SÍNDROME DA ABELHA RAINHA? UMA COMPARAÇÃO AO AVANÇO DE CARREIRA ENTRE MULHERES SENIORES E JUNIORES

Bruno Felix
Fucape Business School, Brasil
Rozélia Laurett
Fucape Business School, Brasil
Mary Correia Moreira Kalume
Fucape Business School, Brasil

SÍNDROME DA ABELHA RAINHA? UMA COMPARAÇÃO AO AVANÇO DE CARREIRA ENTRE MULHERES SENIORES E JUNIORES

Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, vol. 15, núm. 4, pp. 119-131, 2021

Universidade Federal Fluminense

Recepción: 31 Agosto 2021

Aprobación: 21 Noviembre 2021

Resumo: O objetivo foi comparar as expectativas que mulheres seniores e juniores possuem umas das outras no que se refere ao comportamento de assistência, ao engajamento e as motivações de mulheres seniores para ajudar mulheres juniores a progredirem na carreira. Utilizou-se o Teste t e MANOVA. Com relação ao comportamento de assistência, as mulheres juniores avaliaram que as mulheres seniores as ajudam menos do que poderiam ajudar; no engajamento com a carreira, as mulheres seniores consideram que as mulheres juniores deveriam se empenhar mais nesse processo; quanto as motivações de ajuda, constatou-se que as mulheres seniores se consideram com níveis mais baixos de autopromoção, e níveis mais altos de motivação pelo benefício a outros e satisfação intrínseca do que as mulheres juniores as consideram.

Palavras-chave: Carreira, Mulheres, Gênero, Síndrome da Abelha Rainha.

Abstract: The aims were to compare the expectations that senior and junior women have of each other regarding to the assistance behavior, the engagement and the motivations of senior women to help junior women progress careers. Were used the t-test and MANOVA. In relation to assistance behavior, junior women assessed those senior women help them less than they could help; to career engagement, senior women consider that junior women should be more involved in this process; the motivations for help, it was noticed that senior women consider themselves with lower levels of self-promotion, and higher levels of motivation for the benefit of others and intrinsic satisfaction than junior women consider themselves.

Keywords: Career, Women, Gender, Queen Bee Syndrome.

Introdução

O debate sobre o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho está presente na literatura sobre desenvolvimento de carreira (Hoobler, Lemmon & Wayne, 2014; Gangai & Agrawal, 2019). No entanto, apesar do crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, ainda se nota uma sub-representatividade de mulheres em posições hierárquicas superiores (Mazei, Mertes & Hüffmeier, 2020). Essa dificuldade encontrada por mulheres para a ascensão na carreira é frequentemente atribuída a barreiras estruturais que homens em fases iniciais de carreira não vivenciam com a mesma intensidade (Francis, 2017). Tais barreiras frequentemente são apontadas como um reflexo de uma falta de interesse de homens seniores em oferecerem oportunidades igualitárias de crescimento profissional às mulheres (Mansfield, Lave, McSweeney, Bonds, Cookburn, & Domosh, 2019).

Diante disso, pesquisadores têm buscado oferecer uma compreensão a respeito dos fatores que inibem o avanço na carreira feminina, dentre eles: a criação de uma narrativa que tende a associar liderança a atributos masculinos (Burton & Weiner, 2016), limite de apoio para a conciliação do trabalho e maternidade (Bowles, Thomason & Bear, 2019), assédio moral (Pololi, Brennan, Civian, Shea, Brennan-Wydra, & Evans, 2020) e sexual (Jagsi, Griffith, Jones, Perumalswami, Ubel, & Stewart, 2016).

No entanto, outros estudos têm adotado a teoria da abelha rainha (Staines, Tavris & Jayaratne, 1974) para discutir os efeitos dos comportamentos de mulheres entre si como fonte de criação de barreiras para o avanço de carreira feminina (Derks, Van Laar & Ellemers, 2016; Sterk, Meeussen & Van Laar, 2018). Segundo essa teoria, algumas mulheres que lograram alcançar posições mais elevadas na carreira adotam um comportamento de criação de dificuldades para que outras consigam os mesmos resultados (Derks et al., 2016). Essas profissionais tendem a gozar de uma posição privilegiada em relação a outras mulheres (Derks, Ellemers, Van Laar & De Groot, 2011) e sua ascensão poderia ser usada como justificativa organizacional para silenciar mulheres que reclamassem da falta de oportunidade de crescimento profissional (Cho, You, Kim, Han, Kim & Yoon, 2018).

Apesar das contribuições desses estudos, nota-se a existência de lacunas de pesquisa. Primeiro, é preciso compreender melhor as barreiras ao avanço de carreira feminina, não apenas como uma estrutura originada no comportamento masculino, mas também feminino (Derks et al., 2016). Segundo, faz-se necessário realizar estudos que não avaliam apenas as perspectivas de mulheres juniores a respeito da existência da falta de oportunidades para o avanço de suas carreiras, mas também estabelecer um parâmetro de comparação com as expectativas de mulheres seniores e juniores (O’Neil, Brooks & Hopkins, 2018), dado que, a teoria da abelha rainha se baseia em uma díade relacional entre mulheres juniores e seniores (Sterk et al., 2018; Abalkail, 2020). Assim, realizar pesquisas somente a partir da perspectiva de um desses grupos (juniores ou seniores) tende a não abranger o fenômeno da teoria da abelha rainha por completo (Korabik & Abbondanza, 2004; O’Neil et al., 2018).

