócio, sem previsão de término. Autores como Billingns, Milburn e Schaalman (1980), Nutt (1984) e Staw, Sandelands e Dutton (1981) destacam alguns aspectos próprios na gestão em tempos de crise: percepção do valor e probabilidade de perda, extensão do tempo de crise, criação de novos processos para tomada de decisões, centralização e restrição do controle e fluxo de informação.

Pela narrativa, tem-se que a empresa apresenta descentralização nas decisões referentes à compra de insumos e ao pagamento da folha salarial, ou seja, os diretores trabalham com um teto de gastos, com razoável uma autonomia. Porém, na atual crise, Paco se viu obrigado a concentrar todas as decisões de compra e pagamentos em seu poder, de modo a priorizar tais pagamentos, em busca de manter o negócio até o término da pandemia.

Assim, os processos para tomada de decisões, que antes seguiam uma rotina, foram alterados para priorizar a sobrevivência empresarial e a manutenção do emprego de profissionais qualificados. A empresa deixou de pagar as dívidas financeiras, priorizando o pagamento dos fornecedores estratégicos e, assim, propiciar recursos financeiros para o pagamento de salários. No novo cenário, todas as informações (de todos os setores da empresa), agora passam obrigatoriamente pelo crivo de Paco.

Entretanto, a influência da extensão do tempo de crise poderá comprometer ou até inviabilizar o pagamento de salários, caso o mercado continue a não reagir e, paralelamente, se o governo argentino não assumir o pagamento de 50% da folha salarial, conforme anúncio presidencial pela imprensa do país. Assim, Paco passou a assumir todas as operações de pagamento, a fim de gerir os recursos financeiros disponíveis.

“Fornecedores, compras..., tudo está parado. Só fazemos compras que são essenciais para a segurança do prédio. E, se existe uma coisa que não faço nunca, é concentrar a autorização das compras, mas agora tive que fazer. Toda compra passa por mim. Antes, nós tínhamos um sistema para autorização de compras, bem flexibilizado. Só assumia quando tinha compras acima de “X” dólares, mas agora não passa uma compra, não se manda uma ordem de compra, um pedido de compra para um fornecedor, se eu não vejo antes. A parte financeira está toda para mim. Não se paga nada que eu não veja antes... e o que a gente está fazendo é priorizar o pagamento dos nossos funcionários. Lamento, mas não posso liberar o caixa, porque não sei quanto tempo vou ter que aguentar o negócio sem vendas... e minha primeira prioridade são os salários dos meus funcionários” (entrevista com Paco)

Conforme visto anteriormente, as tomadas de decisões são influenciadas por aspectos não-financeiros e financeiros (Nobre, 2018). Neste sentido, no que se refere às decisões não-financeiras, Schneider e Meyer (1991) relacionam quatro categorias/níveis de fatores que influenciam o processo decisório: (a) características individuais; (b) dinâmicas e comportamentos em grupo; (c) contexto organizacional; e (d) fatores ambientais. Todos os quatro fatores são incluídos como determinantes no processo decisório, sendo que os fatores ambientais contemplam a cultura nacional.

Em relação às decisões individuais ou decisões em grupo, Paco relata que, antes da crise da Covid-19, as decisões eram mais descentralizadas, com cada setor sendo autônomo em suas decisões, respeitando seu limite autorizado. Tais decisões eram feitas em grupo, no respectivo setor. Entretanto, durante a crise da pandemia, as decisões passaram a ser individuais, concentradas no empresário e na sua esposa.

“Temos muitas decisões em conjunto, muitas... diria que 80%, mas tem 20% que não, mas não porque a gente não queira fazer, mas porque eu não estou envolvido na área financeira... e ela não está envolvida na área comercial, na estratégia do negócio” (entrevista com Paco)

A discussão sobre a qualidade da tomada de decisão (individual ou em grupo) tem encontrado abrigo na literatura acadêmica, especificamente no tema das finanças, com destaque para o fato de que as decisões mais relevantes da política econômica e financeira das empresas são tomadas por grupos, que são propensos a tomarem decisões mais racionais em comparação com as decisões individuais (Charness & Sutter 2012, Kugler, Kausel, & Kocher 2012, Meub & Proeger, 2016).

Embora a literatura financeira tenha evidenciado que as decisões em grupo têm por objetivo diminuir as limitações cognitivas e emocionais das decisões individuais, os trabalhos de Meub e Proeger (2016) e de Silva e Lucena (2019) alertam sobre a preocupação a respeito das heurísticas nas decisões em grupo, no contexto de pesquisas econômicas experimentais. Nesse sentido, Kugler, Kausel e Kocher (2012) levantam dúvidas sobre a eficácia da tomada de decisão em grupo, ao questionarem se estas são mais livres dos efeitos cognitivos e emocionais do que as decisões individuais.