Para preencher tais lacunas, este estudo teve como objetivo comparar as expectativas que mulheres seniores e juniores possuem umas das outras no que se refere: (I) ao comportamento de assistência a ser adotado por mulheres seniores; (II) ao engajamento de mulheres juniores em suas próprias carreiras e; (III) às motivações de mulheres seniores para ajudar mulheres juniores a progredirem na carreira. Este objetivo foi desenvolvido tendo como base a pesquisa de O’Neil et al. (2018). Assim, argumenta-se que, ainda que haja evidências de que mulheres em posições juniores de carreira não recebam o devido suporte de homens no tocante ao avanço de sua carreira, a falta de atendimento das expectativas dessas mulheres não se deve exclusivamente a uma questão de gênero, mas também existem expectativas não atendidas em termos de suporte vindos de mulheres seniores. Assim, propõe-se que a falta de apoio para ascensão da carreira, não está ligado somente a questão do gênero, mas também a posição de poder que indivíduos têm sobre outros grupos sociais.

Este estudo contribui para a literatura sobre progressão na carreira feminina ao avançar as pesquisas sobre as relações diádicas mulher-mulher. Assim, possibilita-se um melhor entendimento a respeito dos impactos das ações e interpretações de mulheres em posições de alto nível hierárquico na carreira das que iniciam suas jornadas profissionais e, por consequência, no fenômeno da equidade de gênero em carreiras (Powell & Butterfield, 2015). Ao avaliar as percepções das relações de mulheres para mulheres, o estudo apresentou ideias que podem levar as mulheres a um aprimoramento de tais relações, e ainda fornecer para as empresas informações sobre a necessidade de prover políticas e programas facilitadores do avanço da carreira feminina, independentemente da posição hierárquica ou gênero.

Revisão de Literatura

Relações de Trabalho entre Mulheres e a Síndrome da Abelha Rainha

Segundo Jogulu e Vijayasingham (2015), ainda são poucos os estudos que se dedicam a pesquisar as relações de trabalho entre mulheres. Tais estudos enquadram-se em dois temas centrais: os que se debruçam sobre sororidade/solidariedade entre mulheres e os que se fundamentam na noção da existência de uma síndrome da abelha rainha. Enquanto, a primeira corrente de estudos se dedica a explorar como mulheres se apoiam mutuamente para romper barreiras a seu crescimento de carreira (Korabik & Abbondanza, 2004; Mavin, 2008; Pruchniewska, 2019), a segunda trata das barreiras criadas pelas próprias mulheres e que impedem o progresso de carreira de outras mulheres (Staines et al., 1974; Derks et al., 2016).

Na corrente de estudos sobre sororidade/solidariedade, há o pressuposto de que mulheres se apoiam mutuamente em avanços de carreira em decorrência de uma identificação em razão do gênero (Korabik & Abbondanza, 2004). Assim, mulheres seniores apoiariam mulheres juniores e colaborariam para estas crescerem profissionalmente (Mavin, 2008). Por exemplo, por meio da criação de grupos de suporte profissional e desenvolvimento de carreira (Pruchniewska, 2019). Assim, as mulheres que possuem uma motivação pró-social e uma identidade associada a causas feministas procuram reduzir as desvantagens históricas que enfrentam por meio de apoio mútuo, frequentemente apontado como existente entre homens (Korabik & Abbondanza, 2004). Este fenômeno seria ainda mais relevante, se tal comportamento partisse de mulheres seniores, dado que estas já superaram determinadas barreiras à ascendência profissional (O’Neil et al., 2018).

Desta maneira, ainda na corrente teórica de sororidade/solidariedade, Sealy (2010) identificou que mulheres acreditam que outras deveriam fornecer apoio mútuo para superar barreiras para o avanço de suas carreiras. Já Duguid (2011) reforçou que indivíduos tendem a apoiar o avanço profissional de outros indivíduos com os quais se identificam, e tal fenômeno também se aplica as mulheres. Isso está fundamentado na abordagem teórica da similaridade-atração (Moreno & Flowerday, 2006; Wells & Aicher, 2013). Por fim, Rindfleish (2000) identificou que a maior parte das mulheres que compuseram o seu estudo, acreditam que as mulheres estão predispostas a apoiar umas às outras no processo de ascensão de carreira a fim de corrigir injustiças sociais.

Entretanto, essa não é a única lente para a análise de como mulheres lidam umas com as outras em termos de comportamentos para o progresso profissional (Mavin, 2008). Desde a recente ascensão feminina no mercado de trabalho, muitos pesquisadores têm partido do pressuposto de que comportamentos os quais atrapalham as mulheres alcançarem posições superiores e melhores remunerações são adotados por homens (Duguid, 2011; Ramos & Felix, 2019). No entanto, alguns pesquisadores têm contestado essa tese ao dizerem que mulheres as quais obtêm sucesso em ambientes dominados por homens também podem ter um papel fundamental nesse processo discriminatório (Derks et al., 2016). Ainda que hajam evidências de comportamentos de suporte de mulheres para mulheres no desenvolvimento de carreiras, alguns estudos têm mostrado que mulheres em posições de poder frequentemente se opõem à ascendência de suas subordinadas (O’Neil et al., 2018; Sarwar & Imran, 2019). Trata-se de um fenômeno teorizado como a ‘síndrome da abelha rainha’ (Staines et al., 1974).

As evidências indicam que mulheres tendem a ser mais críticas do que homens em relação ao grau de comprometimento, assertividade e capacidade de liderança de outras mulheres (Mavin, 2008; Derks et al., 2016). Estas mulheres, por terem enfrentado resistência e empregado elevado esforço para galgar as posições que alcançaram, tenderiam a ver outras como pessoas que se vitimizam diante das barreiras para o crescimento profissional feminino (Ellemers, Van den Heuvel, De Gilder, Maass, & Bonvini, 2004). Outro fator que pode levar a esse comportamento é o receio de ser estigmatizada por homens como uma profissional que não adota adequadamente princípios de meritocracia e que busca favorecer o subgrupo das mulheres (Staines et al., 1974).

De forma geral, o viés de gênero expresso por mulheres provê uma legitimização por parte de mulheres para a posição de desvantagem que elas próprias vivenciam em suas carreiras (O’Neil et al., 2018). Ao se tornarem ‘abelhas rainhas’, mulheres bem-sucedidas estariam obstruindo o progresso da carreira das que ainda não o fizeram (Staines et al., 1974). Por outro lado, há estudos que contestam o fenômeno da Síndrome da Abelha Rainha ao apontarem dois vieses de julgamento que se fariam presentes nesta análise (Derks et al., 2011; Cooper, 1997; Cowan, Neighbors, DeLaMoreaux, & Behnke, 1998). Primeiro, as expectativas para a adoção de comportamentos de ajuda a mulheres são maiores em relação a mulheres bem-sucedidas do que para homens bem-sucedidos (Derks et al., 2011). Segundo, mulheres que buscam competir por posições superiores na hierarquia organizacional são vistas como mais hostis e arrogantes do que homens com o mesmo objetivo (Cooper, 1997; Cowan et al., 1998). Assim, conforme esses argumentos, a constatação da existência de comportamentos de apoio insuficientes por parte de mulheres seniores para mulheres juniores também seria encontrada em homens seniores, o que tornaria o fenômeno humano, e não de gênero (Derks et al., 2011).

Neste trabalho, delineou-se o interesse por estudar as expectativas e comportamentos mútuos de mulheres seniores e juniores. Mais especificamente, enfatizaram-se os conceitos de comportamento de assistência à carreira, comportamento de progressão de carreira e motivações nas relações entre mulheres, os quais são detalhados a seguir.

Comportamentos de Assistência à Carreira

Nas últimas três décadas, estudos vem analisando o papel da mentoria e outros comportamentos de assistência à carreira na trajetória profissional de indivíduos (Orpen, 1995; Richard, Taylor, Barnett, & Nesbit, 2002; Diller & Kenneth, 2020). No que se refere a questões específicas de gênero, os achados têm sugerido que mulheres tendem a preferir ser apoiadas por homens do que por mulheres (Bevelander & Page, 2011), pois interpretam que mulheres seniores oferecem um apoio insatisfatório (O’Neil et al., 2018) e que as redes de contato de mentores homens tendem a ser mais úteis que as de mentoras (Chow & Ng, 2007). Além disso, há evidências de que o processo de orientação e assistência à carreira conduzida por homens tende a ser avaliado pelas mulheres como mais satisfatório do que o que é feito por mentoras (Ramaswami, Dreher, Bretz & Wiethoff, 2010).

Uma possível explicação para essa resistência comumente encontrada por mulheres no que concerne ao apoio recebido por mulheres seniores seria uma desconfiança de que, motivadas por um intento de dificultar a ascendência de mulheres mais jovens, as mais experientes não se dedicariam tanto no processo de mentorá-las (Mavin, 2008; Derks et al., 2016). Contrariamente, há evidências de que, fundamentadas em um viés de posição, mulheres seniores não se enxerguem desta mesma forma e se vejam como mais contributivas do que as mulheres juniores as veem (O’Neil et al., 2018). Assim, sugere-se que:

H1: Os julgamentos das mulheres juniores a respeito do grau em que mulheres seniores se envolvem em comportamentos de assistência à carreira são significativamente inferiores aos julgamentos das mulheres juniores acerca do grau em que mulheres seniores deveriam se envolver em comportamentos de assistência à carreira.

H2: Mulheres seniores julgam-se com níveis mais altos em relação ao grau em que adotam comportamentos de assistência à carreira a mulheres juniores do que as mulheres juniores julgam mulheres seniores.

Comportamentos de Progressão da Carreira

Além de focar no apoio de mulheres seniores a mulheres juniores, a literatura sobre carreiras também se dedica a explorar a adoção de comportamentos de progressão da carreira por profissionais juniores (O’Neil et al., 2018). Tendo influência da psicologia positiva, a ideia de que cabe ao indivíduo adotar comportamentos responsáveis e proativos que os conduzam à construção de uma carreira satisfatória ganhou ampla adesão (Chen, 2006). Assim, essa literatura posiciona o indivíduo como ativo no processo da construção da realidade que o cerca e destaca a proatividade como um elemento essencial nesse processo (Felix, Mello, & Von Borell, 2018).