Entretanto, as decisões em grupo apresentam-se menos tendenciosas, por conta do viés da retrospectiva (Stahlberg, Eller, Maass, & Frey, 1995) e do viés do excesso de confiança (Sniezek & Henry, 1989). Nos achados de Hinsz e Indahl (1995), referentes à ancoragem em decisões de julgamento legais, tem-se que os julgamentos legais são influenciados por âncoras, não havendo diferença sobre as influências cognitivas e emocionais nas decisões individuais.

Dentro de um contexto de negócios, não havendo incentivos monetários para decisões imparciais, os achados de Whyte e Sebenius (1997), de Silva e Lucena (2019) e de Calzadilla, Bordonado-Bermejo e González-Rodrigo (2020) mostram que as decisões em grupo podem ser tendenciosas como as decisões individuais. Para construção do argumento, os autores lançaram diversas âncoras entre os vários gestores (separados em grupos), evidenciando que, quando não há maioria entre os grupos, as decisões são tão tendenciosas quanto as decisões individuais.

No contexto da avaliação de risco, decisões em grupo e decisões individuais tomam posições opostas, ou seja, em situações com alternativas arriscadas, a tomada de decisão em grupo tende a seguir por situações mais arriscadas, ao passo que as posições individuais são mais cautelosas (Ambrus, Greiner, & Pathak, 2009).

A justificativa da escolha mais arriscada vincula-se aos valores culturais do grupo, ou seja, o grupo tomará a decisão que esteja de acordo com os valores compartilhados pelos participantes (Stoner, 1968). Outra característica das decisões tomadas em grupo diz respeito à autonomia de indivíduos dentro do grupo, além de sua capacidade limitada de atribuir responsabilidade de quem não faz parte dele (Ambrus, Greiner, & Pathak, 2009). Portanto, a tomada de decisão envolve tanto aspectos individuais dos gestores, como aspectos de tomada de decisão em grupo.

Retomando a discussão de Schneider e Meyer (1991) referente ao contexto interno da organização relatada no caso, tem-se que a empresa sempre financia seus investimentos por meio de capital próprio (iniciativa regular antes da crise pandêmica). Ao realizar a viabilidade de qualquer investimento da empresa, Paco sempre se utiliza de dados técnicos para tomada de decisão. No período da crise, os investimentos foram cessados por fatores diversos, principalmente o mercado consumidor neutralizado, ou seja, fatores ambientais que a empresa não controla no processo decisório, tal qual apontam Caldas, Tambosi Filho e Vieira (2014).

Papadakis, Lioukas e Chambers (1998) desenvolveram um modelo de fatores que influenciam o processo de tomada de decisão estratégico para o conselho de diretores e gestores (CEO’s), conforme se apresenta na figura 1.

Fatores que influenciam o processo de tomada de decisão.
Figura 1.
Fatores que influenciam o processo de tomada de decisão.
Fonte: adaptado de Papadakis, Lioukas e Chambers (1998).

O modelo evidencia que a personalidade do CEO, caracterizada pela propensão ao risco e pelo nível de educação do gestor, influencia a tomada de decisão. No que se refere ao conselho de diretores, o modelo mostra que o nível de educação e a filosofia agressiva dos membros influenciam o processo de tomada de decisão. De acordo com a proposta dos autores, o ambiente externo caracteriza-se por ser heterogêneo, dinâmico e hostil; o ambiente interno, por sua vez, contempla as características internas da empresa, desempenho empresarial, controle corporativo, tipo de propriedade e tamanho da empresa.

Ainda que o caso relatado se refira a uma empresa de capital fechado (com estrutura diferente do que se vê na figura 1), é possível identificar a propensão ao risco, o nível de educação do gestor e a necessidade de conquista na tomada de decisão. Paco possui graduação em engenharia e especialização em gestão, sendo que tal formação lhe permite tomar decisões mais embasadas em dados técnicos, que lhe indiquem viabilidade econômico-financeira. Tal panorama lhe permite concentrar em si mesmo a tomada de decisão, durante o período de crise:

“... sou engenheiro, fiz um MBA, gosto de, antes de fazer um investimento, ter os números todos, com premissas, mas tendo a minimizar as premissas que atrapalhem o investimento” (entrevista com Paco)

Em relação à propensão ao risco, o referido empresário tende a assumir mais riscos nos investimentos, pelo fato de ser dono do negócio (postura diferente do período em que era funcionário da empresa). No cenário de incertezas que a crise trouxe, com estagnação do mercado e pessimismo econômico, Paco assume que o momento é para iniciativas mais ousadas:

“...sim, estou pensando se o investimento vai dar certo. Tenho essa tendência, não vou mentir. Tenho essa tendência de assumir mais riscos do que assumiria se fosse um empregado” (entrevista com Paco)

A tomada de decisão pode ser influenciada por fatores externos, tal qual aponta Nobre (2018). Assim, no caso em questão, em função da situação da crise sanitária, o governo argentino anunciou vários benefícios aos empresários locais, entre os quais se identifica o custeamento de 50% da folha de pagamento e encargos sociais, embora Paco tenha ciência de que (ainda) não se trata de iniciativa oficial. Desta forma, a posição de risco da empresa aumenta, e Paco entende que precisa de “um fôlego financeiro”, até que o mercado volte a funcionar normalmente. Assim, o empresário avalia a possibilidade de reestruturar a empresa, caso não tenha os benefícios prometidos pelo estado argentino:

“Então, não descarto ter que fazer alguma reestruturação no negócio, mas por enquanto, estou tentando resistir e aguentar com a estrutura de negócio que a gente tem” (entrevista com Paco)

Em momentos de crise, empresas tendem a repensar seus negócios, sendo a diversificação uma das saídas para melhorar o posicionamento no mercado, o desempenho operacional e a rentabilidade. No caso da empresa Compuestos S.A., a crise da Covid-19 forçou Paco a repensar o negócio para diversificar sua linha de produtos, bem como o mercado consumidor. Ramanujam e Varadarajan (1989) destacam que a diversificação de produtos e de mercado consumidor afeta positivamente o desempenho operacional e financeiro do negócio, entretanto, no caso específico, estaria ligado a uma questão de sobrevivência ante a pandemia.

Vale ressaltar que o modelo de diversificação apontado por Paco, caracteriza-se como diversificação concêntrica, ou seja, há uma relação forte entre a base produtiva e comercial anterior com a nova base, isto é, o novo produto e o novo mercado ainda guardarão relacionamento com a linha original de produção, bem como sua comercialização. A diversificação se apresenta como alternativa para enfrentamento da crise da pandemia, como também para eventuais futuras crises.

Fechamento

Em maio de 2020, a empresa recebeu do governo argentino as diretrizes sobre os protocolos de funcionamento, linhas para financiamento da produção, pagamento parcial da folha salarial e adiamento do pagamento de tributos. As diretrizes cumprem então papel crucial no dilema de Paco: demitir funcionários? Fechar a empresa?

O pacote lançado pelo governo argentino para enfrentamento da Covid-19 tem o nome de “Assistência a Setores Afetados pela Pandemia – ASAP”, elaborado para ajudar diversos setores e agentes econômicos. Na figura 2, tem-se a representação gráfica da iniciativa governamental.

Pacote econômico do governo argentino (Covid-19).
Figura 2.
Pacote econômico do governo argentino (Covid-19).
Fonte: Boletín Oficial de La Republica Argentina (2020).

No pacote oferecido pelo governo argentino, levando em conta o caso da empresa de Paco, destacam-se os seguintes itens: Programa de Preservação do Trabalho, Programa de Assistência Tributária de Emergência e o programa desenvolvido pelo Ministério de Produção, Ciência e Inovação Tecnológica, sendo este último composto por três medidas de grande impacto na Compuestos S.A. O programa prevê adiamento ou redução de 95% do pagamento de contribuições patronais ou seguridade social, alocação compensatória ao salário (em torno de 50%) para empresas que possuem entre 61 e 100 empregados e assistência emergencial à saúde do trabalhador sem custos para a empresa.

Outra iniciativa do Ministério da Produção, Ciência e Inovação Tecnológica foi o lançamento de linhas de crédito para financiamento da infraestrutura em parques industriais, no valor de USD$ 2.800.000,00, além de uma linha de crédito exclusiva para capital de giro, contemplando USD$ 320.000.000,00. À primeira vista, Paco entende que sua empresa pode obter fôlego financeiro para suportar a pressão no período da pandemia.

Tem-se, portanto, um conjunto de iniciativas governamentais, viabilizando principalmente o pagamento da folha salarial (uma das principais preocupações de Paco), ao mesmo tempo em que se apresenta um cenário de incertezas como nunca se testemunhou. A Compuestos S.A. é parte da identidade de Paco, de modo que sua venda não é algo cogitado para enfrentamento da crise, além de se tratar de negócio rentável. Assim, novas iniciativas são necessárias, de modo que o espírito empreendedor de Paco é demandado mais do que nunca: expansão de novos mercados, reestruturação do custo fixo, com redução de pessoal e diversificação de produtos. Eis as cartas na mesa.

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