Especificamente na dimensão do gênero, resultados de pesquisas anteriores têm indicado uma percepção por parte de mulheres seniores de que mulheres em fases iniciais de carreira não se engajariam de forma tão intensa quanto deveriam para que alcançassem o avanço de carreira esperado (Derks et al., 2011; O’Neil et al., 2018). Além disso, há indícios de que mulheres seniores interpretam que as mulheres juniores acreditam que seu próprio esforço seria suficiente para que a sua ascensão de carreira acontecesse (Ramaswami et al., 2010), enquanto as juniores discordam desse entendimento. Desta forma, apresentam-se as seguintes hipóteses:

H3: Os julgamentos das mulheres seniores quanto ao grau em que as mulheres juniores se envolvem em comportamentos de progressão na carreira são significativamente inferiores aos julgamentos que mulheres seniores fazem a respeito do grau em que as juniores deveriam se envolver em comportamentos de progressão na carreira.

H4: Mulheres juniores julgam-se com níveis mais altos em relação ao grau em que se engajam em comportamentos de progressão de carreira do que as seniores julgam mulheres juniores.

Motivações das Mulheres Seniores

Um dos fatores que podem ajudar a elucidar a relação entre mulheres seniores e juniores é a possível diferença de percepção com relação à motivação das seniores para apoiarem as juniores (O’Neil et al., 2018). Comportamentos de ajuda motivados por fatores considerados egoístas tendem a ser vistos como menos dignos de apreciação e reconhecimento (Rioux & Penner, 2001). Assim, faz-se necessário analisar como mulheres seniores e juniores interpretam as motivações das mulheres mais experientes quando estas apoiam as mulheres em cargos inferiores. Mais especificamente, analisam-se aqui três motivações de ajuda específicas, conforme destacadas por Allen (2003): por autopromoção (foco em melhorar a própria imagem), pelo benefício a outros (foco no interesse genuíno altruísta) e por satisfação intrínseca (foco em um prazer pessoal por contribuir para a transformação de um problema).

Segundo Miller e Ratner (1998) e Epley e Dunning (2000) existe um viés de autopromoção em grande parte das situações nas quais indivíduos se engajam em comportamentos de ajuda. Tais achados ressaltam que indivíduos ajudados tendem a superestimar a existência de motivações egoístas do ajudador, enquanto os que oferecem o suporte tendem a subestimar a existência de seus motivos egocêntricos (O’Neil et al., 2018). Assim, em linha com as evidências apresentadas sobre vieses posicionais de percepção sobre motivações por autopromoção, altruísmo e pela natureza da satisfação de quem ajuda, sugere-se que mulheres juniores e seniores divergem em como percebem os motivos das seniores. Mais notadamente, argumenta-se que:

H5a: Mulheres seniores consideram-se com níveis mais baixos em termos de motivação por autopromoção do que as mulheres juniores as consideram.

H5b: Mulheres seniores consideram-se com níveis mais altos em termos de motivação pelo benefício a outros do que as mulheres juniores as consideram.

H5c: Mulheres seniores consideram-se com níveis mais altos em termos de motivação por satisfação intrínseca do que as mulheres juniores as consideram.

Procedimentos Metodológicos

Nesta pesquisa, comparam-se as percepções que mulheres juniores e seniores possuem umas das outras. Para tal, foi utilizada uma pesquisa quantitativa, descritiva, com coleta de dados primários, com corte transversal e utilização de amostragem não probabilística e intencional. O público-alvo da pesquisa foi constituído por mulheres seniores e juniores que estavam atuando em empresas de diferentes segmentos e setores. Estabeleceu-se como definição de mulher em posição ‘sênior’, aquelas que estão em posições de gerência ou superior; e mulheres ‘juniores’ as que ocupam cargos inferiores aos de gerência (supervisores, analistas e etc). Desta forma, buscou-se superar a limitação do uso de amostras setorizadas, restrito ao segmento de advogados (O’Neil et al., 2018).

O questionário da pesquisa foi desenvolvido na plataforma google forms. Para a realização da coleta de dados o link do google forms foi enviado, por e-mail, para 572 mulheres estudantes e ex-estudantes de Pós-graduação, da área de negócios, de duas instituições de ensino superior privadas, uma localizada no Sudeste e outra no Nordeste do Brasil. A escolha por uma amostra de diferentes regiões do país teve como objetivo proporcionar uma visão mais plural a respeito do fenômeno no contexto brasileiro. Já a opção por estudantes e ex-estudantes de cursos de Pós-graduação na área de negócios possibilitou o acesso a uma amostra qualificada e atuante em diferentes níveis hierárquicos, critério este essencial para a realização desta pesquisa.

No questionário, na parte inicial, as respondentes foram convidadas a lerem um termo de consentimento e participação, no qual também foi informado sobre o anonimato da pesquisa. Após a leitura deste texto inicial, as participantes eram direcionadas a uma pergunta de controle sobre seu nível hierárquico, se era sênior ou junior. Após escolher uma destas opções, a respondente era direcionada ao questionário destinado ao grupo no qual se enquadrava (sênior ou junior). Em ambos os questionários, as perguntas foram as mesmas, apenas com algumas adaptações para que o questionário fizesse sentido quando aplicado a ambos os grupos. Por exemplo, a afirmativa ‘Ajudam as mulheres juniores a alcançar as posições que almejam’, que consta no instrumento aplicado a mulheres seniores, foi adaptada para ‘Nos ajudam a alcançar as posições que almejam’ no questionário apresentado às mulheres juniores. Ambos os grupos responderam ao questionário de maneira independente, sem o conhecimento de que o estudo se destinava a comparar as percepções de mulheres juniores e seniores.

Na sequência, foram utilizados construtos para mensurar os comportamentos de assistência à carreira, comportamentos de progressão de carreira e de motivações de ajuda (autopromoção, pelo benefício a outros e satisfação intrínseca). Para mensurar o comportamento de assistência à carreira foi utilizado o Instrumento de Papel do Mentor (Mentor Role Instrument – MRI) (Ragins & McFarlin, 1990), seguindo as adaptações realizadas por O’Neil et al. (2018). Embora esse instrumento original tenha sido desenvolvido dentro do contexto de mentorias, os significados contidos nas assertivas estão alinhados com os do propósito desta pesquisa. Enquanto as participantes seniores avaliaram o grau em que as mulheres seniores adotam (real) esses comportamentos, as juniores avaliaram o quanto as seniores os adotam (real) e os deveriam adotar (ideal). O instrumento foi composto por 24 itens, e as opções de resposta foram dispostas em uma escala Likert de 5 pontos e variaram de ‘Não apresentam esse comportamento’ (1) a ‘Apresentam claramente esse comportamento’ (5). Exemplos de itens de mensuração desse construto incluíram: ‘Buscam alcançar metas que são importantes para elas’, ‘Possuem um desenho genuíno e buscam avançar na carreira’ e ‘Se envolvem em comportamentos proativos’.

O construto de progressão de carreira foi composto por 15 itens, e desenvolvido por O’Neil et al. (2018) a partir de estudos anteriores sobre estratégias de avanço de carreira (Baumgartner & Schneider, 2010; Ragins, Townsend & Mattis, 1998). Enquanto as participantes juniores avaliaram o grau em que elas próprias adotam (real) esses comportamentos, as mulheres seniores avaliaram o quanto as juniores os adotam (real) e os deveriam adotar (ideal). As opções de resposta estão dispostas em uma escala Likert de 5 pontos e variaram de: ‘Não apresentam esse comportamento’ (1) até ‘Apresentam claramente esse comportamento’ (5). São exemplos de itens de mensuração desse construto: ‘Ajudam as mulheres juniores a alcançar as posições que almejam’, ‘Usam sua influência para apoiar o avanço na carreira de mulheres juniores’ e ‘Sugerem estratégias específicas para que mulheres juniores possam crescer na carreira’.

O construto que trata das motivações de ajuda para a adoção de comportamentos de assistência à carreira foi mensurado por meio 11 itens, proposto por Allen (2003). Este construto é composto por três motivos, sendo: (i) Autopromoção: composta por quatro itens. Exemplo de assertiva desta escala é: ‘Melhorar sua própria reputação na organização’; (ii) Benefícios a outros: composta por quatro itens, tendo afirmações como: (Ajudar outras mulheres a obterem sucesso na organização’); (iii) Satisfação intrínseca: composta por três itens. Tendo como exemplo de assertiva: ‘Gerar um sentimento de autossatisfação ao transmitir suas ideias e seu conhecimento’. Utilizou-se uma escala de Likert de 5 pontos, que variou de (1) ‘Não apresentam esse comportamento’ (5) ‘Apresentam claramente esse comportamento’.

Além destes três construtos (comportamentos de assistência à carreira, comportamentos de progressão de carreira e de motivações de ajuda), foram avaliadas também variáveis demográficas, como: tempo na organização, tempo de profissão, tempo em que trabalha na profissão, idade, raça/etnia, nível educacional e se a participante se considera feminista.

Os dados foram coletados entre março e abril do ano de 2020. Por fim, obteve-se um total de 462 respostas, sendo 287 de mulheres seniores e 175 de mulheres juniores, o que representou uma taxa de resposta de 80,76%. A caracterização da amostra demonstrou quanto ao tempo na organização, dentre as mulheres seniores havia uma média de 10,9 anos, enquanto dentre as mulheres juniores a média foi de 8,3 anos. Em relação ao tempo de profissão, a média foi de 15 anos para as mulheres seniores e de 15,2 anos para as juniores. A faixa etária média foi de 44,3 anos para seniores e de 42,1 anos para juniores.

Quanto à etnia dos participantes seniores (287), 190 mulheres se declararam como brancas, 25 como negras, 23 como latinas e 49 como possuindo outra etnia. Por sua vez, o grupo das juniores (175) foi constituído de 97 mulheres que se declararam brancas, 22 como negras, 13 latinas e 43 que se identificaram possuindo outra etnia. Em relação ao nível educacional, a amostra das seniores foi caracterizada dominantemente por mulheres pós-graduadas (170), com superior completo (57), mestres (36), ensino médio completo (15), superior incompleto (5) e doutoras (4). Já as juniores foram representadas por mulheres pós-graduadas (81), com superior completo (41), ensino médio incompleto (22), mestres (13), ensino médio completo (9), doutoras (7) e superior incompleto (2).

Finalmente, foi perguntado também, em uma escala de 1 a 5, se as participantes se consideravam feministas (onde 1=não feminista e 5=feminista). Dentre as seniores, 75 assinalaram 1 (não feminista), 22 assinalaram 2, 77 marcaram a opção 3, 64 optaram pelo 4 e 49 assinalaram a opção 5 (feminista). Por sua vez, o resultado dentre as juniores foi o seguinte: 29 assinalaram 1 (não feminista), 22 assinalaram 2, 47 marcaram a opção 3, 37 optaram pelo 4 e 32 assinalaram a opção 5 (feminista).

Para analisar os resultados, foram utilizadas duas técnicas de análise de dados, Teste-t e MANOVA. Os testes da H1 e da H3 (hipóteses de expectativas não cumpridas – ‘é’ vs. ‘deveria ser’) foram feitos por meio de testes-t para amostras independentes, dado que se trata de uma mesma variável de resultado (Hair, Black, Babin, Anderson & Tatham, 2009). Para realizar esse teste, as amostras tanto de mulheres seniores como juniores foram divididas aleatoriamente em dois grupos, de forma que as amostras para cada uma das condições (‘é’ vs. ‘deveria ser’) sejam distintas. Já os testes da H2 e da H4 (hipóteses de diferenças de percepção entre os grupos relativos aos comportamentos) e as hipóteses H5a, H5b e H5c (hipóteses de diferenças de percepção entre os grupos, relativos as motivações de ajuda) foram realizados por meio de uma MANOVA entre sujeitos, uma vez que nesse caso foram levadas em consideração as correlações de múltiplas variáveis de resultados (Hair et al., 2009).

Apresentação e análise dos resultados

Hipóteses relativas a Comportamentos de assistência à carreira

No que concerne a primeira hipótese (H1), testou-se se os julgamentos das mulheres juniores a respeito do grau em que mulheres seniores se envolvem em comportamentos de assistência à carreira são significativamente inferiores aos julgamentos das mulheres juniores a respeito do grau em que mulheres seniores deveriam se envolver em comportamentos de assistência a carreira. Esta hipótese foi suportada, por meio do teste-t para amostras independentes (t(286,53)=4,72, p<0,001), identificou-se que as mulheres juniores avaliam que o comportamentos de assistência a carreira em níveis inferiores (M=3,58; desvio padrão=0,84) aos encontrados nas respostas das mulheres seniores (M=4,21; desvio padrão=0,67).

Em relação a hipótese 2, sugeriu-se que as mulheres seniores consideram-se com níveis mais altos de comportamentos de assistência à carreira a mulheres juniores do que as mulheres juniores julgam as mulheres seniores. Para testar esta hipótese, foi realizada uma MANOVA entre sujeitos que mostrou uma diferença entre as percepções de mulheres juniores e seniores com relação ao comportamento de assistência à carreira. De forma consistente com a hipótese de investigação, foi encontrado um efeito geral F(2, 287)=18,1; p<0.001; lambda de Wilks=.0.80, η2 parcial=0,018. Mais especificamente, a avaliação de mulheres seniores a respeito do grau em que elas adotam comportamentos de assistência à carreira a mulheres juniores (F(1.285)=4.26; p=0.032, η2 parcial=0,027) foi mais alto (M=3,63; desvio padrão=0,86) do que a avaliação feita pelas mulheres juniores (M=3,11; desvio padrão=0,73). Assim, a hipótese 2 também foi suportada.

Hipóteses relativas a comportamentos de progressão da carreira

Na terceira hipótese (H3), foi testado se os julgamentos das mulheres seniores a respeito do grau em que as mulheres juniores se envolvem em comportamentos de progressão na carreira seriam significativamente inferiores aos julgamentos que mulheres seniores fazem a respeito do grau em que as mulheres juniores deveriam se envolver em comportamentos de progressão na carreira. Para isso, realizou-se um teste t (duas partições aleatórias da amostra de mulheres seniores) e foi encontrado um efeito geral, t(245,244)=7,31; p<0.001. Especificamente, a avaliação que as mulheres seniores fizeram a respeito dos comportamentos de avanço de carreira das mulheres juniores (M=3,22; desvio padrão=0,92) foi significativamente inferior que à que foi feita pelas mulheres juniores em relação ao grau em que elas acham que as juniores deveriam se engajar em tais comportamentos (M=3,82; desvio padrão=0,92). Estes resultados suportaram a hipótese H3.

Relativo a hipótese 4 (H4) propôs que as mulheres juniores se consideram com níveis mais altos de engajamento em comportamentos de progressão de carreira do que as mulheres seniores consideram mulheres juniores. De fato, as percepções com relação aos comportamentos de avanço de carreira variaram entre os dois grupos - F(1,285)=6,02; p=0,015, η2 parcial=0,037). O grau em que as mulheres seniores avaliaram o engajamento de mulheres juniores em comportamentos que as levariam a avançar na carreira (M=3,12; desvio padrão=0,65) foi significativamente menor do que a encontrada nas respostas das mulheres juniores sobre o seu próprio engajamento (M.4,02; desvio padrão= 0,53). Desta forma, a hipótese H4 foi suportada.

Hipóteses relativas à motivação das mulheres seniores

As últimas três hipóteses (H5a, H5b e H5c) sustentaram que as mulheres seniores se consideram com níveis mais baixos em termos de motivação por auto-promoção (H5a) e níveis mais altos de motivação pelo benefício a outros (H5b) e por satisfação intrínseca (H5c) do que as mulheres juniores as consideram. Um teste MANOVA mostrou que houve diferença na percepção entre os dois grupos citados F(3, 283)=15,7; p<0.001; lambda de Wilks=0,76, η2 parcial=0,024. Especificamente oferecendo suporte para a hipótese H5a, ou seja, mulheres seniores se consideraram menos motivadas por questões de autopromoção (M=2,73; desvio padrão=0,91) do que as mulheres juniores as consideraram (M=3,43; desvio padrão=0,83); F(1,283)=28,4; p<0.001; η2 parcial=0,016. A hipótese H5b também foi suportada, uma vez que as avaliações que as mulheres seniores fizeram a respeito do quão motivadas são pelo benefício a outros (M=3,66; desvio padrão=0,84) foi significativamente superior ao encontrado nas respostas das mulheres juniores (M=3,02; desvio padrão=0,94); F(1, 283)=2,67; p<0,001; η2 parcial=0,027. Por fim, encontrou-se suporte também para a hipótese H5c, uma vez que a mulheres seniores avaliaram-se com pontuações mais altas (M=3,65; desvio padrão=0,91) que as mulheres juniores (M=2,49; desvio padrão=0,75); F(1, 283)=10,3; p<0.001; η2 parcial=0,063.

Discussão

Este estudo teve como objetivo de comparar as expectativas que mulheres seniores e juniores possuem umas das outras no que se refere: (I) ao comportamento de assistência a ser adotado por mulheres seniores; (II) ao engajamento de mulheres juniores em suas próprias carreiras e; (III) às motivações de mulheres seniores para ajudar mulheres juniores a progredirem na carreira. O estudo sustentou a tese de que, embora haja evidências de que mulheres em posições juniores de carreira não recebam o devido suporte de homens no que se refere a seu avanço de carreira, a falta de atendimento das expectativas destas mulheres não se deve apenas a uma questão de gênero. Propôs-se que mulheres juniores também possuem expectativas não atendidas em termos do suporte vindos de mulheres seniores. Assim, propôs-se que uma posição considerada superior de poder de indivíduos em outros grupos sociais, e não somente diferenças de gênero, mostra-se como um fator relevante para a percepção da existência de falta de apoio para a ascensão de carreira.

Assim, os testes das duas primeiras hipóteses (H1 e H2) forneceram evidências que sustentam a ideia de que a) o julgamento das mulheres juniores a respeito do grau em que mulheres seniores se envolvem em comportamentos de assistência à carreira seriam significativamente inferiores às classificações das mulheres juniores a respeito do grau em que mulheres seniores deveriam se envolver em comportamentos de assistência a carreira; e b) mulheres seniores consideram - se com níveis mais altos em relação ao grau em que adotam comportamentos de assistência à carreira a mulheres juniores do que as mulheres juniores consideram as mulheres seniores. Estes resultados encontram eco na abordagem da síndrome da abelha rainha, segundo a qual há uma criação de barreiras para o progresso de carreira de mulheres para mulheres (Staines et al., 1974; Derks et al., 2016; Abalkail, 2020). Parte dessas barreiras se deve a uma diferença de expectativas e avaliações que mulheres seniores e juniores fazem a respeito do grau em que as primeiras apoiam ou deveriam apoiar as segundas no progresso de buscar progredir em suas carreiras (O’Neil et al., 2018). Assim, este resultado se soma aos encontrados em estudos anteriores e que lançam luz à necessidade de ir além da visão de que apenas homens seriam fonte de falta de apoio para a progressão da carreira feminina (Chow & Ng, 2007; Ramaswami et al., 2010; Bevelander & Page, 2011; Faniko, Ellemers & Derks, 2020).

Os resultados também forneceram evidências para as hipóteses (H3 e H4) de que: a) os julgamentos das mulheres seniores a respeito do grau em que as mulheres juniores se envolveriam em comportamentos de progressão na carreira seriam significativamente inferiores aos julgamentos que mulheres seniores fazem a respeito do grau em que as mulheres juniores deveriam se envolver em comportamentos de progressão na carreira; e b) mulheres juniores consideram - se com níveis mais altos de engajamento em comportamentos de progressão de carreira do que as mulheres seniores consideram as mulheres juniores. O suporte para ambas as hipóteses ressalta a influência da psicologia positiva na relação entre mulheres no trabalho, especialmente na ideia de que é responsabilidade do indivíduo adotar comportamentos responsáveis e proativos que os levam à progressão da carreira (Chen, 2006). Os resultados também se alinham com o discurso de que a mulher deve ser ativa no processo da construção da realidade que a cerca e agir com proatividade nesse processo (Felix et al., 2018). No entanto, tal percepção é sensível à posição de cada pessoa: mulheres juniores mostraram uma visão mais positiva a respeito de suas ações do que as mulheres seniores, o que revela um efeito disposicional (Derks et al., 2011). Este resultado também mostra que não apenas homens tendem a ter uma visão de que mulheres não se esforçariam o suficiente para progredir na carreira, mas também mulheres mais experientes (O’Neil et al., 2018). Isto ressalta a ideia aqui defendida de que as expectativas por maiores dedicações de mulheres juniores no trabalho não é apenas fruto de questões de gênero, mas também de poder.

Por fim, foram também suportadas as hipóteses (H5a, H5b e H5c), de que mulheres seniores consideram-se com níveis mais baixos em termos de motivação por autopromoção e níveis mais altos em termos de motivação pelo benefício a outros e por satisfação intrínseca do que as mulheres juniores as consideram. A literatura sugere que comportamentos de ajuda vistos como motivados por fatores considerados egoístas costumam ser vistos como menos dignos de reconhecimento (Rioux & Penner, 2001). Assim, em linha com resultados de pesquisas anteriores (O’Neil et al., 2018, Epley & Dunning, 2000), foi identificado um viés de autopromoção nas percepções das participantes do estudo. Ao se verem como mais motivadas por questões altruístas e menos egoístas do que as mulheres juniores a veem, as mulheres seniores se posicionam em uma posição mais favorável que aquelas que estão em níveis hierárquicos inferiores na empresa. Isto também ressalta o aspecto da teoria da abelha rainha que sugere que aquelas que chegam a posições mais elevadas na hierarquia organizacional tendem a ser mais positivas em relação a suas condutas em relação a mulheres, de forma similar ao encontrado a respeito do julgamento que homens fazem a respeito do quanto apoiam mulheres em geral (Duguid, 2011; Derks et al., 2016; Ramos & Felix, 2011).

Em resumo, o estudo confirmou pressupostos da teoria da abelha rainha no sentido de mostrar evidências de que mulheres juniores tendem a não se encontrar satisfeitas com o apoio oferecido por mulheres seniores, as veem como menos altruístas do que estas se veem e consideram-se como mais esforçadas do que as mais experientes as avaliariam (Staines et al., 1974). As dinâmicas aqui encontradas entre mulheres seniores e juniores são geralmente apresentadas na literatura como evidenciadas, respectivamente, nas relações entre homens e mulheres. Assim, ao mostrar evidências da existência dessas tensões de expectativas e avaliações entre mulheres de diferentes níveis hierárquicos, este estudo contribui para a literatura ao posicionar a posição relativa de poder, e não o gênero, como um fator que influencia o desenvolvimento da carreira feminina.

Considerações finais

Após análise dos dados, os resultados apontaram que em relação ao comportamento de assistência, as mulheres juniores avaliaram que as mulheres seniores as ajudam menos do que poderiam ajudar. Com relação ao engajamento com a carreira, as mulheres juniores consideram que as mulheres juniores as poderiam auxiliar mais no processo de progressão de carreira. Já em relação as motivações de ajuda, via autopromoção, pelo benefício a outros e satisfação intrínseca, percebeu-se que as mulheres seniores se julgaram com níveis mais baixos de autopromoção, e níveis mais altos de motivação pelo benefício a outros e satisfação intrínseca do que as mulheres juniores as julgam. Logo, as sete hipóteses propostas neste estudo foram suportadas.

O estudo também apresenta contribuições teóricas e práticas. Em termos teóricos, fornece evidências que fortalecem o argumento da existência de um viés de julgamento entre mulheres dependo de sua posição e de potenciais conflitos intragrupo baseados nesses mesmos fatores (Jogulu & Vijayasingham, 2015; Korabik & Abbondanza, 2004). Assim, mostra que o fenômeno da discriminação no trabalho e dos comportamentos de mentoria e assistência a progressão de carreira femininas precisam transcender a esfera de gênero e integrar também aspectos de poder. Ainda, em termos teóricos, os resultados expandem os achados de O’Neil, Brooks e Hopkins (2018), num contexto de país em desenvolvimento, como o Brasil, e adotando uma amostra com mulheres que atuam em diferentes profissões e empresas.

Em termos práticos, o estudo mostra a necessidade da adoção de esforços de nível individual e organizacional no sentido de promover relações mais saudáveis entre mulheres no trabalho. Rodas de discussão entre mulheres seniores e juniores a respeito das diferenças de expectativas e julgamentos encontrados nesta pesquisa podem levar à construção de interações mais empáticas e dotadas de sororidade. Além disso, faz-se necessário destacar que os resultados deste estudo não devem ser utilizados para relativizar comportamentos adotados por homens no sentido de dificultar a ascensão feminina na carreira, mas sim acrescentar um elemento extra que se refere aos obstáculos que mulheres enfrentam ao buscarem desenvolver suas carreiras (O’Neil et al., 2008). Ainda, para a prática os resultados desta pesquisa reforçam a importância de o setor de gestão de pessoas das empresas gerenciarem os potenciais conflitos entre mulheres juniores e seniores, tendo em conta que nem sempre os conflitos estão relacionados ao gênero, mas também podem ser gerados pelas relações de poder.

Quanto as limitações que abrem possibilidades para pesquisas futuras. Destaca-se que participaram da pesquisa apenas mulheres que atuam no Brasil. No entanto, as relações de poder entre mulheres tendem a ser diferentes de acordo com o grau em que uma cultura apresenta traços mais presentes ou não de machismo entre as próprias mulheres (Hofstede, 1998; Araujo, Tureta & Araujo, 2015). Assim, seria interessante replicar este estudo em culturas com maiores expectativas de que mulheres adotem entre si comportamentos de sororidade (Hofstede, 1998).

Segundo, as participantes responderam sobre mulheres seniores ou juniores como um grupo homogêneo. Desta forma, não é possível afirmar se as participantes do estudo se referiam à média do comportamento das pessoas que pertencem ao grupo-referência no questionário, ou a algum indivíduo ou subgrupo pertencente aos níveis superiores ou inferiores em um referido quesito. Assim, um estudo futuro poderia especificar, por exemplo, que fosse utilizado como referência padrão, um indivíduo típico ou com desempenho médio na questão em avaliação, de forma a reduzir este potencial viés de referência (O’Neil et al., 2018).

Terceiro, o estudo discute a dinâmica das relações entre mulheres levando em consideração o estágio no desenvolvimento da carreira como critério de formação dos grupos. Outros critérios poderiam ser levados em conta, dado que o fenômeno da diversidade no trabalho não é unidimensional, mas sim interseccional (Pullen & Rhodes, 2014). Assim, uma futura pesquisa poderia levar em consideração fatores como a etnia das mulheres, ao comparar as dinâmicas de expectativas e comportamentos de apoio à progressão de carreira entre mulheres brancas e negras, por exemplo.

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